Capítulo 3

O tempo passou. Como os Ainur eram imortais, uma grande quantidade de tempo pode passar sem que eles sintam. E foi o que aconteceu. A partir do que Curumo dissera, Mairon parou de falar sobre Melkor a ele. Mas seu gestual e suas atitudes não silenciavam. Curumo mesmo sabia que ele estava saindo para ver a Melkor sempre, e mesmo trabalhando para ele em segredo. Pensava em seu íntimo que precisava contar a Aule e aos superiores o que acontecia, porém lembrou dos olhos dele quando o ameaçara. Mairon podia ser terrível quando provocado.

"Espere aí, eu estou com medo de Mairon?", pensava o maia de si para si. "Ele é um só afinal de contas, e eu teria todos os demais ao meu lado. Será que devo contar?"

Curumo hesitava, não só pelo receio da reação do outro, mas sim também por alguma razão que desconhecia. No íntimo, embora achase aquilo tudo uma loucura, no fundo admirava a atitude de Mairon. Ele se insurgia contra tudo e contra todos, e ainda saía como alguém bom! Sim, pois a reputação de Mairon não crescera nenhum arranhão e somente melhorava naquele periodo.

Apesar de tudo, Aule percebera algumas mudanças. Reparava que Mairon estava diferente, embora ainda trabalhasse bem. Estava... disperso? Era isso. Um dia foi ter com ele.

- Está apaixonado, Mairon?

- Hã? Ah, e-eu?

- Sim, você. Afinal de contas, anda muito a olhar para o nada, a suspirar... ao ver os demais Ainur a arrumar companheiros, creio que o seu coração está a se abrir para o amor também, não?

- Ahn... eu não ia contar. Ao menos não tão já. Mas... sim, eu estou a amar alguém!

- Ora vejam só! E por que não? Quando vai anunciar a todos? Ande, me conte quem é! É dos nossos, ou pertence a outro Vala ou Valie?

- Bem... não, não é dos nossos!

- De qualquer forma será muito bem vindo! Diga quem é, não tenha reservas.

O maia sorriu, como se estivesse envergonhado. Na verdade estava sorrindo de deboche. "Será muito bem vindo!", pensou ele sem nada dizer. "Se ao menos soubessem quem é!"

- Por enquanto nada direi. Mas em breve... todos saberão!

- Bem, faça como quiser, sim? Mas eu quero logo saber! E espero que todos aqui também!

Curumo ouviu tudo, embasbacado. "Será que Aule sequer desconfia?!", pensou consigo próprio. "Será que crê mesmo estar Mairon enamorado de um maia pertencente a outro Vala ou Valie, e não de ninguém menos que o Senhor do Escuro? Se até eu desconfiei, como ele não supõe coisa alguma nesse aspecto?"

Naquele dia, após um longo tempo, falou com Mairon sobre o assunto.

- Que quis dizer com "Em breve todos saberão"? Vai se declarar a todos como amante de Melkor?

- Não me venha com histórias! Com Aule me entendo eu. Você mesmo disse que não queria mais ter informação alguma acerca disso, não? Pois bem! Não terá.

E saiu andando sem nada dizer. Curumo não sabia se se arrependia de não ter continuado a escutar as confidências do outro em relação a Melkor, ou se fora deveras sensato em se retirar de toda aquela situação antes que ela se agravasse de fato. Afinal de contas, àquela hora simplesmente não tinha como saber no que daria tudo aquilo! O que Mairon faria? Seria outra loucura, como a que Melkor fizera ao destruir Illuin e Ormal, bem no dia do casamento de Tulkas e Nessa?

Nada lhe restava senão esperar.

E não precisou esperar muito. Não muito depois - ao menos não muito depois para os padrões Ainur - Mairon sumiu por alguns dias. Curumo sabia onde ele estava - em Utumno, junto a Melkor. Mas voltaria? Não voltaria nunca mais? Que faria ele?

Num momento em que não esperava, Mairon voltou. Curumo piscou algumas vezes e teve de esfregar os olhos para acreditar no que via.

Era Mairon e não era. Estava a envergar não mais as vestes douradas e claras, mas sim vestes negras. Seus atavios eram dourados, mas dessa vez um dourado escuro, carregado. Ele estava cheio de joias; mas as mesmas, embora belas, eram de atavio mais duro, mais denso. Os cabelos louros estavam presos num penteado complicado, trançado, e os olhos estavam pintados de negro e vermelho. Os olhos ardiam em fogo intenso.

Nunca o vira tão belo, nem tão terrível.

- Mairon? É você?

- Sim. Sou eu. Aproveitei que Aule está distraido com qualquer coisa - sim, não estranhe, eu tenho meus batedores e portanto sei o que acontece aqui mesmo estando ausente - e vim pegar o restante das minhas coisas. Eu estou de partida, Curumo.

- Partida? Para onde?

- Para onde mais? Para o lado de Melkor - definitivamente.

- Não vai mais... não vai mais servir a Aule?

- É evidente que não. Admita: nunca antes você me viu cingido de tanto poder, enquanto estive aqui, não? Então. Pois é o que ganhei ao servir a Melkor. E esse é apenas o começo!

- Ele... ele te chamou para ir lá viver consigo?

- Melkor me deu uma de suas maiores fortalezas para eu cuidar. Agora sou muito mais que um servidor. Sou um príncipe! Um príncipe sob a vassalagem do Ainu mais poderoso de todos! É isso. Angband está sob meus cuidados. Guarde esse nome. Muito em breve ouvirá muito falár de nós!

E sem resistir mais, Mairon riu sinistramente. Curumo o observava com espanto. Achava que o outro estava apaixonado, era certo; que era até meio bobo por ficar se arrastando daquela maneira a um Vala como Melkor, a quem todos repudiavam. Que se fosse mais inteligente, ia ficar com alguém dali mesmo, aprovado por Aule e pelos demais. Não ia cometer semelhante loucura.

Mas ao vê-lo com todas aquelas insígnias de poder; ao vê-lo com o semblante tão carregado de orgulho; ao vê-lo envergar uma vestimenta não mais de servidor, mas sim de comandante, de príncipe de alto nível, como ele próprio dissera; reconheceu que Mairon não ia ver a Melkor somente para "se divertir", para fazerem sexo, ou mesmo para tão-somente servi-lo em submissão. Mairon ia em direção a Melkor para muido mais: para manipular uma das forças mais poderosas de Arda a seu favor. E pelo que via, ele estava tendo êxito - e bem rápido!

- Ele te deu Angband?

- Deu. Eu cuido das obras dele de engenharia, altero geneticamente certos servidores dele para que fiquem mais fortes, comando a seus exércitos... e claro, de vez em quando vou para suas forjas. Que são muito melhores que essas daqui, se quer saber. Diante de tudo isso, ele não precisa mais de um espião, pois posso lhe ser bem mais útil lá mesmo, em seus domínios.

- Você faz tudo isso?! Mairon, eu pensei que somente ia vê-lo para... se encontrarem!

O loiro riu a riso solto.

- Não seja tolo! Por quem me toma? Por uma mocinha boba, como Nessa, que só sabe dançar por aí? Ou como Yavanna, que só sabe cuidar de plantinhas e animaizinhos? Ora me poupe! Pensei que me conhecia o suficiente para saber que gosto de ordenar as coisas! De fazer as coisas a meu modo! É claro que eu me encontro com ele. Mas no resto do tempo faço muito mais!

- E como conseguia conciliar tudo isso com o serviço a Aule?

- Eu não conseguia. Na verdade nos últimos tempos mal fazia alguma coisa por aqui. Por me prezar em demasia. Aule meio que deixava pra lá. Mas não era isso. É justamente por não conseguir mais conciliar os dois amos e por Melkor estar extremamente satisfeito comigo - seja dentro da cama, seja fora dela - que ele me deu essa nova posição de poder. É claro que ele já me disse que se eu o decepcionar ele me punirá da pior forma possível. Mas...! Veja só! É claro que eu não vou decepcionar. Eu crescerei cada vez mais ao lado dele!

Com um sorriso de triunfo no rosto, Mairon já ia sair com poucas coisas de sua antiga residência. O resto deixaria para trá. Mas Curumo o segurou pelo braço.

- Espere! Isso é loucura! E se ele um dia o rejeitar, não mais o querendo? Não vai ter para onde voltar! Assim como lhe deu grande poder, numa tacada só pode tirar!

- Eu não sou bobo! Eu sei como levar a Melkor. Sei tão bem, que cresci imensamente em pouco tempo em sua estima! Curumo, em breve eu vou ser o único amante dele, escreva o que estou te falando! Então um dia... eu vou casar com ele, de dourado, como te falei uma vez!

Nessa hora os olhos de Mairon brilharam de emoção, e Curumo viu neles um laivo daquele maia ainda puro, ainda incorrupto, que tinha sonhos belos e não planos de dominação extrema. Mas esse momento passou rápido, e logo Mairon voltou a ser o príncipe cruel e sedento por poder.

- Mairon... será que não tem uma forma... de conseguir todo esse poder... sem se deitar com Melkor?

- Ora, veja como fala! Sequer ouse cobiçá-lo, ouviu? Melkor é meu!

- E eu nem quero - Curumo fez um gesto de repulsa. De fato, tais demonstrações de... afeto... não lhe atraíam de maneira alguma - Acabei de dizer que quero o poder sem me deitar com ele!

O loiro sorriu enviesado outra vez.

- Ah, o poder o seduz, não é verdade? Está cansado de somente ficar aqui a servir, pois sim? Talvez seja por isso que não me denunciava!

- Pois sim! Mairon, eu tenho de lhe confessar que é admirável o seu progresso!

- Como meu nome mesmo diz...

- Sim. Mas é maravilhoso! De fato antes de ver ao poder, eu jamais poderia imaginar como era!

- É incrível. Estou cheio desse poder porque Melkor mesmo dissipa grande parte de seu fogo negro em nós - principalmente em mim, pois fico muito com ele. Dentro e fora da cama. Às vezes, quando não estamos transando e nem estou trabalhando em sua fortaleza, fico em sua companhia no salão do trono. Ele gosta de me exibir! Todos já sabem que sou seu amante, e ele tem orgulho em me exibir, pois diz que sou lindo! Ele diz que sou sua joia preciosa! Ai Curumo, acho que ele está gostando de mim!

E novamente o outro via a Mairon como aquele ser puro e com sonhos de sentimento, não somente de poder e dominação. Mas também de amor. Logo aquele momento passou novamente e o Maia voltou a falar de poder.

- O poder no entanto te atrai, não é? Ah, Curumo, se você continuasse a ser meu confidente! Talvez eu houvesse arranjado um posto a você lá em Angband. Mas por enquanto não. Sinto, prevejo, que um dia nos encontraremos outra vez. E que eu poderei ajudá-lo a conseguir o que quer. Mas esse dia ainda vai demorar. Agora... eu me vou! Não me detenha mais, pois meu destino glorioso me espera! Ainda ouvirá falar muito de Mairon, o Admirável! Ah, sim, agora que estou indo embora pode dizer a todos que sou amante de Melkor. E que fui ao encontro dele! Chega de me esconder! Eles que vão lá tentar invadir Angband, se é que ousam tanto!

E a rir de maneira cristaina porém sinistra, Mairon saiu, levando comsigo a uma bolsa não muito grande, com poucos pertences. As joias brilhando contra a luz do dia.

Curumo o observou partir, até que sumiu no horizonte. Piscou mais algumas vezes, pensando que estava a sonhar. Que logo acordaria, pois não era possível que Mairon de fato partira.

Mas era verdade. Em breve ele constataria que era de fato verdade.

To be continued

OoOoOoOoOoOoO

A Catitah foi mesmo embora! E o Saruman, que nem está perto ainda de se tornar um Istar? O que vai fazer com esse desejo de poder, que começa a aparecer de forma tão inoportuna?

Aliás, coloquei ele na fic como assexual. Ele tinha a mente como "engrenagens de metal", como o Gandalf dizia. Acho que ele não sentia nada nesse aspecto. Mas na questão do poder, ih... ia longe quase como a Catitah! Mas ainda acho que era um maia de ranking bem menor. Mano, ele foi morto degolado na porta do Condado. Tá, a Catitah foi mortah por causa do anel queimado (kkkkkkkkkkk) mas olha o esforço empreendido só pra fazer o Sauron perder o corpitcho. E olha a morte do Curumo, como foi bem mais banal.

O próximo capítulo será o último, com a reação de Aule à perda de um de seus discípulos mais estimados.

Beijos a todos e todas!