CAPÍTULO II
II
Como era de costume, Alex chegou de madrugada bêbado e sem dinheiro; Patrick ouviu-o entrar cambaleante no trailer e fingiu estar dormindo quando seu pai resmungou seu nome, praguejando sua má sorte. Assim que amanheceu, antes do seu pai acordar do seu estupor alcóolico, Patrick saiu do trailer de mansinho, pensando onde poderia conseguir um bom café da manhã.
O dia amanheceu lindo, com um céu azul sem nuvens e um sol que prometia um dia com muito calor; e dia com muito calor significava mais pessoas no Parque e com certeza seu pai o obrigaria a realizar mais de um show para tentar cobrir o prejuízo da noite passada. Por sorte, Patrick manteve o dinheiro que recebeu no dia anterior bem guardado e assim, ao chegar ao trailer de alimentos, pôde desfrutar de um bom mexido de ovos com chá. De tanto conviver com Sam, ele acabou incorporando o hábito de tomar chá ao invés de café.
Ele escolheu uma das mesas que dava ampla visão de todo o parque, para que pudesse admirar o movimento e aperfeiçoar suas habilidades de observação, descrevendo mentalmente as pessoas que passavam por ali. Ele estava distraído com isso, quando ouvi Kate cumprimentar alguém:
''- Olá, ainda não estamos atendendo ao público.''
''- Oh, mas eu também faço parte do grupo do parque. Eu e minha família chegamos ontem: meu pai é Martin Ruskin e ele irá consertar a roda gigante. Eu me chamo Ângela, prazer!''
A curiosidade venceu e Patrick virou discretamente a cabeça para dar uma olhada na novata: Ângela era uma moça linda, curvilínea, longos cabelos loiros e tinha um perfume suave de lavanda e morango. Seu cabelo descia graciosamente em cachos pelas costas e o leve vento fazia-o mexer-se com uma delicada leveza. Patrick lutou para virar os olhos e disfarçar que estava encarando bobamente aquela moça. Ela deve ter percebido, pois ao receber seu café e um pedaço de bolo, sorriu encantadoramente para ele, provocando um forte rubor em suas bochechas. Ele nunca tinha sido afetado assim antes por uma mulher. Geralmente, eram elas que se perdiam em seus atributos, mas com Ângela, Patrick pôde sentir a sensação de borboletas no estômago que não estava relacionada à fome.
Já que havia sido flagrado em sua contemplação, ele deixou-se admirar aquela bela figura que se afastava em direção a seu trailer. Por algum tempo, ele ainda olhava para o lugar onde ela tinha sumido e inspirava profundamente o ar, tentando sorver o último resquício de seu perfume.
''- Fisgado Pat?'' – divertiu-se Kate ao se aproximar para recolher a caneca.
''- Eu? Não! Só...só...curioso.'' ele tentou disfarçar, mas o rubor das suas bochechas o entregou. Mesmo assim, não perdeu a compostura: ''quem é ela?''
Sorrindo abertamente, Kate disse simplesmente:
''- Só curioso, sei. Ela é Ângela Ruskin, pelo que me disse e tenho certeza de que você ouviu. '' Kate saiu, deixando um Patrick Jane com olhar de sonhador para trás.
Ele nunca havia se sentido desta forma antes; ele realmente ficou encantando com Ângela. Ele tinha que conhecê-la de qualquer maneira. Tomando a decisão, ele se levantou e foi em direção ao lugar que ela se dirigiu. Encontrou-a subindo para o trailer dos pais e amaldiçoando sua má sorte, resolveu voltar e pensar outra tática.
Patrick considerou que o dia foi extremamente enfadonho: ao retornar a seu trailer, teve que aturar seu pai de ressaca e mau humor. E ainda por cima, ele havia esquecido de levar um café para seu pai, então, carrancudo, teve que voltar ao trailer de Kate para pegar um grande café expresso. Depois, teve que fazer dois shows e não estava conseguindo se concentrar, pois a toda hora, o rosto de Ângela aparecia em sua mente quando fechava os olhos, mesmo na hora de encenar que estava sentindo as vibrações de algum ente querido.
Ao final do dia, seu pai estava com um humor pior do que quando ele tinha acordado; durante uma sessão, Patrick havia dito a uma senhora que seu marido estava traindo-a, quando na verdade o pobre homem havia morrido há dois anos, causando um ataque de fúria na cliente que saiu batendo os pés e xingando muito.
''- O que está acontecendo com você hoje garoto?'' – Alex explodiu, cerrando os punhos e encarando Patrick com o rosto distorcido de raiva.
''- Um palpite errado, só isso.'' – Patrick respondeu dando de ombros, internamente não se preocupando tanto com o erro e o dinheiro que acabaram de perder, pois, ao sair da barraca, a senhora esbravejou a todos na fila de que tratava-se de uma farsa e que não havia vidente algum, fazendo assim que todas as pessoas saíssem da fila e fosse procurar outra atração.
''- Um palpite errado que causou um prejuízo errado, garoto.'' Seu pai aproximou-se, balançando o dedo com fúria muito perto do seu rosto. ''Já disse que você tem que se concentrar, garoto, prestar atenção aos sinais do corpo do alvo. Quantas vezes eu expliquei a você?"
''- Parece que não o suficiente, já que você mesmo não é capaz de realizar o truque.'' – desabafou em tom de desafio Patrick, fixando seus olhos nos do pai.
Por um momento, pareceu que Alex iria perder a paciência e esbofetear seu filho, mas, provavelmente pensando no dano financeiro que acarretaria um vidente de olho roxo, pensou melhor e bufando, saiu da barraca dizendo que iria beber algo e que Patrick deveria ficar e se concentrar.
Contudo, Patrick não ficou; aproveitando que seu pai finalmente deu-lhe uma folga, ele escapuliu da barraca e foi em direção à roda gigante, na esperança de encontrar Ângela ali. Na verdade, ela estava ajudando seu pai e seu irmão, enquanto mexiam nas velhas engrenagens do brinquedo: estava agachada junto a uma grande caixa de ferramentas, remexendo e passando as chaves e tornos pedidos por seu pai e irmão. Seus cabelos estavam presos em uma longa trança loira e ela vestia um macacão muito sujo de graxa, porém, continuava linda.
''- Ângela, me passa a chave Philips 20 e um pouco de graxa.'' – seu pai pediu e ela, com um suspiro, procurou a chave e com uma expressão de desgosto, pegou um pouco de graxa em suas mãos para passar ao pai. Patrick aproximou-se muito devagar, não querendo assustá-la.
''- Oi. Sou Patrick.'' Ele disse ao se aproximar, exibindo seu sorriso mais aberto, como costumava usar com outras garotas.
''- E eu com isso?'' ela respondeu mau humorada, ainda concentrada em mexer na caixa de ferramentas, agora em busca de um alicate.
''- Talvez em possa te ajudar com isso.'' Patrick tentou de novo.
'' – Ah sério!? Por acaso você conhece alicate de pressão?'' – Ela respondeu irônica, ainda sem levantar os olhos para olhar para ele.
'' – Bom, não, mas pelo menos posso segurar as outras chaves enquanto você procura.''
''- Ah isso realmente seria de uma grande ajuda''. Ela rebateu com sarcasmo. ''Cai fora garoto.'' Ela ainda mantinha os olhos fixos na caixa de ferramentas.
Patrick não se deu por vencido. Suspirando, ele arrumou um lugar próximo e sentou-se para observar os movimentos da família Ruskin. Martin Ruskin era realmente muito bom no que fazia. Com uma manhã de trabalho, ele conseguiu fazer o velho motor da roda gigante começar a soltar um barulho, apesar que era um ruído muito estranho e nada animador. Martin saiu da casa de máquinas do brinquedo, esfregou uma mão na outra para tirar o excesso de sujeira, e virando para seu filho disse:
''- Bom Daniel, acho que fizemos um bom progresso por hoje. Vamos ver o que sua mãe fez para o almoço e a tarde poderemos continuar. Ângela, fique aqui e recolha todas as ferramentas e traga para casa, por favor.'' Ele emendou, dirigindo-se a sua filha que retornou a ele com um olhar de desanimo, mas não disse nada.
Ele passou por Patrick como se não fosse nada além de um inseto insignificante, mesmo com Patrick tendo balançado a cabeça em sinal de cumprimento; o filho dele, Daniel, todavia, olhou para Patrick de soslaio e desconfiado, seguiu o pai. Quando os dois estavam a uma boa distância, Patrick resolveu tentar uma aproximação com Ângela.
'' – Posso ajudar?''
'' – Você ainda está aqui? Não disse para você cair fora?''
''- Não posso evitar quando nunca vi uma garota tão bonita, esperta e ainda por cima, que entende de ferramentas.'' Ele respondeu com um largo sorriso, agachando-se para ajudá-la a guardar as ferramentas.
Finalmente, Ângela levantou os olhos e o encarou. Seus olhos eram cor de mel, lindos e brilhantes, fortes e determinados, profundos e provocadores. Ela não disse nada, apenas estalou a língua com desinteresse aos elogios dele e continuou seu trabalho. Quando terminaram, Patrick prontamente pegou a outra alça da maleta e ajudou-a a levantar a pesada caixa. Ainda sorrindo, ele deu a entender que não sairia dali e ela, resignada, suspirando, pegou a outra alça e juntos levaram a caixa até o trailer dela. Não falaram nada durante o caminho, mas Patrick percebeu que Ângela relaxou à presença dela e no final do caminho, ao invés da cara amarrada, ela exibia um pequeno sorriso, o mesmo que o havia enfeitiçado horas antes no trailer do café.
'' – Bom, chegamos.'' Patrick disse e com esforço, levantou a caixa para colocá-la em um banco perto da porta.
'' – É, chegamos. Enfim, obrigada pela ajuda afinal.''
'' – De nada.'' Ele sorriu maliciosamente, lançando seu olhar mais sedutor.
Ângela não disse nada; empertigada, estendeu a mão para ele. Eles apertaram as mãos e ela virou-se para entrar. Antes que perdesse a coragem, Patrick a chamou:
'' – Poderíamos tomar um chá qualquer dia destes?''
Ela parou no meio da escada e franzindo muito a testa, virou para encará-lo:
'' – Chá? Que tipo de garoto toma chá?''
Ele deu de ombros:
'' – Bom, se você quiser, poderá tomar café, mas eu prefiro chá.''
'' – Você é um garoto muito estranho.'' Ela finalizou, retomando seu caminho para o trailer, balançando a cabeça.
Mas Patrick estava feliz; mesmo ela tendo ignorado seus avanços, ele conseguiu uma pequena vitória pois ao chegar ao final da escada, antes de entrar, ela virou e disse:
'' – Talvez.''
