06. Rimel Preto-Impaciencia

Enquanto meu pai estava arrumando a tralha que ele precisava despachar pela Satanás Celta, eu estava suando frio. Já fazia bem umas duas horas que ela estava fora, o sol já estava começando a dar sinais de que estava indo embora. Eu pensei, repensei, tripensei e eu sabia que eu tinha algo por ela que não queria morrer, e eu tinha algum senso de responsabilidade com a Rino, e eu não queria largar tudo pra seguir a Ruki.
Cara, nem no meu TCC eu matutei tanto.

Até que a campainha da minha casa toca e eu descambo pra atender a porta. E lá estava meu Satanás Celta: inatingível, como uma guerreira irlandesa, altiva e linda. Ela me deu um olhar de escárnio quando me viu.

- Eu apenas vim buscar as revistas. Estou com pressa, se não se importar. - a voz dela estava dura.
- Mas não quer nem tomar um copo d'água?
- Não, obrigada. Vá logo.

E, hesitante entrei em casa e chamei meu pai. Ele carregou a sacola e entregou em mãos dela e quando ela o colocou no porta-malas do carro e fechou, minha voz não aguentou mais e tomou controle.

- Diga a Jun que eu vou aceitar a proposta! - gritei. - Eu vou voltar pra Tóquio!

Ela apenas me olhou de soslaio e entrou no carro. O motor roncou baixinho e ela foi embora, sumindo do meu olhar. Eu quis chorar e lacrimejei enquanto entrava em casa, e quando me sentei no sofá, meu telefone tocou. Queria, muito, que fosse a Jun, mas era Rino, e resolvi atender.

- E ai.
- Ryou, acho que te ganhei. - ela disse, excitada.
- Hah, me conta mais. - meu sarcasmo estava bem alto, se eu mordesse minha língua eu me mataria.
- Eu disse pr'quela piranha pra nunca mais chegar perto de você, que você era me-
- Rino, você tá me tirando, né?
- Ryou?
- Mano, você jurou que me deixaria em paz!
- Mas... mas...
- Tá, que que ela respondeu?
- "Não é você que decide as coisas, colega". Uggh! Eu odeio aquela cara de papel molhado de óleo dela!

Suspirei.

- Lee Nung, já chega, vai? A Makino está certa. Sou eu que decido, não vocês. - e desliguei.

Eu desliguei o telefone e fui pro meu quarto. Depois de algum tempo de sofrência e choro, acabei dormindo.

oOo

No dia seguinte eu acordei com meu pai batendo na porta, e era mais de duas da tarde.

- Ryou, acorda, caraio! Você tem visita!

Rolei da cama reclamando, e coloquei qualquer roupa e desci, esfregando os olhos. Quando eu cheguei na sala, me levou algum tempo pra eu entender quem era a minha visita.

- Credo, Ryouzinho, isso é lá jeito de se vestir? Logo você, a bunda mais desejada do Japão?
- JUN?! - Me assustei.

Não acho a Jun muito bonita, mas a maquiagem dela estava demais. E eu curti o vestido curto, bem verão, e todo amarelo.
Foda-se os costumes japoneses, eu corri e dei um abraço nela tão apertado que quase fizemos Joggress, e depois que ela se soltou eu dei vários beijos na bochecha dela.

- Calma, campeão, calma, que sua namorada não vai gostar disso! - ela disse.
- Mas eu não tenho namorada...
- Seja como for, querido, sente-se. Precisamos conversar.

Me sentei como um menino obediente.

- Me passaram o recado, viu? - e ela deu uma risadinha.
- Oh a Ruki estava me ouvindo?
- Bem, sim.
- E ai?
- Bem, amorzinho, já temos um trabalho pra ti, é coisa pequena.
- Oh, sério?
- Sério. - e ela puxou uma pasta, abriu e pegou uma folha. - É apenas pra ilustrar uma capa da ViVi mas eles querem você e mais uma modelo pra estrelar.
- Essa outra modelo vai ser a Ruki? - falei, animado.
- Hahahah, não, metade das capas da ViVi desde uns seis anos atrás é a Ruki que faz. Decidimos pegar um rosto novo.
- E quem vai ser?

Minha campainha toca, e eu saí pra atender. Pra minha surpresa, era Rino.

- Rino? Que veio fazer aqui?
- Seu pai me chamou.
- Ok...?

E a deixei entrar.
Ela entrou e meu pai pediu para que ambos sentássemos no sofá. Jun a olhou de cima a abaixo.

- A Vaca tinha razão, a menina é bonitinha... Park Lee Nung... Rino, né não? Prazer em te conhecer, meu nome é Jun Motomiya, sou a diretora criativa da Donna.

Rino estendeu a mão, sem entender muito.

- Tá, que está—
- Querida, sei que não é modelo mas você vai virar uma. Eu quero os dois - e apontou pra nós dois - encham linguiça na ViVi.
- Mas ela tem-
- Ah não se preocupem, vai ser só uma semana. Conversei com sua clínica, querida, e eles estão okay com isso. - e Jun puxou um papel assinado.

Rino pegou o papel e leu.

- É a assinatura do doutor Sato, mesmo... Mas por que eu?
- Sugestão vinda de dentro da Donna, lindona. Toma aqui a proposta pra você, gatona - puxou mais um papel da pasta pra Rino - E você, amorzinho, já sabe como vai ser o esquema. Não se preocupe, a gente não liga de você ter dois trabalhos, vai dar sossegado de conciliar ambos.

Rino me olhou com raiva.

- Espera, VOCÊ ACEITOU SER MODELO? - ela vociferou.
- Sim. - respondi, sereno.
- MAS VOC-
- RINO, TE ORIENTA! Eu faço o que eu quero, independente do que tu acha! - mandei a real.

Jun assobiou.

- Gente, sem DR, por favor. Enfim, estou esperando a resposta da lindona: vamo ou não?
- Eu não sei...

Jun sorriu, maliciosa.

- ... eu posso pedir pra Ruki fazer isso com ele...

Eu te odeio, Jun.
Bastou ela finalizar a frase que ela a olhou com um ódio descomunal.

- Não precisa, eu vou.
- Ai delicia, adoro. Bem, crianças, eis aqui o vosso cachê - e nos deu uma folha, cada. Mais uma vez, um cachê astronômico. - e simbora arrumar as malas, vocês partem hoje.

Despachei a Rino pra casa dela e subi pra fazer a minha. Jun apareceu na porta e bateu.

- Tá tudo bem, Ryouzinho?
- Jun, era mesmo necessário ter dito aquilo? - desabafei.
- Oh meu amor, não tá sabendo de nada, né? - Ela disse, num tom maternal.
- O quê, a Rino descambou a Ruki? - mandei.
- Hah, isso é só um décimo do que aconteceu, meu amor.

[...]

- Motomiya falando.
- eu espero que esteja sozinha e com os fones de ouvido por perto, piranha. - Ruki despejou.
- Eita. Manda, estou te ouvindo.
- Você sabia que aquele cachorro tem uma stalker que se acha a dona dele? - ela disse, mastigando um chiclete.
- Não. - Jun pegou o vaso de doces e pescou alguns M&Ms e comeu.
- A menina é bonita, mas teve a desforra de falar que modelos são fracos e idiotas, tu acredita? - Despejou com ódio - A filha da puta teve a audácia de falar isso pra mim, sorte que eu tive controle e não parti ela no meio.
- Tá tirando o bonde pra louco, é? - Jun falou, com raiva.
- Sabe aquela campanha da ViVi que fiquei encarregada? Quero que ela faça. Tenho todos os dados, se precisar.
- Meu fax está ligado e pronto.
- Vou mostrar pra essa quenga com quantos pincéis se faz uma drag.
- É! Mas...
- Que foi? - Ruki indagou.
- Eu te conheço, Ruki. Não foi porque ela ofendeu seu trabalho, tem algo mais. Ela tá querendo roubar o Ryou de você?
- Não há o que roubar se ele não pertence à ninguém. - Ruki declarou.
- Entendo... bem, você alterada desse jeito nem vou me meter, mande tudo que eu cuido do resto.
- Valeu.
- Chega quando?
- Estou em Shizuoka, no momento, daqui umas três horas estou em Tóquio.
- Beleza.

[...]

- Nem quero saber o que aconteceu entre aquelas duas. - declarei, por fim.

Ela deu um risinho e se sentou na minha cama, acompanhando calada eu arrumar minha mala.

- Bem, amorzinho - Jun disse, na hora que eu fechei a mala - como vai fazer, vais mudar pra Tóquio?
- Sei lá, foi de repente. Talvez. - suspirei.
- Bem eu assumo que vá querer se resolver com a Ruki.
- Isso se eu tiver chance, né? - falei com sarcasmo - Porque você atiçou a Rino pra ir junto...
- Ordens, meu caro. Ordens. - ela deu de ombros. - Eu apenas vim buscar vocês, nem sou eu a encarregada dessa campanha.

Suspirei.

- Bem, terminei. Posso ir tomar um banho, pelo menos?
- Ah vai assim mesmo, toma banho em Tóquio. - Jun puxou uma bolsa vermelha dentro da mini mala dela - eu tenho as passagens e as reservas no hotel. Não se preocupe, os quartos são separados. - ela deu uma risadinha.
- Te amo, Jun. - ri junto.

E assim desci com minha mala e, na hora que Rino apareceu com a mala dela, fomos para o aeroporto.
Durante o voo, ela explicou mais detalhes sobre a campanha - mas nunca mencionou a pessoa encarregada de deixar tudo organizado.
Rino usou essas horas pra interrogar Jun e conseguir o máximo de informação sobre onde ela ia se meter.
Quando chegamos em Tóquio, como na última vez, Chizuru veio nos receber de braços abertos, e no carro dela levou todo mundo pro hotel.

- Toma, amores: cada um tem um quarto, não deu pra fazer apenas um. - e nos deu as reservas.
- Orras de boas, melhor assim. - falei.
- Enfim: vocês dois, vos quero na Donna às onze. - e virou pra Rino. - Você: lave o rosto, e não passe nenhuma maquiagem, a gente resolve isso lá na agência.

Concordamos e Jun se despediu. Saí correndo pro meu quarto e falei pra Rino que não queria conversa.
Assim que cheguei lá, tranquei a porta e mandei mensagem pra Satanás.

"Obrigado por dar meu recado pra Jun, muito legal da sua parte. Talvez nos vemos amanhã?"

Eu tenho uma função bem legal chamado "relatório de leitura" que me diz se a pessoa leu essa mensagem.
Eu fiquei uns 15 minutos esperando essa mensagem, e cansado de esperar, eu fui tomar banho. Na volta, o relatório voltou: ela leu a mensagem, mas ela não respondeu. E isso, meu caro, me deixou doido da cara, mas deixei quieto e fui dormir.

No dia seguinte eu levantei e vesti minha melhor roupa casual e um pouco de perfume. Escovei meus dentes, fiz a barba, parecia que eu estava indo pra alguma festa.

Eu vou fazer uma ressalva aqui: cês tão me acompanhando até agora, deu pra perceber que eu não ligo muito pra detalhes, mas a seguir eu meio que preciso ser bem detalhista. Darei meu melhor, viu? Porque, pessoalmente, não costumo ligar pra essas coisas.

Me encontrei com Rino no lobby do hotel, e ela apenas vestiu um vestido branco, um pouco largo, nada que denunciasse as curvas delas. Como eu já sabia o caminho pra Donna, fui guiando ela enquanto conversávamos. Quando chegamos, demos de cara com Chizuru.

- Opa, salve pros dois! - ela falou em Hichiku, o dialeto do sul, sorridente.
- E ai, Chizuru! Pronta pra arrasar de novo?
- Como sempre! - e riu, alegre.

Ela abriu a porta e segurou pra gente entrar.
Curioso, tinha muita gente na Donna hoje.
Nunca cheguei a mencionar, mas fora a Jun e a Chizuru, eu fiz muitos amigos.

- Rino, esta é a Namie. - uma das modelos mais antigas, o cabelo era pintado nas pontas de castanho.
- Oh, um rostinho novo? Bem vinda, Linda! - Namie apertou a mão de Rino, sorridente.
- E esse é o Andrei - apontei pro Niporrusso, nos seus vinte. Um cara meio musculoso, do cabelo preto e olhos azuis.
- Bom dia! - ele sorriu. - Ouvi que resolveu se agenciar com a gente, Akiyama, gostei de ver!

E fui apresentando ela ao pessoal, e aos poucos Rino foi se abrindo e sorrindo, interagindo mais com o pessoal.
A radio estava num volume agradável, mas do nada eu deixei de escutar a voz do pessoal. E olhamos pra ver o que estava acontecendo.

Estava tocando Maroon 5, Moves Like Jaeger ou algo assim.
E ai escutei aquele barulho de salto inesquecível.

E lá veio ela.
Parecia estar desfilando em algum show da Victória Secrets, já começa assim.
Aquela cachoeira laranja dela veio esvoaçando, conforme ela andava, e aquilo me deixou doido. Estava com uma regata preta e uma calça skinny azul escuro, provavelmente jeans, e aquele salto que a vi no primeiro dia da nossa campanha. Estava usando um colar choker e outro bem comprido que brilhava enquanto ela andava, e pra completar um daqueles camisões que vai até embaixo de um tecido bem fininho.
O que enrolava minha mente era isso aqui: a cada passo a bacia dela ia de um lado pro outro, e o cós da calça acompanhava. Era simplesmente hipnotizante, parecia um pêndulo e eu estava caindo certinho na dela.
A maquiagem de olho dela foi bem feita, a modo que aqueles olhos de vidro colorido estava bem ressaltado. E pra terminar a chacina, o perfume arrastava cabeças por onde ela passava. Quando ela parou, ela matou a todos com seu sorriso, digna de uma das Angels.

Essa foi a primeira vez que eu a olhei e não senti ódio. Senti algo bem mais primitivo, e ao mesmo tempo senti insegurança. Nota mental: vou enviar flores pros pais dela, porque ela existir, hoje, era um milagre que eu queria ver. Eu fiquei tão extasiado que nem vi Rino apertando meu braço.

- Bom dia, galera. A Jun está aqui? - ela disse.
- Ainda não, mas a Kawano- - Namie tentou responder.
- Eu tô aquIIIIIYARAIO - Chizuru se virou - Mas o-
- Avem un șobolan aici și, am venit să ucid asta. - Creio que foi isso que a Ruki disse, mas ela disse com confiança.
- Știi că ai declarat război, nu? - Chizuru disse, parte receosa, parte irônica.
- Da o fac. - ela respondeu, segura de si.

Ela olhou pro pessoal que acabou de fuzilar com sua beleza, e me encontrou. Eu corei na hora, Rino rosnou.

- Aí está a nova estrelinha da ViVi! - e sorriu, sarcástica. - estarei na sala de maquiagem 3, suba quando a Jun chegar.

Deu aquela virada de modelo e subiu pro segundo andar.

- Mas a piranha fez até a unha pra vir trabalhar, vai vendo... - Chizuru falou. - roupa nova e o mais, veio matando.
- Gente, mas a bicha veio Britney e saiu Beyoncé... - Andrei falou. - E o perfume é novo, aquilo é o quê, Chanel?
- Ou Bottega Venetta, conhecendo a figura. - Disse Namie. - Ela usar aquilo, pra quem usa Elie Saab ou Chloé, é novidade, alguma coisa aconteceu.

Rino soltou meu braço.

- Precisava vir assim de manhã? - Rino disse, meio puta.
- Precisava. - respondi eu, Namie, Andrei e Chizuru.

Rino titubeou.

- Mas por que? - ela questionou.
- Ruki Makino, diretora chefe de maquiagem. - Andrei respondeu, com orgulho. - Provavelmente vai ser ela que vai fazer seu rosto pra ViVi, Park.

Rino soltou uns palavrões em coreano que vocês não precisam saber. Nisso, a Jun apareceu.

- Mas nossa, quem foi que passou com um Gabrielle à essa hora da manhã? - Jun disse alto, enquanto caminhava em nossa direção. - Oh, e bom dia, plantinhas.
- Ruki passou por aqui faz cinco minutos. - Falei.
- Oh. - Jun falou, surpresa. - Onde ela está?
- Maquiagem 3. - Rino falou, fatalista.

Jun ajeitou a roupa.

- Chi, Rino e Ryouzinho: simbora pra festa.

E subimos a escada. Jun abriu a porta confiante.

- Cheguei e trouxe bolo! - Jun anunciou.
- Ah já tomei café da manhã, Jun, mas obrigada pela oferta. - Ruki respondeu, arrumando a maquiagem na mesa. - sentem-se, vamos ter uma conversa prática, hoje.

E nos sentamos.

- Bem, galera, a partir de hoje quem assume as rédeas da campanha vai ser a Senhorita Makino, aqui. - Jun apontou pra ela. - Se tiverem alguma dúvida, ou coisa do gênero, por favor falem pra ela.
- Eu tenho algumas. - Rino falou.

Viramos pra ela. Rino cruzou os braços e falou, como se fosse uma princesa.

- Posso trocar a pessoa que vai fazer a minha maquiagem? Porque não acho que alguém de tão baixo calão deva se atrever a fazer algo em mim.

Eu achei que a Ruki ia perder as estribeiras, mas o que eu vi deixou até meu ego destroçado.

- Primeiramente: você não entendeu bem sua posição, eu assumo. - a Satanás Celta disse, calma como uma brisa.
- O quê? - Rino questionou.
- Bem, Park: te escolhemos meramente por conveniência porque nossos agenciados estão ocupados, mas eu não vejo problema algum em trocar de pessoa se assim eu quiser. Em poucas palavras: você veio pra encher linguiça, e nada mais.
- Tch.
- Segundo: é muita audácia sua me insultar dentro do meu escritório. Se sua pertinência permitir, meu "baixo calão" está atrás de mim. - e apontou pros vinte certificados, todos com o melhor nome da elite da beleza ao lado do nome dela.

Rino bufou.

- Eu não sou a Motomiya, que argumenta com agenciados novatos que nem você. Quem dita as regras aqui sou eu, caso não esteja satisfeita com isso, a sua passagem está ali. - e apontou pra bancada, onde uma folha estava embaixo do vaso de planta, com rosas brancas.

A sala ficou gélida ao fim dessa fala.

- Mais alguma objeção, Park?
- Creio que seja tudo. - Ela disse, contrariada.
- Certo, vamos aos detalhes.

Nas duas horas seguintes ela explicou mais detalhadamente o que era esperado de nós. Eu recostei na cadeira e deixei que ela conduzisse tudo, enquanto admirava a beleza dela (neste ponto deu pra perceber que eu to amarradão nela, né? Ok.).

- Dito tudo isso, eu vou testar a maquiagem na Park. - e pegou a mala de maquiagem e foi pra frente da Rino. - Espero que tenha lavado o rosto.
- Não se preocupe, eu lavei.

Ruki olhou os dois lados do rosto de Rino e franziu a testa.

- Lave de novo. - e saiu de perto.
- O quê?
- Lave seu rosto de novo. - e pegou uma bolsa de pano pequena e preta. - Lave com esses produtos, pode ficar com eles, mas não volte com esse rosto lavado com sabão comum. E esfolie, também.
- Mas-
- Se eu te maquiar nesse rosto mal lavado, só vai fazer você ter espinhas. Leve o tempo que precisar, mas vá logo.

Rino levantou e saiu, a passos firmes.

- Satanás, você não está sendo dura demais com a Rino? - falei.
- Mas é assim mesmo, Ryou. Se modelagem fosse fácil, não haveria especialistas. - Chizuru falou. - E olha que a Ruki-tan está sendo bem boazinha, tem agências e gerentes bem mais duros que ela.

Assobiei.

- Bem, plantinhas, eu estou caindo fora. - Jun disse, se levantando. - Ruki tem as rédeas de tudo, então é desnecessária a minha presença.
- Vai sair de férias, Jun? - Ruki disse.
- Ainda não, só vou tirar uns dias fora pra resolver problemas pessoais.
- Certo... Bem, até mais. - eu falei.
- Se precisar, você sabe onde estou. Até, galera... E Ruki.
- Fala.
- Por que você comprou tuuuuuudo isso - e apontou de cima à baixo - pra vir trabalhar?
- Porque eu quis, Jun. - ela respondeu, taciturna.
- Tenho direito às minhas cinco palavras? - Jun disse, da porta.
- "Não é você que escolhe".
- Oh.

Jun assumiu um rosto sarcástico.

- Me chame se houver algo.
- Tudo bem. - Ruki falou, por fim.

Jun saiu.

- Eu vou no banheiro. - Ruki disse.

Ruki saiu, e automaticamente peguei meu celular.

"Jantar às nove?
Queria conversar contigo." E mandei pra ela.

Coloquei no bolso e suspirei.

- Ryou-tan, por que essa menina tá tão grudada em você? - Chizuru falou.
- Sei lá, mano. Ficamos uma noite, e eu ainda tava quadribebado, acabou que a gente dormiu e nunca mais ela me deixou em paz.
- Ah... mas tu não falou que não quer nada com ela, cara?
- Se pelo menos ela me escutasse, né?
- Que fita. - Chizuru finalizou, com simpatia no olhar. - Ela até parece sua namorada de verdade.
- Sinto muito, eu não estou aberto para esse tipo de maluquice, tenho algo maior em mente.

E suspirei. Se dependesse de mim, eu estava fazendo qualquer outra coisa, menos lidando com a Rino.
E falando nela, ela voltou pra sala.

- Esses produtos que a mina me deu são realmente bons...
- Esteé Lauder, fia. - Chizuru respondeu. - Ruki-tan só trabalha com o melhor.
- Sei... mas esse esfoliante realmente limpou tudo, estou de cara. - e Rino tocou o rosto.

A porta abriu, e era Ruki.

- Vejo que voltou, Park. Vamos começar.

Eu imagino que a Rino deva ter tido uma experiência do capeta em ter aquela mão pálida com unhas tão compridas e escarlates tocando o rosto dela, mas pra mim foi relaxante. Pouco a pouco ela construiu o melhor que o rosto de Rino podia oferecer.

- Pronto. - e virou a cadeira de Rino pro espelho. - É disso aqui que estamos falando.

Rino ficou uns cinco minutos olhando pro espelho. Ela sabia que estava incrível e não havia falha nenhuma na obra de arte que Ruki criou.

- Nossa...
- Bem, tenho compromisso, então dispenso vocês por hora. - olhou no relógio - ainda tenho um jantar pra ir.

Opa.

- Chizu-tan, pode puxar o figurino pra esses dois? E se possível trazer pra eles? - Ruki passou um papel pra ela.
- Claro. Eu já tenho as medidas do Ryou-tan, mas vou precisar das suas, Park. - Chizuru sorriu.
- Bem, então vou indo. Qualquer coisa me liguem. - falei e saí da sala, correndo.

Desci as escadas e fui em direção à estação. Olhei meu celular, e não havia nenhuma mensagem retornada, e quando cheguei no meu quarto, resolvi ligar pra ela.

- Makino falando.
- o-Oi, sou eu...
- Eu sei, tenho identificador de chamadas no meu celular. - Mas ô bicha bruta.
- Ha ha.
- Que foi?
- Aquele jantar que mencionou mais cedo... Vai aceitar o meu convite?
- Que... a da mensagem? - ela fez um som de que fez merda - Puxa, eu mandei pra pessoa errada, mas que merda...
- Mano?
- Eu achei que era o Jenrya que tinha me convidado e eu tinha dito sim - ouvi o barulho dela deixando o celular na mesa.
- Não sei como me salvou no seu celular, mas é bem diferente de "Jenrya Lee".
- Os dois estão salvos como "perda de tempo", esse é o problema.

Fiquei puto.

- Muita audácia sua me nivelar no mesmo jeito que aquele Zé Roela, Satanás Celta.
- Como se eu ligasse, vai lá. - ela replicou. Ouvi ela digitando no computador, ela é rápida. - Ele vai querer tirar satisfação, mas que bosta...
- Manda ele ir chupar um canavial de rola, ué.
- Escuta, Pedreiro: não tem só você enchendo meus pacovás pra sair comigo, entendeu? Eu tava querendo dar um migué mas tu fez o favor de foder meus esquemas, tendeu? - ela começou a falar em kansaiben. - Vai dar mó bololô, eu num queria pelejar com isso, uai.

Dei risada de nervoso.

- Então quer dizer que a Princesinha tá com os contatinhos, né? - soltei o kitakyushuniano em mim. - Coé, não manda caô pra mim não, Satanás, tu me tira desses seus bolado ai que eu não tenho nadavê com 'sas parada ai, não.

Ela riu de escárnio. E isso me irritou.

-Num sô teus beques pra tu me fumar, não. - despejei.
- E eu num sô tuas negas também, não, tiriça! - ela respondeu. - Pérai, tem gente aqui.
- Tá.

Ouvi abafado. "Posso ajudar em algo, Park?"
"Viste Ryou?"
"Não, ele saiu e não falou nada. Ligue pra ele, eu não fico rastreando ninguém."
E a porta bateu.

- Pedreiro?
- Era a Rino?
- Era, sim. Casa logo com ela e dá sossego pra ela logo, diacho.
- Mano nem te conto, eu-
- Nem precisa me contar, não estou interessada. Seja como for, já que a mensagem era sua, sim, vamos jantar. Onde vai ser?
- Ahn...

Levei um minuto pra pensar.

- Ainda não pensei em nada...
- Mas ô zé inútil! Faz o seguinte, Pedreiro de Templo: do lado da estação de Shibuya tem um restaurante de ramen. Oito e meia, se for levar tua noiva me avise antes.

E ela desligou.
Fiquei meio feliz quando entendi o que aquilo significava mas ainda estava meio revoltado por como ela me salvou no telefone.

oOo

Oito e meia lá estava eu. Me vesti digno de conquistar qualquer mulher que eu quisesse, e esperava que funcionasse com ela. Estava admirando a vista de Shibuya, e como era linda durante à noite, até que a vi chegar.
Ela ainda vestia a roupa que estava mais cedo, mas não necessariamente menos bonita, pelo contrário. Fiquei satisfeito em saber que eu podia admirar tal pessoa sem ninguém me interromper.

- Não é que você veio, Satanás?
- Eu disse que viria, uai. Vamos entrando.

Entramos. Era um restaurante bem charmosinho, pequeno, à meia luz. Nos sentamos numa mesa perto da parede e olhamos o cardápio. Pedimos o que a gente queria e o garçom foi embora.

- E ai, qual que é o trem? - ela perguntou, se recostando na cadeira.
- Bem... Eu só queria ter um tempo pra conversar contigo sem precisar ser interrompido.
- Aw que fofo. Avisou sua noiva?
- Ela é só minha amiga, Ruki, pare com isso. - suspirei.

Ela deu uma risadinha e bebeu um pouco de água.

- Não foi o que ela disse. - ela disse.
- Justifique sua resposta.
- Literalmente: "Fique longe dele, é a mim que ele quer, e você viu isso". E não discordo da pequena, vai lá.
- Ô minha caralha... - suspirei - Essa mina podia achar outro macho pra se acalmar, não?
- Bem, poupe-me dos detalhes que eu to nem um pouco interessada.
- Ah, sei.
- E ai, que mais que você queria falar?
- Ah.

Os pratos chegaram. Comemos um pouco e pensei nas palavras certas.

- Cara, eu queria saber como as coisas vão contigo, manja? A faculdade e tal...
- Ah sim. - ela comeu um pouco mais. - Tá indo bem. Foi sábio o conselho da Chizu-tan de reduzir a carga horária e me dedicar mais à faculdade, por hora tá indo tudo bem. Creio que depois desse trabalho eu tenho mais uns dois pra resolver e depois fico livre.
- Entendo... Tá gostando da mudança de área?
- Pior que eu tô, sabe? É bem interessante.

Comemos mais um pouco.

- E você? Como resolveu o esquema com a Jun?
- Bem, ela disse que vou poder conciliar com o outro trabalho, então fiquei feliz. Assumo que vira e mexe vou precisar voltar pra Tóquio pra fazer campanha mas nada que realmente me afete.
- Entendi. Que bom pra você, não é?

Comemos mais um pouco.

- Concordo. Aliás, quando termina esse trabalho?
- Ah, semana que vem. Vai ser as fotos e algumas correções, então até que a edição seja lançada vocês vão ter de ficar.

Ouvimos um pigarreio. Era de Rino, nos encarando, com um rosto demoníaco.

- Quer dizer que estavam num encontro, hã?

Ruki olhou pra mim, e eu olhei pra ela. Ficamos calmos, e a Satanás disse.

- Como eu ia dizendo, vocês vão ficar por aqui até semana que vem, mais ou menos próxima sexta.
- Entendi. Rino, pega logo uma cadeira e senta, mano.
- É muita audácia sua convidar meu homem pra—
- Em primeiro lugar - Ruki falou firme. - Se você fosse mais esperta notaria que estamos falando de trabalho. Segundo: foi ele que me convidou. E por último, e não menos importante: segundo às palavras dele, ele está solteiro, portanto se ele quiser sair com a sua mãe, ele poderia e faria se tiver o consentimento dela.

Rino ficou calada. Eu apenas observei essa Gaia Force que a Ruki mandou à queima-roupa.

- Você está interrompendo meu jantar. Se for ficar, pegue uma cadeira e pede algo, senão, vá embora.

Ela fez bico e pegou uma cadeira e ficou nos observando. Eu achei que a Satanás ia mandar a menina sumir dali, mas ela se manteve calma. Um garçom viu a comoção e ofereceu um menu pra ela, que ficou olhando pra achar algo que gostasse.

- Rino, como tu soube que eu estava aqui? – perguntei finalmente.

- Vi no seu GPS. – Rino falou, inocente.

- Mano. – falei, exasperado. Como assim, meu GPS?

- Certo, você seguiu a gente aqui. E agora? – Ruki perguntou, dava pra ver que ela estava perdendo a linha por dentro – o que pretende fazer?

- Eu...

- Como eu disse, eu fui convidada por ele, e estamos falando de trabalho.

- ah...

- Então, assim, na minha opinião, super rude invadir um encontro de trabalho que você não foi chamada, mas se for ficar, melhor contribuir. – Ruki disse, enquanto bebia água. – E se você veio porque ficou com ciúmes dele, resolvam entre vocês, porque eu quero passar longe de problema.

- Eu não sei o que dizer...

- Rino, na moral, eu disse mil vezes: não quero ser seu namorado. Super entendo tu não gostar da Satanás Celta aqui – e apontei pra Ruki, que me olhou feio – mas eu gosto do meu espaço pessoal. Se você quiser falar sobre isso, eu converso sobre depois, beleza?

Rino ficou cabisbaixa. Ela colocou o menu na mesa e saiu, sem falar nada, mas dava pra ver que lagrimas estavam se formando nos olhos.

- Park, um conselho de colega – Ruki chamou. Rino parou e olhou pra ela – Não resolva isso dentro da Donna. O pessoal adora fofoca, e eu acho que isso não deveria ser assunto de fofoca de modelo metido.

Se a Rino aceitou, não sei. Ela apenas foi embora, e ficamos observando até que ela desapareceu na cidade que dava pra ver da porta. O garçom perguntou se estávamos bem, e Ruki afirmou que sim, pedindo desculpas pelo problema causado.

- O conselho também vale pra você, Pedreiro. – Ruki concluiu.

Depois disso, nada foi dito ate que terminamos o jantar. Depois que paguei o jantar, eu pedi pra ela esperar, porque eu queria caminhar com ela.

- Eu não quero ficar até tarde na rua, fale.

- Ruki, olha... Eu queria conversar sério sobre a gente. E precisa ser agora, porque já deu.

Eu peguei o celular e desliguei. Ela viu, e pela cara entendeu que era algo que iria acontecer agora, e em resposta fez o mesmo, e colocou no bolso. O barulho da cidade virou mais um barulho de segundo plano, porque eu tinha a total atenção dela, e os olhos de vidro colorido dela falavam muito alto.

- Pois bem, Pedreiro, que foi?

- Olha, mano, na moral, a gente tinha de se acertar. Dá não, mano, sério. – e baguncei meu cabelo, em confusão, as palavras começaram a correr e se esconder.

- Como assim?

- Ruki, a gente não é mais criança jogando Cathode, a gente pode parar de graça.

- Concordo. – ela concordou, mas dava pra sentir dúvida na voz - E o que você quer?

- O que eu quero? – Olhei pros prédios, e o céu noturno – Eu quero saber o que tá acontecendo com a gente, porque eu to confuso. E muito.

- E o que está te confundindo?

- O jeito que você me trata. O jeito que você age. Como você fala, joga verde – falei exasperado – Tudo o que você faz me confunde. Você me confunde demais.

Ela ensaiou algo, mas a voz não saiu. Ela olhou pro trânsito, pros prédios e enfim disse, calma.

- E o que você quer que eu faça?

- Seja honesta. Eu não leio mentes, mas sei o suficiente sobre você. Você tem um coração, acho que tá na hora de escutar o que ele tá te dizendo. – despejei.

Eu não estava prestando atenção, mas a gente estava na frente de um estacionamento. Ela olhou bem pra todos os lados e se constatou que não tinha ninguém, e me pediu pra seguir ela até o carro dela, e depois pediu pra eu entrar. Quando ela pos o cinto de segurança e ligou o carro, ela finalmente disse:

- Nem eu sei o que tá acontecendo. Mas acho que a conversa não deveria continuar aqui.

- E pra onde você quer ir?

- Um lugar seguro. Não me sinto confortável conversando sobre algo sério na rua, especialmente depois daquela sua sasaeng ter te seguido.

Assenti, porque era verdade. Porém não sei onde era esse tal lugar seguro.

Durante o trajeto ficamos calados, mas eu sabia que a gente não estava indo pra casa dela. Depois de uns bons trinta minutos, a gente chegou em um prédio alto. De acordo com as placas, a gente estava perto da estação de Shin-Koiwa. A Tóquio Skytree estava muito perto, ali do outro lado do rio.

Ela pegou as chaves dentro do console do carro, e entramos no estacionamento. Ela parou em uma vaga, e pediu pra que eu seguisse ela. Ela apertou o botão do trigésimo segundo andar, e o corredor com luzes ambientes ficou difícil ver o número do apartamento, mas ela abriu a porta.

Era grande. Um sofá branco, umas revistas na mesa de centro, a TV na parede e a vista... A vista era de tirar o fôlego. Uma visão quase panorâmica da cidade, dava pra ver muita coisa: o parque temático, a Skytree... a vista era linda, com todas as luzes.

Ela fechou a porta e acendeu as luzes, que eram suaves. Eu tive um gosto da riqueza dela, porque por mais simples fosse a casa dela, era moderno e feito sob medida. E isso é caro, especialmente em Tóquio.

- Onde estamos?

- Meu esconderijo. – ela respondeu, enquanto tirava o sapato e pegava as pantufas – eu venho pra cá quando quero me esconder do mundo.

- Puta esconderijo, hein? – falei admirado. Jamais que meu salário de professor pagaria isso, nem se eu pegasse todas as matérias do ensino médio pra ensinar em quinze escolas.

Uma vez que entramos ela ligou o celular, e ligou pra Chizuru. Pediu pra que eu ficasse quieto, e não ligasse meu celular, mas pôs ele pra carregar.

- Kawano falando.

- Chizu-tan? Sou eu.

- Ah! Ruki-tan! E ai?

- Tudo bem, e você? – ela pegou dois copos e encheu de água e me deu um.

- To bem, estou revendo os relatórios pra amanhã.

- Ah que ótimo! Então, sobre amanhã...

- Sim?

- Eu vou chegar um pouco tarde, tenho um exercício de física pra fazer hoje.

- Bem, a gente não vai precisar de você amanhã cedo, só a Park.

- Ah sim, verdade.

- Bem, quer que eu fale com ela?

- Se possível seria perfeito.

- Okaaaay~ e o Akiyama?

- Que tem ele?

- Ele sabe que amanhã ele tá off?

- Sim, eu falei pra ele mais cedo – e ela me deu uma piscadela – ele tá sabendo.

- Na real talvez a gente precise dele mas qualquer coisa eu ligo.

- Pode ser. Mil desculpas, Chizu-tan.

- Nada, boa sorte!

- Obrigada! Boa noite.

- Pra você também.

E desligou o celular.

- Não tem nada que vá impedir a gente de conversar, então é.

Fiquei nervoso.

- A conversa parou com você pedindo pra que eu fosse honesta e escutasse meu coração. – ela foi direta.

- Sim.

- Vou dizer mais uma vez: nem eu sei o que eu quero. Eu estou tão ou mais confusa que você.

Fiquei em silêncio, precisava achar palavras... E as achei.

- Ah. Bem, nesse caso, me conte sobre o Jenrya. – falei.

- Jenrya?

- Sim.

Ela saiu da cozinha e se sentou no sofá, me convidando a fazer o mesmo.

- Bem... Ele me pediu em casamento, na real.

- Certo, e você me disse que tinha dito "não". E ai?

- Bem... – ela titubeou – Eu disse não, mas a gente ainda conversa.

- Amizade colorida?

- ... Sim.

Ela anuiu e olhou pra janela. Meio que assumi que não quis olhar nos meus olhos, talvez porque eu sabia que estava com uma cara fechada. Mas eu dei continuidade.

- E te incomoda que você esteja mantendo isso?

- Na real, nem sei. É conveniente, de vez em quando é divertido, mas eu não queria que ele desenvolvesse sentimentos, sabe?

- E por que não? Até onde eu ouvi da galera, ele é bem sucedido, bom partido, etc...

- O Jenrya do público não é o mesmo do Jenrya do privado, basta eu dizer isso.

- Eita.

- Ele queria que eu parasse com a minha carreira e seguisse somente com a Hasso Platnerr, mas eu não gosto de gente me dizendo o que fazer.

- Ah é, tu foi convidada pra estudar lá, e ai?

- Bem, ainda não dei resposta porque eu ainda não sei se quero ir, mas tenho bolsa integral pra ir a qualquer hora.

- Isso é bem interessante, fico feliz por ti. De verdade.

- Obrigada, de verdade.

- Tamo ai. Eu sei que você não quer saber sobre a Rino – e bebi um pouco de água – mas eu acho que você deveria saber o que está acontecendo.

- Ué, não é só ela sendo uma sasaeng? Porque aquilo foi pertubador. – e ela falou isso, com certa intimidação na voz.

- Antes fosse.

- Poupe-me dos detalhes sórdidos, eu realmente não preciso saber disso.

- Já que diz... Só foi uma vez, por acidente, mas ela basicamente fez um imprinting em mim e assim ficou até agora.

- E aquele dia na sua casa?

- ... Chantagem emocional. Ela fez tanto que no fim aceitei, mas me arrependo amargamente.

Ambos ficaram calados por um minuto.

- Sendo assim, ambos tem pendências pra resolver – comecei – mas a gente precisa esclarecer qual o ponto final pra resolver isso.

- Concordo. O que você sente sobre, no momento?

Parei por um minuto, bebi um pouco de água e pensei.

- Se eu tiver de por em poucas palavras, eu tenho sentimentos por ti, isso é certo. – foi difícil falar isso, mas continuei. – o porém é que eu ainda não decidi aonde esses sentimentos se encaixam na minha vida.

- Certo.

- Eu tenho uma escala de prioridades na minha vida e gosto de manter assim pra manter o balanço mas...

- Mas?

- Sendo sincero – me ajeitei no sofá – é como se cada palavra sua embaralhasse tudo e jogasse pro ar. Não gosto disso, mas eu me divirto com o que sinto por você.

- Entendi. – e ela deu uma risadinha, quase inocente.

- E o que você sente? – mandei na cara dura.

Vi ela corar de leve.

- Não vou me limitar à poucas palavras que nem você, pedreiro: se eu tivesse de quantificar o que sinto por você, vai do topo do Everest ao fundo das Marianas. Mas não tem como eu qualificar isso. Simplesmente não tem.

- Tente seu melhor.

Ela respirou fundo, dava pra ver que ela rebuscava palavras em si pra explicar com o seu melhor.

- O que eu sinto por você é aterrorizante, porque ora eu me sinto a mesma menina que jogava Cathode, ora me sinto uma mulher completamente livre e independente, mas tem esse fio que me faz olhar pra trás. Todo dia eu acordo e penso o que tem nesse sentimento tão imenso mas tão... Avassalador que me assusta, mas me fascina. E eu não sei como isso me faz sentir. Me confunde, me irrita, me anima... – ela olhou pra janela, procurando mais palavras – Não sei. É como se fosse o mar, e cada onda é diferente.

- Nossa.

- Não dá nem pra te dizer se isso é amor ou algo parecido, eu pessoalmente não vejo assim. Mas eu gosto de você, porque por mais confusa que eu esteja, tem hora que só de interagir com você me dá uma pausa nessa tempestade e me deixa só aproveitar a sua presença. – e ela olhou, no fundo dos meus olhos, com a mais pura sinceridade embutida no olhar de vidro colorido.

Eu mesmo nem sabia o que dizer, só que estava pasmo.

- Eu sei que você vai trazer a Park pra conversa uma hora ou outra – ela continuou - mas queria deixar isso claro: não posso pedir exclusividade se eu não tenho meus sentimentos em ordem. Isso é entre vocês dois.

- Ah...

- E eu também me sinto mal em envolver o Jenrya, especialmente sabendo que ele é meu ex.

- Bem... não vou te julgar, de verdade.

Nos calamos. Deixamos o suave barulho da cidade lá embaixo encher o silêncio do apartamento. Eu dei uma olhada no relógio na parede, era quinze pra meia noite. O tempo voou sem ao menos fazer um pio sequer, e isso me fascinava.

- Agora que a gente sabe o que sentimos um para com o outro – ela começou – eu não sei o que você vai fazer. Mas eu quero espaço pra pensar sobre.

- Como assim?

- Não é porque a gente tem sentimentos similares que eu vou pular nos seus braços e esperar que você resolva pra mim o que eu sinto. Quando eu entender o que eu sinto e o que eu posso oferecer na sua vida, eu volto a falar sobre.

- Você tem certeza?

- Absoluta. É assim que se cometem erros, usar pessoas pra entender coisas. Sei que você é um pedreiro de templo, mas dessa vez eu vou construir os meus sentimentos por conta.

Pisquei, não sabia o que sentir. Não esperava uma resposta dessa, acho que li shoujo errado. Mas pensando uma segunda vez, eu preciso concordar que é uma decisão bem madura e sensata.

- E eu não quero que você ponha sua vida em pausa por minha causa.

- Bem, já que é assim...

Ela sorriu e me agradeceu com os olhos. Mais uma vez me peguei pensando onde foi que eu andei que não vi a pirralha se transformar na Deusa Celta que sempre pedi, mas dessa vez me permiti admirar esse lado independente dela: ela nunca precisou de mim pra nada. E continua assim, do mesmo jeito, e isso me cativa.

Com isso dito, me peguei admirando a conversa e em como ela se desenvolveu de um jeito que nunca imaginei que seria, mas no fim ela ofereceu pra que eu dormisse ali – o apartamento tinha três quartos – ou se eu preferisse ela me levaria pro hotel. Preferi dormir ali, queria evitar todo e qualquer motivo pra Rino dar PT. Dito isso, ela me ofereceu uma toalha e uma bolsa com alguns mantimentos pessoais e me mostrou a casa e aonde estava as coisas, e como tudo funcionava. De novo, o gosto amargo da riqueza dela doeu na boca, porque o apartamento era uma obra de arte arquitetônica que meu humilde salário jamais pagaria.

Agora, se eu falar pra você que eu não estava esperando ela aparecer no meu quarto e ir dormir comigo no meio da noite, eu digo que é mentira. Mas pelo contrário: não apenas ela ficou a noite toda na dela, ela fez questão de trancar a porta. Não dormi bem, mas fiquei em paz. Foi como se alguém tivesse tirado um peso do meu peito, e me dado direções precisas do que fazer depois mas deixado um "você que sabe" pra eu pensar. E isso me deixou... animado.

Era nove da manhã quando eu acordei, e fiquei uns bons 10 minutos admirando a vista do meu quarto pra cidade. Era incrível, e o céu azul só complementava a vista majestosa que eu tinha. A cidade grande me fascina de um jeito que é difícil explicar.

Me sentindo uma criança que foi dormir na casa de um coleguinha, saí do quarto bem quieto e antes de entrar em algum corredor ou sala eu esticava meu pescoço pra ver se ela estava por perto. Por sorte minha ela estava no terceiro quarto, que viria a ser o escritório dela... estudando. Silêncio absoluto e dava quase pra ouvir as engrenagens da cabeça dela girarem. Ela por si só estava de calça e camiseta, bem largadona, com o cabelo preso em um rabo de cavalo.

- Sabe – ela disse sem olhar pra mim, mas deve ter sentido minha presença – se ninguém lhe disse, você ronca alto pra caramba, mesmo do outro quarto eu ouvi.

- Bom dia pra você também, Satanás.

- se quiser te indico um especialista, sérião. – e finalmente olhou pra mim. O rosto estava impecavelmente limpo, em absoluto contraste com onde ontem, perfeitamente montado em maquiagem.

- Valeu, se tiver fácil eu aceito. Posso entrar?

- Claro.

Entrei no escritório, minimalista mas eficiente: feito pra estudo, e nada mais. Também era o menor quarto do apartamento, mas cada centímetro ali foi bem usado.

- No que você está trabalhando?

- Meu projeto de física avançada pra engenharia.

- Ah... Não manjo de matemática.

- Mas tu néra professor? – e o sotaque saiu sem pretensão.

- Sim, de Inglês.

- Ah... Tendi.

- Se quiser explicar eu vou fazer meu melhor pra entender.

- Nem, tá na hora de dar uma pausa mesmo. – e se esticou.

- Tu tá aí desde que horas?

- Umas seis? Eu te disse, você ronca bem alto, não consegui dormir.

- Foi mal.

- Sem problemas.

Ela levantou da cadeira e esticou as costas.

- Aliás, a Chizu-tan me ligou, você vai precisar ir tirar as fotos hoje de tarde, umas 2, 2:30. Se puder estar lá as duas facilita pra ela.

- Oxi, por que ela te ligou?

- Teu celular continua desligado, lembra?

Tive um relapso.

- AAAAAAAAAAAAAhhhhh verdade.

- Ela sabe que eu iria te achar de um jeito ou de outro – e pigarreou – e cá estamos.

- Espertinha.

- Mas enfim, nove da manhã, o que você quer fazer?

- Como assim?

Ela abriu a cortina e olhou pra fora, e abriu um pouco da janela.

- Quer tomar café, ou caminhar um pouco? Ou quer que eu te deixe na estação pra ir pra agência?

- Na real eu nem sei onde eu estou, mas ainda não pensei no que eu vou dizer pra Rino... na real eu to com medo de ligar meu celular. – e baguncei meu cabelo.

- Olha, eu posso dar dois tipos de opinião: uma amiga e uma estratégica. Você escolhe. – e me encarou.

- ... a estratégica. – falei, hesitante.

- Muito bem.

Ela foi até a estante de canto e abriu uma gaveta e tirou uma caixa... Um telefone novo.

Se você me perguntar qual o motivo que ela tem um maldito iPhone X em casa, na caixa e selado, você está fazendo a pergunta errada pra pessoa errada. Ela pegou a caixa e uma sacolinha de papel da Softbank e me entregou.

- Pra você. Não precisa me devolver.

- MANO? – Eu ainda estava estupefato, tanto por ela ter me dado um telefone novo e ainda ser um iPhone... E eu uso androide!

- Que? Fale que seu celular caiu no rio quando você estava se pegando com seu date do tinder lá perto de Shibuya e que você comprou um novo. O chip tá ai, é pré-pago no entanto.

- Satanás, me responde duas coisas. – eu disse, sério e ainda sem reação.

- Diga.

- Por que você tem um iPhone X assim?

- Burner phone.

- QUÊ? PRA QUÊ? – quem usa iPhone como burner phone?

- De vez em quando eu preciso me livrar de uma situação difícil com uma pessoa difícil, então eu troco de telefone.

- Eu tenho muitas perguntas.

- Você tem direito a mais uma.

- Quem vai acreditar nessa história maluca?

- Qualquer pessoa que você contar, uai. Você já viu gente perder o celular do nada?

- Claro que não, é quase a nossa identidade!

- Por isso mesmo. – e me deu uma piscadela.

Eu ainda estava sem chão quando ela saiu do quarto.

- Se quiser fazer a história ficar mais ridícula, faz um chupão falso no pescoço ou no peito. – ela falou da porta e saiu andando.

Eu ainda to sem reação tipo um pato no meio do tiroteio então tem nem o que dizer aqui. Mas quanto mais eu penso sobre, mais convincente a ideia parece e eu realmente considerei fazer a marca falsa, mas como eu lidaria com a Jun e a Chizuru eu não sei bem dizer, mas achei arriscado. Eu estava perdido no transe da ideia absurda até que ela me chamou da cozinha. Quando cheguei lá, ela mandou de cara:

- Eu estou com fome, bora ir comer? Eu pago.

- Tá, eu acho...

- Que foi? – Ela perguntou, enquanto arrumava o cabelo.

- Eu ainda to tentando entender essa sua ideia, e em como eu vou transferir minhas coisas pra esse... – desisti de ser cortês e desabei - Eu ainda não acredito que você chama isso de um burner phone! Mano! O auge da burgesia! – Falei putasso.

- Oxi, tá querendo comprar briga, Pedreiro de Templo? – ela respondeu, no mesmo tom – To tentando te ajudar e tu fica de pirraça? Ingrato!

- Ingrato? Mano do céu, olha o que está saindo da sua boca! - aumentei o tom

- Ingrato sim! Se acha ruim vamo resolver que nem adultos que somos! – ela aumentou também.

- Bora então, puxa o baralho e vamo brigar! – falei, putasso – Vou acabar com a sua raça que nem no torneio!

- Ah lá vem o museu ambulante abrindo a boca, sua múmia! Eu também ganhei torneio, seu mala!

- Ganhou porque eu tava no mundo digital!

- Perdido ainda por cima! Irresponsável!

- A audácia!

- E ainda por cima foi salvo por crianças mais novas!

- Mas eu derrotei o Milleniunmon! Sabe, eu sou uma lenda!

- Nos seus sonhos! Porque na batalha final tu usou todo meu poder pra cortar manteiga e nem me salvou! – Ela falou na cara dura – Se não fosse o Jenrya eu teria morrido lá, seu estagiário de amador!

Ouvimos uma batida na porta, e nos calamos, olhando um pro outro. Deixamos a batida se repetir e ela foi atender.

- Pois n- - e ela se calou e deixou a porta abrir inteiramente.

Eu, curioso que sou, fui ver quem era. Era Jenrya Lee, e ele me deu um olhar sujo quando me viu com ela.

OoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoOoO

Freetalking:

Geral sabe que eu sou ryoukista mas preciso admitir que a luta final foi simplesmente decepcionante. Não dá pra defender.

E se não ficou claro, eu sou de SP – Capital. Mas os "mano do céu" no texto entrega isso bem rapidinho.

Salve!

Faz um bom tempo – anos - que não posto nada, mas foi porque eu tinha perdido o arquivo no celular. Agora que achei, eu voltei a escrever enquanto estou no trem indo trabalhar, e conseguir terminar o capítulo aos poucos. Continuo com a mesma dedicação de sempre, pesquisando bem os lugares que decido mencionar e o mais... Mas, diferente do que o Ryou pensa, eu acho que ele conseguiria comprar uma casa em Katsushika, onde a estação de Shin-Koiwa fica. Parece ser um subúrbio mais residencial e quieto, mas só fui descobrir isso depois que escolhi o nome olhando na malha ferroviária de Tóquio. Eu esttou ciente que a Ruki mora em um lugar mais quieto em Shinjuku, mas como ela queria um esconderijo, seria uma boa pegar uma cidade um pouco mais afastada de Shinjuku pra tal.

Enfim, O Jenrya voltou pra história, agora vou precisar trabalhar dobrado pra manter ele o mais OC possível, apesar de ser uma fanfic completamente fora de rota, que no meu arquivo original passou das cem páginas... Um livro quase.

Dito isso, espero que tenha gostado do capítulo e muito obrigada por ler, vou continuar escrevendo mais aos pouquinhos. Até a próxima!