CAPÍTULO 1
Ela acordou assustada, erguendo-se de uma vez.
A primeira constatação é que estava atrasada. A segunda, ato contínuo, era que sua cabeça fora esmagada por uma bigorna e seu estômago viera parar na boca.
"Por que eu tinha que ir contra os meus princípios?" Fez uma careta enquanto levantava e lavava o rosto no pequeno banheiro. "Nunca mais bebo desse jeito na vida!" Olhou-se no espelho, refazendo a trança que descia até a cintura e tentando melhorar a aparência das olheiras. Vestiu o casaco xadrez de vermelho com preto, apressada.
Olhou em volta, procurando a bolsa e, constatando que Moon Cha Young continuava dormindo no sofá, saiu sem ruído. Desceu as escadas do pequeno prédio onde era o apartamento da colega e correu pela estreita rua residencial para tentar chegar ao metrô o quanto antes.
Fora o primeiro convite que recebera para ir à casa de alguém do hospital e ela estivera ansiosa para agradar. Definitivamente, sua relação com o álcool recreativo não era das melhores.
A estação mais próxima ficava há quatro quadras e normalmente seria fácil cobrir essa distância, mas a cabeça girava e o estômago se rebelara, amargando sua língua. Parou na calçada antes de atravessar uma avenida, em frente à faixa de pedestres, apoiando-se numa árvore.
"Impossível continuar." Ela olhou ao redor e viu sua salvação.
Uma farmácia.
o.o – 0.0 – o.o – 0.0 – o.o
A manhã corria tranquila.
Ele atendera duas simpáticas senhoras, que pediram indicações de vitaminas para disposição física e um rapaz que estava se recuperando de uma cirurgia cardíaca e precisava de material para curativos.
Trocara o horário de entrada com a outra farmacêutica, que estava estudando para concorrer a uma vaga em um dos hospitais de Gangseo-gu, distrito sudoeste de Seul. Não se importava em ajudar a colega, mesmo estando ali há apenas seis meses. Eles eram uma equipe pequena – apenas a proprietária, sra. Yin Seon-in, Lee Ha-Ra, a colega estudante, e ele, recém-chegado de Busan, do outro lado da península.
A farmácia ficava em um bom ponto, numa avenida de grande circulação e perto do metrô. A fachada envidraçada permitia apreciar a vida lá fora enquanto trabalhava.
"Bom lugar para aprimorar o sotaque." Ele fizera um curso online do idioma antes de vir para a Coréia. Curiosamente, o seu japonês nativo fora determinante para conseguir a vaga, pois a região tinha uma grande colônia nipônica.
Em um dos momentos sem cliente, ele estava novamente atando os cabelos pretos com a fita quando viu uma mulher correndo pela viela lateral. Parou em frente à faixa, apoiando-se na árvore e colocando a mão na barriga.
"Nunca vou entender essa mania dos coreanos de beber tanto em plena semana." Ergueu uma sobrancelha em silenciosa reprovação. "Ela nos descobriu."
o.o – 0.0 – o.o – 0.0 – o.o
- Tem algum remédio para ressaca? – ele notou, ignorando os cabelos e a roupa desalinhados pela corrida, que ela não era coreana. - Preciso de algo forte.
Ele balançou a cabeça, pegando embaixo do balcão uma garrafinha escura, um floconete e um comprimido. Viu que a moça não estava em condições e abriu as embalagens, misturando os líquidos na garrafinha. "Eles bebem muito, mas têm os remédios mais eficientes que já vi."
- Isso vai ajudar. – ela o observara na preparação, intrigada com o farmacêutico de olhos verdes e cabelo comprido. "Num mundo de cabelos tigelinha, jamais imaginei encontrar alguém assim na vida." - Tome um gole.
Ela agradeceu, forçando o estômago a aceitar o líquido e o comprimido. Olhou no espelho atrás do balcão sua trança toda desfeita.
"Droga." Começou a tentar consertar.
- Se tiver um elástico sobrando, poderia me dar um? – ele estava indeciso se achava engraçados ou adoráveis os movimentos um pouco erráticos. Encontrou um elástico de borracha na gaveta das canetas e entregou a ela. - Quanto deu?
- 6 mil wones. – ela terminou rápido o ajuste capilar e começou a procurar na bolsa. "Não acredito!" Olhou para o farmacêutico com um sorriso amarelo e procurou novamente.
- Cadê minha carteira? – ele franziu levemente o cenho. Encarou-a sério.
- Perdeu a carteira? – ela ficou nervosa. Abriu de novo a bolsa, que não era grande.
- Não! Que estranho... – ele esperou-a se certificar de que realmente não estava lá. "Essa é inédita. Será que só acontece de manhã, quando o pessoal vai trabalhar direto da bebedeira?" - Ontem à noite eu... – ela desistiu de procurar, voltando os olhos azuis para ele. - Acho que esqueci na casa de uma amiga... O que devo fazer?
- Onde fica a casa dela? – apontou para a viela. "Eu já tomei o remédio. Como isso pode estar acontecendo comigo? Juro que nunca mais vou colocar uma gota de álcool na boca!"
- Ela mora logo ali. – ele não estava nervoso, pelo contrário, queria ajudá-la a tomar uma decisão. "Ela parece ter pouca experiência com essas situações."
- Tem certeza que a carteira está lá? Ou pode ter caído na rua?
- Tenho... Está lá. – ela mordeu os lábios. Ele assentiu, pensando se deveria sugerir que ela fosse buscar. - Quanto deu mesmo?
- 6 mil wones. – ela pegou o celular e tentou ligar para Moon Cha Young, sem sucesso. Olhou novamente para ele, as bochechas vermelhas. Viu o horário na tela.
- Estou com pressa. – "as consultas da manhã já foram. Vou receber uma advertência!" - Eu volto mais tarde e... Na verdade, minha amiga ainda está dormindo. – ele já previra que ela diria algo assim. Respirou fundo e decidiu entregar ao destino. - Eu acerto com você depois. Me dê o número da sua conta que eu transfiro agora mesmo.
- Pode ir. – ela queria um buraco bem fundo para se atirar. "Ele está sendo tão compreensivo." - Pode acertar da próxima vez. Tudo bem.
- Desculpe. Prometo que vou voltar e pagar. – ele assentiu. "Calma, moça. Se ficar nervosa, o remédio vai demorar mais a fazer efeito." - É melhor passar meu celular para você? – ele piscou, arregalando um pouco os olhos. "Será que essa é a cantada mais elaborada que eu já recebi?" - Como uma precaução. Uma garantia. Sei que é difícil confiar nas pessoas hoje em dia.
- Zero, um, zero, quatro, cinco, nove, três, cinco, meia, sete, nove. – ele recitou, depois de um breve silêncio.
Ela o encarou, surpresa com a resposta. Estava muito envergonhada com toda a situação. Pegou a garrafinha e murmurou novamente o agradecimento, saindo do estabelecimento. Parou no meio da calçada, realizando que não conseguiria nenhum transporte.
Ele observou-a sair, impactado pela experiência que acabara de ter. "Será que ela vai ficar bem?" Ao contrário do que ela parecia pensar, ele não duvidava da história. Tinha um bom senso de percepção da personalidade das pessoas. Ela ainda estava parada na calçada. Então, se lembrou e saiu da farmácia apressado.
- Ei, tome aqui. – tirou a carteira e ofereceu uma quantia em dinheiro. Ela pareceu espantada, se afastando um pouco.
- Não precisa fazer isso. – ele insistiu e ela estendeu as mãos para pegar as notas.
- Precisa de mais? – ela negou, agora sim o rosto de pele clara completamente vermelho. - Não estou te dando. Vai me pagar, não é mesmo? – ela confirmou com um aceno, sem acreditar. - Qual o seu nome? – ele apontou para a etiqueta no jaleco, para deixá-la menos insegura. - Me chamo Shiryu Suiyama.
- Shunrei Nishi.
- Se cuide, srta. Shunrei Nishi.
o.o – 0.0 – o.o – 0.0 – o.o
No táxi que corria em direção ao hospital, Shunrei conseguiu que a colega atendesse o celular.
- Não está na minha bolsa.
- Deve estar na sacola. - Moon Cha Young afirmou. – Você comprou as cervejas ontem.
- Pode guardar para mim? – era o dia de folga da colega. - Se você for à farmácia... Não, esquece.
- Farmácia? Por quê? Você está passando mal?
- Não. Só guarda para mim que hoje à noite passo para pegar, por favor.
Desligou o celular e voltou a pensar no farmacêutico. "Não posso falhar com ele." Começou a digitar os números que ele ditara.
- Memorizei todos. – falou, admirada consigo mesma.
o.o – 0.0 – o.o – 0.0 – o.o
Shiryu esperou-a entrar no táxi e voltou para o balcão.
"Se a Lee Ha-Ra tivesse me contado que a manhã era assim, teria trocado há mais tempo." Sorriu consigo mesmo, a imagem de Shunrei fazendo o sorriso aumentar. "Ela estava bonita passando mal, imagina como é saudável." Se encantara com os olhos. Foram eles que lhe contaram da sua honestidade.
- O senhor teria um medicamento para regulação intestinal? – o cliente o devolveu para a realidade.
À medida que a manhã avançava, mais clientes entravam. Era um trabalho que ele aprendera a realizar com gosto. Quando viera para a Coréia, procurara esse tipo de emprego, com contato com o público, onde poderia efetivamente ajudar as pessoas.
Além disso, a farmácia lhe permitia mais tempo fora do trabalho, embora fosse a contramão do que os homens da sua idade procuravam. Ele não era um homem com uma história comum, portanto não teria mesmo expectativas comuns quanto à sua vida. Estar ali, diariamente, ajudando as pessoas a recuperarem a saúde lhe dava a sensação de ser útil. Os clientes gostavam dele. Alguns já o conheciam e confiavam.
Só no horário do almoço é que pôde checar as mensagens no celular. Havia uma com fotos que o fizeram sorrir ternamente. Uma com a confirmação do horário e local do compromisso no próximo domingo e uma de um número desconhecido.
O número da sua conta?
o.o – 0.0 – o.o – 0.0 – o.o
Shunrei tivera uma manhã intensa. O diretor-presidente, dr. Lee Kang, a chamara para repassar os casos que seriam operados durante a semana. Fora ele quem a indicara para a vaga na neurocirurgia da pediatria, após conhecê-la em Tóquio há sete anos.
- O Hospital Graad de Gangseo-gu está se tornando referência em recuperação da mobilidade infantil graças aos seus esforços, dra. Nishi. – a cooperação dos dois rendera muitos prêmios e consequentes doações ao fundo mantenedor da ala infantil do hospital como um todo. O dr. Lee Kang fechou a última ficha de paciente e recostou-se na poltrona. – Agora estamos prontos para a próxima etapa.
Shunrei tinha toda a atenção voltada para ele. Procurava não demonstrar a ansiedade que pulsava em suas veias. O mal-estar completamente subjugado pela dedicação à profissão.
– Que é pelo que eu vim desde o início. - o coreano ajeitou os óculos redondos e sorriu para ela.
- Você conseguiu, Shunrei. Pode procurar o local e começar a listar a equipe. – ele via os olhos dela brilhando. – Recomendo moderação. Você sabe que os recursos não serão grandes no início. – ela assentiu, o mais controlada possível.
Só após sair da sala ela comemorou com um largo sorriso. Respirou fundo, querendo gritar de felicidade, mas mantendo a pose.
Caminhava para o refeitório quando seu telefone tocou. Piscou para a identificação do contato.
- Alô. - "Não estou entendendo."
- Que número da conta? – a voz calma da manhã retornou.
- O que? – "Será que eu me enganei?"
- Sua mensagem. – ele explicou. - Pediu o número da minha conta. – ela demorou um pouco a responder. "Isso está saindo do script."
- Ah... Era para outra pessoa. Enviei para você por engano. Desculpe. – ele demorou um pouco a responder.
- Para quem?
- O que? – ela parou a caminhada, franzindo o cenho.
- Para quem era? – ele insistiu.
- Uma pessoa da minha equipe. – os olhos dela moviam-se de um lado para o outro.
- Tudo bem. Então, até logo. – ele desligou e ela ficou olhando para o aparelho, intrigada. Por fim, suspirou e foi almoçar.
Não sabia se o coração palpitando era devido ao anúncio do Hospital ou à extraordinária ligação.
o.o – 0.0 – o.o – 0.0 – o.o
O carro deslizava pelas ruas movimentadas com as pessoas retornando para casa. Ela olhava para fora da janela, distraída com as luzes da cidade.
- Não deveríamos pensar em nos casar? – ela se virou para o homem ao seu lado com a boca aberta. "De onde veio isso?" - Por que a surpresa?
- Não estou surpresa. – ele sorriu, satisfeito de ter conseguido chamar a atenção dela. Há dias pensava em como abordar, mais uma vez, o assunto.
- Deveríamos nos casar. – ela voltou a olhar a paisagem. - Por que ficou quieta?
- O que quer que eu diga?
Ele revirou os olhos, pensando que ela não estava vendo.
- O que foi?
Ela vira.
- Como assim, 'o que foi'?
Julian suspirou e ficou quieto. Shunrei namorava o adido diplomático há seis anos. Julian Solo vivia na Coréia há tempo suficiente para adotar os costumes locais, especialmente com relação a relacionamentos amorosos. Sua família, originada da Grécia, tinha negócios nos maiores portos do mundo e coube a ele o comando do Porto de Incheon, o mais próximo da capital Seul e um dos mais lucrativos da Ásia.
- Chamou a Saori para jantar? – Julian mudou de assunto e de tom de voz.
- Mandei uma mensagem agora. – Shunrei estava magoada, mas aprendera a não demonstrar realmente sua insatisfação. – Ela chegou hoje de Tóquio e tem uma reunião com o Conselho de Administração.
- Vocês podem jantar juntas. – ele conseguira a atenção dela novamente.
- E você? – ela estava entre o fastio e a incredulidade. "Não deveria esperar outra coisa."
- Vou para casa trabalhar um pouco, se ela estiver livre. Preciso rever alguns relatórios do porto.
Recentemente, Julian assumira um posto no setor aduaneiro devido às suas conexões governamentais e fazia questão de lembrá-la disso à menor oportunidade. Shunrei decidiu que o fastio ganhara. Suspirou.
- Pode ir para casa. Não estou com fome mesmo. – voltou a olhar a paisagem, controlando seu desejo de pegar o celular e olhar as mensagens.
- Eu não disse que não tenho tempo para jantar com você. – finalmente, ele percebeu o que estava fazendo e tentou remediar. - Vamos comer algo juntos.
- Não tem problema. – Shunrei realmente sentia que não era problema, o que por si só já era um. "Só quero chegar em casa." - Me leva até a Moon Cha Young. De lá, eu pego o metrô.
- O que? – ele emitiu outro sorriso amarelo. Ela podia ver as engrenagens do cérebro dele funcionando.
O relacionamento deles começara como uma sugestão de Saori quando ela viera para Gangseo-gu e no início fora interessante. Lembrava-se de ficar desconcertada e curiosa nos ambientes nos quais ele circulava, a vida dos super-ricos coreanos. Mas, após seis anos, ele revelara que não havia nada além disso, essa casca de luxo e ostentação. Nos últimos meses, as diferenças entre eles estavam se tornando bastante evidentes.
Por isso, ela não se dignou a responder. E ele detestava ser ignorado.
"Ainda bem que estamos chegando." Subitamente surgiu ao seu lado a fachada da farmácia, agora fechada. A cena da manhã veio forte em sua mente e continuou se repetindo enquanto eles viravam a esquina da viela.
- Esquece! – disse, seco.
- O que?
- Por que fica emburrada desse jeito?
- Quem está emburrada? – ela via a colega esperando na porta.
- Eu te conheço, viu? – ele estacionou o carro. – Vai lá buscar sua carteira.
Shunrei saiu, séria.
- Boa noite, Moon Cha Young. – a chefe da enfermaria neonatal a cumprimentou com uma reverência leve.
- Está tudo bem, Shunrei? – cumprimentou o homem no volante também. Ele nem se moveu.
- Tudo bem, sim. – ela conseguiu mover os lábios num sorriso fraco. – Quer jantar fora?
- Eu já comprei comida na loja de conveniência.
- Ou, ok. – ela fez um gesto que entendia e foi se afastando de volta para o carro. - Obrigada pela carteira.
Do apartamento de cima, mais alguém assistia à cena.
o.o – 0.0 – o.o – 0.0 – o.o
Shiryu precisou ficar até o fechamento da farmácia. A sra. Yin Seon-in estivera envolvida em questões com a prefeitura sobre algumas obras a serem realizadas na viela e não pudera comparecer. Ele e Lee Ha-Ra dividiram os atendimentos: ela ficava com os pedidos online e ele com o balcão.
- Me sinto mal de deixar você aqui, depois de ter ficado o dia todo. – a colega comentou, trocando o jaleco pelo casaco.
- Não precisa se preocupar. Eu moro bem mais perto do que você. – ele queria tranquilizá-la. – São só mais trinta minutos.
- Tudo bem, então. – ela agradeceu efusivamente. – Amanhã pode deixar que eu fico com a sra. Yin Seon-in.
A colega era mais uma das pessoas que Shiryu se dispôs a ajudar. Fora ele quem a incentivara a voltar a estudar para realizar seu sonho de ser aceita na farmácia de um grande hospital.
O movimento à noite era menor e ele conseguiu fechar no horário. Passou na mercearia a caminho do apartamento para comprar algumas frutas e uma caixa de leite. A noite estava fria com a proximidade do inverno e ele se apressou, constatando que as luzes estavam acessas antes de subir as escadas.
- Boa noite, sr. Suiyama. – a jovem o cumprimentou em voz baixa. Ele retirou casaco e sapatos e entrou no pequeno apartamento que tivera sorte de alugar próximo à farmácia.
- Boa noite, srta. Kwan. – colocou a bandeja com as frutas e o leite na geladeira. – Como foi o dia aqui?
- Tudo bem. O senhor recebeu as fotos? – ele confirmou, as poses bem frescas na memória. Era um acordo dos dois: sempre que saíam para passear, ela tirava fotos.
- Desculpe ter pedido que a senhorita ficasse o dia todo. – ela negou.
- Ainda bem que eu trouxe meu livro. Depois que ele dormiu, consegui estudar um pouco.
Shiryu a conhecera na farmácia, quando Lee Ha-Ra comentara que ele estava procurando alguém que pudesse ficar no apartamento durante o período em que ele estivesse na farmácia. Ela estava precisando economizar para um intercâmbio que faria e se prontificou.
"Realmente foi o melhor arranjo."
- Quer que eu a acompanhe até em casa?
- Não é preciso. – ela estava corando. Era muito nova, mal completara 18 anos.
- Eu insisto. – ele se sentia mal por tê-la feito perder um dia de estudo.
- O senhor pode me acompanhar da varanda. – o apartamento onde ela morava com os pais era bem próximo. Ele sorriu, aceitando.
Assim que a viu entrar em segurança em casa, ele ia fechar a janela quando um carro estacionou e alguém saiu da porta do carona. Ele viu de relance, fez o movimento de entrar e voltou. Reconhecia aquela trança grossa.
Era a moça da ressaca.
O assunto dela foi rápido. Quando voltou para o carro, o telefone dele vibrou no bolso da calça.
- Estou na área! – o amigo soou animado como sempre.
- Pensei que você só viesse daqui há quatro meses. – Shiryu ficou feliz ao ouvir a voz.
- O campeonato mudou de data, então pensei em antecipar. Gostei da Coréia. - Seiya tentava disfarçar, mas ele sabia que o amigo estava preocupado. – Além disso, a Marin encontrou um ótimo local de treinamento. Um conhecido dela indicou.
- Seiya, você não precisa deslocar toda a sua estrutura para Gangseo-gu.
O amigo disputaria o Mundial de Artes Marciais e estava focado em manter o título.
"Ou, pelo menos, deveria estar." Shiryu suspirou, sentando no sofá. "Sempre indisciplinado."
- Você quer treinar com a gente? Bom, não vai ser um treino mesmo, será um encontro entre amigos. Vai ser no domingo. – quando Seiya disse o lugar, Shiryu riu.
- Como não existem coincidências nessa vida, tenho que te dizer que já tinham me convidado para o mesmo local.
- Mesmo? Olha só! Isso é o destino te chamando. – Seiya comentou com alguém. – A Marin disse a mesma coisa que você. Quem nos ajudou a alugar o espaço foi um conhecido dela da embaixada grega. Agora, mudando de assunto. – a voz dele ficou mais baixa. – E as garotas?
- Que garotas, Seiya? – ele passou a mão na perna, incomodado. "O verdadeiro motivo está se revelando."
- Shiryu, você está há dois anos aqui e até agora não arrumou ninguém. Da última vez que vim, a gente conversou e você não parecia bem.
- Não precisa se preocupar comigo. – pegou um copo d'água. - Concentre-se no torneio.
- Você fica preso na farmácia e no apartamento o tempo todo. Deveria sair com garotas, namorar alguém. – "Ele não sabe a hora de parar?" - Você não cometeu nenhum crime, meu amigo.
- Hoje foi um dia longo. – a voz dele entrou no modo automático e impessoal. Do outro lado da linha, Seiya entendeu. - Que tal conversarmos no domingo?
- O que foi? Nós somos amigos. – não gostava quando Shiryu se fechava assim. Eles se conheciam desde a infância e Seiya se preocupara genuinamente quando ele decidiu mudar para a Coréia. Para longe de tudo e todos. - Eu te ofendi?
- Até domingo, Seiya.
o.o – 0.0 – o.o – 0.0 – o.o
O carro estacionou em frente ao prédio dela, vizinho ao parque Heo Jun, na margem sul do rio Han.
- Falei para jantarmos juntos. – Julian estivera calado durante o trajeto de Ujangsan até ali.
- Não se preocupe. – Shunrei só queria chegar em casa e encerrar o dia. "Começara tão estimulante e terminava tão melancólico."
- Deveríamos morar juntos. – "De novo?" - Aí isso não aconteceria. Comer, dormir, ir para casa, para o trabalho... Seria mais conveniente. – ela temia olhar para ele, mas mesmo assim não conseguiu segurar a expressão de contrariedade.
- Quer se casar para evitar incômodos? – Julian soltou uma interjeição de ironia.
- Por que põe palavras na minha boca? – ela deu de ombros.
- Então, qual o motivo?
Só a fortuna da família já o colocava entre os solteiros mais interessantes do mundo. Somando às ligações dos Solo com o alto escalão do governo sul-coreano, tornavam o assunto tema de grande expectativa e ele estava sendo pressionado a escolher uma esposa adequada. Afinal, como seu pai não cansava de repetir, 'casamentos são negócios'.
Mas não podia dizer isso a ela. Shunrei não era a candidata preferida da família. Não tinha nenhuma conexão que fosse vantajosa para os negócios. Mesmo após uma conversa constrangedora que tivera com o pai, ainda a queria para si. Afinal, ele a escolhera. Ela era dele. Ela ainda relutava, mas ele tinha certeza de que conseguiria convencê-la.
- O que posso fazer? Como vai se sentir melhor? – ela ergueu as sobrancelhas e o encarou.
- Você disse que me conhecia bem.
- O que posso fazer? – Shunrei parou para pensar um pouco.
- Suma da minha frente de uma vez. – Julian esboçou um meio sorriso.
- É só você sair. – tentou brincar e viu que passara do ponto. - Tudo bem. Vou compensar na sua próxima folga. Pense no que quer fazer. – ela saiu do carro e lançou-lhe um olhar frio.
- Vá embora. – ele levantou a mão para se despedir.
- Bons sonhos.
o.o – 0.0 – o.o – 0.0 – o.o
Precisou molhar o rosto depois da conversa com Seiya
Demorou olhando seu reflexo no espelho.
"O que você está fazendo?" Era uma pergunta que ele costumava se fazer. Começou a pentear os cabelos e imediatamente o rosto confuso da moça voltou. "Shunrei Nishi. Você foi uma surpresa, srta. Nishi." Só percebeu que estava sorrindo quando ouviu um choro baixinho vindo do quarto.
Abriu a porta com cuidado, vendo que o garotinho apenas mudara de posição. Sentou-se ao lado dele, seu coração acalmando-se ao tocar a franja que o filho fazia questão de ser igual à do pai.
Arrumou o futon (1) no chão e deitou-se em silêncio. Sentiu o corpinho deslizar para junto dele.
- Papai?
- Não queria acordar você. – o pai sussurrou, o pequeno agachado ao seu lado.
- Tudo bem. – o garotinho o abraçou no pescoço. – Que bom que chegou.
- Você está muito forte! – fez o filho, miudinho para a idade, rir e se atirar sobre ele. – Quando você ficou tão forte? – começou a fazer cócegas nele, deitando-o ao seu lado. – Vamos dormir agora? Amanhã de manhã podemos conversar. – o garotinho bocejou, aconchegando-se embaixo da coberta.
Shiryu ficou muito tempo olhando para o menininho em seus braços. Às vezes, como agora, recordava quando o recebera pela primeira vez no colo. A pele clara da mãe e os olhinhos expressivos, de um raro tom de azul.
"Ele é tão pequeno." Até o momento, era franzino, precisando ter medicamentos para emergências respiratórias por perto. Ainda assim, era o filho que o mantinha de pé, embora não vivessem uma situação normal. "Vou proteger você sempre."
Adormeceu sentindo o cheiro dos finos cabelos macios.
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
(1) Futon - Tipo de acolchoado ou manta flexível o suficiente para ser dobrado. O conjunto completo inclui o edredon e a almofada.
