EPOV

Acordei quando um feixe de luz entrou pela janela do quarto e acertou meus olhos me deixando desconfortável. Virei-me para o outro lado, tentando voltar a dormir, mas meu cérebro logo se tornou dolorosamente consciente de que dia era aquele, me impedindo de voltar para qualquer que fosse o sonho que estava tendo. Resmunguei algumas vezes antes de finalmente abrir meus olhos e aceitar meu destino.

Finalmente o fatídico dia havia chegado e a enorme mala que Alice havia insistido em preparar para mim há uma semana, sabendo que eu provavelmente deixaria tudo para cima da hora, me encarando do outro lado do cômodo, era prova disso.

Idiota – murmurei.

Quando Alice contou sobre a incrível viagem de fim de ano com duração de quatro semanas e custo quase zero, fiquei animado. Fazia tempo que eu havia percebido que estava precisando de um descanso da rotina estressante da clínica e trabalho comunitário, um pouco de diversão também não me faria mal. Quando ela disse que era um cruzeiro romântico, achei meio esquisito, mas tudo bem, eu acho.

Mas então ela resolveu me contar, finalmente, sua incrível ideia.

– Você vai fingir estar namorando com a Bella, não é genial? – seu tom de voz animado me ludibriou. Por um segundo fiquei feliz, a ideia me pareceu excelente, mas então pensei um pouco melhor, a informação se assentou em minha mente.

– Alice, você está louca? Isso é absurdo!

– Não estou entendendo o problema aqui, Ed – protestou – Minha ideia é fantástica, não tem erro.

– Como não tem erro? – ela tombou a cabeça para o lado e semicerrou os olhos, parecia estar tentando ver algo que não era óbvio o suficiente para ela – Você quer que eu e Isabella finjamos sermos um casal durante quatro semanas em um cruzeiro romântico, é isso mesmo que entendi? – Alice concordou – Ela nunca vai concordar com isso.

– Há! Aí que você se engana, irmãozinho, ela já aceitou.

– O que!? – eu e Jasper falamos ao mesmo tempo – Você chantageou a Bella, Allie? Isso é crime – meu cunhado completou.

– Engraçadinho – seu rosto se contorceu em uma careta breve, então ela voltou a sorrir – Claro que não chantageei ninguém, Bella aceitou por livre e espontânea vontade... Mais ou menos. Enfim, o que importa é que ela aceitou. Vamos, Edward, vai ser divertido!

– Não, isso não vai dar certo.

– Você precisa se divertir, Edzinho, deve ter envelhecido uns dez anos nos últimos meses – pontuou enquanto acariciava um ponto ao lado do meu olho esquerdo – Já está até com rugas – estapeei sua mão para longe do meu rosto. Ela e Jasper estavam rindo audivelmente.

– Bem... – considerei a ideia, se Isabella havia aceitado então não seria nenhum problema, certo? Éramos amigos a tantos anos, tínhamos algum nível de intimidade, nos conhecíamos bem, não seria algo tão difícil assim. A não ser por... Não, não seria um problema – Tudo bem então, mas eu não posso largar a clínica assim.

– Oh, isso não será um problema – ela sorriu vitoriosamente enquanto me abraçava.

É claro que Alice nunca dava um ponto sequer sem nó e já havia planejado tudo com nosso pai. Há meses Carlisle insistia para que eu tirasse férias e assim que Alice lhe contou sobre a viagem ele se prontificou assumir toda e qualquer responsabilidade que eu tivesse na clínica, já que assim como ele eu também havia me especializado em cardiologia, mesmo que isso fosse significar que ele precisaria trabalhar o dobro. Me senti um pouco mal, mas ele fez questão de me lembrar que, depois de nossa família, seu trabalho era sua maior alegria.

Por sorte, Jasper também conseguiu achar alguém que assumisse sua posição como psicólogo na clínica durante nossa viagem. Um velho amigo de faculdade, Peter, estava com o primeiro filho a caminho e queria juntar uma grana extra, ficou animado em conseguir o trabalho na época mais movimentada do ano.

Fui até a cozinha e preparei ovos mexidos e um café. Coloquei-os sobre a bancada e me sentei. Enquanto comia comecei a pensar novamente sobre o plano de Alice, ele me parecia mais absurdo a cada dia que se passava e, agora, tão próximo da viagem, eu tinha cada vez mais certeza de que daria muito ruim. Pra mim, pelo menos.

Terminei de comer e fui tomar banho. Coloquei roupas casuais, era bom estar fora de um terno pela manhã pela primeira vez em muito tempo.

Meu celular vibrou sobre a mesa de cabeceira, uma mensagem de Alice – ela estava a caminho. Emmett viria no carro dele junto com Rose, Alice viria no dela com Jasper e Isabella. Dessa forma, daria para levarmos todas as malas e depois Rose e Emmett levariam os carros embora.

Não demorou muito para que o interfone tocasse, minha mala e mochila já estavam posicionadas ao lado da porta da sala. Verifiquei mais uma vez para ter certeza de que não estava esquecendo de nada e então saí do apartamento.

Emmett estava me esperando com o porta-malas de seu carro aberto. Depois de me livrar da minha bagagem, cumprimentei a todos. O caminho até o porto foi tudo, menos silencioso. Meu irmão não parou de fazer piadas sobre meu "namoro" com Isabella por um momento sequer, enquanto Rose não poupava risadas. Me perguntei se a situação no outro carro estava parecida – concluí que não. Alice sem dúvidas estava fazendo muitos comentários desnecessários, mas Jasper era cortês demais para agir como Rose.

"Ponto para Isabella Swan", pensei.

Quando finalmente chegamos, fomos recepcionados por funcionários que pediram tanto nossos convites quanto identidades, após etiquetarem nossas malas, eles desapareceram levando nossas bagagens para dentro do cruzeiro. Continuamos papeando com Emm e Rose até que um homem apareceu do nosso lado soprando um apito que fazia um barulho mais alto do que meus ouvidos achariam aceitável.

Nos despedimos do casal que ficaria em terra firme e fomos para a enorme fila para finalmente adentrar o navio, não antes de Emmett fazer mais uma piadinha desnecessária. Muitos – digo, muitos! – casais passavam por nós de mãos dadas, abraçados e se beijando, comemorando a viagem e demonstrando genuína felicidade. Me senti excessivamente consciente de que Isabella estava longe demais de mim, então me movi para seu lado e peguei sua mão. No convite que recebemos quando Alice ganhou o sorteio ficava explícito que o cruzeiro era permitido apenas para casais, não queria correr o risco de ser barrado na entrada, era um tipo de humilhação que eu não queria passar àquela hora da manhã.

Isabella me olhou confusa e tentou se soltar, me virei para ela com um grande sorriso no rosto.

– Ah! – murmurou e eu soube que ela havia entendido. Sua mão se tornou imóvel na minha e ela chegou seu corpo mais para perto, encostando seu braço no meu.

Antes de entrarmos pediram para ver nossos convites e identidades novamente, que entregamos de bom grado. Assim que pisamos no deck do navio, um funcionário com uma câmera nos parou e tirou uma foto de nós quatro juntos, então uma de Alice e Jasper.

– Agora vocês, casal – disse apontando a câmera para Isabella e eu.

Ela apertou minha mão com força e notei seu desconforto. Passei meu braço em volta de seus ombros e dei o sorriso mais reconfortante que poderia naquele momento, ela relaxou e sorriu de volta. Quando olhamos para o homem com a câmera, ele já havia ido embora.

– Que cara doido.

Alice passou como um furacão por nós com seus olhos brilhantes, ela estava completamente maravilhada com a beleza da coisa toda. Jasper passou logo em seguida tentado acompanhar a namorada.

– É tão mais bonito do que nas fotos! – minha irmã estava quase dando pulinhos no lugar.

– Realmente, é muito bonito e enorme. Quanto você acha que custa uma passagem? – Jasper me perguntou. Começamos a ponderar sobre o valor, cada vez apostando mais alto.

Uma mulher muito bonita, com cabelos ruivos que desciam em ondas dos dois lados de seu rosto, se aproximou. Ela usava o mesmo uniforme branco dos demais funcionários, mas tinha uma coroa de flores tropicais na cabeça.

– Sejam muito bem-vindos ao Cruzeiro do Amor! Meu nome é Victoria e sou uma das guias do navio. Aqui, aqui – estendeu a mão nos entregando alguns panfletos que listavam todas as principais atividades da viagem. Faríamos uma viagem de dois dias até uma ilha na qual havia um eco resort parceiro da empresa que financiava o cruzeiro, me surpreendi com isso, achei que ficaríamos o tempo todo dentro do navio. Olhei para minha irmã, ela simplesmente deu de ombros e alargou seu sorriso. A estadia no resort duraria doze dias e havia a opção de permanecermos embarcados, mas a guia fez questão de enfatizar que aquilo seria uma completa burrice, sem se importar muito que seu tom fosse parecer grosseiro. O panfleto prometia um cenário paradisíaco, com certeza eu não perderia aquilo.

Depois dos doze dias retornaríamos ao navio. Quase no fim da terceira semana seria o ano novo e haveria uma festa, hum, hum, espetacular! Céus, parecia que Alice havia escrito o maldito panfleto. Li algo sobre alguns bailes e jantares românticos, mas não me atentei demais a isso, deixaria para que o Edward do futuro se preocupasse com esses eventos. O Edward do presente só queria um pouco de paz.

– Irei acompanha-los até suas suítes agora, às 10:30 em ponto faremos uma pequena excursão pelo cruzeiro, para que vocês conheçam as áreas comuns. Depois disso os levarei até o restaurante para que almocem.

Demos os números dos nossos quartos para a mulher e ela nos levou até as suítes que eram, muito provavelmente por terem sido selecionadas para os membros do sorteio, bem próximas.

Isabella congelou no meio do quarto quando a guia nos deixou, arrastando Jasper e Alice para a suíte deles. À princípio não entendi sua reação, achei que ficaria aliviada de estar longe da vista dos outros e finalmente poder me soltar, mas ela permaneceu com seu braço direito enroscado em minha cintura enquanto encarava alguma coisa... Oh, certo. Seus olhos estavam fixos no centro da suíte, mais precisamente na enorme – e única – cama ali. Eu deveria ter pensado nisso, era um cruzeiro para casais afinal de contas.

Passei meus olhos rapidamente pelo quarto, era bem bonito e aconchegante, todo em tons amadeirado e carmesim. Havia uma tevê na parede diretamente de frente para a cama, próxima a um mini bar. Do lado direito da cama havia um sofá de dois lugares e uma escrivaninha com cadeira. Também pude ver uma porta que, provavelmente, levaria ao banheiro, além de enormes janelas de vidro com vista para o deck. Pessoas caminhavam tranquilamente do lado de fora, mas eu sabia que elas não podiam nos ver, pareciam totalmente alheias a nossa presença. De qualquer forma, havia uma grossa cortina carmesim que poderia ser fechada a qualquer momento. Nossas malas estavam empilhadas ao lado da cama.

– Você pode dormir na cama – falei. Isabella se virou para mim com uma sobrancelha erguida enquanto cruzava os braços na frente do corpo.

– E onde você vai dormir?

– No sofá – apontei para a mobília – Me parece confortável o suficiente.

– Parece sim – ela olhava na direção do meu dedo indicador – Mas você diz isso agora. Por favor, Edward, tenha bom senso, você é quase o dobro do tamanho daquela coisa! – seus olhos se voltaram novamente para mim enquanto ela ria – Durma na cama, eu fico com o sofá.

– Não seja absurda, não irei deixa-la dormir no sofá.

– E por que não?

– Meus pais me deram educação, só isso.

Ela revirou os olhos.

– Os meus também. É só usar a lógica, eu sou bem menor que você, é mais fácil eu dormir no sofá.

– Sem chances.

– Então está bem, vamos nós dois dormir na cama. Problema resolvido.

– Tem certeza disso? – ela andou até a cama e se sentou na beirada – Eu falei sério, realmente não me importo de dormir no sofá, não quero que você fique desconfortável.

– Que besteira! Essa cama é grande o suficiente para nós dois ficarmos confortáveis. Além disso, essa viagem é para relaxar, certo? Não seria legal se você se quebrasse todo dormindo ali – apontou para o sofá – enquanto eu estou aqui nessa cama... – suas mãos acariciaram o forro, ela fechou os olhos e sorriu – Ah, sim, maravilhosa!

Isabella deu batidinhas ao seu lado, me chamando para sentar-me junto a ela, o que fiz.

– Puta merda, é realmente muito boa – ela abriu os olhos e assentiu – Tudo bem você me convenceu. Isabella Swan, irei dormir com você.

– Oh, que honra! – uma de suas mãos foi parar dramaticamente em sua testa enquanto ela fechava os olhos novamente e deixava seu corpo cair para trás, deitando-se na cama.

Na hora combinada a guia bateu em nossa porta, já acompanhada de Jasper e Alice, e nos levou para conhecer o navio. No caminho, outros dois casais de juntaram a nós e eu vi diversos grupos assim.

Angela e Ben haviam acabado de noivar e estavam ali para comemorar a ocasião, ambos pareciam muito animados com tudo. Marcus e Didyme estavam comemorando trinta e tantos anos de casados, nem eles pareciam mais ter certeza do número exato.

Enquanto Victoria nos mostrava o salão de festas, Angela comentou que gostaria de encontrar um lugar tão elegante e espaçoso quanto aquele para sua festa de casamento, bastou apenas isso para que Alice começasse a dar centenas de dicas de decoração, mesmo que a garota não tenha pedido por uma opinião sequer – Alice simplesmente não conseguia deixar seu lado Organizadora de Eventos Bem Sucedida de lado. Angela, porém, não pareceu se incomodar nenhum pouco e logo ela e minha irmã estavam envolvidas em uma conversa profunda sobre paletas de cores e tipos de tecidos.

Ben prestava atenção em tudo o que as duas falavam, mas não parecia entender uma palavra sequer que saía de suas bocas. Ele só balançava a cabeça e assentia toda vez que a conversa se virava para ele e dava beijos no rosto de sua noiva vez ou outra.

Victoria nos contou que haveria um jantar especial e a primeira noite de karaokê, Didyme animou-se rapidamente, ri com sua reação – ela era uma senhora muito simpática e algo no jeito que ela falava me fazia lembrar de minha mãe. Tanto o jantar como a noite de karaokê não eram eventos "obrigatórios", então eu provavelmente não compareceria, mas sempre existia a possibilidade de Alice tentar, e conseguir, me forçar a ir.

Depois do salão de festas, a guia nos levou para ver a exagerada piscina com cascata artificial e dois toboáguas, a piscina interna aquecida, a academia de dois andares, a sala de cinema, o salão de jogos, o cassino, o bar, o restaurante que funcionava apenas durante a noite e o que funcionava somente de dia. Achei um exagero ter dois restaurantes dentro de um navio, Alice se prontificou em me lembrar que não era um simples navio, mas sim um cruzeiro.

– Tanto faz, Alice, continua sendo um navio – sussurrei.

Isabella concordou comigo e levantou a mão discretamente para um high five, Alice decidiu que iria nos ignorar pelo resto da excursão.

Aquele era o último ponto da nossa não-tão-pequena excursão. Já era quase meio-dia quando nos sentamos em uma das mesas próximas à janela com vista para o mar e fizemos nossos pedidos. Não demorou muito para que o almoço fosse servido. Os outros dois casais optaram por se sentarem em mesas diferentes, havíamos nos dado bem, mas não era para tanto.

– O que acharam? – Alice perguntou animadamente enquanto sorvia seu drink – É incrível, não?

– Realmente, Allie, dessa vez você acertou demais.

Dessa vez? – minha irmã colocou a taça na mesa e encarou Isabella com incredulidade – Eu acerto todas as vezes!

– Aham, aham.

– Bella, você está tirando uma com a minha cara? – ela assentiu com um sorrisinho, Alice bufou – Sem graça!

– O cruzeiro é incrível, amor, nunca mais vou te criticar por participar de todos os sorteios que vê pela frente – Jasper se curvou sobre a mesa para dar um selinho nela.

– Eu continuarei julgado – Alice me olhou irritada – É meu jeitinho de dizer que te amo – joguei um beijinho para ela fazendo-a sorrir.

– Vocês são muito fofos, que ódio.

Eu, Alice e Jasper olhamos confusos para Isabella.

– Você está com ódio porquê eles são fofos? – meu cunhado perguntou como se ela não tivesse sido clara.

– Sim.

– Não entendi, mas respeito sua opinião – nós já havíamos acabado de comer, dei um último gole em meu drink antes de chamar o garçom e pedir a conta.

– Eu sempre quis ter irmãos, mas infelizmente não rolou. Adoraria ter um irmão como você – ela disse olhando para mim.

– Ouch, essa doeu em mim – Alice falou com uma falsa cara de dor.

– Hã? – agora era Isabella quem parecia confusa.

– Nada, ignora a Alice que você ganha mais.

– Idiota!

O garçom chegou com a conta e nós a pagamos, saindo logo em seguida do restaurante.

– Vamos todos ao jantar especial essa noite, certo? – não poderia negar meu alívio ao ver que Alice não insistiria no assunto anterior.

– Nã... – comecei a falar, mas Isabella me interrompeu dizendo que sim.

– Fantástico! Edward, você tem que ir, vão achar estranho se sua namorada for sozinha.

Alice, Jasper e Isabella riram e conversaram alegremente durante todo o caminho até a suíte, enquanto eu me mantive em silêncio, apenas tentando apreciar a vista de Seattle desaparecendo aos poucos. Em algum lugar dentro de mim havia uma vozinha irritante, talvez algum tipo de instinto, que me dizia que eu não deveria ter entrado naquele navio.