[Todos os personagens pertencem ao Masami Kurumada e a Shiori Teshirogi!]
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Gotas de Chuva
Sibyl
Já havia se passado uma semana desde que Sāmya havia chegado e sua presença já era o suficiente para que me sentisse um pouco mais a vontade na república. Agora não precisava mais conviver apenas com estranhos, pois meu irmão estava por perto, finalmente.
Tirando as preocupações pessoais as coisas não estavam fluindo como eu queria na faculdade, era óbvio que a mudança de ambiente havia me afetado, além disso, a faculdade tinha um sistema de ensino completamente diferente da que eu freqüentava anteriormente, então mesmo estando aqui apenas por uma semana sentia que precisava me esforçar mais nos estudos.
Os novos desafios me deixavam apreensiva, mas pelo menos tinha feito uma amiga logo nos primeiros dias. Yui morava na cidade com a família e era uma garota gentil, tínhamos a mesma idade e ela se ofereceu para me mostrar o campus e estudar comigo se eu tivesse dúvidas, mas não queria abusar de sua boa vontade, então decidi estudar sozinha antes de pensar em pedir ajuda.
- Você não vai para casa? – Yui me perguntou quando a aula terminou, hoje ela precisava chegar cedo em casa para ficar com o irmão mais novo, então andava depressa para não perder o ônibus.
- Hoje é terça – olhei a data no meu celular e suspirei. Estava cansada de tudo o que tinha visto pela manhã e sofrendo por antecipação pelo resto do dia – ainda tenho uma aula.
Yui deu um sorriso compreensivo, ela tinha o mesmo cabelo curto de uma daquelas vampiras de Crepúsculo, assim como o gosto para moda.
- Então nos vemos amanhã – ela acenou enquanto se afastava – sabe que pode me mandar mensagem, especialmente se...
- Se eu ver o Kyrios – sussurrei – eu sei.
Yui assentiu, então correu em direção à saída do campus. Ela ficava vermelha só em ouvir o nome de Kyrios.
"Espero que ela não tenha se aproximado de mim por causa dele", pensei, ao lembrar que uma de nossas primeiras conversas foi sobre onde eu estava morando já que estava sozinha na cidade e acabei mencionando que dividia um espaço com outros alunos, mas já era tarde demais. Já estava paranóica.
Saí do prédio de Direito e procurei um banco vazio enquanto checava as mensagens do celular, mas meu pai não havia mandado nada desde que avisei que meu irmão havia chegado. Sabia que o prédio de Sāmya ficava logo atrás do meu, mas não queria aparecer por lá de surpresa. Ele sempre foi muito reservado na faculdade, ninguém suspeitava que éramos irmãos nem que o sobrenome do nosso pai era importante.
Estava prestes a ligar para ele, mas desliguei assim que ouvi o primeiro toque, Sāmya já estava aqui. Ele apareceu logo atrás de mim, então se sentou de maneira desajeitada no banco de madeira.
- Não vai para casa? – Sāmya perguntou, seu cabelo estava curto desde que chegou da Grécia, mas com uma franja longa na frente.
- Tenho aula extra as terças, esqueceu? – respondi, guardando o celular novamente na bolsa. Se ele tivesse aparecido um pouco mais cedo poderia tê-lo apresentado a Yui – Já ia te ligar para avisar que não precisa me esperar.
- Tem certeza? – Sāmya perguntou – O que vou ficar fazendo naquela república?
- Não sei – pensei um pouco – que tal conversar um pouco com os outros garotos ou arrumar o resto das caixas do seu quarto?
- Kyrios é o único que fica em casa a tarde e ele não para de cantar - Sāmya mudou de assunto - meus ouvidos estão cansados.
Tentei não sorrir, mas aquilo era a mais pura verdade. Já havia encomendado fones de ouvido que bloqueavam o barulho, acho que Denis os recomendou em seu último vídeo.
- Em quem está pensando? – a pergunta de Sāmya me pegou de surpresa.
- Ninguém especial – menti. Na verdade já fazia uma semana que tentava ter alguma conversa agradável com Denis, mas ele sempre fugia de mim.
Mexi em seu cabelo para disfarçar, ainda não conseguia me acostumar com o corte novo. Sāmya costumava deixar o cabelo crescer quando éramos crianças, mas agora não deixava os fios passarem do queixo.
- Se não vai para casa então vamos almoçar antes da sua aula, sabia que Télos trabalha numa cafeteria perto daqui?
- Não tenho tempo hoje e não estou com fome, não se preocupe.
Olhei rapidamente para o céu, havia nuvens demais e nenhuma delas parecia sugerir a um dia ao ar livre.
- Pegue – tirei o guarda chuva da bolsa e o entreguei a Sāmya – acho que vai chover, vá para casa.
- Mas e você?
- Vou conseguir chegar em casa – entreguei o guarda chuva a Sāmya e abotoei sua jaqueta. A cor dos seus olhos tinha o mesmo tom azul de sempre, ele estava aplicando o colírio todos os dias – nos vemos mais tarde.
XXX
A biblioteca ficava apenas a alguns passos de distância do meu prédio, então caminhei com Sāmya até a entrada e fiquei observando até que ele se misturasse com os outros alunos adiante. A biblioteca não estava cheia, provavelmente por ser hora do almoço, mas não tinha fome, na verdade a ideia de comer qualquer coisa agora me deixava enjoada, com a sensação de que estava perdendo tempo.
Acho que assistir os vídeos de Denis começaram a me afetar de alguma maneira. Nós morávamos juntos, porém mal interagíamos, ele estava sempre tão ocupado, mas mesmo assim nunca deixava de estudar.
Será que eu estava mesmo me esforçando o suficiente?
Achei com facilidade uma mesa vazia, coloquei minha mochila em uma cadeira e saí à procura de alguns livros de criminologia para ler antes da aula. Havia várias teorias que eu precisava estudar e aparentemente teríamos um trabalho para entregar em algumas semanas, então não queria ficar para trás, especialmente de alunos mais novos. Por um momento queria que Yui tivesse ficado comigo, ela era tão esperta...
Estava prestes a voltar para a mesa quando avistei uma silhueta familiar a algumas prateleiras de distância. Foi seu cabelo esverdeado que o entregou, acho que reconheceria aquela cor em qualquer lugar.
Denis usava roupas sóbrias e parecia concentrado enquanto lia um livro, mesmo em pé. A cada página folheada seus óculos escorregavam por seu nariz e ele prontamente os ajustava com o dedo indicador. Tive vontade de voltar a mesa e pegar meu celular para tirar uma foto, mas não fiz isso, não tive coragem, preferi guardar aquela imagem mentalmente.
Como se percebesse que estava sendo observado Denis ergueu o rosto e olhou exatamente na minha direção. Por um momento não soube o que fazer, então respirei fundo e acenei, afinal éramos colegas e dividíamos a mesma casa.
Denis fechou o livro e o devolveu a prateleira, depois voltou para a mesa que estava ocupando, bem distante da minha. Não sabia o que estava esperando, talvez que ele me cumprimentasse de volta?
"Por que ele fez isso?", pensei, "Será que não gostou do comentário que deixei no outro dia?".
Por que eu fui fazer aquilo? Por que não perguntei pessoalmente? Ah, é mesmo, porque ele brigou comigo no café da manhã e depois tive vergonha de encará-lo.
"Droga", pensei.
Voltei para a mesa, espalhei os livros já que estava sozinha e descansei minha cabeça encima deles por um minuto até conseguir me concentrar novamente. Não podia pensar em Denis agora, afinal não tinha feito nada de errado.
XXX
Aquela seria a última vez que ficaria sem almoçar, apesar de conseguir adiantar muita matéria e não ter me atrasado para a aula meu estômago me incomodou a tarde inteira, então a primeira coisa que fiz ao sair da aula foi entrar na primeira loja de conveniência que vi ao descer do ônibus. Escolhi uma barra de chocolate com amendoim e a devorei antes mesmo de chegar ao caixa.
Não foi a opção mais saudável, mas acho que conseguiria me sustentar com aquilo até chegar em casa.
Mas é claro que não seria tão fácil assim, pois começou a chover.
Eu gostava do frio, sempre preferi dias de chuva a dias quentes, pois assim poderia usar blusas com mangas longas, mas havia deixado meu guarda chuva com Sāmya.
- Que ótimo – eu disse. Não estava com raiva da chuva, apenas de mim mesma.
Estiquei a mão até conseguir sentir as gotas de chuva, havia uma nuvem logo acima da cidade, não acho que a chuva passaria tão cedo, mas também não queria preocupar Sāmya a ponto de tirá-lo de casa apenas para vir me buscar, e a república ficava tão perto... Acho que talvez eu devesse me arriscar um pouco. Roupas molhadas não eram um desastre e minhas anotações estavam a salvo na minha mochila.
Não tinha o que temer então dei o primeiro passo, mas não senti nada.
- O que? – olhei para cima.
Alguém estava segurando um guarda chuva, e lá estava ele, o mesmo cabelo esverdeado de antes.
- Está indo para a república? – Denis perguntou.
Me assustei com a sua presença então tudo o que fiz foi assentir em silêncio. Ele estava mesmo falando comigo?
Denis deu um passo, mas como eu não o acompanhei ele voltou para o meu lado.
- Está me oferecendo carona? – perguntei. Será que tinha usado as palavras certas?
- Se você quiser – ele olhou para o céu, as nuvens haviam se unido ainda mais, formando uma redoma cinza e assustadora – ou pode ficar aí o resto do dia.
Engoli em seco. Decidi que seria educada e não responderia a sua provocação, então cruzei os braços e acompanhei Denis pelo caminho até a república.
Precisávamos andar em linha reta e depois virar a esquerda, então podíamos avistar a caixa de correio e o jardim. Denis era alta, percebi que ele andava devagar para que eu conseguisse acompanhá-lo. Como eu não estava perto dele o suficiente meu ombro esquerdo estava molhado por causa da chuva, então Denis trocou o guarda chuva de mão e me puxou para perto dele.
Quase o afastei na mesma hora.
- É melhor ficar por perto se não quiser se molhar – disse ele, fingindo não perceber que eu havia ficado assustada.
- Tudo bem.
Voltei para perto dele, mas dessa vez Denis não me tocou.
Eu havia feito besteira de novo e fiquei grata por Denis não continuar a puxar conversa nem olhar para mim. Caminhamos até a república em silêncio e ele abriu a porta para mim enquanto colocava o guarda chuva no suporte que ficava na entrada, desse jeito ninguém molharia o chão.
Percebi que Denis agia bem devagar, provavelmente para me dar chance de subir primeiro, mas eu sequer consegui chegar à escada.
- Desculpe por aquilo! – eu disse, então virei o rosto quando Denis olhou para mim.
Por que eu não conseguia agir normal?
- Tudo bem – ele disse, segurando as alças da mochila. Denis usava jeans e uma camisa branca com um suéter sem mangas, seu ombro direito estava encharcado.
- Eu tenho uma sensação estranha quando tocam em meu braço direito – comecei a falar o que não devia, mas as palavras começaram a sair sem que eu percebesse – mas dessa vez acho que reagi antes mesmo da sensação surgir, quer dizer, não senti nada quando você tocou em mim.
Denis ergueu uma sobrancelha.
- Quer dizer – tentei controlar os danos havia causado – nada de ruim.
Ele relaxou os ombros, o que interpretei como sendo uma coisa boa.
- Desculpe pelo outro dia – disse ele – pelo jeito que te tratei no café da manhã, não foi nada educado.
- Tudo bem – respondi – já tinha esquecido.
- Eu não – Denis sorriu – por isso ainda não tinha conseguido falar com você direito.
Assenti em resposta. O que eu devia fazer agora? Me virar e subir os degraus em direção a república?
Denis também parecia indeciso, então ficamos nos encarando por alguns segundos. Seus olhos violeta não me pareceram mais tão intimidadores.
De repente a porta de madeira branca a nossa esquerda foi aberta e a senhora Talia surgiu no pátio de entrada que dividia os espaços da casa.
- Olá Sibyl – ela me viu primeiro e me lançou um sorriso agradável, mas pareceu um pouco confusa quando avistou Denis.
- Boa tarde, senhora – ele disse, então olhou para mim – é melhor eu subir primeiro.
Denis disparou escada acima, foi só quando percebi que meu rosto estava quente.
- Foi uma surpresa vê-la com ele – disse a senhora Talia, por um momento havia me esquecido de que ela ainda estava ali, mas não entendi suas palavras.
Será que eu deveria estar com outra pessoa?
- A senhora vai sair nessa chuva? – perguntei, ela vestia uma capa de chuva azul e seu cabelo grisalho estava bem penteado.
- Preciso encontrar uma pessoa – ela sorriu para mim novamente antes de pegar o guarda chuva e se dirigir a saída – até logo.
- Sibyl? – ouvi a voz de Sāmya me chamar do topo da escada.
- Já estou indo! – respondi, correndo para me juntar a ele.
XXX
Estava cansada demais naquela noite então Sāmya e eu acabamos pedindo comida, desse jeito só teríamos o trabalho de lavar a louça depois de comermos. Escolhemos um restaurante italiano que servia pratos para ambos e fizemos o pedido. Sāmya ficou sonolento depois de comer seu risoto de abóbora com amêndoas, então acabou adormecendo em meu quarto enquanto lia um livro que pegou na biblioteca.
Como ainda não estava com sono assisti alguns vídeos na internet e me deparei novamente no canal de Denis. Ele estava ao vivo, aparentemente já havia terminado dois períodos de estudo e havia parado para responder os comentários que surgiam em sua tela.
Alguém perguntou se ele não estava cansado ou com fome e Denis respondeu que estava com fome.
Me afastei do computador e olhei para a porta do quarto. Não havia barulho nenhum vindo do outro lado, ou seja, Télos ainda não havia chegado, nem Kyrios. Como não vi Denis jantar essa noite fui até a cozinha e usei os ingredientes que havia comprado para mim para preparar alguma coisa. Não sabia exatamente do que ele gostava de comer, mas não havia muito erro com um sanduíche.
Além do pão, peguei presunto, queijo, mostarda, picles e um molho pronto que Sāmya gostava que era um pouco apimentado. Quando terminei de preparar os ingredientes e montar o sanduíche passei manteiga na parte externa do pão e o assei na frigideira até ficar crocante, cortei em fatias e as embrulhei.
Mas como iria entregá-lo?
Deixei o prato com o sanduíche na porta do quarto de Denis e corri de volta para o computador. Ele ainda estava respondendo comentários então tudo o que tive que fazer foi digitar.
sibylyn: Abra a porta
Assim que Denis leu meu comentário, seus olhos se abriram ainda mais e ele afastou a câmera lentamente até que tudo o que pudéssemos ver fosse seus materiais sobre a escrivaninha. Ouvi quando ele abriu a porta, então voltou para dentro do quarto e mostrou o sanduíche para a câmera.
"Obrigado", ouvi quando ele disse no vídeo, então a câmera voltou a filmá-lo. Ele estava mesmo comendo o meu sanduíche.
Como Sāmya ainda dormia, precisei cobrir o rosto com um travesseiro para abafar meus risos.
Depois desse intenso momento de felicidade voltei cautelosamente à cozinha, pois ainda precisava lavar a louça.
Continua...
N/A: Estou muito feliz por ter postado dois capítulos hoje, especialmente por esse, por ter sido um capítulo com mais interação entre a Sibyl e o Denis. Acredito que agora todos já sabem quem é quem, mas tem outros personagens que também não são o que aparentam e terão algumas dicas a medida que a história for se desenvolvendo. Espero que todos estejam gostando, vou me esforçar para escrever e postar mais! Obrigada!
