CAPÍTULO 5

Shunrei adorava comida italiana. Quando o relacionamento atingia níveis altos de estresse, a solução do namorado era levá-la àquele restaurante, considerado o melhor da Coréia. Ela saía sempre disposta de lá e hoje ele apostou que teria o mesmo efeito.

Só que não teve.

"Me comprar com comida não vai funcionar dessa vez."

Ela quase desmarcara o compromisso que ele aceitara no meio da tarde. Por fim, preferiu encontrá-lo de qualquer maneira, pois a situação tornara-se insustentável.

Desde que a buscara em casa, Julian monopolizava a conversa. Primeiro querendo saber se o Dragão fora ao hospital, mas não escutando o resultado dos exames. Quando enveredou a falar das expectativas da família Solo para ele, ela antecipou o que viria.

Novamente a história do casamento.

Shunrei não queria provocar um escândalo, por isso respondeu monossílabos até o final do jantar. Como não obtinha nenhuma reação, ele foi ficando mais agressivo, usando termos em grego para se referir a ela.

"Se ele acha que vai me quebrar, está muito enganado."

Quando saíram, ela parou na calçada, recusando-se a entrar no carro.

- Vamos, entre. – ela nem olhou para ele – Shunrei, entre agora! – Julian tentou segurar seu braço, mas ela se afastou. Ele bufou, furioso. - O que quer? – abriu os braços, sinalizando que desistia. - O que quer que eu faça? – ela manteve a coluna bem ereta.

- Nada. Vá embora. – ele a encarava, incrédulo.

- Não nos casaremos, tudo bem? Não é o que quer? – aumentou o volume da voz. - Não falarei mais nisso, satisfeita? – ela se indignou, com raiva por seus olhos marejarem. - Pelo amor de Deus!

- Satisfeita com o que? – sua voz saiu estridente. - Acha que sou idiota por não tocar no assunto? Acha mesmo que não sei o que a sua família pensa de mim? Faz ideia de como é ser reprovada pelos outros? – "Não acredito na desfaçatez dele! Isso já deveria ter acabado anos atrás!" - Como vou me animar, se sei que não gostam de mim? Acha que sou louca? Você ficaria animado?

- Shunrei... – ela deixou a raiva fluir. Há anos estava com tudo aquilo entalado. Suas mãos tremiam e ela as fechou em punhos. Seu peito doía porque seu coração parara de bater. Queria vomitar de tristeza. Falava com clareza para ver se ele entendia de uma vez.

- Não toquei no assunto porque sabia que me sentiria um lixo. Precisava me forçar a falar disso para eu me sentir tão desprezível? Por que você é tão cruel? E ainda diz que quer se casar comigo? Por um momento sequer já se colocou no meu lugar? Nunca implorei por seu amor, nem te importunei para nos casarmos. Só queria que entendesse como me sinto. É tão difícil assim?

- Tudo bem, já entendi. – ele fez sinal com as mãos para ela se acalmar. Tentou se aproximar e ela se afastou. - Agora eu sei. – ela quis bater nele nesse momento. "Queria resolver hoje, mas não vou conseguir ficar aqui nem mais um minuto."

- Não, você sabia desde o começo. Só ignorou o tempo todo. É o que mais me magoa.

Saiu sem olhar para trás.

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Shiryu não sabia porque imaginara que nunca mais precisaria ouvir o som do respirador ou ver aquele tubo impedindo que Ryuho falasse com ele.

"O papai tem falhado com você, não é?" Os dedos tocavam o rostinho fino, de pele clara, tirando a franja que caía nos olhinhos. A mãozinha magra não estava mais fria desde que o nível de oxigênio voltara ao normal. "Não vai mais acontecer. É uma promessa."

Aproximou-se da janela, admirando a neve que voltara a cair depois do anoitecer e pensando numa noite diferente daquela.

"Estava muito quente naquela noite." Ergueu a vista para o céu escuro, sentindo a dor no peito que ele se habituara a chamar de solidão.

Shiryu chegara em casa depois do treino e encontrou apenas um bilhete informando o horário em que o bebê fora alimentado e que ele não esperasse porque ela não voltaria.

"E não voltou." Desligou as luzes, sentando-se no sofá e contemplando o quarto amplo e confortável que Shunrei arrumara. "Mesmo que eu a procurasse em todo o Japão."

Ele passara meses a procurando. Contratara detetives, denunciara o desaparecimento à polícia. A única pista que teve, quatro anos depois, é que ela partira para a Coréia e ele, num impulso, viera para Busan.

"O quanto essa minha teimosia nos tem custado?" Dali conseguia discernir a silhueta do filho, iluminado pela luz que vinha de fora. "Nem eu me reconheço mais." Tinha muito medo de perdê-lo também. Seus olhos encheram d'água e ele suspirou, engolindo a emoção ruim.

Sua mente trouxe de volta as emoções das lutas do dia anterior. A euforia, a ansiedade, a adrenalina. Fazia tempo que não se sentia tão vivo.

"Mas não foi só a competição." Eram os amigos ao seu redor. Sua única família, de quem ele voluntariamente se afastara, como uma espécie de punição. "O que um coração doente não faz?... Como pude ser tão negligente?"

Lá fora, a neve aumentara. Shiryu inspirou o máximo de ar que conseguiu, expirando ruidosamente pela boca, cansado. Piscou algumas vezes, lutando inutilmente com o sono.

Acordou com vozes sussurradas e viu que ela voltara. Não havia mais flocos de neve destacando-se no retângulo escuro da janela.

"Deve ser muito tarde."

Shunrei acendera apenas a luz sobre o leito e conversava com a enfermeira. Estava de frente para ele, de modo que ele viu o vestido azul-escuro por baixo do jaleco.

- Não houve nenhuma intercorrência, doutora. O oxigênio se mantém estável há quatro horas. – ela assentiu, colocando a mão na testa de Ryuho. Esquentou o estetoscópio entre as mãos antes de erguer a camiseta e auscultar os pulmões. – Conforme a senhorita orientou, administramos os corticoides. Mexemos o mínimo possível com ele, só retiramos a calça jeans. – ela tocou os membros, testou o abdômen e um leve sorriso passou por seus lábios.

- Vamos extubar. Pode tirar a sedação e trazer a medicação da noite. - enquanto a enfermeira executava o pedido, ela voltou a atenção para o menino, segurando a mãozinha e acariciando os cabelos finos. – Ryuho, você é um rapazinho valente. Vai ficar tudo bem agora. O seu papai está esperando você aqui, viu?

A voz dela tinha uma doçura que ele ainda não conhecia.

- Vamos precisar acordar o pai dele. – a enfermeira comentou e as duas olharam para o sofá. Shunrei sentiu o sangue aflorar em suas faces porque Shiryu a estava observando. – Vou acender a luz e pegar a medicação. – a enfermeira informou. Só então ele se moveu, sentindo seu coração menos pesado ao presenciar aquele cuidado com o filho.

"Será que ela faz isso com todos os pacientes?"

- Desculpe ter vindo tão tarde. – Shunrei endireitou a coluna, afastando-se de Ryuho. – Foi um dia cheio.

- Parece que atrapalhamos o seu dia e a sua noite. – Shiryu postou-se do outro lado. – Poderia ter vindo amanhã. - ela negou, lembrando do vestido com cinto vermelho.

- Quanto antes ele voltar a respirar sozinho, melhor. – alguma coisa nos olhos dela o perturbou e ele refreou o impulso de perguntar o motivo dela parecer tão triste. Shunrei procurou concentrar-se no paciente, verificando novamente os equipamentos que o monitoravam e a planilha com os medicamentos e alimentação intravenosa.

A enfermeira voltou e elas começaram os preparativos. Assim que Ryuho começou a se mexer, a enfermeira imobilizou sua cabeça e pescoço e Shunrei retirou o tubo. Ele tossiu e puxou o ar com dificuldade. Shiryu veio para o campo de visão do filho e falou com ele, até que o menino se acalmou e conseguiu respirar.

- Isso mesmo, filho. – Shunrei viu que ele tinha olhos azuis como os dela. - Estou muito orgulhoso de você. – Ryuho imitou o sorriso do pai.

- Olá, Ryuho, tudo bem? – Shunrei surgiu ao lado de Shiryu no campo de visão do menininho. – Você consegue falar? – ele, inseguro, virou-se para o pai.

- Pode falar, filho. – como ele permanecia em silêncio, resolveu encorajá-lo. – Você sabe quem é ela? – Ryuho olhou de um para o outro.

- Mamãe.

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# Saori 'Graad': Você sabe que a minha família está me pressionando a arrumar uma esposa há anos. E eu dei preferência a Shunrei porque você nos apresentou.

Saori revirou os olhos, sentada de pernas cruzadas no sofá do apartamento. Ela se instalara ali para assistir um filme romântico e engraçado, vendo a neve diminuir pela enorme fachada de vidro. Pegou o celular para mandar uma mensagem a Seiya, pois não tivera como encontrá-lo no hospital, e se deparara com isso.

# Julian 'Shunrei': Julian, eu realmente acredito que você deva conversar com a Shunrei.

A resposta veio instantaneamente. Ela ergueu as sobrancelhas.

# Saori 'Graad': Shunrei não é particularmente adequada, ainda mais para os padrões orientais, mas eu a aceitei e fui paciente.

# Julian 'Shunrei': Olha, eu não quero ser envolvida nisso.

# Saori 'Graad': Eu a moldei para entrar no nosso mundo. Fui paciente e a ensinei a se portar. Nunca pensei que ela fosse ingrata!

# Julian 'Shunrei': Shunrei sempre foi educada. Você está sendo injusto.

# Saori 'Graad': Investi tempo e dinheiro! Ela não tem o direito de me tratar dessa forma! Eu não entendo. O desejo de toda mulher não é se casar? Ela pode ter tudo que quiser se casando comigo. Como ela pode me rejeitar assim? Quem ela pensa que eu sou?

Saori pensou em bloqueá-lo, mas conhecia Julian bem para saber que nesse estado de raiva ele se tornava irracional.

# Julian 'Shunrei': Você sabe que desse jeito não vai conseguir falar com ela.

# Saori 'Graad': O que houve, Saori? Ela parecia saber o lugar dela e agora diz que eu não a conheço. Não consigo entender.

"Talvez porque você esteja preocupado demais consigo mesmo, Julian."

# Julian 'Shunrei': Se acalme e a chame para uma conversa. São seis anos juntos.

# Saori 'Graad': Fale com ela, Saori. Traga-a de volta à razão.

"Agora virei babá de marmanjo."

# Julian 'Shunrei': Julian, isso é entre vocês dois. Shunrei me pareceu bastante racional ontem e hoje. Talvez, você possa rever alguns dos seus posicionamentos.

# Saori 'Graad': Ela é sua amiga, só tem você no mundo. Eu ofereci uma vida de luxo e despreocupação e ela rejeita a minha proposta. Precisa contar a ela como é a realidade, Saori. Ela vai ouvi-la.

Saori respirou fundo e pensou antes de responder.

# Julian 'Shunrei'... (correção) Julian Solo: Julian, vou deixar algumas coisas claras para você. Shunrei é minha melhor amiga e você a está ofendendo. Se ela é tudo isso que você pensa, por que ficou com ela todo esse tempo? Você teve seis anos para conhecê-la, mas preferiu tentar transformá-la em algo que ela não é. Você acha que isso é amor? Parece que ela está se rebelando e eu vou apoiá-la, como sempre fiz.

Enviou e bloqueou o contato. Pensou mais um pouco, o celular rodando nas mãos. Viu o horário.

Ela demorou a atender.

- Alô.

- Julian entrou em contato comigo.

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Os dois ficaram vermelhos juntos, os corações disparados.

Shunrei olhava dele para o garotinho, tentando controlar a expressão.

Shiryu abriu e fechou a boca, sem saber como agir.

- Por que disse isso, Ryuho? – ele falou, um pouco alto demais. O garotinho arregalou os olhos. Ela sacudiu a cabeça.

- Não brigue com ele. – Shunrei chamou-o para perto da porta. – Ele não fez por mal.

- Me desculpe, ele nunca fez isso antes. – ela ergueu a mão sinalizando que não tinha importância. - Nunca tinha mencionado a mãe.

- Não é a mim que você precisa pedir desculpas. – sentiu o celular vibrar no bolso do jaleco. – Pode ficar tranquilo, não sou tão suscetível. Trabalho com crianças há mais de dez anos. Preciso atender. Daqui a pouco eu volto... Alô.

- Julian entrou em contato comigo. – Saori soou nervosa. Shunrei estacou com a maçaneta na mão.

- O que ele queria? – Shiryu imaginava de quem ela estava falando. Engoliu em seco. Assistiu os olhos de Shunrei ficarem inquietos à medida que ela ouvia o breve relato e virava novamente para o quarto. – Não se preocupe, Saori. Obrigada por ter me avisado... Sim, eu dou notícias. – Ela contraiu todo o rosto enquanto escolhia o contato.

- Então, quando falo com a Saori você liga. – o tom irônico tirou qualquer dúvida que ela ainda guardasse. - Bom saber disso.

- Vamos terminar. – ela disparou, olhando para Shiryu. Ele, os olhos arregalados, tentou se aproximar e ela se afastou.

- Por que está fazendo isso? – Julian bufou. Ryuho começou a tossir e Shiryu foi até ele. – Com quem você está? Que barulho foi esse?

- Você já esperava, por isso falou com Saori. – Shiryu pegou Ryuho no colo para acalmá-lo. Shunrei saiu do quarto, encostando-se na parede. "Fique firme! Você sabe que é o que precisa fazer." - Vamos terminar.

- Quer mesmo terminar tudo? – ele pareceu mudar de tática, seu tom mais condescendente.

- Sim.

- Quer mesmo? – ela fechou o punho, tentando não gritar de raiva.

- Quantas vezes preciso dizer?

- Você consegue? – a ironia voltou. – Consegue ficar longe de mim?

- Você está me confundindo com outra pessoa?

- Qual é o motivo? – "Será que ele realmente não entende?" - Por que está fazendo isso? – ela contraiu os lábios, sentindo que perderia o controle se ele continuasse a dissimulação.

- O problema é a decisão ser minha? Se alguém perguntar, digo que foi você que me largou.

- Por que isso agora? E nem pense em usar a minha família como desculpa. Nós não começamos a namorar pensando em casamento. Eles te desaprovarem não pode ser o verdadeiro motivo. – Julian respirou fundo. - Entendo que já tenha se decidido, mas, pelo menos, mantenha as boas maneiras. É isso mesmo?

- Nós não nos respeitamos. – ela deu de ombros, andando de um lado para o outro do corredor. - Quem se importa como o namoro termina?

- Vamos tentar dar um jeito. – "Como pode me propor algo assim?" - Como pode querer terminar tudo num instante?

- Se não sabe porque chegamos a esse ponto, não há solução. – "Não adianta conversar com ele." - Então vamos terminar sem motivo. Não tenho mais nada a te dizer. Não tenho nada a dizer e não posso conversar agora. Preciso ir.

Terminou a ligação e desligou o telefone.

Fechou os olhos e abriu a mão, dolorida de tanto apertar. Agora precisava, pelo menos, recuperar o controle da própria pulsação.

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Shiryu a esperou sair e devolveu o filho para o leito. O corpinho ainda estava mole devido à sedação. Os olhinhos um pouco embaçados. Ajeitou a cabecinha e beijou-lhe a testa.

- Ryuho, papai não está bravo com você, entende? – o garotinho balançou a cabeça, sem olhar para o pai. - Eu só fiquei surpreso com a sua resposta. Por que você acha que ela é sua mamãe?

- Não vou mais falar. – declarou, baixinho. Shiryu pensou um pouco.

- Papai quer pedir o seu perdão. Não foi certo o que fiz. Você me perdoa?

- Perdoar o papai? – ele olhou para o pai, que assentiu. Pensou um pouquinho, o rostinho sério.

- Não tem problema você conversar com o papai, você sabe disso, não é? – Shiryu sorriu e Ryuho o imitou.

- Eu perdoo o papai. – o sorriso do adulto ficou maior, vendo que o pequeno se esforçava para ficar acordado.

– Hoje foi um dia agitado para nós. Pode ficar tranquilo que o papai vai ficar aqui com você.

Deitou ao lado dele e o abraçou, esperando a respiração mudar, o que foi quase instantâneo. Sentir o corpinho quente do pequeno o ajudou a diminuir a frequência cardíaca, alterada desde a resposta de Ryuho.

"Foi tão natural... Eu não entendo."

Desligou a luz sobre o leito e voltou ao sofá, tentando não pensar no que estava acontecendo fora do quarto. Chegavam aos seus ouvidos fragmentos da voz dela, mas não entendia as palavras.

Pegou o próprio celular e estava decidindo para quem ligaria àquela hora quando ela voltou com dois copos de chá.

- Ryuho dormiu? – entregou um a ele, sentando ao seu lado. – Vamos monitorar de perto mais algumas horas, mas ele parece bem.

- Você não precisa ficar. – Shiryu tomou um gole do líquido quente. – Tem muito em que pensar... E eu também. – viu que os olhos dela ainda estavam inquietos e adivinhou que as mãos estavam frias porque ela segurava o copo plástico como uma caixa do tesouro.

"O que acontece agora?" Os dois pensaram.

"Eu vou mesmo arrastá-lo para essa confusão?... E tem o filhinho..."

"Devo esperar Ryuho ficar bem?... Como posso ajudá-la?... Até onde eu posso ir?"

Shunrei buscou seus olhos.

- Vou dizer por precaução: isso não tem nada a ver com você. – Shiryu gostava dessa transparência, especialmente em momentos como esse.

Ele tentara impedi-la porque sabia que seria difícil para ela, não a ação em si, mas as consequências.

"De qualquer forma, ela não poderia viver refém daquele canalha."

Havia emoções conflitantes borbulhando dentro dele: alegria, medo, preocupação, alívio, desejo, admiração, raiva, ternura; misturadas com frio no estômago e calor em todas as outras partes do corpo. Revolviam suas entranhas. Forçou-se a continuar falando civilizadamente para apoiá-la. Quem sabe conversando os dois conseguissem se acalmar? Decidiu continuar sendo honesto com ela.

- Como vou explicar isso? A mulher por quem estou apaixonado terminou o namoro, mas não consigo ficar feliz. Não sei como descrever o que estou sentindo. – os olhos dela estavam intensos e brilhantes.

Ela não sabia como reagir a tudo isso. A cada momento, sentia um alívio e uma segurança maior quanto à sua ação. Por outro lado, a pessoa com quem se via compartilhando era tanto desconhecida quanto atraente. A cabeça dela girava e seu diafragma precisou ser conscientemente controlado para deixá-la conversar ao invés de forçar a respiração em seus ouvidos.

- Pensando bem, não sei quando essa confusão começou, mas ao invés de tentar resolver logo, eu só queria evitar ter que lidar com ela. – ele sorriu levemente.

- E eu fui o seu subterfúgio. – ela sorriu também.

- Foi, e obrigada por isso. – Shunrei tomou um gole do chá. – Você ainda tem curiosidade sobre mim? – ele assentiu. – O que quer saber?

Shiryu fez cara de pensativo. Não queria assustá-la, mas queria saber tudo sobre ela, nacionalidade, o que a movia, se preferia chá ou café, que tipo de música gostava, se dormia de bruços, se era organizada, a comida favorita, se era tão carinhosa como parecia, se o desejava como ele a desejava.

- Por que Seul? – ela piscou, refletindo. Suspirou. Ajeitou-se para sentar de frente para ele.

- Como você foi sincero comigo, vou confiar... – ela mordeu o lábio e respirou fundo. - Para explicar, vou precisar voltar lááá atrás. – ele deu de ombros, a expressão de curiosidade aumentando. – Bom, eu nasci em Rozan, no sudeste da China, onde tem os Cinco Picos Antigos – ele sinalizou saber do que se tratava. – Quando meu irmão nasceu, meus pais tiveram que me esconder, porque não podiam ter outro filho. Agradeço a eles, pois a maioria simplesmente mata as filhas mulheres. Minha mãe arrumou um senhor idoso que aceitou me criar como filha e eu mantinha contato com a minha família. Adorava meu irmão, Genbu. Ele era muito esperto e estava sempre perto de mim. – Shunrei sorriu e Shiryu soube que ela estava lá, nas montanhas de Rozan. – Dizia que me protegeria de todo o mal. Nós fazíamos tudo juntos, mas não podíamos dizer que éramos irmãos. Ele era tão inteligente que aprendeu desde pequenininho. – ela ficou em silêncio para recuperar a voz. Engoliu em seco várias vezes. – Nossos pais morreram quando Genbu tinha cinco anos. Eu tinha sete.

Shiryu via a expressão dela mudar da lembrança feliz para a tristeza profunda. Ouvia o tremor na voz.

- O senhor, que chamávamos de Mestre Ancião, acolheu também Genbu. Ninguém tinha coragem de contestá-lo. Diziam que o Mestre estava lá antes mesmo da aldeia. Então, um dia, houve perigo e Genbu me defendeu, mas um dos homens enfiou uma faca na coluna dele e o atirou no rio. – as lágrimas marcavam as faces de Shunrei. – O Mestre conseguiu expulsar os bandidos. – ela precisou parar para se recuperar da dor. - O corpinho de Genbu foi encontrado só dois dias depois, em outra aldeia.

"Meu Deus." Shiryu moveu-se para abraçá-la, mas ela ergueu as mãos para ele parar.

- Eu fiquei catatônica. Vi meu irmão afundar sem conseguir nadar por causa da facada. Estava definhando viva, então, o Mestre entrou em contato com um amigo no Japão. Esse amigo acabara de perder o filho e a nora e estava criando a neta. Eles vieram até os Cinco Picos e a menina me fez me sentir melhor. Em algumas semanas, o senhor Kido me levou para Tóquio... Eu disse que seria longa. – Shiryu tentou encobrir um bocejo. – Melhor parar. Você está cansado.

- Não, não, me desculpe. – ele ficou vermelho. – Foi um reflexo do corpo por estar muito tempo inativo. – "Como você faz isso agora, seu idiota?" - Por favor, continue.

- Está bem, mas se ficar chato pode falar. – ele assentiu, sem nenhuma intenção de fazer tal coisa. – Passei a morar na Mansão Kido e fui feliz lá, tentando não me perder no meio de todo o luxo e das aparências. Acho que o sr. Kido me queria lá justamente para não deixar Saori cair nas tentações também. Ela é a minha melhor amiga. Eles me estenderam a mão e serei sempre grata. Estudei medicina porque queria entender o que acontecera a Genbu e se eu poderia tê-lo ajudado. Minha busca é desenvolver métodos de cura para lesões no sistema nervoso.

Shiryu reparou na recuperação da respiração. O tremor na voz foi sumindo.

- Quando me formei, participei de um seminário onde o dr. Lee Kang estava presente. Ele é o diretor-presidente desse hospital. Foi ele quem me convidou para integrar a equipe da neurologia. Agora vou poder estruturar a minha tão sonhada unidade para pesquisa e tratamento infanto-juvenil.

- E você nunca mais voltou a Rozan? – ele se arrependeu de ter perguntado, pois as sombras voltaram aos olhos azuis.

- Só uma vez, quando o Mestre morreu. Foi há onze anos. – ele balançou a cabeça. Ela terminou, os olhos úmidos. – Poucas pessoas conhecem essa parte da minha vida. – Shiryu desejou como nunca abraçá-la. Uma onda de gratidão cresceu desde seu coração.

"Ela é muito forte."

- A sua história é muito bonita e inspiradora, dra. Nishi. – ela sorriu.

- Acho que podemos nos tratar pelo primeiro nome. Não somos estranhos. – ele concordou.

"Como não a admirar?"

- Sua vez. – tentou dar uma entonação leve à frase. Shunrei ergueu uma sobrancelha.

- Minha vez de quê?

- De perguntar. – ela contraiu os lábios. – Você tem alguma curiosidade sobre mim? – Shiryu identificou um brilho travesso nos olhos dela.

"Por favor, que seja para o nosso bem." Ela sentia-se levada por uma força maior que as regras sociais que aprendera. "Eu preciso tanto disso."

- Não. Sei tudo sobre você. – ele abriu a boca, incrédulo.

- O que tanto você sabe sobre mim? – a viu engolir em seco, parecendo ter decidido algo.

- Sei que você é farmacêutico, que é pai de um garoto lindo e que ajuda mulheres sem carteira a se curarem de ressacas. – ele riu. – Sei que tem amigos que o prezam muito, - ela foi se aproximando. "Fica bela desconcertada." – que gosta de proteger as pessoas e deixá-las seguras, - Shiryu não se afastou, vendo a pulsação acelerada no espaço entre as clavículas. "Deve estar muito nervosa." - que tem uma elegância e uma imponência necessárias para ostentar esse cabelão – ele sentia o hálito quente e arrepiou-se quando a mão fria deslizou de sua bochecha para sua nuca. - e que fica muito sexy quando veste um quimono.

Os lábios dela eram suaves e quentes, acariciando os seus ao se moverem com receio.

"Não posso deixar que ela continue assim." Começou a mover os seus também, os dois tentando encontrar um bom ritmo. Apoiou o rosto dela com uma mão, puxando-a pela cintura. Ele só queria continuar sentindo a maciez da pele e o sabor da boca na sua, aspirando o perfume floral, ouvindo os pequenos sons quando eles mudavam a qualidade do beijo. Os dedos dela fazendo trilhas em seu cabelo.

Uma bandeja de metal caiu e ela pulou para trás.

- Doutora Nishi?! – a enfermeira exclamou, horrorizada.

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Gente, que confusão! E agora, o que será que acontecerá? Como acham que Julian vai reagir?

Esse capítulo finaliza a primeira parte da história. Agora vamos para outra etapa. Me contem como vocês gostariam que fosse o desenrolar e o que estão gostando ou não até aqui.

Abraços,

Jasmin.