CAPÍTULO DOIS
Ginny vestiu jeans e um suéter vermelho e prendeu seu longo cabelo num rabo-de-cavalo para preparar o jantar. Enquanto fritava frango para acompanhar o purê de batatas e as vagens em conserva, assou biscoitos no velho forno. Talvez conseguisse endireitar Rony, mas não tinha ideia de como fazer isso. Conversar não adiantaria. Ela já tentara. Ou Rony se afastava e se recusava a escutar, ou saía de si e começava a praguejar. E para piorar; ultimamente ela percebia notas faltando no pote de dinheiro dos ovos. Estava quase certa de que Rony as pegara, mas como poderia perguntar ao próprio irmão se ele estava roubando dinheiro dela?
No fim, ela pegara o dinheiro restante no pote e o depositara no banco. Não deixou nada pela casa que pudesse ser vendido ou penhorado em busca de dinheiro fácil. Ginny sentia-se uma criminosa, o que a deixava ainda mais culpada quanto ao ressentimento de ser responsável pela família.
Não havia ninguém com quem pudesse conversar sobre seus problemas, exceto Lilá, mas odiava incomodá-la com seus lamentos. As amigas de longa data estavam casadas ou seguiam as próprias vidas em outras cidades. Uma amiga seria de grande ajuda. Não podia conversar com o avô. A saúde dele já era bem precária, não podia confrontar Rony. Então dissera ao avô que cuidaria do assunto. Talvez pudesse falar com o sr. Longbottom no trabalho e pedir algum conselho. Era a única pessoa fora de sua família com a qual poderia contar.
Ela serviu a comida na mesa e chamou Percy e o avô. Ele deu graças, e todos comeram escutando Percy reclamando da matemática, das professoras e da escola em geral.
— Nunca aprenderei matemática — Percy afirmou, fitando a irmã com seus olhos castanhos, apenas um pouco mais claros que os dela. O cabelo era muito mais claro, quase loiro. Era alto para um garoto de dez anos, e crescia mais a cada dia.
— Sim, claro que aprenderá — Ginny disse. — Você precisará ajudar com os registros qualquer dia desses. Não durarei para sempre.
— Ora, pare de falar assim — repreendeu o avô. — Você é jovem demais para falar dessa maneira. Contudo — ele suspirou, fitando seu purê de batatas —, reconheço que você às vezes tenha vontade de fugir. Tendo que cuidar de todos nós...
— Pare com isso — Ginny murmurou, fazendo cara zangada. — Amo vocês, do contrário não estaria aqui. Coma seu purê. Fiz torta de cereja para a sobremesa.
— Oba! Minha favorita! — Percy sorriu.
— E você poderá comer o quanto quiser. Depoisque fizer seu dever de matemática e eu conferir tudinho — ela acrescentou com um sorriso tão grande quanto o dele.
Percy fez cara amuada e apoiou o queixo nas mãos.
— Eu devia ter ido com o Rony. Ele disse que eu podia.
— Se algum dia você for atrás do Rony, tomo sua bola de basquete e sua cesta — ela ameaçou, dispondo da única arma que tinha.
O menino empalideceu. Basquetebol era a vida dele.
— Calma, Ginny, era brincadeirinha!
— Espero que sim. Rony está metido com más companhias. Já tenho problemas que bastam, não quero que você se torne mais um deles.
— Isso mesmo — o avô apoiou.
Percy pegou o garfo.
— Certo. Ficarei longe de Gregório e Vincent. Só não mexam com minha bola.
— Então temos um trato — Ginny prometeu, tentando não parecer muito aliviada.
Ela lavou os pratos, limpou a sala e lavou duas trouxas de roupa enquanto o avô e Percy assistiam televisão. Então supervisionou o dever de casa de Percy, colocou-o para dormir, acomodou o avô, tomou um banho e decidiu ir para a cama. Antes que pudesse, contudo, Rony cambaleou pela sala, rindo e cheirando à cerveja.
O esmagador cheiro de malte a deixou enjoada. Nada em sua vida a deixara preparada para lidar com aquilo. Fitou o irmão com fúria impotente, odiando a vida doméstica que o guiara para tal armadilha. Ele estava numa idade na qual precisava de um homem que o guiasse, de um exemplo masculino a seguir. Estava procurando por um modelo, e ao invés de usar o avô, encontrara os irmãos Crabbe-Goyle.
— Oh, Rony — ela murmurou infeliz. Ele se parecia muito com ela, com seus cabelos ruivos e constituição esbelta, mas os olhos eram puro verde, diferente do tom castanho dos dela e dos de Percy, e o rosto tinha o ar mais sadio.
Rony forçou um sorriso.
— Não vou vomitar, viu? Fumei um baseado antes de encher a cara de cerveja. — Ele piscou. — Vou largar a escola, Ginny por que isso é para fracotes e retardados.
— Não, você não vai — ela retrucou. — Não estou me matando de trabalhar para você se transformar num vadio profissional.
Ele a fitou, meio tonto.
— Você só é minha irmã, Ginny. Não pode me dizer o que fazer.
— Pois olhe para mim. Não quero mais você andando por aí com aqueles irmãos Crabbe-Goyle. Eles só vão lhe causar problemas.
— Eles são meus amigos e vou andar com eles se eu quiser — ele afirmou. Sentia-se exaltado. Também fumara um pouco de crack, sua cabeça estava prestes a explodir. Tinha sido maravilhoso enquanto estava alto, mas agora o efeito estava passando, sentia-se mais deprimido do que nunca. — Odeio ser pobre!
Ginny encarou-o.
— Então arranje um emprego — disse friamente. — Foi o que eu fiz. Arranjei um antes mesmo de terminar a escola. Tive três empregos diferentes antes de conseguir esse. E tive que fazer cursinhos à noite para consegui-lo.
— Lá vamos nós de novo, santa Ginny — ele disse, enrolando as palavras. — Então você trabalha. Grande coisa. E o que ganhamos com isso?! Somos muito pobres. E agora que vovô está doente, vamos ficar ainda mais!
Ginny sentia-se doente por dentro. Sabia daquilo, mas não era de grande ajuda que Rony falasse isso na sua cara. Ele estava bêbado, ela tentou dizer a si mesma, não sabia o que estava falando. Mas magoava do mesmo jeito.
— Seu garoto egoísta — disse zangada. — Seu pestinha ingrato! Estou me matando de trabalhar, e você fica aqui reclamando que não temos nada!
Rony vergou o corpo, sentou pesado, e respirou fundo. Ela devia estar com a razão, mas estava doidão demais para se importar.
— Deixe-me em paz — murmurou, esticando-se no sofá. — Só deixe-me em paz.
— O que usou além de cerveja e maconha?
— Um pouco de crack — ele disse quase dormindo. — Todo mundo usa. Deixe-me em paz...
Esparramou-se e fechou os olhos. Estava dormindo enfim. Ginny ficou a fitá-lo com muda agonia. Crack. Nunca vira, mas o conhecia muito bem dos noticiários — uma droga ilegal. Precisava deter Rony de alguma maneira, antes que ele se afundasse. O primeiro passo seria mantê-lo afastado daqueles irmãos Crabbe-Goyle. Não sabia como conseguiria isso, mas encontraria urna maneira.
Cobriu o irmão com um cobertor porque era mais simples deixar que dormisse onde estava do que tentar arrastá-lo. Rony tinha quase 1,80m, e pesava mais que ela. Não poderia erguê-lo. Crack, ainda por cima. Nem precisava se perguntar onde ele teria conseguido crack. Provavelmente recebera dos amigos. Bem, com sorte, esta seria a única vez. Iria detê-lo antes que usasse crack novamente.
Foi para o quarto e deitou-se sobre a coberta puída com sua camisola de algodão, sentindo-se velha. Talvez as coisas parecessem melhores pela manhã. Poderia pedir ao reverendo Flitwick que conversasse com Rony — talvez isso resultasse em algo bom. As crianças precisavam de algo no qual se apoiar para enfrentar os momentos difíceis. Drogas e religião estavam em direções opostas na busca por algum conforto, mas a religião era certamente preferível. Sua própria fé a ajudara a enfrentar muitas tempestades.
Fechou os olhos e dormiu. Na manhã seguinte, despachou Percy para a escola, mas Rony não se levantava.
— Conversaremos quando eu chegar em casa — disse a ele com firmeza. — Não sairá com aqueles garotos novamente.
— Quer apostar? — ele perguntou, os olhos desafiantes. — O que poderia fazer para me impedir?
— Espere e verá — ela replicou, rezando para pensar em algo.
Foi preocupada para o trabalho. Pedira ao avô que conversasse com Rony, mas ele parecia não querer pensar no comportamento conturbado do garoto. Talvez fosse o fato de ter falhado tão gravemente com Carlinhos, seu filho, que agora não o deixava admitir que também estivesse falhando com o neto. Seu velho avô possuía uma dose dupla de orgulho.
Lilá lhe deu uma olhada quando a notou tão meditativa à escrivaninha.
— Posso ajudar em algo? — Lilá perguntou baixinho, para que mais ninguém ouvisse.
— Não, mas obrigada — Ginny respondeu com um sorriso. — Você é uma boa pessoa, Lilá.
— Sou apenas um ser humano como você — ela corrigiu. — Enfrentamos muitas tempestades na vida, mas elas passam. Agarre-se a uma árvore até o vento passar, é só o que você precisa fazer. Afinal, não há vento que dure para sempre, Ginny, seja ele favorável ou não.
Ginny riu.
— Tentarei me lembrar disso.
E foi o que fez até aquela tarde, quando recebeu uma ligação do gabinete do magistrado, informando-a de que Rony fora detido por porte de drogas. O sr. Dippet, o magistrado, disse ter chamado o promotor de justiça. Ambos conversaram com Rony antes de o enviarem para o centro de detenção juvenil, onde ficaria enquanto decidiam se o fichariam ou não. Ele tinha o bolso cheio de crack ao ser pego, bêbado, na companhia dos irmãos Crabbe-Goyle fora da cidade.
A decisão de apresentar acusação formal pelo crime cabia ao promotor, disse o sr. Dippet. E Ginny podia apostar que se Potter tivesse evidências suficientes, pediria a condenação. Ele era muito severo com pessoas que traficavam drogas.
Ginny agradeceu Dippet por lhe telefonar pessoalmente e rumou de imediato para o escritório de Neville Longbottom para pedir alguma orientação.
O sr. Longbottom deu-lhe um tapinha no ombro depois de fechar a porta, querendo poupá-la do escrutínio das pessoas na sala de espera.
— O que faço? O que faço? — Ginny perguntava desesperada. — Disseram que ele estava com mais de quarenta gramas. Pode ser acusado de crime.
— Ginny, é seu pai quem deve cuidar disso — ele disse com severidade.
— Ele não está na cidade no momento. — Bem, era verdade. Ele não estava na cidade há dois anos e jamais fora responsável pelos filhos. — E meu avô não está bem de saúde — da acrescentou. — Ele sofre do coração.
Neville Longbottom meneou a cabeça e suspirou. Depois de um minuto, disse:
— Certo. Verei se consigo conversar com o promotor. Ligo e agendo uma reunião. Talvez seja possível fazer um acordo.
— Com o sr. Potter? Você não disse que de não faz acordos? — ela perguntou nervosa.
— Isso depende da gravidade da acusação e da quantidade de evidência que ele possua. Potter não gosta de gastar o dinheiro dos contribuintes em casos que não pode vencer. Veremos.
Longbottom falou com a secretária do promotor e foi informado de que Harry Potter dispunha de alguns minutos no momento.
— Estamos subindo — ele disse e desligou. — Vamos, Ginny.
— Espero que ele esteja de bom humor — ela disse, dando uma olhada no espelho.
O cabelo estava arrumado com um coque, o rosto pálido mesmo com a maquiagem discreta. Mas a saia xadrez de lã vermelha mostrava seus três anos, e os sapatos pretos estavam gastos e arranhados. Os punhos da blusa branca de manga comprida estavam puídos, e suas mãos finas exibiam as desolações do trabalho que fazia na fazenda. Ginny não era nenhuma dama ociosa e em seu rosto já existiam marcas que não seriam notáveis numa mulher de sua idade. Temia não causar muita impressão no sr. Potter. Aparentava o que realmente era — uma mulher do campo sobrecarregada de trabalho e responsabilidades, sem qualquer sofisticação. Talvez isso funcionasse a seu favor. Não podia deixar Rony ir para a prisão. Ao menos devia isso à mãe. Já falhara em ajudá-lo muitas outras vezes.
A secretária do sr. Potter era alta, de cabelos escuros e muito profissional. Ela cumprimentou o sr. Longbottom e Ginny com cordialidade.
— Ele está esperando por você — ela disse, apontando para a porta fechada do escritório. — Pode entrar.
— Obrigado, Penélope — o sr. Longbottom respondeu. — Venha, Ginny, coragem.
Ele deu uma leve batida na porta e a abriu, permitindo que Ginny o precedesse. Não deveria tê-lo feito. Ginny ficou atônita ao ver quem estava por trás da imensa escrivaninha de madeira com várias pilhas de documentos.
— Você! — ela exclamou involuntariamente.
Ele largou o charuto que fumava e levantou-se. Não demonstrou tomar conhecimento da exclamação, não sorriu, nem fez qualquer tentativa de cumprimento formal. Parecia tão intimidador quanto no elevador, tão frio como sempre.
— Não precisava trazer a secretária para tomar notas — ele disse a Neville Longbottom. — Se veio fazer um acordo, aviso que não pretendo mudar de ideia depois que ouvir os fatos. Sente-se.
— É sobre o caso Weasley.
— O menor de idade — disse Potter. — Os garotos com quem ele tem andado são escória. O mais novo dos Crabbe-Goyle tem vendido drogas no colégio local nos intervalos das aulas. O irmão dele negocia de tudo, de crack a cavalos, e já foi preso por tentativa de roubo. Naquela época saiu logo do centro de detenção juvenil, mas agora já é maior de idade. Se eu o pegar de novo, vai direto para a cadeia.
Ginny estava sentada, dura feito pedra.
— E o Weasley? — perguntou num sussurro.
Potter deu-lhe uma olhada indiferente.
— Estou falando com Longbottom, não com você.
— Você não entendeu — ela contestou. — Rony Weasley é meu irmão.
Os olhos verdes, do promotor se estreitaram ao fitá-la de uma maneira que a fez sentir-se uma formiga.
— Weasley já é nome antigo para mim. Outro Weasley esteve aqui alguns anos atrás com uma acusação de roubo. A vítima não quis testemunhar, então ele saiu livre. Eu teria conseguido uma condenação sem liberdade condicional se ele tivesse ido a juízo. Algum parentesco com você?
Ginny encolheu-se.
— Meu pai.
Potter não disse uma palavra. Nem precisava. A intensidade do olhar dizia a Ginny exatamente o que ele pensava de sua família. Você está enganado, ela queria dizer. Não somos todos assim. Mas antes mesmo que pudesse falar, ele se voltou para Longbottom.
— Estou certo ao concluir que você está representando sua secretária e o irmão?
— Não — Ginny principiou a dizer, pensando nos honorários que não poderia pagar.
— Sim — Neville Longbottom a interrompeu. — Ele é réu primário, e o rapaz está passando por necessidades.
— O garoto é um fedelho mal-humorado, nada prestativo — ele corrigiu. — Já estive falando com ele. Não o considero um necessitado — Potter expôs sucintamente.
Ginny imaginou como Rony reagiria a um homem como Potter. O garoto não tinha respeito por homem algum — não tendo o exemplo do pai.
— Ele não é mau garoto — ela alegou. — São as más companhias que arranjou. Por favor, tentarei lidar com ele...
— Seu pai já fez um ótimo trabalho — Potter disse, totalmente alheio à real situação em sua casa ao afrontá-la, os olhos verdes apunhalando os dela enquanto se reclinava na cadeira com seu charuto entre os dedos compridos. — Não há por que deixar o garoto voltar às ruas se a situação dentro de casa não mudar. Ele voltará a fazer a mesma coisa.
Os olhos dela buscaram os olhos dele.
— Você tem irmão, sr. Potter?
— Não que eu saiba, srta. Weasley.
— Se tivesse um, entenderia o que eu sinto. É a primeira vez que ele faz uma coisa dessas. Seria como atirar um bebê aos crocodilos.
— Pois o bebê estava em posse de drogas ilegais. Cocaína, para ser exato. E não era só cocaína... crack. — Ele se inclinou para a frente, parecendo mais índio que nunca, seu olhar franco, firme e ligeiramente perigoso. — Ele precisa de orientação. Está óbvio que você e seu pai não são capazes de oferecer isso a ele.
— Isso foi golpe baixo, Potter — Neville Longbottom disse.
— Foi um golpe certeiro — retrucou sem desculpar-se. — Garotos dessa idade não mudam sem ajuda. Ele deveria ter recebido orientação desde o começo, agora pode ser tarde demais.
— Mas...! — Ginny disse.
— Seu irmão já teve muita sorte por não ser pego vendendo aquelas porcarias na rua! — ele afirmou. — Odeio vendedores de drogas. Faço qualquer coisa para levá-los a juízo.
— Mas ele não vende drogas — Ginny murmurou, seus grandes olhos castanhos rasos d'água.
Potter não sentia compaixão há muito tempo, e não estava gostando nada disso. Desviou os olhos.
— Ainda não — concordou. Suspirou zangado, olhando de Ginny para Longbottom. — Tudo bem. Dippet, o magistrado, disse que acatará o que eu decidir. O garoto nega o delito. Diz não saber como a droga foi parar em sua jaqueta, e as únicas testemunhas que temos são os irmãos Crabbe-Goyle. Eles, claro, confirmaram a história inteira — ele acrescentou com um sorriso indiferente.
— Em outras palavras — Neville disse com um fraco sorriso —, você não tem exatamente um caso formado.
— Exato — Potter concordou. — Desta vez — Potter disse, olhando com ar significativo para Ginny —, desistirei das acusações.
Ginny ficou tonta de alívio.
— Posso vê-lo? — murmurou. Estava muito abalada para dizer qualquer coisa mais, e aquele homem a odiava. Não conseguiria simpatia ou ajuda da parte dele.
— Sim. Quero que Quirrell, da corte juvenil, vá falar com o garoto, pois haverá uma condição para a soltura. Agora, vão. Tenho trabalho a fazer.
— Certo, estamos saindo do caminho — Longbottom disse, levantando-se. — Obrigado, Potter — agradeceu formalmente.
Potter levantou-se também. Enfiou uma das mãos no bolso, fitando o rosto trágico de Ginny com um misto de emoções. Sentia pena dela, mas não queria. Perguntava-se por que o pai não a acompanhara. Ela era muito magra, e a tristeza no rosto oval era perturbadora. Estava surpreso por preocupar-se com isso. Poucas coisas o preocupavam atualmente. Ela não parecia a moça convencida e divertida que encontrara várias vezes no elevador. Não agora. Parecia totalmente desesperançada. Viu-os passar pela porta e voltou à sala sem dizer nada à secretária.
— Vamos ao centro de detenção — Neville Longbottom disse a Ginny ao guiá-la para dentro do elevador e apertar o botão do sexto andar. — Tudo vai ficar bem. Se Potter não tem provas para este caso, não seguirá adiante. Rony poderá sair conosco.
— Ele nem quis me escutar — ela murmurou.
— Ele é um homem severo. Provavelmente o melhor promotor de justiça que este condado já teve em muito tempo, mas às vezes pode ser inflexível. Também não é um homem fácil de se enfrentar nos tribunais.
— Posso bem imaginar.
...
Ginny foi ver o irmão na detenção depois do trabalho. Foi levada para uma salinha de reuniões para esperar por ele. Rony surgiu 15 minutos depois, parecendo assustado e agressivo ao mesmo tempo.
— Oi, Ginny — disse com um sorriso metido. — Não bateram em mim, então não precisa se preocupar. Não vão me mandar para a cadeia. Conversei com dois outros garotos que conhecem os procedimentos. Disseram que o centro de detenção juvenil é coisa leve porque somos menores de idade. Serei solto rapidinho.
— Obrigada — ela disse, os lábios apertados e os olhos frios. — Obrigada por sua generosa consideração pelos meus sentimentos e os do vovô. É bom saber que você nos ama o bastante para tornar nosso nome notório.
Rony era arredio, mas tinha coração. Baixou o tom e os olhos no mesmo instante.
— Agora me diga o que aconteceu — ela disse, sentando-se defronte a ele quando o sr. Quirrell, o comissário de menores responsável pelo caso de Rony, juntou-se a eles.
— Não lhe contaram? — Rony perguntou.
— Quero que você me conte — ela contrapôs.
Ele lhe deu uma longa olhada e deu de ombros.
— Eu estava bêbado — murmurou, retorcendo as mãos sobre as pernas cobertas pelo jeans. — Eles me chamaram para usar um pouco de crack, eu apenas assenti. Eu apaguei no banco de trás e só acordei quando os policiais nos pararam. Meus bolsos estavam cheios da coisa. Não sei como foi parar lá. É sério, Ginny — ele acrescentou. Ela, o irmão e o avô eram as únicas pessoas que ele amava neste mundo. Rony odiava o que tinha feito, mas era orgulhoso demais para admitir — Fiquei bem mais sóbrio depois que Potter conversou comigo.
— O porte de drogas ilegais já bastava para uns dez anos de prisão se o promotor quisesse julgá-lo como adulto — o sr. Quirrell interveio com um olhar franco. — E você ainda não está completamente livre de problemas. O sr. Potter, o promotor de justiça, ficaria contente em colocá-lo atrás das grades.
— Ele não pode. Sou menor de idade.
— Só por mais um ano. E o reformatório não seria um lugar dos mais agradáveis, rapazinho. Isso posso garantir.
Rony parecia subjugado e um pouco menos agressivo. Retorcia as mãos sobre o colo.
— Não vou para a cadeia, vou?
— Não desta vez — o comissário afirmou. — Mas não subestime Potter. Seu pai foi muito arrogante quando se livrou da acusação de roubo, e por isso sua família não é benquista pelo promotor. Ele é um homem de moral. Não gosta de criminosos. Seria bom que lembrasse disso. Ele ainda acha que seu pai ameaçou aquela vítima a não falar.
— Meu pai foi preso?
— Esqueça isso — Ginny disse, endurecendo as feições.
Rony deu-lhe uma olhada, notando com relutância a tensão, a tristeza no rosto dela. Sentiu uma ponta de remorso.
— Só aviso desta vez — o sr. Quirrell disse a Rony. — Você ganhou a chance de se manter longe de confusão. Se desperdiçá-la, ninguém poderá ajudá-lo — nem sua irmã, nem eu. Pode ter se livrado de punição agora, mas porque é menor de idade. Mas você tem 17. E se o crime for grave o bastante, o promotor pode usar de sua autoridade para processá-lo como adulto. Se continuar envolvido com drogas, é inevitável que passe algum tempo na cadeia. Gostaria de poder mostrar o que isso significa. Nossas prisões estão superlotadas, e mesmo as melhores são um inferno para jovens criminosos. Se não gosta de receber ordens de sua irmã, também não vai gostar de ser a namoradinha de algum cara mais velho. — Ele encarou Rony. — Entendeu o que eu quis dizer, filho? Você iria circular entre eles que nem brinquedo novo.
Rony corou.
— Não iria não! Eu lutaria...!
— E perderia. Pense no assunto. Por enquanto, receberá aconselhamento psicológico — disse o comissário. — Já o agendamos na clínica de saúde mental. Você é obrigado a ir. Espero que saiba que isso é ideia de Potter, e que ele o supervisionará periodicamente. Não o aconselho a perder nenhuma sessão.
— Maldito Potter — Rony praguejou.
— Esta não é uma boa atitude a ser tomada — Quirrell alertou calmamente. — Você se meteu num grande problema. Potter pode ser seu pior inimigo ou seu melhor amigo. Você não gostaria de tê-lo como inimigo.
Rony murmurou algo e desviou os olhos para a janela. Era como se odiasse o mundo inteiro.
— Certo, Rony, por enquanto pode ir com sua irmã. Conversaremos novamente.
— Tudo bem — Rony disse apenas. Levantou-se e apertou a mão do homem com relutância. — Vamos, mana. Vamos para casa.
Ginny ficou calada. Caminhou até o carro feito um zumbi e acomodou-se ao volante, mal esperando que Rony fechasse sua porta antes de partir. Sentia-se aflita até a alma.
— Desculpe ter sido apanhado — Rony disse quando estava a meio caminho de casa. — Imagino que esteja passando por uns maus bocados, estando presa ao vovô, a mim e a Percy.
— Não estou presa — ela mentiu. — Amo todos vocês.
— O amor não deveria fazer da vida das pessoas uma prisão — Rony disse. Olhou de esguelha para ela, com um ar astucioso nos olhos que ela não notou. — É sério, Ginny, eu não sabia no que estava me metendo.
— Tenho certeza disso — ela disse, perdoando-lhe de tudo, como sempre fazia. Conseguiu sorrir. — Só não sei o que fazer, como enfrentar. O promotor de justiça foi muito severo.
— Esse tal Potter — Rony murmurou. — Nossa, eu o odeio! Ele veio me ver na detenção. Olhou-me nos olhos e fez com que me sentisse um verme. Disse que eu terminaria como o papai.
— Não mesmo — ela disse resoluta. — Ele não tinha o direito de dizer uma coisa dessas!
— Ele não queria que eu saísse — Rony disse com hesitação. — Tentou convencer o sr. Quirrell a me colocar no reformatório. Ficou aborrecido quando ele não concordou. Disse que qualquer um que brinca com drogas merece a cadeia.
— Pois que o sr. Potter vá para o inferno — ela falou com ímpeto. — Vamos nos virar.
— Olha — ele começou a dizer — Eu poderia arranjar um emprego, depois da escola, sabe? Poderia ganhar algum dinheiro...
— Estou me virando bem — ela disse, quase se engasgando com as palavras. — Não precisa arranjar emprego — acrescentou, não vendo o lampejo de raiva no rosto dele. — Cuidarei de você, como sempre fiz. Você termina a escola e então trabalha. Você só tem mais este ano. Não é tanto tempo.
— Olha, tenho 17 anos! — ele explodiu. — Não preciso mais que cuidem de mim! Estou cansado de ficar trabalhando na fazenda e nunca ter dinheiro no bolso. Eu gosto de uma garota, mas ela nem fala comigo. Você nem me deixa arranjar uma droga de carro!
— Não comece a praguejar contra mim! — ela disparou. — Não ouse!
— Deixe-me sair. — Ele segurou a maçaneta da porta, os olhos a desafiá-la. — Eu juro que pulo. Para esse carro e me deixe sair!
— Rony, aonde você está indo?! — ela perguntou quando ele já estava na rua.
— Para onde eu possa ser o que quero — ele respondeu com rispidez. — Não sou seu garotinho, Ginny, sou seu irmão! Não entende, não é? Não sou uma criancinha para receber ordens! Sou um homem!
Ela curvou um pouco o corpo, esticando-se em direção à porta aberta, os olhos fatigados, o rosto marcado de preocupação.
— Oh, Rony — ela lamuriou. — Rony, o que faço agora? — Ela desatou a chorar, as lágrimas descendo pelas bochechas.
Ele hesitou, dividido entre lutar pela independência e apagar aquele olhar do rosto da irmã. Não pretendia magoá-la, mas não andava muito no controle de si mesmo ultimamente. Tinha essas violentas alterações de humor...
Voltou para dentro do carro e fechou a porta, encarando-a com ponderação. Sentiu-se subitamente mais velho ao perceber que Ginny apenas se fingia de forte. A culpa caiu sobre ele feito uma pedra. Não deveria aumentar mais o fardo da irmã agindo feito uma criança estúpida.
— Olha, vai ficar tudo bem — ele principiou a dizer com hesitação. — Ginny, por favor, pare de chorar.
— O vovô vai morrer — ela murmurou. Tirou um lenço de dentro da bolsa e secou os olhos. — Ele vai descobrir, não importa o quanto escondermos dele.
— Ei! E se nos mudarmos para Savannah? — ele sugeriu e sorriu. — Poderíamos enriquecer construindo iates.
Aquela vivacidade animou o espírito dela. Ginny sorriu também.
— Papai descobriria que temos dinheiro e viria nos procurar — disse sem muito humor.
— Disseram que ele foi preso. Você sabia?
Ela assentiu com a cabeça.
Rony reclinou-se contra o banco, olhando pela janela.
— Ginny, por que ele nos deixou quando a mamãe morreu?
— Ele nos deixou muito antes disso. Você não lembra, mas ele sempre estava fora com os amigos, mesmo depois que você e Percy nasceram. Acho que nunca esteve por perto quando era realmente necessário. Mamãe acabou desistindo.
— Não desista, Ginny — ele falou de repente, virando o olhar para ela. — Cuidarei das coisas, não se preocupe. — Ele já pensava em maneiras de conseguir o dinheiro que aliviasse dos ombros dela um pouco das obrigações financeiras. Os irmãos Crabbe-Goyle tinham lhe dado algumas sugestões. Ele não possuía tanto escrúpulo quanto Ginny, e havia várias maneiras de se fazer dinheiro. Ela não ficaria magoada se não soubesse, e ele seria mais cuidadoso para não ser pego pela segunda vez.
— Certo. — Ela retornou a estrada, se perguntando como dar a notícia ao avô, como enfrentar o futuro.
Esperava que Rony fizesse o que o comissário de menores lhe dissera. Esperava que tivesse ficado assustado com a experiência de ter sido preso. Talvez isso o mantivesse na linha.
Não sabia o que fazer. A vida tinha se tornado muito complicada. Queria fugir.
— No que está pensando? — Rony perguntou com grave suspeita.
— Estava pensando no bolo de chocolate que farei para o jantar — ela despistou com um sorriso. Foi necessário mais esforço para sorrir do que Rony jamais imaginaria.
