Final Alternativo — Paz
"O meu amado é para mim um ramalhete de mirra, passará a noite entre meus seios."
(Cantares de Salomão 1:13).
"[...] Poderia olhar nos olhos de Madre Minerva sem se sentir acuado, fugir das confissões com Padre Flitwick e, principalmente, encarar Monsenhor Dumbledore outra vez? Mas a mais importante de todas as indagações era: ele, Padre Snape, conseguiria resistir a você algum dia?"
. . .
— Tô sentindo na sua voz que algo não tá certo. — A sua mãe declarou pela ligação.
Era fim de tarde na Inglaterra. O céu ganhava um tom rosado conforme o Sol se punha para dar lugar à Lua. No Brasil, sabia que já era noite, e, no fundo da chamada com a mãe, você podia escutar os sons abafados do telejornal.
— Mãe… — suspirou. — Você sempre sabe de tudo, não é?
— Sim, eu sei. Agora pode ir falando.
— Eu me envolvi com alguém que não deveria — revelou.
— Você tá se metendo com homem casado? Pelo amor de Deus, você quer arrumar uma encrenca?
— Não, mãe! Ele não é casado. — Você não pôde deixar de pensar que, talvez, se Snape fosse um homem comprometido, a situação seria muito mais simples. — E também não é nenhum professor, antes que pergunte.
— Então por que não deveria-
— Isso não vem ao caso — interrompeu-a. — O que é importante saber é que nós dois não deveríamos ter nos envolvido, mas aconteceu. E agora tá uma situação super estranha entre a gente.
— Filha… — Sua mãe murmurou em tom de repreensão. — Você gosta desse cara?
— Eu… — Hesitou. — Eu não sei. Sinceramente, no começo, meu único interesse nele era físico. Mas eu não sei mais de nada.
A conversa entre as duas se encerrou com sua mãe se lamentando pela filha sempre se meter em situações complicadas, e não deu nenhum conselho ou alternativa.
Você tocou o botão vermelho que encerrou a ligação e jogou o celular do outro lado do colchão. Enfiou o rosto contra o travesseiro e desejou gritar. A discussão com Snape não saía de sua mente.
O que o padre dissera-lhe naquela noite mudou tudo. Estivera se divertindo até então, brincando com ele, pressionando-o ao limite. Entretanto, em momento algum se pôs no lugar dele, não cogitou pensar em como tudo estava sendo encarado por ele. A verdade era que aquela briga havia a destruído por completo.
Você genuinamente pensava que Snape não faria do envolvimento entre eles algo maior. Sabia que ele era virgem — até aquele dia —, mas não pensava que ele era pudico, intenso e, principalmente, tão temente a Deus. Pensava que ele próprio já deveria ter visto outros padres pecarem, se envolverem com mulheres e homens, e que conseguiria seguir em frente como se nada tivesse acontecido. Então tudo se sucedeu com surpresa para você.
Não havia percebido, até aquela noite, quão mal Snape estava — quão mal você havia o deixado. Sua ignorância e insensibilidade ao lidar com ele, beijando-o para conseguir sair do carro, não passara de mais uma personagem para mascarar a dor que a atingiu ao vê-lo tão frágil, tão perdido. Não podia aguentar vê-lo daquela forma.
Você chorou a noite inteira assim que encontrou sua cama. Pensou seriamente em se desvincular do grupo de leitura, porque a mínima ideia de continuar a vê-lo, de continuar o machucando, a feria profundamente. Pegou-se até mesmo rezando, e pediu perdão pelos seus erros e por ter magoado tanto um homem tão bom.
Confessava, agora, que Padre Snape era muito mais do que um passatempo. Você, que tanto desejou ser a serpente para rastejar pelo corpo dele, agora via-se enrolada no próprio corpo, pega pela própria armadilha. Snape significava muito mais para você do que seria capaz de admitir.
. . .
Pelo seu próprio bem — mas principalmente pelo dele —, você não tentou nenhuma aproximação até saber qual seria a melhor maneira de o abordar. Tampouco sabia o que falar. Pediria desculpas? Perdão? Seria o bastante? Ele poderia perdoá-la?
De longe, você o observou pelo mês que se seguiu. Ele estava cabisbaixo, calado, abatido, magro. Olheiras profundas faziam os olhos dele parecerem ainda mais negros, a batina branca parecia engoli-lo, ele parecia… arruinado.
Até que uma tarde em particular, você se viu livre das aulas mais cedo que o habitual. Seguiu para a igreja em Mitcham pois desejava ter com Padre Flitwick. Antes de qualquer outra coisa, caminhou até a sala onde administrava os encontros. Arrumou-a para tentar se acalmar. Estava prestes a fazer algo que não fazia desde muito nova.
Quando chegou à nave da igreja, uma senhora acabava de deixar o confessionário e você assumiu o lado da cabine. Esperava que Flitwick não adivinhasse quem você era, embora soubesse que o sigilo da confissão era absoluto.
— Padre — começou, insegura —, perdoe-me, pois eu pequei.
— Quando foi a última vez que se confessou?
Você sentiu o ar se esvair dos seus pulmões quando aquela voz — a voz dele — a atingiu. Snape parecia tão nervoso quanto você, pôde notar que o timbre grave soara trêmulo. Você respirou fundo antes de continuar:
— Quando fiz a catequese. Eu… Eu me envolvi com alguém que não deveria, e agora estou me sentindo perdida.
Você apoiou os cotovelos sobre as pernas e a cabeça nas mãos. Estava realmente disposta a revelar seus sentimentos para Snape dentro do confessionário?
— Tudo começou por um capricho meu. Eu o desejei e fui até o fim por isso; utilizei métodos inadequados. Só não esperava, senhor, que eu o machucaria tanto. Estava tão cega pela minha luxúria, tão tomada pelo meu egoísmo, que esqueci que a outra pessoa era um ser humano, e um muito bondoso. E a ideia de que ele está sofrendo por atitudes minhas tem tirado meu sono.
— Isso… — Pigarreou. — É bom que esteja arrependida. Isso mostra que é boa de coração, embora suas atitudes possam ter sido controversas.
— Eu queria que ele pudesse me perdoar. A ideia de viver com o desprezo dele é terrível. — Secou uma lágrima que ousou cair. — Eu queria que ele soubesse que significa muito pra mim. Muito mais do que ele possa imaginar.
O silêncio veio. Você preocupou-se. De repente, a sua cortina se abriu para dar lugar a um Snape surpreso e — você se espantou — sorridente.
— Severo-
— Eu a perdoo! — disse sobre você. — Mas é claro que eu a perdoo!
— Nós precisamos conversar.
— Sim… — Pareceu se lembrar de onde estavam. — Precisa ir embora cedo hoje?
— Não. — Ergueu-se do banco.
— Então fique para a última missa, tudo bem? — Você apenas pôde assentir.
. . .
Ao fim da missa, ele ofereceu-se para levá-la para casa. Contudo, você logo notou que o caminho que faziam não era para Kingston, mas, sim, para a casa dele.
Vocês dois adentraram a casa de maneira envergonhada, como se fossem dois estranhos. Snape a convidou até a cozinha. Lá, assistiu-o preparar um jantar rápido para vocês. Comeram em total silêncio.
— Severo — disse quando ele retornou da cozinha após lavar a louça. — Me desculpa, de verdade.
— Eu já disse que está tudo bem. — Sentou-se ao seu lado no sofá. — Cometemos erros, todos nós.
— É que… — Desviou os olhos. — Esse tempo longe que passamos sem nos ver, sem nos falar, me fez perceber muitas coisas. A primeira é que minha rotina se torna muito chata sem nossas conversas.
O canto da boca de Snape se curvou. A mão dele tocou a sua, o que a fez deitar os olhos sobre ele.
— E qual é a segunda? — perguntou ele.
— Eu realmente gosto de você. — Você, então, mudou de assunto bruscamente, pois tinha medo da resposta dele. — Por que se tornou padre?
Ele pareceu perdido por um momento, sem saber se deveria se ater ao que você dissera ou se respondia à pergunta.
— Meu pai era dependente químico — contou. — Ele era naturalmente agressivo, a bebida e cocaína o deixavam pior. Ele quase matou minha mãe uma vez. Ninguém parecia ligar. Os vizinhos diziam que eu, uma criança, deveria estar exagerando, ou que não deveriam se intrometer na vida de um casal. Outros tinham medo de intervir porque meu pai era um policial reformado. Também era por isso que a polícia não dava importância aos nossos pedidos de socorro.
Os seus olhos marejaram. Havia muita dor no relato de Severo, ainda que não houvesse rancor pelo pai.
— Quem nos ajudou foi o Monsenhor Dumbledore. Acho que já ouviu falar dele. — Você disse que sim, então ele continuou: — Na época, ele era pároco da nossa igreja, e acolheu a mim e à minha mãe. Dumbledore sempre foi um mestre para mim, por isso quis tanto ser como ele, ser padre. Mas eu quase desisti.
— Por quê?
— Eu me apaixonei. — Confessou, ganhando o seu olhar surpreso. — O nome dela era Lilian. A mãe dela frequentava a igreja todos os dias, e ela sempre estava lá. Nos tornamos amigos, crescemos… E eu me apaixonei, mas ela não sentia o mesmo. Até que Dumbledore me aconselhou a tentar.
— Como assim?
— Ele disse que, ao mesmo tempo que eu poderia estar abrindo mão da vocação por um amor, eu poderia também estar abrindo mão do amor da minha vida pela Igreja. Então ele me aconselhou a arriscar. Mas, como pode constatar, não deu certo. Ela já estava noiva. Alguns anos depois ela e o marido sofreram um acidente e vieram a falecer. Eu que celebrei o velório dela.
— Eu sinto muito! — Apertou a mão dele entre as suas.
— Está tudo bem. Foi há muito tempo já.
Vocês se calaram. Apesar do tema triste do fim do diálogo, não havia nenhum clima estranho ou sepulcral entre vocês. As mãos permaneciam unidas, como se sempre estivessem destinadas a isso. O indicador da outra mão de Snape alcançou o seu queixo e, delicadamente, ergueu-o, fazendo com que você olhasse nos olhos escuros dele.
Ele se aproximou para beijá-la no exato momento em que você pôs a mão sobre o peito dele, afastando-o. Snape arqueou a sobrancelha, confuso, e você suspirou.
— Não quero te magoar de novo. Não quero que faça algo que colocará sua posição em risco.
— Querida — disse, e você saboreou como a palavra carinhosa soava naquela voz de veludo —, eu estou disposto a tentar.
— O que quer dizer com isso?
— Estou querendo dizer que Dumbledore estava certo. Eu posso estar abrindo mão da minha vocação ou estar perdendo o amor da minha vida. — A palma quente dele tocou sua bochecha. — E eu quero tentar.
Enfim, os lábios se tocaram. Era muito diferente das outras vezes. Era delicado, doce, mas forte, intenso e apaixonante. As mãos, que estiveram coladas até aquele momento, se soltaram para trilharem outros caminhos. A sua descansou sobre o ombro de Snape enquanto a dele a segurou pela cintura. As suas unhas arranharam a nuca dele quando o homem a puxou para mais perto, unindo seus corpos.
— Faça amor comigo — disse ele ofegante entre os beijos.
Você o respondeu se levantando com as mãos dele entre as suas. Caminharam em absoluta quietude até ao quarto. Uma vez no cômodo, Snape se adiantou para ligar apenas os abajures e jogou uma camisa perdida sobre a imagem de Nossa Senhora. Você não pôde evitar rir da situação. Felizmente, Severo também pareceu achar divertido.
Na luz amarelada, ele parecia ainda mais pálido com todas aquelas camadas de roupas pretas. Os botões foram abertos um por um, além do cinto, calça, cueca, sapatos e meias. O seu vestido caiu ao chão assim que Snape afastou as duas alças que ainda o mantinham no seu corpo.
Com a mão sobre o abdômen dele, você o empurrou para a cama, num vislumbre semelhante à longínqua dominação que demonstrara uma vez. Colocou-se sobre o colo dele assim que Snape caiu sentado sobre o colchão. Você se precipitou para beijá-lo, mas a boca dele avançou para seu pescoço e seios — minutos depois, uma mancha arroxeada apareceria próximo ao seu mamilo direito.
Ele a segurou firmemente pelas pernas antes de virá-la para a deitar. Você se ajeitou na cama, procurando o travesseiro, ao passo que Snape se ergueu para alcançá-la e permitiu-se observá-la por alguns segundos. Você suspirou alto com a sensação das íris obscuras sobre si; era injusto que aquele homem pudesse ser tão sensual sem nem mesmo ter noção disso.
Ele beijou os primeiros centímetros de pele que se estendiam após os seus seios e continuou assim até encontrar a renda preta da calcinha. Snape segurou o tecido frágil entre seus dentes e o puxou pelas pernas maravilhosas que você tinha.
Não fez muitas cerimônias antes de unir sua boca aos seus lábios íntimos. O seu corpo arqueou enquanto sua cabeça afundava no travesseiro. Ele era muito bom naquilo. Introduziu dois dedos dentro de você quando sugou seu clítoris, levando-a a um estágio de desorientação.
Snape continuou por vários minutos, com paciência e aumentando o ritmo de maneira gradativa. Ele manteve as pálpebras fechadas pela maior parte do tempo e gemia junto a você, divinamente inebriado com toda aquela composição: o sabor, o cheiro, os sons que você emitia, o modo como o seu corpo se contorcia debaixo do toque dele. Você foi capaz, então, de reunir forças para apoiar-se sobre os cotovelos, e Snape abriu os olhos no momento exato em que você o fitou. Algo no olhar dele, naquelas pupilas dilatadas, terminou de levá-la ao ápice.
Seu corpo ainda estava trêmulo quando ele pôs as suas pernas sobre os ombros e penetrou lentamente. Ele rogou num murmúrio para que olhasse para ele, e você atendeu à súplica quase imediatamente. Seus quadris passaram a se mover ao encontro dos dele espontaneamente.
Nada realmente parecia importar, exceto vocês dois e o que sentiam. Não havia obrigações, compromissos, imoralidade, sacerdócio ou o que mais fosse. Não havia o rancor de dias atrás, a culpa de outrora, a santa coberta na cômoda nem o terço pendurado na cabeceira da cama, que balançava conforme o móvel se mexia com a força dos movimentos de Snape.
Ele se retirou de cima de você apenas para se deitar ao seu lado. Automaticamente, você virou-se de costas, encostando-se ao peito dele, e logo o sentiu penetrá-la novamente. Ele depositou um beijo em seu ombro e envolveu um de seus seios com a palma da mão.
— Você é linda… — sussurrou para você.
— Severo! — Foi tudo que pôde dizer em retorno.
As suas pernas se fecharam com força quando atingiu o orgasmo mais uma vez e Snape arfou fundo enquanto gozava dentro de você. Permaneceram daquela forma até serem capazes de se moverem. Ele se deitou de costas, com os olhos fechados e respirando muito rápido. Não se lembrava qual fora a última vez — ou se ao menos alguma vez — que se sentiu daquela forma: leve, completo e em paz.
Um movimento do seu lado fez com que suas pálpebras abrissem rapidamente, e ele tocou o seu braço carinhosamente enquanto você se levantava. Você o olhou e encontrou medo e insegurança. Sorriu.
— Eu só vou ao banheiro. Já volto.
Você não percebeu ele respirar aliviado. Logo depois retornou ao quarto e tomou posse do seu lugar ao lado dele. Snape tornou-se para você, a mulher que o destruiu e o construiu novamente, e deitou a cabeça entre os seus seios, inalando seu perfume e seu amor.
. . .
Quando abriu a porta da sacristia na manhã de terça-feira, Snape encontrou Padre Flitwick e Monsenhor Dumbledore aguardando por ele. Filio, franzino e baixo, o fitava como se fosse um alienígena, como se não o reconhecesse mais. Alvo, em contrapartida, o olhou uma única vez — sem surpresas, sem julgamentos.
— Eu não achei que falava sério na ligação que me fez — disse Flitwick. — Mas você nunca foi um homem de piadas ou brincadeiras.
— Sim, eu falei sério.
— Por isso tomei a liberdade de chamar Alvo até aqui. Sei que vocês dois são como pai e filho, então pensei que ele talvez soubesse o que estava acontecendo. Ou que, talvez, pudesse fazer você desistir dessa ideia… louca.
— Alvo não sabia sobre minha decisão — garantiu.
Ele se adiantou pelo recinto e descansou uma caixa sobre a mesa. Flitwick a puxou até si apenas para confirmar que se tratava das vestes sacerdotais de Snape. Fechou a caixa e a empurrou ligeiramente para o lado.
— Alvo? — disse, ainda muito confuso.
— O que posso dizer? — O mais velho deu de ombros e finalmente voltou seus olhos azuis para Snape. — Por acaso, há como voltar atrás?
— A essa hora, o Tribunal Eclesiástico já deve estar analisando meu pedido de desvinculação. Logo meu caso estará nas mãos do Vaticano.
— E você quer voltar atrás, filho?
— Não, senhor — respondeu com emoção.
Dumbledore, espantando Flitwick, sorriu para Snape. Não era necessário dizer nada, pois Snape entendeu tudo o que seu mestre queria dizer apenas com aquele sorriso. Pelo visto, Alvo Dumbledore mantinha sua opinião sobre correr riscos: nunca se saberia se estava perdendo ou não a mulher da sua vida.
— Desejamos que seja feliz na sua decisão, Severo — declarou sob o escrutínio reprovador de Flitwick. Alguém ainda achava aquela situação absurda. — A Igreja sempre estará aqui para recebê-lo se quiser voltar.
— Obrigado.
Ele deu as costas para sair dali, para voltar para a mulher que o esperava em casa, quando Flitwick indagou:
— E o que digo à Madre Minerva?
Snape parou. Ele fez algo, então, que raramente — ou nunca — fazia: ele mordiscou os lábios em nervosismo. Minerva era uma figura muito importante em sua vida, e a opinião dela sobre sua decisão teria um peso inegável. Por isso não desejava estar presente quando a senhora soubesse, principalmente não desejava ter que contar-lhe ele mesmo.
— Diga… — Hesitou. — Diga a ela que estou indo ser feliz.
Ele não se virou para ver as reações, apenas se encaminhou para fora. Na sacristia, Flitwick agora observava Dumbledore com assombro, até dizer:
— Tem mulher envolvida nisso, não tem?
— Eu temo que sim, Filio.
— Eu sabia… — O padre murmurou.
