N/A: Demorou, mas aqui está o novo capítulo! Esse, surpreendentemente foi bem fácil de escrever, o que demorou foi a vontade de escrever mesmo (hahaha!), foi bem mais leve do que os outros pra combinar com a personalidade desse personagem específico. Como já disse em capítulos anteriores, cada personagem representa um Cavaleiro de Ouro (exceto a Sibyl) e o capítulo 5 (que espero postar logo, junto do 6) será o último com introdução de personagem, depois dele as coisas vão começar a fluir mais rapidamente e já tenho algumas situações de doramas bem engraçadas, como ENCONTRO AS CEGAS!
Também estou postando a fanfic no AO3, mas sinceramente acho que vou parar de postar lá porque o fandom de CDZ só é movimentado aqui mesmo.
Aguardem e fiquem bem!
[Todos os personagens pertencem ao Masami Kurumada e a Shiori Teshirogi!]
4
Intruso
Kyrios
Desde que era criança eu sabia que teria um futuro bem diferente de Télos. Éramos gêmeos, mas não combinávamos em nada.
Télos fazia o tipo calado, assustado demais para interagir com outras pessoas, mal abria a boca quando estávamos na escola e quando começou a pintar encontrou um meio de se comunicar sem precisar fazer isso o que foi um alívio para ele. Eu era o oposto, precisava ser importante, precisava ser diferente, estar no centro do palco...
Foi por isso que resolvi atuar. Ou ao menos foi isso o que me aconselharam a fazer quando atuei em uma peça no primeiro ano do Ensino Médio. Não sabia nada sobre literatura clássica porque as aulas não me interessavam, mas decorei o texto e fui escolhido para o papel principal da peça Romeu e Julieta.
Mesmo odiando com todas as minhas forças aquele personagem, todo o seu jeito apaixonado e bobo por uma garota que mal havia conhecido, fui aplaudido de pé, e os aplausos e sorrisos me atraíram até aquele mundo.
Depois disso uma garota me filmou cantando durante uma festa e o vídeo acabou se espalhando. A cidade era pequena, mas a internet não tinha fronteiras, então acabei postando mais vídeos com covers de músicas famosas. Não ganhei nada, mas a exposição foi boa, foi assim que consegui meu agente, que acabou com o ceticismo de minha mãe, que ainda assim exigiu um diploma universitário, se bem que acho que foi só um motivo para me prender a Télos por mais alguns anos.
Acho que ela sabia que quando eu começasse a voar esqueceria de todos que ficassem no chão.
Estava me saindo melhor na faculdade do que esperava, talvez porque estava estudando algo que realmente combinava comigo. Dominava as aulas práticas e quando queria uma nota maior em uma matéria teórica minhas colegas de turma me ajudavam em troca de diversão ou não. No fim todos saíam ganhando.
Esse ano eu era oficialmente um veterano e para a surpresa da minha mãe acabaria me formando um ano antes de Télos. A vida era mesmo cheia de ironias.
- Romeu e Julieta? – perguntei a diretora. Era o primeiro dia de aula, mas os veteranos teriam que se apresentar no fim do semestre então a turma se reuniu no fim da aula para decidir qual musical faríamos, pois só assim poderíamos começar a nos preparar, definir as audições e o cronograma de ensaios.
Isso acontecia todos os anos, mas ao contrário dos meus colegas eu também havia atuado nos anos anteriores por ser um prodígio musical. Os papeis foram pequenos, mas consegui me destacar, por isso meu futuro estava bem definido.
- É um clássico, acho bom – disse Suwa, ele estava sentado do outro lado da sala.
Revirei os olhos. É claro que ele achava bom já que eu estava odiando.
- Qualquer coisa menos Shakespeare – rebati.
Suwa suspirou. Apesar de ser um dos únicos que conseguia rivalizar comigo, não dos dávamos tão bem, havia alguma coisa em seu cabelo cor de areia e seu jeito bonzinho que me incomodava profundamente.
- Estou com Kyrios – disse Selena. Ela era nossa atriz principal, mas apenas porque a família dela patrocinava praticamente todo o departamento.
Selena era alta e esguia, com olhos amendoados e cabelo preto liso que adquiria uma tonalidade lilás perto da luz. Sua voz não conseguia sustentar notas altas e sua atuação era mediana, mas eu elogiava sua cirurgia nos seios e ela gostava de mim, por isso nos dávamos bem.
- Acho que podemos fazer algo mais moderno, têm vários animes sendo adaptados para musicais hoje em dia.
- Isso! – apontei para o garoto de óculos que havia dito aquilo. Eu sempre esquecia o nome dele – Não apoio essa ideia nerd, mas é quase isso.
- Por que não West Side Story? – disse uma garota ruiva que sempre ficava no canto da sala. Seu nome era Ellen e ela atuava consideravelmente melhor do que Selena – É Shakespeare, só um pouco mais moderno.
- Posso suportar isso – concordei.
- Sei que costumamos decidir tudo em conjunto – disse a diretora Lee – mas a faculdade exigiu um tema clássico para este ano.
Ela olhou para mim e me deu um sorriso. Acabei me tornando próximo da diretora com o passar do tempo, ela reconhecia o meu talento, me inspirava a aprender e a ser mais do que um simples ator quando saísse da faculdade. De acordo com ela eu precisava ser um exemplo, mesmo sendo extremamente cansativo.
Acabei decifrando cada gesto da diretora durante esses anos, e agora ela estava me pedindo apoio, pois se eu concordasse os outros acabariam me seguindo. A decisão realmente não devia ter sido dela.
- Que seja – eu disse, jogando a cabeça para trás e fitando o teto.
- Ótimo – a diretora bateu palmas para abafar nosso ar condescendente – mando o roteiro essa semana, escolham os personagens que desejam, faremos as audições ainda esse mês.
Assenti ainda aborrecido e guardei o rascunho do roteiro na mochila. Ainda sabia as falas da peça de cor, mas as músicas seriam novidade, talvez isso tornasse a história um pouco mais interessante.
Já estava me levantando da carteira quando a diretora Lee nos pegou de surpresa:
- Sei que é o primeiro dia, mas quero avaliar suas vozes, vamos lá, Selena, você primeiro.
Levei a mão à garganta, eu não havia me cuidado muito nas férias e meu jantar não havia sido nada apropriado. Peguei a garrafa d'água do garoto de óculos e bebi um pouco.
- Nossa, ao menos podia ter pedido permissão. – ele reclamou.
- Obrigado – limpei a boca na manga do casaco verde que não sabia exatamente se era meu ou de Télos e tentei me concentrar.
Mas a voz de Selena estava me atrapalhando.
Ela subiu no pequeno palanque que havia na sala já que não estávamos no teatro da faculdade naquele dia e cantou um pouco de uma música norte-americana que deveria fazer parte de um filme infantil chato.
"Será que ela consegue se ouvir?", pensei.
Aparentemente o dinheiro conquistava tudo, mas aplaudi assim como todos os outros. A diretora Lee sempre a fazia ir primeiro para poupar nossos tímpanos.
Selena deixou o palanque com um sorriso no rosto e me mandou um beijo antes de voltar a carteira.
Suwa foi o segundo, sua escolha foi inteligente, de um musical famoso da Broadway, seu timbre era muito agradável, seguido por Ellen, que finalmente nos fez esquecer da apresentação desafinada de Selena.
Fui o último, pois como sempre o melhor ficava para o final.
'Os Miseráveis' foi o último filme que assisti com Télos, ele adora dizer a todo mundo que eu chorava com esse filme, mas eu nunca confirmava o ocorrido. Gostava da personagem Éponine e de sua música, pois foi a interpretação que mais senti e tentei transmitir isso enquanto cantava.
Quando terminei, a diretora Lee estava com a voz embargada e até mesmo Suwa me aplaudiu de pé.
Nos despedimos rapidamente e peguei minha mochila, aproveitando para limpar uma lágrima do canto do olho. Talvez Télos estivesse mesmo certo.
- Kyrios! – a voz estridente de Selena me alcançou depressa, assim como seus braços. Ela se pendurou em minhas costas sem nenhuma cerimônia.
- Agora não Selena, estou com fome.
- Eu também – ela me soltou e começou a andar ao meu lado. Suas roupas estavam sempre impecáveis e sua bolsa devia valer o mesmo que todas as mensalidades do curso – vamos comer, eu pago, preciso muito conversar com você.
- Sabe que não resisto à comida de graça – respondi.
Meu sorriso desestabilizou Selena por um segundo, seu rosto ficou vermelho, e ela tomou coragem para me dar o braço.
- Ainda tem vaga na sua república?
Respirei fundo. Havia segundas intenções na pergunta de Selena, mas eu não podia dispensar uma garota rica que gostava de mim.
- Não, os novatos chegaram há alguns dias, quer dizer, uma garota chegou, o outro ainda vai aparecer.
- Uma garota? – ela apertou ainda mais o meu braço - De novo?
Suspirei, havia esquecido que toda a confusão na república com as duas garotas do curso de Jornalismo acabou chegando aos ouvidos de Selena por meio de amigos em comum.
- A casa não é minha, não decido quem pode alugar os quartos ou não.
- Eu sei – a expressão dela não combinava com o olhar furioso – mas poderia ter me avisado, eu teria ido morar com você!
"Graças a Deus não avisei", pensei.
Assim que deixamos o prédio avistamos a paisagem arborizada e falante da faculdade. Selena havia estacionado o carro por perto, mas parte de mim queria andar mais um pouco. O prédio de Direito ficava por perto e estava curioso sobre como Sibyl estava se saindo.
Foi estranho, bastou pensar nela e em um segundo, quando me virei para acompanhar Selena até o estacionamento, Sibyl apareceu bem na minha frente. Ela parecia um pouco diferente da garota que passou o fim de semana carregando caixas com Télos, havia substituído os moletons por um vestido longo preto e as mechas de seu cabelo castanho formavam pequenas ondas ao redor de seu rosto.
- Ah! – ela pareceu se assustar quando me viu, seus olhos fitaram o chão no mesmo instante – Como vai?
- Não te vi sair essa manhã – eu disse – devia estar nervosa com o primeiro dia.
- Um pouco... – pelo menos ela me olhou nos olhos por alguns segundos para responder, mas logo procurou por uma saída – Acho que vi Denis quando cheguei, mas ele parecia apressado.
- Ele não fala com a gente no campus, não é só com você.
Consegui fazê-la sorrir e sua postura relaxou. Só então percebi que ela estava acompanhada de uma garota de cabelo preto e curto que me encarava de boca aberta.
- O que estão fazendo aqui?
- Yui queria tentar ver...
Ela apontou para a garota ao lado dela, que balançou a cabeça rapidamente.
- Deixa pra lá! – disse a garota, ela tinha traços finos como os de uma fada – Vamos, Sibyl!
Sorri ao perceber que a garota estava nervosa por minha causa, então fiz questão de dizer bem alto:
- Vejo você em casa!
Yui quase tropeçou, mas acabou se apoiando em Sibyl, que de certa forma parecia estar achando tudo engraçado.
Foi só por um momento, mas o desconforto com o qual ela me encarou quando me viu me incomodou de novo. Isso já tinha acontecido outras vezes, no dia em que chegou a república e quando nos reuníamos para comer na cozinha, ela sempre me fitava como se eu tivesse feito algo horrível.
- É ela? – Selena perguntou. Eu já havia esquecido que ela estava ali.
- Sim... – respondi - Vamos comer ou não?
- Depois que ficarmos um pouco sozinhos – ela me mostrou a chave de seu apartamento e um sorriso provocante.
Como eu podia dizer não?
XXX
Selena me pagou almoço e jantar quando terminamos e me esforcei um pouco para que ela me levasse até a cafeteria que Télos trabalhava quando já estava anoitecendo. Talvez tivesse deixado Selena feliz demais porque ela me convidou para jantar com seu pai em algumas semanas, disse que ele tinha uma proposta para mim.
Acabei sorrindo e dizendo que sim, mas por dentro estava tremendo de medo. Eu não gostava de ser controlado por gente rica.
O cheiro de grãos de café sendo moídos na hora me acalmou assim que entrei na cafeteria. Infelizmente o lugar era ótimo, senão já teria escolhido outro lugar para frequentar, qualquer um que não tivesse uma cópia minha servindo os outros.
Télos estava atrás do balcão, entregando um pedaço de bolo de chocolate para uma garotinha. Parecia calmo, até mesmo feliz trabalhando.
- O que você está fazendo aqui? – Télos disse quando me viu, a expressão completamente mudada. A garotinha já tinha ido se sentar junto dos pais.
Menti quando disse que frequentaria outro lugar, era muito bom vir aqui para atormentá-lo um pouco.
- Vim tomar café é óbvio – respondi.
- Não vou te dar nada de graça – Télos bufou. Eu nem precisava dizer o que queria, Télos já estava preparando meu café e colocando uma rosquinha para viagem.
- Vou comer aqui, seu idiota.
Aquilo pareceu irritá-lo mais do que o xingamento, pois Télos quase derramou o café. Ele ficava engraçado com o uniforme do trabalho, a camisa verde escura e o boné com o logo da cafeteria... Se não fôssemos gêmeos não o reconheceria com o cabelo preso.
- Vai pagar ou não? – disse a garota gótica do caixa. Seu cabelo preto estava escondido debaixo do boné, mas o batom vinho e a sombra preta estavam bem visíveis.
Ela já estava aqui antes do Télos começar a trabalhar e talvez continuasse para sempre. Como um fantasma que assombrava o local.
- Aqui está, fantasminha camarada – entreguei uma nota a ela, que revirou os olhos e me deu o troco em menos de vinte segundos.
Télos colocou meu pedido no balcão.
- O movimento está fraco hoje – eu disse – vem se sentar comigo.
Ele olhou para a garota gótica que talvez tivesse poderes psíquicos e assentiu, depois me seguiu até uma das mesas que ficavam no canto da cafeteria, minha favorita porque tinha uma poltrona bem confortável. Télos sentou em uma cadeira simples.
- Como foi o seu dia? – perguntei.
- Não precisa fingir que se importa – ele respondeu, fitando a família que parecia se divertir perto da janela.
Dei uma mordida na rosquinha. Sabia exatamente o que o animaria.
- Sabia que vi Sibyl hoje?
Télos estava bebendo um gole do meu café quando disse aquilo e quase morreu sufocado.
- O... O que? – ele disse depois de limpar a garganta.
- Vi Sibyl hoje – repeti enquanto olhava as mensagens do celular. Não havia falado com meu agente hoje e ele estava me irritando com tantas mensagens. Desde que havia namorado aquelas duas garotas ao mesmo tempo ele implorou para que eu parasse com os escândalos.
Evitei ler todas as mensagens que se pareciam com repreendas e foquei nas que falavam de trabalho. Havia algumas agências de modelo atrás de mim, isso era bom, mas eu não queria apenas tirar fotos... Se bem que o dinheiro poderia ajudar.
- Você vai ficar calado depois de me dizer isso? – Télos perguntou, ele estava suando de nervoso.
- Você é muito ridículo – eu disse – não sabe nem fingir que não está interessado nela.
- E por que eu fingiria que não estou?
Suspirei, ele era mesmo meu irmão gêmeo? Se não fosse pelos olhos e cabelos azulados eu diria que não.
- Tome – entreguei meu celular a ele – tire uma foto minha.
- Mas você nem terminou de comer.
- Essa é a ideia.
Télos suspirou, tínhamos a mesma mania de olhar para cima quando fazíamos isso.
Tentei parecer inteligente e misterioso enquanto ele tirava a foto, depois Télos me devolveu o celular.
- Seu prédio fica perto do meu, o que quer dizer que também fica perto do prédio de Direito, se tivesse sido inteligente teria passado por lá.
- Não tenho essa coragem... – Télos cruzou os braços – Então foi isso o que você fez, passou no prédio dela?
- Ela que passou no meu.
Télos ficou calado enquanto eu dava outra mordida na rosquinha e finalmente bebia o que restou do café. Por um momento achei que sua alma tivesse saído do corpo.
- Ela foi ver você? – Télos perguntou. Ele evitou me encarar, com medo da resposta.
Eu tinha duas alternativas, ser legal com ele e dizer que foi uma coincidência ou ser eu mesmo.
- Ela estava com uma amiga, provavelmente só estava conhecendo o campus – resolvi ser legal com medo que Télos começasse a chorar.
Foi a escolha certa, pois sua expressão suavizou.
- E como ela estava?
- Normal, eu acho, feliz por fazer amigos? – eu disse - Bonita?
Télos me fuzilou com os olhos. Eu não conseguia ser legal o tempo todo.
Postei a foto que Télos tirou enquanto ele se recuperava, não demorou para atingir mil curtidas e logo os comentários das garotas apareceram.
- Você não acha que tem algo de estranho nela? – coloquei o celular na mesa e bebi o resto do café, já havia terminado de comer.
- Como assim?
- Não sei... Só acho que ela me olha de um jeito estranho, não percebeu?
Télos pareceu furioso de novo.
- Não é esse tipo de olhar que estou falando – tentei acalmá-lo – é só que...
Tentei pensar nas palavras certas, mas não consegui encontrá-las.
- Deixa pra lá – concluí. Olhei para a garota gótica que estava me fazendo um sinal, Télos precisava voltar ao trabalho – pode ir agora, vou ficar aqui te esperando.
XXX
Usei o resto do dinheiro que Selena me deu para chamar um carro por aplicativo. Télos estava tão cansado que acabou cochilando o caminho todo, ou então ele só queria evitar outra conversa sobre Sibyl.
Meu irmão era mesmo o oposto de mim, pois eu nunca o vi tão interessado em alguém em tão pouco tempo. Sibyl havia chegado à república há menos de uma semana e Télos já parecia completamente encantado por ela.
Então por que eu sentia uma enorme vontade de atrapalhá-lo?
- Ei, acorda – cutuquei Télos para que ele acordasse quando entramos na esquina na república – já estamos chegando.
Ele assentiu, ainda sonolento, e bocejou.
- Finalmente.
Paguei o motorista e descemos do carro. Todas as luzes da casa estavam apagadas, inclusive as da senhora Talia, mas não éramos os únicos na rua.
Havia um garoto loiro encarando a placa perto da caixa de correio.
- Precisa de alguma coisa? – perguntei. Percebi que havia uma mala no chão ao lado dele.
O garoto olhou para mim, então para o rosto sonolento de Télos.
- Me chamo Sāmya – ele abriu um sorriso, parecia tão calmo quanto um possível sociopata - estava esperando vocês.
Continua...
