Parte 4: O Que Define Uma Família?
5 anos depois
"Shina. Yuki. Vamos logo."
"Já vai, Mamãe. Estou terminando de me vestir." Chamou Yuki do quarto. Um minuto depois, ela e Shina saíram bem vestidas e arrumadas com seus belos quimonos.
"E então? Gostou?" Shina perguntou, exibindo seu quimono azul com estampas de carpas vermelhas; já Yuki, estava usando um amarelo com desenhos de coelhos brancos e pretos e um largo laço de cabelo amarelo. Era uma visão maravilhosa pra mulher de cabelo roxo, uma vez que se tratava de sua esposa e filha.
"Deslumbrantes. Aposto que vão derreter corações. hu, hu." "É, pode ser que sim, mas sabe que meu coração é apenas seu, meu bem. Quer dizer, seu e de Yuki."
"Mamãe Shina tem razão, mamãe Saori, e você também tá muito bonita. Parece uma princesa." Yuki respondeu ao ver como sua mãe parecia bem elegante num quimono de estampas de folhas de palmeira e traços brancos. Saori afagou seu cabelo.
"Oh, que gentil, queridinha. Somos sortudas de termos uma filhinha tão meiga e atenciosa. Bem, estamos esperando o quê? Fim do ano é só uma vez ao ano."
Achando graça na analogia de Saori, Shina e Yuki deixaram sua casa, seguindo pelas ruas onde a neve caia devagar e de modo sereno e tranquilo. Era tempo de fim de ano e época de pedir a benção para o ano que vem, pedindo prosperidade e alegria ao novo ano que ia chegando.
As três sentiam-se contentes e realizadas em compartilhar juntas dessa época festiva onde estar com as famílias, amigos e pessoas que prezam a amizade e o amor era um valioso tesouro, o qual por pouco não puderam ter devido à circunstâncias atenuantes. Saori se recordava bem como tudo se deu...
Flashback
Saori e Shina viviam bem e felizes na companhia uma da outra e de sua filha adotiva, Yuki. Desde que a acolheram após a morte da mãe, Kimiyo, suas vidas passaram por várias mudanças. Obviamente, cuidar de uma bebê recém-nascida não era tarefa fácil, indo de alimentá-la à trocar as fraldas, sem contar em ficar ninando-a até que ela parasse de chorar e dormisse. Os primeiros 3 anos não foram moles de encarar, mas seja como ou o que fosse, as duas amantes se sentiam realizadas e felizes por agora terem uma família.
Raramente solicitavam uma babá e quando precisavam, na maioria das vezes eram Seiya e Miho, agora casados, aceitavam de bom grado cuidar do bebê, já que Saori mantinha a empresa de seu avô nos trilhos e Shina ensaiava seus passos e números de dança. Vidas de empresária e artista não eram sempre um mar-de-rosas, porém conseguiam se equilibrar e fazer tudo, sem deixar nem por um minuto suas obrigações para com a filha e, naturalmente, uma com a outra.
No intuito de que Yuki cultivasse qualidades positivas como humildade e modéstia, Saori decidiu com sua esposa optar por um estilo de vida mais simples. Claro, não abririam mão da fortuna, mas se dispuseram a doar a mansão Kido como uma nova casa para o orfanato Filhos das Estrelas, já que o antigo há bastante tempo estava com sua infraestrutura bem comprometida à condenação. Mais que um orfanato, a mansão também virou um asilo para idosos sem casa ou família e um abrigo pra jovens fugitivos e rejeitados pelos pais e familiares. Todos juntos, órfãos, idosos e fugitivos, encontraram uns nos outros uma grande e amorosa família. Saori, Shina e Yuki foram morar numa casa menor, contudo confortável, vivendo modestamente e feliz.
Na pré-escola, Yuki era uma aluna prodígio, mas simpática e alegre, fazendo amigos em toda parte. Mesmo os funcionários da escola gostavam de sua doçura e otimismo. Shina e Saori nunc se sentiram mais orgulhosas e realizadas por sua linda menina.
Às vésperas do aniversário de Yuki, Shina e Saori iam se ocupando nos preparativos da festa. Não queriam de modo algum que a filha crescesse como uma criança mimada e desejosa de ter seus caprichos e desejos atendidos toda hora, mas para ocasiões como essa, podiam abrir umas exceções.
Foi que uma batida na porta trouxe um rumo bem avassalador naquela família. Era uma assistente social, que não era nenhuma das duas que as ajudaram e as apoiou na questão da adoção de Yuki. Ela veio com uma ordem onde dizia que o pai biológico de Yuki desejava retomar a guarda da filha. Com toda razão, nem Shina nem Saori iam permitir que seu tesouro mais precioso lhes fosse tirado sem mais delongas. Saori tratou logo de contratar um excelente advogado e solicitou a ajuda de seus amigos, que aceitaram depôr à favor dela e Shina.
No tribunal, o pai de Yuki suplicava para ter sua filha de volta, alegando estar arrependido por tê-la abandonado sua esposa grávida, mesmo tendo justificado que o abandono foi uma má interpretação da situação e que na verdade, ia buscar pedir para levar Kimiyo ao hospital e que ao voltar, não a achou e saiu em pânico em sua busca.
Shina não engoliu essa farsa nem por um instante, uma vez por ainda ter a gravação em vídeo de celular, mostrando que ele e a amante ignoraram os apelos de Kimiyo, dizendo nele que ela só inventou a história da gravidez para disfarçar sua 'gordura em excesso', juntamente com o carro onde foram embora.
O homem alegou que foi procurar socorro, mas que sua amante o persuadiu a desistir dela e do bebê. Foi somente agora que percebeu o grande erro cometido e o quanto queria repará-lo e uma vez que era tarde demais pra desculpar-se com Kimiyo, desejava se redimir cuidando da filha.
"Até parece que Saori e eu vamos te entregar nossa coisinha especial, seu descarado. Após 5 anos, pensa que pode pegá-la como quem compra num bazar de segunda?"
"Ela é minha menina e deve ser cuidada por uma família normal." Rebateu o homem.
"O que define como 'normal', meu caro? Está insinuando de que porquê minha esposa e eu temos o mesmo sexo, não somos 'normais' o bastante pra Yuki? Fomos mães maravilhosas e criamos nosso tesouro com o amor que uma criança merece ter. Amor é o que define uma família e não a biologia. Muitas crianças tem pais 'normais' e isso não significa obrigatoriamente serem bem cuidadas e amadas. Por outro lado..."
"Deixa eu continuar, Shina. O senhor teve 5 anos para reclamar sua filha, ainda que tenhamos colocado a polícia no seu encalço por abandono e maus tratos. Está claro que voltou porque precisa da menina, não pra se redimir e sim por algo que lhe é de suma importância. Confesse que é esse o motivo."
"Não, não, eu juro. Desejo ser um bom pai e uma vez que não posso mais conceber, quero reaver o último fio de lembrança de minha querida Kimiyo. Por favor, acreditem que não há outra razão."
"Você sempre foi um bom mentiroso, Heihachi, mas nunca o suficiente pra me tapear." Falou um senhor de idade avançada que acabara de chegar ao tribunal.
"Err...pai?" "Sim, Heihachi. Sou eu, seu pai, mas não espere que o chame de filho."
"Meritíssimo juiz, permita lhe apresentar Jimpachi, pai do senhor Heihachi. Seja bem vindo, senhor." "Obrigado, minha jovem."
"Suponho que tenha algo a dizer sobre o caso." "E tenho, meritíssimo, mas permitirei que a senhora Saori explique."
"Lhe agradeço. Bem, quando soube o nome do homem que queria nos tomar nossa Yuki, percebi que havia algo familiar nele. Através de contatos feitos por meu advogado, soube que o senhor Heihachi estava com problemas de dinheiro e que sua única esperança era do pai lhe passar sua valiosa herança, a qual só teria acesso se lhe desse um herdeiro de sangue e pelo fato de Heihachi estar incapacitado de ter outro filho, ele se voltou para o único meio de poder obter a fortuna: encontrar a filha que abandonou e mostrá-la ao pai e logo depois de ficar rico, desistir de Yuki novamente, deixando-a num orfanato ou só largando-a na rua."
"Não, não. Nada disso é verdade. Eu amo minha linda menina."
"Heihachi." Falou Jimpachi com rigidez. "Não o criei para ser um boa-vida ou um playboy que pensa poder ter todas as mulheres para usá-las como bem entender. O criei e eduquei para ser um bom pai e marido, mas temo ter falhado nisso. Descartar sua esposa de uma hora pra outra só para ter outra mulher é uma vergonha ao nome da família e sem alternativa, estou te desertando. Não vai receber um centavo sequer do meu dinheiro, especialmente por querer destruir uma família tão simpática que acolheu minha netinha com carinho e ternura, a qual vai receber tudo que é meu depois que eu me for."
"Mas não é tudo. Senhor Heihachi, com base nas acusações cometidas contra sua mulher, ficará detido até o julgamento e só para enfatizar, jamais que ia julgar ao seu favor. Guardas, levem-no."
Sentindo-se um completo derrotado, Heihachi foi conduzido sem nenhuma resistência. Saori e Shina ficaram contentes, porém restava uma questão em aberto: Jimpachi.
"Está pensando...em nos tirar ela? Se for isso, não será fácil." Shina disse em tom de desafio, ocultando a filha em sua costas.
"Por favor, fiquem tranquilas. Longe de mim desejar desfazer uma família tão amorosa. Vocês são as mães dela e portanto, devem ficar com a menina. Tudo que desejo...é poder ficar próximo de minha neta, se vocês permitirem."
Saori e Shina sentiram-se comovidas pelas palavras e a boa índole do idoso. Olhando pra filha, deixaram ela se aproximar de Jimpachi. Sem medo ou receio do homem diante dela, Yuki sorriu e bem devagar, lhe deu um abraço. O ancião mal conteve a emoção e chorou suavemente no ombro da criança. O belo casal sorriu diante da cena, bem como os presentes no tribunal.
"Senhor juiz. Com sua permissão, gostaria de que Shina e Saori Kido continuem à serem as mães de Yuki. Elas cuidaram bem dela desde que nasceu e não farei coisa alguma para mudar essa estruturação feita de tanto amor."
"Concedido, senhor Jimpachi. Senhoras Kido, Yuki é e sempre será sua filha. Caso encerrado." Batida do martelo.
As duas abraçaram sua menina com grande alegria e em seguida, foi a vez de Jimpachi ganhar um terno e caloroso abraço delas.
"Temos que celebrar. O que acham de um jantar em minha casa? Eu cozinho muito bem."
"Está ótimo, senhor Jimpachi." "Só Jimpachi, por favor, senhora Shina." "Está bem, mas é apenas Shina."
"E comigo, só Saori. Aceitamos jantar e semana que vem, será na nossa casa. Oh, sim. Amanhã é o aniversário de Yuki. Esperamos que possa vir. Não queremos mimá-la, mas se quiser trazer um presente para ela..."
"Não perderia por nada, nem pelo melhor contrato de minha vida. Levarei um bem especial. Quero minha neta crescendo como uma jovem de bem. Posso ter falhado com meu filho, mas sou grato por uma segunda chance."
Deixando o tribunal, lá ia uma família completa e cheia de amor pra dar.
Fim do flashback
"Olhe, já chegamos no parque."
"Sim, Yuki. Estamos vendo." Respondeu Saori, liberando a mente dos pensamentos do passado.
O ambiente mostrava-se um tanto frio, considerando a estação, entretanto era uma beleza a paisagem coberta de neve, lembrando um grande cobertor sobre uma cama. Muitas pessoas se reuniam no local, familiares e amigos em celebração à passagem do ano novo.
"Meninas. Estou aqui." Era Jimpachi que chamava, sentado sobre uma toalha embaixo de uma cerejeira. Shina, Saori e Yuki seguiram bem rápido até ele. A filha adotiva foi ao avô, dando-lhe um abraço.
"Opa. Está ficando fortinha, Yuki. Logo, logo vai poder carregar o vovô nos ombros." O riso do idoso era honesto e cheio de humor. Jimpachi tinha muita sorte por tê-la como sua verdadeira, família, embora suas mães não ficassem fora desse ponto. "Sentem, garotas. Estou vendo que gostaram dos quimonos que dei de presente."
"Sim, com certeza. São bem cômodos, sem falar como deixam minha adorável Saori linda como uma flor de cerejeira."
"Oh, Shina. Desse jeito, fico sem graça." Saori se encabulou sutilmente. Yuki sorria feliz pelo que via.
"Mamãe ama mamãe. Me dá alegria ter duas mamães bonitas e carinhosas...e um vovô bonzinho e fofinho."
"Tudo isso somado o que dá? Uma família grande e que se entende bem. Só com amor temos esse tipo de vínculo."
"Falou bem, Jimpachi. Vamos então brindar à isso. À um novo ano que nos traga saúde, prosperidade e muito amor." Saori levantou seu copo. "À nossa família."
"À NOSSA FAMÍLIA."
FIM.
