Segunda parte — Penitência
"Quem é esta que aparece alva como o dia, formosa como a lua, brilhante como o sol, terrível como um exército com bandeiras?"
(Cantares de Salomão 6:10).
Naquela noite, Snape voltou a dormir no sofá. Não só apenas pelas lembranças que sua cama trazia para atormentá-lo, mas, também, como uma forma de punição. Além disso, recusou-se a se medicar quando a dor de cabeça veio fortíssima, pungente, do lado direito de sua testa, fazendo com que estremesse; também se obrigou a jejuar.
Caíra em tentação mais uma vez. Deixou-se levar pelo o seu veneno angelical de novo.
Durante o seu — falso — pedido de desculpas e, principalmente, durante o beijo, ele quase se permitiu se decidir sobre algumas coisas. Acreditou, naqueles preciosos segundos, que você poderia sentir o mesmo, que poderia o querer da mesma forma que ele a queria, isto é, além do prazer carnal. Por isso cogitou se entregar de vez, ponderou se valia a pena largar o sacerdócio — largar tudo por você. E ele estava errado mais uma vez. Quantas vezes era permitido um homem errar num curto espaço de tempo?
Quantas vezes Deus permitiria que ele errasse por pecado?
E agora, novamente, ele não sabia como agir. Na melhor das hipóteses — ou na menos pior —, Deus poderia perdoá-lo dessa vez; afinal, não acreditava que um beijo pudesse ter o mesmo peso do coito.
Foda, trepa, transa, quase pôde escutar a sua voz na cabeça dele tirando sarro por ter medo, receio, de usar palavras mais simples, mais… Mais verdadeiras.
Então, conseguiria ele seguir em frente após mais um beijo? Seria capaz de se perdoar de novo, de vestir a batida, a estola, o terço sem se sentir o pior dos piores monstros da Terra? Poderia olhar nos olhos de madre Minerva sem se sentir acuado, fugir das confissões com Padre Flitwick e, principalmente, encarar Monsenhor Dumbledore outra vez? Mas a mais importante de todas as indagações era: ele, Padre Snape, conseguiria resistir a você algum dia?
. . .
Outro mês se seguiu sem grandes acontecimentos. Snape, estritamente, chegava à igreja cedo o suficiente para não se atrasar para a primeira missa que administrava, mas tarde o bastante para não correr o menor risco de cruzar, possivelmente, com você. Na curta pausa durante uma liturgia e outra, trancava-se na sacristia. Uma vez encerrada a última cerimônia, voltava à sacristia apenas para remover suas vestes e corria para seu carro o mais rápido possível.
Seu novo comportamento — sempre ansioso, sobrecarregado, como se vivesse ao limite o tempo inteiro — chamou a atenção de Flitwick e Minerva, até mesmo de Neville. Por mais que eles conhecessem Snape anos o bastante para o considerarem um amigo, também estavam cientes das maneiras do padre. Ele poderia, e tendia a ser, bastante escorregadio e desconfiado; perguntar o que estava acontecendo jamais adiantaria.
Foi por isso que sem o conhecimento dos outros, Minerva telefonou para Dumbledore. Antes de se tornar monsenhor, o senhor fora o pároco da igreja em Mitcham. Ele que acolheu Severo e sua mãe, também era o maior responsável pelo desejo que o jovem rapaz de cabelos negros nutria pela vida religiosa. Anos mais tarde, Dumbledore se tornou monsenhor e foi transferido para Hackbridge, Flitwick tornou-se o responsável pela paróquia e Snape ingressou à igreja.
A voz mansa do seu velho amigo a alcançou. Eles conversaram amenidades, a princípio, como o clima, as novidades, família e se estava tudo bem. Quando o pouco assunto foi se encerrando, a madre soube que era hora de questionar.
— Alvo, sabe se aconteceu algo a Severo? Ele anda estranho há alguns meses.
— Estranho como? — Havia curiosidade no tom de Dumbledore, embora seu cenho estivesse franzido em preocupação. Minerva, do outro lado da linha, não sabia disso.
— Não sei muito bem… — suspirou. — Ele anda tão calado, mais do que o normal! Mal conversa mais conosco, não fica para as confraternizações, e muito menos nos dá abertura para questionar qualquer coisa. Você sabe como ele é — insinuou já procurando arrancar alguma informação do homem — e ele confia demais em você, então pensei que talvez soubesse de algo, Alvo.
— Minerva — ele foi evasivo —, o que um fiel confessa ao padre é do mais absoluto segredo.
— Então ele confessou algo a você? Entendo que tudo é sigiloso, e é claro que respeito isso. Mas estou preocupada com ele. Apenas me diga se é algo grave demais, ou se, pelo menos, isso vai passar.
— Minerva, minha querida — respondeu em despedida —, só Severo poderá decidir se isso passará ou não.
. . .
O "tempo de inércia" — carinhosamente assim nomeado por você — foi de muita utilidade. Usou-o para focar em seus estudos, principalmente em sua dissertação; também planejou algumas novas propostas para o grupo de leitura, além de ter se permitido mais tempo de lazer. Fez as unhas, foi às compras, passou noites divertidas nos pubs da cidade com alguns colegas da universidade, até mesmo se concedeu um ou outro envolvimento mais casual com outras pessoas.
Foi legal. Sentiu-se bem. Entretanto, ainda sentia falta de algo, e estava ciente que esse algo era o Padre Snape. Mais precisamente o gosto do proibido que ele lhe oferecia e, é claro — pensou com maldade —, o entretenimento quase inadequado que era divertir-se à custa do pobre homem. Que de coitado não tinha nada, você lembrou. A discussão no carro ainda a deixava irritada toda vez que recordava.
Tudo bem, você confessava que talvez passara um pouquinho do ponto, e também concordava que ele se sentisse mal e enganado. Porém, nada — absolutamente nada — dava razão para acusá-la de destruir a vida dele; pois Snape até poderia não ter utilizado literalmente essas palavras, mas foi exatamente isso que quisera dizer, você sabia.
Talvez fosse algo que devesse investigar mais a fundo, com ajuda psicológica, mas você sempre tivera certa dificuldade de aceitar algumas verdades quando eram ditas a você — não que pensasse que o que Snape dissera era verdade. Também percebia que quando queria algo, ia até o fim, ou quase isso, para conseguir. Foi esse hábito terrível, mas que tendia a gostar, que havia a levado a perturbar Snape, e você ainda não estava satisfeita.
Houve um momento — um breve momento — em que pensou estar cansada daquela brincadeira, que já estava na hora de seguir para uma nova obsessão. Contudo, além de ter sentido falta da imoralidade, as acusações durante o evento no carro despertaram em você um novo impulso, que, desta vez, era gerado por raiva e vingança.
Esse fora o motivo do seu novo afastamento. A tática de dar espaço a Snape para depois voltar e incomodá-lo havia dado certo da primeira vez, e a poria em prática novamente. Agora tinha uma ou outra nova ideia, e conforme as planejava, ficava ainda mais ansiosa.
Apesar da sua perversidade metódica, ainda gostava de gozar de certa dose de espontaneidade. E ficou radiante quando, em um dia aleatório, encontrou a brecha perfeita — a brecha que precisava.
Tinha sido liberada mais cedo da universidade naquela tarde. Retornou à república para tomar um banho rápido antes de seguir para Mitcham. Tinha dois objetivos ao ir tão cedo para a igreja: a) organizar a sala para a reunião daquele dia, já que proporia aos jovens as suas novas ideias, e b) queria tentar encontrar Snape assim que ele chegasse para a missa das 17h. E tamanha foi sua surpresa quando o avistou ainda muito cedo na igreja naquele fatídico dia.
Assim que adentrou as portas, conseguiu ver um vislumbre das costas largas e os cabelos negros antes que ele adentrasse o confessionário. Você não se apressou, aliás, havia alguns fiéis aguardando para se confessarem antes da missa. Então seguiu para a sala, arrumou algumas coisas, deixou seus pertences e depois procurou Minerva nos fundos do edifício.
Vocês duas conversaram por algum tempo. A madre, assim como Flitwick, Neville e um Snape de meses atrás, caíra no seu jeitinho dissimulado. Assim, a senhora sempre ofertava elogios e mais elogios sobre você — o que frequentemente perturbava ainda mais um certo homem —, e naquela tarde te oferecera um lanche delicioso.
— Madre — começou enquanto terminava de beber o suco em seu copo —, acabei vendo o Padre Snape quando cheguei. Pensei que Padre Flitwick ficasse aqui nesse horário.
— E fica, querida. Mas Filio teve um contratempo. — Empurrou mais um pedaço de bolo para você enquanto falava. — Ele está com um problema no banheiro dele e o encanador iria hoje até lá. Então pediu que Severo viesse para dar assistência nesse período da tarde, sabe? Não temos missas agora, mas é o horário em que algumas pessoas vêm para se confessarem, ou para se informar sobre algumas coisas.
A sua expressão era totalmente neutra enquanto devorava mais uma fatia do bolo de chocolate, mas por dentro estava prestes a explodir de entusiasmo. Então Padre Snape estaria pelas próximas horas se encarregando das confissões? Isso, definitivamente, era interessante.
Talvez estivesse na hora de confessar seus pecados.
. . .
Como se tudo estivesse ao seu favor — e você se considerava uma pessoa geralmente sortuda —, uma senhorinha havia acabado de deixar o confessionário quando chegou à nave da igreja e não havia mais nenhuma outra pessoa aguardando. Respirou fundo enquanto encerrava os metros que a levariam até a cabine de madeira escura. O som da cortina quando a fechou soou muito alto aos seus ouvidos; você umedeceu os lábios ao se sentar.
— Perdoe-me, padre, pois eu pequei.
Snape quase se engasgou ao respirar. Não era a mesma voz arrogante e diabólica da última discussão, mas aquela doce e inocente de muitos meses antes. O nervosismo fez com que se sentisse tonto, a princípio, e até mesmo apoiou uma mão na parede do confessionário, procurando se segurar mesmo que estivesse sentado.
Ele vinha enfrentando dias muito complicados. No dia anterior, particularmente, mal conseguira comer. Naquela manhã, a única coisa que foi capaz de ingerir foi uma xícara de café e um único biscoito de gengibre. Não sentia fome, mas, naquele momento, a falta de alimentação veio para cobrá-lo pela sua negligência, e o nervosismo provocou um mal-estar quase imediato.
— Qual foi a última vez que se confessou? — perguntou, seguindo o procedimento.
— Uns… — pensou. — Não faço ideia, pra ser sincera. Mas sei que faz muitos anos.
Você, então, verdadeiramente — ou quase — começou a se confessar. Falou sobre uma vez em sua infância em que pôs pó de giz no café do seu professor de Geografia, quando dava língua aos seus pais sempre que eles lhe davam as costas após brigarem com você e uma vez que mentiu para a avó sobre não saber quem havia quebrado o frasco do seu perfume favorito.
Conforme revelava seus pecados mais recentes, piores eles ficavam. Contou sobre ter furtado uma barra de chocolate de uma loja uma vez, ter participado de um ménage à trois com outras duas colegas, ter seduzido um professor de Fonologia para que pegasse mais leve nas correções de suas avaliações — embora não tivesse se envolvido com ele. "Ele era muito baixo", alegou.
— Mas nada disso se compara ao meu pecado mais recente, senhor. — O tratamento ressoou muito indecente na sua falsa voz cândida.
— E qual seria ele, senhorita? — Correu o risco de perguntar. Já sabia que aquela conversa não terminaria bem de nenhuma forma que pudesse imaginar.
— Eu me envolvi com um homem com o qual não deveria — sussurrou. — Um padre, senhor.
— Isso é grave, criança. — Não pôde disfarçar o tom afetado na sua fala.
— Eu sei… Mas eu nunca senti nada parecido antes, entende? Fiquei assustada. Ainda estou um pouco assustada, na verdade. — Pela primeira vez, Snape conseguiu identificar sinceridade em você.
— O que sente por mi… — Pigarreou. — O que sente por esse homem?
— Desejo. Um desejo como nunca senti antes. Assumo que estou um tanto viciada… É isso: vício.
Padre Snape sentiu a boca ficar seca. As palavras que saíram dos seus lábios sedosos poderiam ser as dele. Ele também se sentia viciado — ainda que estivesse consciente que os sentimentos da mulher do outro lado do confessionário não eram tão afetuosos quanto os dele.
Além do vinho que se permitia tomar de vez em quando, Snape jamais foi um homem que apreciasse drogas, fossem lícitas ou ilícitas. Uma infância marcada por um pai dependente químico, que despejava sua agressividade sobre a esposa e o único filho, foi o bastante para mantê-lo longe dos entorpecentes. Porém, você era a droga favorita dele. Deixava-o dormente, leve, pesado, num estado de plenitude tão surreal que pensava jamais ser possível descer desse apogeu, mas que provocava uma abstinência impiedosa, que fazia com que sentisse que jamais poderia ser feliz de novo.
— Eu o tive uma única vez, até agora. — Você continuou, soando quase como uma ameaça. — E não estou satisfeita. Eu quero mais! Transei com uns três caras desde então, mas nenhum chegou perto de fazer com que eu me sentisse igual quando… Quando o cavalguei.
Ele não podia vê-la, porém, não era preciso para perceber a gradual mudança na sua postura. Você soava cada vez mais desinibida, e aquela maldade em sua voz começava a ressurgir.
— E a expressão dele, padre! Ninguém nunca me olhou daquele jeito. Nunca!
Conforme você ficava mais entusiasmada, mais o tom da sua voz diminuía. Àquela altura, Snape já se encontrava colado à parede para ouvi-la melhor. Dentro da calça, seu pau latejava.
— E toda noite eu me toco pensando nele-
— Como?! — Snape estava rouco. Você sorriu com triunfo.
— Imagino que é ele, sabe? Eu me deito, nua; a luz é parca, pequena, ilumina apenas o essencial. As pontas dos meus dedos percorrem minhas coxas, meu corpo se arrepia, e eu quase posso jurar que o escuto suspirar.
Tão inebriado pelo relato, Snape não notou a mudança no seu dialeto. Era mais um indício da astúcia daquela mulher. Você usava, agora, um linguajar mais poético, levando-o até à lembrança do poema, dos versos escritos por você.
— Meus mamilos ficam duros pelo vento frio da noite, mas isso não é capaz de aplacar o calor que sobe pelo meu ser. Então minha mão alcança meu nervo, e eu estou tão molhada — gemeu. — Consegue imaginar, padre?
Sim, ele conseguia. Em algum momento, Snape se perdeu para a vontade de fechar os olhos e pensar na cena descrita por você. Era fácil de visualizar: você era perfeita com as palavras e ele já vira o suficiente do seu corpo para saber o que imaginar. Sua mão se fechou em punho, segurando-se. Entretanto, abriu-se logo depois e descansou sobre a ereção para a apertar com força.
Ele não notou o breve silêncio interrompido pela abertura da cortina — da cortina do seu lado do confessionário. Você apreciou rapidamente a imagem à sua frente. Aquela roupa toda preta, que o deixava ainda mais delicioso, a clérgima apertada em volta do pescoço, que respirava rápido demais. A mão grande — que ficaria ótima batendo na sua bunda — esfregando o pau por cima do tecido grosso da calça… Era perfeito.
Snape só abriu os olhos quando sentiu duas mãos sobre seus joelhos. Pulou sobre o assento devido ao susto de vê-la ajoelhada aos seus pés. Tentou se afastar, levantar, colocá-la para longe, mas você se mostrou mais forte e resistente do que pensava, e as suas mãos o empurraram para que voltasse a se sentar.
— Tenha misericórdia. Pelo amor de Deus… — rogou.
— Estou tendo, querido — murmurou enquanto abria o cinto dele. Já não havia resistência alguma no homem. Céus, como ele era fraco! — Você precisa de ajuda e eu estou aqui para te ajudar.
O seu polegar — com a unha pintada de preto — capturou uma gota de pré-gozo quando conseguiu o pôr para fora da cueca. Sob sua palma, podia sentir as veias pulsarem enquanto o massageava. O seu nome se tornou um gemido quando o colocou na boca.
A glande roçou no seu céu da boca; do palato duro para o mole. Seus dedos desceram para acariciar os testículos; a cabeça dele caiu para trás, apoiando-se na parede. Tirou-o da sua boca, com um som molhado, e o masturbou enquanto trocava o toque dos dedos nos testículos pela sua língua. As mãos de Snape, que seguravam a ponta do banco até os nós dos seus dedos ficarem brancos, se precipitaram para agarrá-la pelo cabelo. Você gemeu em agrado.
Seus lábios retornaram ao membro. Desta vez, entretanto, você não precisou nem mesmo mexer a cabeça. O aperto de Snape em seus fios era firme, e ele passou a mexer os quadris na sua direção, fodendo aquela boca perversa como se fosse a boceta quente que ele sabia que você possuía.
Você apertou a coxa dele quando a cabeça inchada bateu na sua garganta e a fez engasgar. Mas ele não parou. Os seus olhos lacrimejaram, as lágrimas salgadas escorriam pela face ruborizada. Você deu dois tapas fracos na perna dele, pedindo um tempo para respirar. Ele, novamente, não parou.
Estava com raiva. Aquela ira de outrora retornava, e, agora, mais forte do que nunca. E ele estava tendo sua vingança — ou assim ele pensava. Ele não parou. Através das tosses, das lágrimas, das unhas cravadas em suas pernas — embora, apesar de tudo isso, ele vislumbrasse prazer nas suas pupilas dilatadas —, ele não parou até o próprio pau pulsar sobre a sua língua e a porra se derramar garganta abaixo.
À semelhança daquela tarde em que transaram, o torpor do orgasmo se dissipava ao mesmo tempo que a pouca razão que lhe restava retornava. Soltou o seu cabelo e rapidamente arrumou-se, colocando seu membro novamente dentro da calça. Escondeu o rosto entre as mãos e tentou desesperadamente recuperar sua respiração e entender o que acabara de fazer dentro do templo sagrado, podendo ser pego a qualquer momento por qualquer pessoa.
Você também procurava encontrar ar. Sua garganta ardia, sua mandíbula estava dolorida e você estava surpresa. Conseguira despertar uma nova faceta de Snape, que — pela surpresa que agora via nele — o próprio não conhecia. Havia um homem dominador ali dentro, cheio de raiva em busca unicamente do seu prazer. Você gostou daquilo.
— Obrigada pelo seu tempo, senhor — declarou enquanto se levantava para sair. — Tenha uma boa tarde.
. . .
Você passou as próximas horas saboreando o gosto de Snape em sua boca. Mascou um chiclete de morango para tentar disfarçar qualquer odor em seu hálito que pudesse a denunciar, e assim seguiu com o grupo de leitura no início da noite. Depois, conseguiu pegar o primeiro ônibus para Kingston que passou assim que chegou ao ponto, e antes das 21h já estava em casa.
Hannah e Lolla, as duas outras garotas com quem dividia a casa, haviam saído há alguns minutos para uma festa em Wimbledon e — se as conhecia bem o bastante — sabia que só voltariam no dia seguinte.
Então você se encontrava à mesa de jantar, com o notebook aberto, uma pequena pilha de livros e suas anotações. O prato sujo no qual comera peixe com fritas — um clássico inglês que adorava — ainda estava sobre a mesa, afastado para não sujar seus papéis. Lia o que algum estudioso comentava sobre uma das obras de Austen enquanto o cursor intermitente piscava no branco do Word, aguardando que continuasse sua dissertação.
Alguém bateu à porta. A princípio, pensou que fosse impressão sua, por isso ergueu os olhos do livro e aguardou em silêncio. Mais uma vez escutou o som dos ossos dos dedos contra a madeira. Franziu o cenho e olhou para a hora marcada no notebook. 23h16.
Não era possível que as garotas tivessem desistido da festa — era mais provável que abrissem mão da universidade do que de uma farra — e não haveria por que baterem, já que cada uma possuía uma cópia da chave. Também não conseguia pensar em nenhuma outra pessoa que iria até ali àquela hora.
Quem quer que fosse, continuava a bater.
Você calçou os chinelos antes de se levantar. Caminhou a contragosto até a janela e afastou a cortina discretamente para descobrir que a figura do lado de fora era inesperada. A cortina balançou minimamente quando a soltou de susto.
— O que diabos você tá fazendo aqui? — Você confrontou Snape assim que abriu a porta.
Ele não a respondeu. Havia distúrbio na imagem dele. Notou que ainda vestia a camisa e calças pretas, mas a clérgima não estava em nenhum lugar à vista. Na verdade, os primeiros botões da camisa estavam abertos e tortos; toda a figura, que uma vez fora impecável e ordenada, estava uma bagunça. Severo Snape gritava abandono.
Snape, então, deu passos largos e duros na sua direção. Esbarrou no seu ombro quando forçou a entrada dele casa adentro. Ele cheirava a vinho puro. Quantas taças — meu Deus, quantas garrafas? — ele havia consumido?
Você ainda segurava a porta entreaberta enquanto observava Snape, desorientado, fitar a casa. Você suspirou com apreensão. Pela primeira vez, estava temerosa em relação a ele.
— Você — encontrou sua voz — pode fazer o favor de sair da minha casa?
— Está sozinha? — As palavras soaram um pouco emboladas.
Aquele questionamento realmente a pôs em alerta. Continuou a manter a porta aberta, garantindo uma rota de fuga. Procurou com os olhos qualquer objeto próximo que poderia virar uma arma de proteção, e encontrou um guarda-chuva grande e pontudo.
— Por que quer saber?
Snape, mais uma vez, não a respondeu. Pelo menos, não com palavras. Espreitou-se na sua direção; os passos dele eram curtos e terrivelmente lentos. Ele parecia um predador.
A mão dele forçou a porta na direção contrária que você mantinha, trancando-os dentro da sala mal iluminada. Você não mostrou nenhuma resistência. A respiração presa, um pouco descompassada, e os olhos arregalados, sem saber pelo que esperar.
Quando ele se curvou para beijá-la, foi diferente de tudo. Definitivamente não havia o Padre Snape, virginal, medroso, inseguro. Havia apenas o mesmo homem raivoso daquela tarde no confessionário. Ele com certeza estivera bebendo recentemente, pois tudo que podia provar nos lábios dele era o gosto amargo e forte de algum vinho tinto.
Os dedos longos do homem se agarraram aos seus cabelos para mantê-la presa ali, embora isso não fosse necessário. Você não iria a lugar nenhum.
Você gemeu quando a língua dele circulou a sua. Snape deu mais um único passo para frente, levando-a para trás e a prendendo contra a parede. Podia sentir o pau duro contra sua barriga e isso fez com que você movesse os quadris para intensificar o atrito. A boca dele a libertou para que pudesse descer pelo seu corpo, e fez questão de pintar a pele do pescoço de roxo quantas vezes fosse possível.
Snape se ajoelhou e levou junto o short do pijama que você trajava — rosnou quando constatou que não usava calcinha. Ele não estava disposto a longas sessões de provocações. Fora até ali com um único objetivo: ter você mais uma vez, e da maneira que ele desejasse.
Mais cedo naquele dia, depois que você o deixou à própria sorte — de novo —, ele ficou escondido dentro do confessionário por muito tempo. Tinha medo que, ao sair, quem quer que o encontrasse pudesse dizer o que havia acontecido apenas ao olhar para ele. Temia, também, a ira da Igreja, do templo. Não sabia se poderia sair dali para se deparar com o altar, a imagem de Jesus e dos santos.
Saiu de cabeça baixa. Fechou-se na sacristia, trancando-a com chave e tudo. Ele hiperventilava. A clérgima foi arrancada, os botões foram abertos; ainda assim, o ar parecia não chegar aos seus pulmões. Poucos minutos depois, ele se encontrou curvado sobre o vaso sanitário e colocou para fora o pouco que havia conseguido comer.
Então ele estava faminto e com raiva demais para prolongar qualquer outra coisa que não fosse o que desejasse. Por isso, colocou as suas duas pernas sobre os ombros — após deixar a marca dos dentes dele na coxa macia — e a surpreendeu ao se levantar, deixando-a no alto.
A língua dele vagou diretamente para o clitóris e você estremeceu. Não havia onde se segurar, exceto no homem com o rosto enterrado em sua boceta. Apertou os fios negros entre seus dedos, tanto para se equilibrar quanto para mantê-lo ali. Com as mãos em suas pernas, ele fez com que se inclinasse para trás, e a boca de Snape, então, tocou seu ânus. Os seus olhos se reviraram e você gemeu entregue.
Mas logo você estava novamente no chão. Antes que pudesse pensar em protestar, Snape a segurou com muita força pelo braço e a arrastou até o sofá. Desafivelou o cinto e soltou o botão da calça, abaixou as vestes apenas o suficiente para pôr o membro para fora. Você não precisou ser mandada ou posicionada para se sentar sobre ele.
Diferente da outra vez, ele não deixou com que esperasse os primeiros segundos após a penetração, que naquela posição sempre parecia ser mais funda. Segurou-a pela bunda para, então, começar a movimentar si mesmo contra você. Você gemeu alto, procurando se apoiar nele ou no sofá. Ergueu a blusa larga que usava apenas o suficiente para deixar seus seios à mostra, e Snape a agradeceu ao fechar os lábios sobre os mamilos.
Você afundou suas unhas nas costas do homem e curvou-se para sussurrar ao ouvido dele:
— Sabia que não iria resistir… Você é fraco.
Snape a afastou para fora do seu colo, e novamente a puxou pelo braço. Desta vez, ele a deitou — ou empurrou — sobre o braço do sofá, com a bunda empinada para ele.
— Eu odeio você — disse antes de abaixar a palma com força sobre uma das nádegas.
— Eu — você gemeu quando ele voltou a penetrá-la — tenho certeza disso.
O sofá se movia conforme ele a fodia impiedosamente. Outra vez, ele a pegou pelos cabelos, forçando levemente seu tronco para cima, e pôs o polegar dentro da sua boca. Sem se interromper, Snape, imitando-a, colocou os lábios próximos à orelha dela para proferir:
— E eu odeio principalmente amar você.
Você não pôde absorver muito bem aquelas palavras. Com a mão que ainda segurava seus cabelos, como se fossem rédeas, a empurrou ao encontro do sofá, e o polegar que agora estava úmido adentrou seu ânus.
Os seus gemidos há muito já haviam se tornado quase gritos — e você muito rapidamente se questionou se seus vizinhos poderiam escutá-la. A cabeça do pau de Snape a alcançou mais cinco vezes contra aquele ponto dentro de si antes que você chegasse ao orgasmo. Seu corpo convulsionou de forma violenta contra o sofá, nem mesmo percebeu que ele também gozara.
As suas pernas fraquejaram e você caiu ao chão quando ele se afastou. Primeiramente, não ligou muito para isso. Estava ainda muito inebriada e tentava levar oxigênio para seu corpo. Abriu os olhos quando escutou o som do cinto. Ele terminava de se arrumar, sem olhar para você uma única vez.
— Vai me dizer por que caralhos veio até aqui de repente?
Ele não a respondeu, nem mesmo se deu o trabalho de te olhar. Você conseguiu se levantar ao mesmo tempo que Snape seguiu na direção da porta, como se nada tivesse acontecido.
— Ei! Espera aí! — Você pediu enquanto corria para o short esquecido no chão.
Vestiu-se rapidamente — talvez o short até estivesse do avesso — antes de sair para a rua fria. Ele caminhava rapidamente mais à frente, em direção ao carro.
— Snape — tentou não gritá-lo, mas, no silêncio do lado de fora, sua voz soou muito alta. — Severo!
Ele parou. Você assistiu as costas dele se enrijecerem antes que se virasse. Parecia, agora, que o sexo levara parte da embriaguez embora e Severo aparentava estar mais ciente sobre si, o ambiente e sobre você.
— O quê?
O tom da voz de barítono quase a fez querer correr de volta para casa. Conseguia ver que ainda havia o pobre padre perdido e pecador ali, em algum lugar, mas estava camuflado — sufocado — pela cólera.
— Você acha normal aparecer na minha casa dessa forma e simplesmente ir embora? — questionou com raiva e confusão. Agora, as palavras ditas por ele começavam a clarear na sua mente, e, por incrível que parecesse, você se sentiu mal. — O que você pensa que eu sou? Uma prostituta que você usa e depois vai embora?
A expressão no rosto dele não se alterou em momento nenhum. Ele se moveu para pegar algo do bolso traseiro da calça. Snape caminhou, um pouco bambo, até você enquanto mexia na carteira. De lá, tirou duas notas de 5 libras esterlinas e as jogou no seu rosto.
— Boa noite. — Foi tudo que ele disse antes de entrar no carro e dirigir para longe dali.
Na rua solitária, em que a única alma viva era você, permaneceu parada, incrédula, com o dinheiro no chão à sua frente. Mal acreditou quando sentiu seu nariz arder e as lágrimas caírem de seus olhos. Jamais havia se sentindo tão humilhada em toda sua vida.
Você pisoteou as £10 antes de retornar para dentro. Não podia acreditar que ele a tirara como uma puta — ainda mais uma tão barata.
. . .
Na manhã de segunda-feira, você se encontrava na escola que estagiava. Seu celular já havia tocado quatro vezes com mensagens de Neville pedindo que fosse à igreja quanto antes. Tentou uma desculpa com o orientador sobre não estar se sentindo muito bem. Felizmente, o professor de Literatura era extremamente bondoso e ele não pensou duas vezes antes de liberá-la e se oferecer para a levar até em casa, ou ao hospital, o que foi declinado por você.
Quando chegou, Neville a esperava na nave da igreja. Parecia nervoso, assustado, perdido. Você se perguntou se acontecera algo a Luna. Sem dizer nada, ele a encaminhou à sacristia.
— O que aconteceu?
No mesmo momento, ele abriu a porta para você e os dois adentraram o cômodo. Minerva chorava com desespero enquanto Flitwick tentava acalmá-la, embora parecesse tão desolado quanto.
— E-eu sabia que havia algo errado. — A madre soluçou. — Mas eu nunca… Nunca imaginei que ele faria isso, Filio.
— O quê-
— Snape não apareceu para as missas de sábado — explicou Neville — nem para as de domingo. E hoje, quando Flitwick chegou, isto estava sobre a mesa.
Ele pegou a folha que estivera próximo de Minerva. Antes de aceitar a carta em suas mãos, você observou a madre mais uma vez e fitou Neville com confusão. Seus dedos estavam trêmulos quando tocaram o papel e sua respiração, pesada.
"Caros,
Há muito que não sabem e que, tampouco, irei dizer a vocês. Está além de mim. São coisas que só pude confiar a Deus, porque só Ele é capaz de compreender e, talvez, perdoar — ou assim eu espero.
Quando encontrarem esta carta, minha solicitação de desvinculação já estará sendo encaminhada ao Tribunal Eclesiástico. Sim, é exatamente isso. Estou deixando o sacerdócio. Não é uma decisão repentina; muito pelo contrário. Essa ideia vinha rondando minha mente nos últimos meses, apenas me faltava coragem.
Não posso, nem acho que devo, compartilhar meus motivos. Tudo que posso dizer é que cometi erros demais, pecados que nenhum homem de Deus — principalmente um padre — deveria cometer.
Não, não voltarei atrás. Não posso! Vocês também não conseguirão me encontrar. Estarei tirando — digamos assim — férias. Preciso me ausentar, me desconectar de tudo, porque por mais que eu esteja muito certo da minha decisão, ela ainda me assombra.
Eu voltarei, um dia. Por ora, peço para que não se preocupem comigo e que deixem o Vaticano cuidar da minha situação.
Que Deus abençoe vocês,
Severo Snape."
. . .
Mais cedo naquela mesma manhã, antes de deixar a carta na igreja, Snape se sentou no chão da sala. Fitou as malas próximas à porta, aguardando para serem depositadas no porta-malas do carro e irem para longe dali. A carta parecia pesar em seu bolso. Sobre a mesa de centro, estava uma pequena caixa onde guardara suas vestes de sacerdote. Deixá-las-ia na igreja com a carta.
Houve um único item, no entanto, que ele ainda manteve em suas mãos. A clérgima passou pelos seus dedos, arrepiando-o, como se carregasse o peso de todos os seus erros e acertos.
— Confesso a Deus Todo-Poderoso, à bem-aventurada sempre Virgem Maria — murmurou enquanto ainda segurava o colarinho branco —, ao bem-aventurado Miguel Arcanjo, ao bem-aventurado João Batista, aos santos Apóstolos Pedro e Paulo, e a todos os santos, que pequei muitas vezes por pensamentos, palavras e ações, por… — Engoliu em seco e refreou o pranto que ameaçou vir. — Por minha culpa, minha máxima culpa.
A clérgima foi jogada ao fogo da lareira, e ele a observou queimar pelo o que pareceu incontáveis segundos.
— Por isso — continuou — peço à bem-aventurada sempre Virgem Maria, ao bem-aventurado Miguel Arcanjo, ao bem-aventurado João Batista, aos santos Apóstolos Pedro e Paulo, e a todos os santos, que oreis por mim a Deus, Nosso Senhor.
Fitou as chamas alaranjadas do fogo engolirem totalmente aquela peça que tanto representou os últimos quase vinte anos da sua vida. Desejou, por um insensato momento, que também pudesse ser consumido pelas chamas; talvez, assim, sua dor acabasse. Apenas pôde, então, pedir por misericórdia para ele e, principalmente, para você.
— Amém.
