CAPÍTULO 6
Shunrei acordou entusiasmada. O frio se despedira com a neve da noite passada e o sol não tinha nenhuma nuvem o impedindo de brilhar.
Tomou um bom banho e fez algo que há anos não fazia: parou para escolher a roupa de trabalho. Descartou o habitual branco sobre branco. Optou por uma calça preta e uma camisa de poá vermelho em fundo creme, uma correntinha de ouro que ganhara de Saori e tênis preto.
"Se pudesse, usava croc já agora." Melhor calçado para cirurgias.
Checou o celular.
# Dr. Lee Kang 'Chefinho': Bom dia. Ontem tive alguns contratempos e não vi sua mensagem, senhor diretor-presidente. Chego em 30 minutos. Podemos nos reunir às 11 horas?
# Park A-ha 'Secretária': Bom dia. Favor reservar o horário das 11 às 13 horas para o Dr. Lee Kang. Assim que a secretária dele confirmar, me avise, por favor.
# 'A' Saori Kido: Bom dia! Desculpa não ter falado nada depois daquela hora. Foi tudo muuuuito intenso, mas preciso contar pessoalmente. Você vai ao hospital hoje?
# Shiryu Suiyama... (correção) Shiryu S2 Suiyama: Bom dia. Dormi como uma pedra! Pode deixar que nenhuma poça vai me derrubar. Estou levando comida.
Passou na cafeteria e comprou café, biscoitos e bolo suficiente para cinco, pois intuía que os amigos dele apareceriam para uma visita. Cruzou o parque, cheio com as pessoas lagarteando para aproveitar o sol.
Não sabia quanto peso carregava na alma até chegar em casa na noite anterior, enfiar-se debaixo das cobertas e dormir direto, sem sonhar, até o despertador soar. Sentia como se estivesse acontecendo uma faxina interna, que refletia nesse exterior luminoso que ela via.
Subiu até o sexto andar, virou à esquerda e abriu a porta do quarto.
Um homem de cabelos azuis sorriu para ela.
- Bom dia, Shunrei. – os olhos de Julian brilharam enquanto desciam pelo seu corpo, vendo as sacolas de comida e os copos de café na bandeja em sua mão. – Que surpresa agradável.
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Shiryu espreguiçou, fazendo suas juntas estalarem pela prolongada permanência na mesma posição. O sol brilhava e ele abriu a janela, deixando a brisa fresca entrar.
Tornou a cobrir Ryuho, que chutara as cobertas para os pés durante a noite.
Lavou e trocou o curativo da maçã do rosto e atou os cabelos com a fita preta.
"Precisamos ir para casa."
Pegou o celular e começou a enviar as mensagens que precisava.
# Shunrei Nishi... (correção) Shunrei Nishi S2: Bom dia. Espero que tenha dormido bem. Venha com cuidado, ainda tem gelo em alguns lugares.
# Srta. Kwan 'Ryuho': Bom dia, srta. Kwan. Continuamos no hospital. Ryuho está bem. Já consegue respirar sozinho. Ainda está dormindo. Assim que acordar, gravo um áudio, conforme a senhorita pediu. Obrigado pela preocupação.
# Sra. Yin Seon-in 'Farmácia': Bom dia, sra. Yin Seon-in. Não, permanecemos no hospital. Ryuho ainda não teve alta. Obrigado pela compreensão. Sinto estar sobrecarregando vocês com meus problemas. Pode ter certeza que compensarei as faltas. Mais tarde informo quando poderei voltar ao trabalho.
# Seiya Ogawara: Desculpe não ter atendido suas ligações. O celular estava no silencioso e Shunrei veio conversar comigo. Depois, apaguei e só acordei agora. Mais tarde conto os detalhes. Como está seu dia hoje? Vai conseguir vir aqui?
# Shun Amamiya: Ryuho está melhor. Ontem à noite, Shunrei tirou o tubo e ele está conseguindo respirar sozinho. Está dormindo. – tirou uma foto do filho na cama, pois sabia que June gostava de receber. – Comigo tudo bem. O ferimento no rosto continua um pouco dolorido.
- Será que esqueci alguém? – bateu a mão na testa.
# A. Hyoga Yukida: Não sei que horas são aí em Moscou. Só para avisar que a sua conversa surtiu efeito. Nos beijamos ontem e foi ótimo! Obrigado pelos conselhos, Patinho. o/ \o
- Papai? – Shiryu largou o celular, ouvindo as vibrações das respostas.
- Bom dia. – Ryuho sentou, espreguiçando e bocejando. – Você dormiu bastante. Como se sente?
- Corpo quente. – Shiryu riu.
- Quer tomar um banho? – Ryuho balançou a cabecinha.
Shiryu fez o melhor que pôde, sem tirar o soro com a medicação, usando o sabonete líquido da pia e secando-o com o lençol com que dormira.
- Tomara que o tio Seiya traga o que pedi. – comentou, colocando-o de volta na cama.
- Tio Seiya? – o rosto de Ryuho se abriu de alegria. Era apaixonado pelo padrinho.
Ele pensou que a batida na porta era da enfermeira e permitiu a entrada. Ficou sem reação ao ver Julian Solo.
- Vim saber de você e me informaram que estava aqui com seu filho. – os dois se cumprimentaram formalmente.
Shiryu duvidava disso, afinal, quem poderia ter contado qualquer coisa a ele? Mas preferiu não discutir, ainda mais com o filho presente. Terminou de dar água a Ryuho.
- Sim, ele precisou ser internado ontem. É muita gentileza sua, sr. Solo, mas ele ainda está um pouco fraco...
- Não se preocupe, não vou demorar. A minha noiva trabalha aqui, você sabia? Vou vê-la depois. Vim porque fiquei preocupado com o incidente e queria dizer que tudo permanece igual entre nós. Pode voltar no próximo domingo.
"A Shunrei é uma santa de ter aguentado esse sujeito escorregadio tanto tempo. Fala como uma serpente."
- Eu agradeço sua compreensão. – Shiryu respondeu, seco.
- Onde está a sua esposa? – Julian olhou ao redor e não viu nenhuma indicação de outra pessoa ocupando o quarto.
Shiryu viu a cabecinha de Ryuho indo de um para o outro, muito atento.
- Acho que isso não é da sua conta. – se pudesse, o expulsaria a pontapés. – Agora, se fizer a gentileza de sair.
- Só uma coisinha. – Julian aproximou-se da cama, tirou um envelope do terno bem cortado e colocou nas mãos de Ryuho.
Shiryu tentou impedir e devolver.
- Não, sr. Solo, não é necessário. – Julian empurrou o envelope e Ryuho o pegou.
- Para o seu papai comprar uma coisa gostosa para você. – piscou para o garotinho. Shiryu não acreditava naquela ofensa. – Nos vemos no próximo domingo, Dragão!
Estava se dirigindo à porta quando Shunrei a abriu.
- Bom dia, Shunrei. Que surpresa agradável!
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Shunrei entrou no quarto e fechou a porta atrás de si. Viu Ryuho e Shiryu e franziu o cenho.
- O que está fazendo aqui, Julian? – ele riu.
- Eu poderia perguntar o mesmo a você, minha cara. – se aproximou, lendo as opções nos copos. - Esse hospital é melhor que hotel. Os diretores trazem o café no quarto do paciente. – pegou um mocaccino. – Me poupou a ida à sua sala. – beijou o rosto dela. – Eu sei o que você anda fazendo, sua danadinha. – sussurrou.
Julian abriu a porta, empurrando-a para o lado.
- Está tudo bem, ele já foi. – Shiryu viera tirá-la do transe.
- Me deixa respirar um pouco. – entregou sacolas e bandejas para ele e saiu. Não queria que eles a vissem nesse estado.
Foi até sua sala, vestiu seu jaleco, passou na enfermagem para pegar o relatório de Ryuho e voltou.
- Senhorita Shunrei! – o garotinho sorriu com um bigode de leite.
- Oi, Ryuho! – ela se aproximou, segurando o pulso para medir a pressão. - Está gostoso o latte? – ele ofereceu o copo para ela, que sacudiu a cabeça. – É todo seu. Você deve estar com fome. Quando você terminar, vou mexer um pouquinho com você, tudo bem? – ele assentiu, mastigando um bolinho de queijo.
Shiryu a observava do sofá, onde ela se sentou.
- Não sabia se ele podia beber leite, o latte era a única opção com desnatado sem café. – olhou para as sacolas. - Você não comeu nada?
- Você está bem? – ela segurou a vontade de chorar.
- Não, não estou. – confessou num murmúrio. – Mas o meu dia vai ser muito cheio. Posso ir até a sua casa hoje à noite? – ele confirmou.
Ela ia se levantando para sair e ele a segurou.
- Onde você vai? – ela fez uma careta. – Ryuho, podemos começar o dia sem nos alimentar?
- Saco vazio não pára em pé! – ela riu, sacudindo a cabeça.
Estava terminando de comer quando Seiya, Shun e Marin chegaram.
- Agora eu preciso ir mesmo. – foi até Ryuho e beijou-lhe a cabecinha. – Espero você aqui para os exames na próxima semana, hein? – se surpreendeu com os bracinhos em volta da sua cintura.
- Obrigado, srta. Shunrei. – ela se emocionou. Sempre se emocionava com seus pacientes e Ryuho, com seu carisma natural, a conquistara rapidamente.
- Não por isso, meu pequenino.
- Espere, Shunrei. – Shiryu a chamou quando ela estava na porta. Chegou bem perto e sussurrou. – Você está linda.
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- Não pensei que você viesse hoje! – Lee Ha-Ra exclamou quando ele entrou na farmácia.
- Precisava. Já faltei demais. – Shiryu trocou o casaco preto pelo jaleco. – Desculpe. – assumiu o posto atrás do balcão. – Como tem sido o movimento?
- Ontem foi tranquilo, mas anteontem teve muita gente. A frente fria trouxe gripe. – ele assentiu, esforçando-se para colocar a cabeça no trabalho.
- Onde está a sra. Yin Seon-in? – ela estava respondendo um pedido on-line.
- Última reunião sobre a obra. Amanhã vão fechar metade dessa entrada da viela. Como está Ryuho?
- Recebeu alta e um amigo está em casa com ele. – Shiryu começou a organizar as gôndolas fora do balcão, a cabeça insistindo em voltar ao que acontecera nos últimos dois dias. "Um redemoinho na minha vida."
- Ele é forte. – ela tirou os olhos do computador. – Bem-vindo de volta. – ele agradeceu, mexendo nos produtos sem realmente os ver.
Shiryu pensou como deveria agir na posição em que se encontrava. Ele não era mais um jovem que pudesse cometer erros e, além disso, havia o filho. Não podia pensar só em si mesmo.
"Pelo menos, ela gosta de crianças." Embora ele soubesse que não era tão fácil assim. Se lembrava dos colegas, que não sabiam da sua história, comentando sobre pessoas com 'bagagem' e que isso era injusto com a outra pessoa, que entrava num relacionamento de mãos vazias.
Ele estava apaixonado por Shunrei e via que ela gostava dele também, apesar de não ter dito ainda. E ela acabava de sair de um namoro longo com um dos homens mais ricos da Coréia, ou do mundo, não sabia ao certo. Ela estava entusiasmada, mas ele precisava ser realista. Lembrou dela falando que sabia tudo sobre ele e sorriu, triste.
"Talvez o meu tudo seja assustador. Vou precisar da coragem que ela acredita que eu tenho."
- Preciso de vitaminas para os nervos. – um senhor franzino pediu, fazendo-o voltar para o presente.
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- Com esse nome, fechamos a equipe, dra. Nishi. – o dr. Lee Kang entregou a lista com as correções para ela. – Pode começar a contatá-los. Está satisfeita? – ela assentiu, séria. – Não parece. Tem algum nome que retirei e você queria manter? – ela não conseguia fingir para ele.
- A lista está perfeita, doutor. As suas observações foram pertinentes. – ele recostou na poltrona e tirou os óculos redondos.
- Shunrei, não perguntei para ser bajulado. – ela baixou os olhos. – Estou percebendo você dispersa nesses últimos dias. Quero saber se está tudo bem. – ela estranhou essa colocação. Tinha comparecido a todas as reuniões e o cronograma de estruturação da Unidade estava sendo cumprido. Os pacientes estavam sendo atendidos. – Assumir a direção de toda uma unidade é uma grande responsabilidade. – o tom dele era de aconselhamento, como um pai falando com a filha adolescente. - Antes de assumir esse cargo, tirei algumas semanas para reestruturar a minha vida, mudar de casa... Pensei em como poderia ajudá-la e a solução pareceu bastante óbvia: férias. Você não tira férias há três anos. Será bom descansar antes de assumir a Unidade.
Ela demorou para entender de onde surgira essa história.
- Por acaso, Julian veio falar com o senhor?
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- Aqui, trouxe essas roupas para Ryuho. – a sra. Yin Seon-in entregou uma sacola vermelha quando entrou na farmácia, no final da tarde. – São usadas, mas estão em ótimo estado. Eu detesto desperdício.
- Obrigado, senhora. – ela o escaneou de cima a baixo até deixá-lo sem graça.
- O que foi isso? – apontou para o curativo abaixo do olho direito.
- Foi um incidente no treino do domingo. Já está cicatrizando.
- A mulher com quem está saindo sabe do Ryuho? – ele sacudiu a cabeça, aturdido.
- Por que a senhora acha que estou saindo com alguém? – ela riu. Era uma coreana de uns 55 anos, de cabelos ondulados e que tratava os funcionários como filhos.
- Você não me engana. – ele continuou verificando o estoque, as bochechas rosadas.
- Não quero enganar a senhora.
- Melhor dizendo: não a engane. Precisa ser honesto com ela em tudo, especialmente algo assim. – ele mordeu os lábios. – Mulheres que nunca se casaram costumam se assustar e você não quer desperdiçar o seu tempo e nem o dela.
- Ela sabe. – a expressão da senhora Yin Seon-in era de dúvida. – Foi ela quem atendeu Ryuho. É neurologista do Hospital Graad. – as duas mulheres o olharam de boca aberta.
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As duas saíram tarde para almoçar, o que era bom pois encontraram um restaurante onde puderam conversar sem serem interrompidas.
- Você está me saindo cheia de confusões. – Saori comentou assim que fizeram o pedido. Shunrei não quisera comentar no carro para o motorista não escutar. Agora estava desconfiando de todos.
Shunrei contou os acontecimentos com o máximo de detalhes. As tigelas de lámen, as tiras de kimchi (1) e os complementos chegaram.
- Nossa, e eu pensei que estava me aventurando com o Seiya. – Saori tinha a expressão de espanto. - A vida dele não deve ser fácil. E o filhinho doente.
- Ontem, eu pensei que ele iria partir na minha mão. Fiquei tão desesperada! Ele é uma gracinha, olha. – mostrou uma foto que Shiryu enviara quando chegaram em casa. Shunrei notou um lampejo diferente no olhar da amiga. – O que foi? – Saori mordeu os lábios.
- Shunrei, você tem ideia do que está acontecendo? – ela deve ter feito cara de dúvida. – Você terminou um relacionamento de seis anos ontem e hoje está me mostrando fotos do filho de outro homem como se fosse seu. – Saori ergueu a mão ao ver o protesto se formar na boca da amiga. – Eu quero apenas que você reflita e não se envolva em algo mais difícil do que o anterior. Não, eu não acho ruim Shiryu ser pai solteiro e acredito que o filhinho dele seja uma doçura. Não quero que você sofra. Me desculpe se não é o que você esperava de mim, entretanto, eu sou sua amiga e espero que você também me puxe para a realidade quando eu voar para o alto demais.
Shunrei não esperava realmente. Mastigou em silêncio um tempo, refletindo.
- Saori, eu vivi seis anos de um namoro com um homem que é o sonho de milhões de mulheres. É o cara 'certo': família certa, histórico certo, sexo certo, futuro certo. Tudo dentro dos conformes e eu cheguei a pensar que era isso que eu merecia. Que isso era o melhor que a vida tinha a me dar. Eu só teria que me enquadrar e me acalmar na gaiola de ouro que Julian está me oferecendo. Nós tivemos excelentes momentos juntos, mas não nos faríamos bem. Não foi Shiryu quem me fez largar Julian, foi o próprio Julian. – Saori concordou.
- Ainda bem que você tomou coragem e terminou!
- Agora, Shiryu é a minha aventura. É a vida me mostrando que eu mereço mais, que eu posso ousar mais. – Shunrei sorriu e Saori percebeu a mudança imediata na energia da mulher à sua frente. – Ele veio como um raio num dia de sol sem nuvens. Sinto que ele veio para me ensinar a amar de verdade, como mulher, não como mocinha. Com ele vou assumir responsabilidades que eu quero assumir, não que estão me impondo. Não vai ser fácil e eu gostaria de ter você ao meu lado.
Saori estendeu a mão para ela.
- Bem-vinda, Shunrei de Rozan! - as duas riram. – Já adianto que eu só fico ao seu lado se você me ajudar com o meu cavalinho alado.
Shunrei quase engasgou de tanto rir. Pediu para ver as mensagens de Julian.
- Podemos trabalhar com a ideia de que ele colocou alguém para te seguir. – Saori colocou em palavras o que ela estivera pensando.
- O que ele ganha com isso?
- Ganha? – Saori ergueu uma sobrancelha. – Na cabeça de Julian, você pertence a ele. Alguém a roubou e ele está apenas restituindo o patrimônio.
- Acha que ele seria capaz de algo extremo? – Shunrei começava a acreditar que não conhecia o homem com quem convivera tantos anos.
- Julian pensa que ama você, mas antes de tudo, ama mais a si mesmo. – Saori ponderou, mordendo um dos Kyungdan (2) decorados. – Minha sugestão é ser firme. Ele é um garoto mimado e precisa de pulso firme.
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# Shunrei Nishi S2: Chego em 30 minutos. Estou levando o jantar. S2
- Ela adora me alimentar. – ele comentou, displicente.
- Quem? – a sra. Yin Seon-in estivera de olho nele o dia todo.
- A mulher que eu não estou enganando. – ela riu.
- A neurocirurgiã. Ela é famosa, sabia? – mostrou a tela do celular com a pesquisa do Google. Shiryu viu muitos artigos científicos, muitas fotos com crianças de cabeça raspada, em hospitais do que pareciam ser missões da ONU, no meio de abraços. Uma o emocionou, dela agachada conversando com dois garotinhos árabes do mesmo tamanho de Ryuho em cadeiras cujas rodas eram improvisadas de bicicletas, atadas com fios elétricos. O queixo estava apoiado no braço da cadeira e ela estava absorta, prestando atenção ao que eles diziam. Encheu-se de orgulho. Havia também, claro, fotos com Julian Solo, solenemente ignoradas. – Você está preparado para isso?
Shiryu engoliu em seco.
- Se ela está preparada para a minha vida, estou preparado para a dela. – a sra. Yin Seon-in aprovou a resposta com um sorriso largo.
- Não desista dela, Shiryu. Pelas histórias e ações que vi, tenho certeza que ela não vai desistir de você.
Ele teve tempo de comprar vinho e tomar banho. Acendeu algumas velas aromáticas.
"Ela vai chegar cansada e preocupada com o que aconteceu."
Na verdade, a primeira coisa que ela disse quando ele abriu a porta foi:
- Pode me ajudar a pegar o jantar?
O jantar estava no apartamento de Moon Cha Young, chef amadora. Os dois levaram para cima travessas muito cheirosas de Manduguk, Kimbap, Ongsimi e de sobremesa bolo de arroz com framboesa (3).
- Ela é uma artista! – Shunrei estava admirada com as camadas que iam do branco ao translúcido do delicado bolo, decorado com raminhos de hortelã. – A missão dela não é na enfermagem.
Arrumaram a mesa com os kimbap como pétalas de uma flor e as tigelas com as cores vivas do manduguk abertas. Um banquete para os olhos. Shunrei tirou fotos e mandou para Saori e o dr. Lee Kang. Queria ajudar a divulgar o trabalho da amiga.
- Nossa primeira refeição juntos. – Shiryu observou como ela estava feliz, mesmo com o semblante preocupado.
- Faltou Ryuho.
- Pensei que você quisesse conversar sobre Julian, não me engordar. – ele riu, colocando um kimbap na boca dela. – Por isso pedi aos rapazes para levá-lo. Ele estava entusiasmado para ficar com os dois. – ela ofereceu um manduguk para ele.
Estiveram rindo e compartilhando esses bocados de energia e cumplicidade, contando fatos inusitados, falando de seus sabores favoritos, dos pratos estranhos que experimentaram, de seus desejos de futuro. Parecia que dentro de cada prato havia, junto com o tempero da Beleza, um pouquinho do tempero do Amor.
Pelo menos foi assim que Shiryu sentiu. Apreciou cada minuto da companhia de Shunrei. Com uma ideia simples – jantar em casa – ela fez seu coração crescer no peito de tanto carinho. A energia que emanava dela o contagiava e aquecia. Era como se ela o puxasse de dentro do buraco onde se colocara sem perceber.
Ela foi lavar a louça enquanto ele guardava as sobras na geladeira. Deslizou as mãos pela cintura dela, beijando seu pescoço, sentindo-a arrepiar.
- Queria fazer isso desde que você chegou. – sussurrou em seu ouvido. Ela se virou para deixar os lábios ao alcance dele. Shiryu não perdeu a oportunidade.
- Tem minha permissão para me receber assim sempre. – os olhos dela refletindo os seus. – Mas eu quero mesmo conversar. – ele assentiu, guardando a louça e a convidando para a sala.
- Antes de qualquer coisa, quero pedir desculpas pelo que você e Ryuho passaram. Fiquei muito nervosa quando vi Julian porque sei como ele pode ser cruel. Vou tentar a todo custo impedir que vocês sejam afetados. – Shiryu pegou a mão dela.
- Não se preocupe. Ele não vai chegar perto de Ryuho e eu sei me cuidar. – sentiu-a apertar seus dedos. – E ele não vai mais fazer mal a você... Ele sabe de nós, não é? – ela assentiu.
- Saori acha que ele colocou alguém para me seguir. – Shiryu riu, sacudindo a cabeça.
- Ele gosta de sofrer. – ela contraiu os lábios.
- Sei que ele gosta de ter poder, de dominar. Por favor, até que esteja terminado para ele, tome cuidado. – Shiryu balançou a cabeça para tranquilizá-la. – A outra coisa é que, sem querer, ele me fez um favor. – duvidava disso, mas a encorajou a continuar. – Ele conversou com meu chefe que eu estava muito estressada e nervosa, desatenta... Querendo dizer que estou fora de mim. Por causa disso, o dr. Lee Kang me ofereceu alguns dias de férias antes de eu assumir a Unidade. – ela abriu um sorriso largo. – E eu quero que vamos os três passear em algum lugar, eu, você e Ryuho.
- Isso me preocupa.
- Por quê? Você acha que Julian pode tentar alguma coisa? – ele riu.
- Não, não. – mudou de lugar, sentando na mesa de centro. Pegou as duas mãos dela.
- Você está me deixando preocupada.
- Shunrei, não quero que você entenda mal, mas preciso falar. Não quero expor Ryuho a algo que não vai durar. – ela com certeza sentia as mãos frias dele e podia ouvir a respiração falhando. - Quando fiquei sozinho com ele, muita gente me aconselhou a deixá-lo com alguém e ir reconstruir a minha vida. Eu nunca poderia fazer isso porque ele é parte de mim. Ele é a minha parte pura e eu jamais permitirei que alguém o magoe. – ele engoliu e pensou identificar um brilho diferente nos olhos dela. – Eu aguento qualquer coisa, mas Ryuho não.
Ela respirou fundo e procurou sua voz mais serena.
- Shiryu, eu nem posso imaginar pelo que vocês dois passaram e nem quero fazer promessas mirabolantes. Gostaria que você pudesse ver dentro de mim, dentro da minha cabeça e do meu coração, o que eu estou sentindo agora. Como não é possível, gostaria que você me permitisse mostrar, com as minhas ações. – ela beijou as mãos dele. – Não tenho nenhuma intenção de ser passageira na vida de vocês. O que eu posso prometer é que vocês vão enjoar da minha cara de tanto que vão me ver.
Ele sorriu, aliviado. Respirou profundamente pela boca, sentindo que um peso imenso se desfazia para nunca mais voltar.
- Confio em você. – ela sorriu, agradecendo com um gesto de cabeça.
- Eu só vou conseguir tirar essas férias daqui há três semanas, o que me dá tempo para provar as minhas intenções. – ela foi buscar o celular na mesa da cozinha. - Agora, o meu último assunto. – sentou ao seu lado e mostrou a tela para ele. – Isso! - no início, ele não entendeu o que era. Chegando mais perto, soltou uma gargalhada. – Eu quero saber porque não fui informada disso aqui! – Shunrei o deixou vermelho.
- Você disse que sabia tudo sobre mim. – ele deu de ombros. – Então andou pesquisando, é? – os olhos dela brilharam.
- Eu quero ver. – ele negou, se afastando dela. – Me deixa ver, por favor! Nunca te pedi nada. – ele riu mais.
- Só remédio fiado e dinheiro para pegar um táxi. – ela curvou os lábios para baixo, os olhos enormes e pidões. – Tudo bem. – ele virou de costas e tirou a camiseta.
Shunrei afastou os cabelos e descortinou 'o segredo'.
Ouviu-a prender a respiração e dizer baixinho 'uau!', as reações costumeiras quando a viam. Ia se virar para ver o olhar dela quando sentiu os dedos tocando na cicatriz grande e irregular que ele tinha no ombro. O toque era muito delicado. Depois, o toque na cicatriz da lâmina que o tinha traspassado por acidente, quase atingindo seu coração.
Ela beijou as duas.
Depois contornou a tatuagem do Deus chinês Dragão Verde que ocupava as costas dele, olhando desafiador para quem o encara. Uma onda de arrepios varreu seu corpo da cabeça aos pés.
A respiração dele acelerou para acompanhar a pulsação galopante quando os lábios dela seguiram o mesmo caminho. As mãos deslizavam para tocar seu abdômen. Estremeceu quando ela sussurrou seu nome, seus sentidos todos em alerta. Shunrei começou a beijar sua nuca e pescoço, as mãos passeando pelo tórax e descendo.
- Se você passar daí, não vou conseguir me controlar mais.
- Quem está pedindo isso a você? Me fala que eu vou ter uma conversa com essa pessoa.
Ele se virou e a beijou com muita fome. Shunrei resistiu à pressão, seus gemidos baixinhos o deixando muito excitado. Com avidez, arrancou camisa e sutiã, lambendo os seios pequenos, sentindo a carne macia em sua boca e suas mãos. Ela se esfregava nele, tentando acompanhar a rapidez e a urgência.
Puxou com tanta força a calça e a calcinha que a fez quicar no sofá e ela riu. Pegou o preservativo numa gaveta da estante e ela pediu para colocar. Ele ficou sem ar com ela despindo-o, deslizando e apertando, primeiro com as mãos depois com a boca.
"Tanto tempo."
Ajoelhou-se para beijá-la enquanto a empurrava para deitar. Achava que ia explodir de desejo quando entrou nela com mais força do que planejava. O corpo dela reagiu contraindo e pulsando, ardendo com ele.
- Estou sem prática. Posso estar enferrujado. – ele murmurou dentro da boca dela.
- Duvido. – os lábios dela tremiam com cada investida.
Ele só ouvia os gemidos dela. Só importava o gosto da boca dela. Só sentia o corpo dela envolvendo o seu. Só via os olhos dela, para onde sua alma queria ir. Até que ele próprio sentiu que morria, fundido com ela.
Bem lentamente, ele se deu conta de onde estava, entre as pernas dela, com a cabeça em seu colo, sentindo as mãos finas acariciando suas costas.
- Me desculpe. – conseguiu dizer, a voz pastosa. O riso abafado fez sua cabeça sacolejar. - Seis anos.
- Duvido. – ele beijou seu colo, reunindo forças para levantar. Entregou-lhe sua camiseta e foi ao banheiro, voltando de calça.
- Acredite, dra. Shunrei Nishi. – ela estava séria e descabelada.
- Então, é por isso que você queria me enfiar dentro do sofá. – ele sabia que estava vermelho.
- Me desculpe, não consegui esperar você... – ela foi até ele, ainda nua, passando os braços por seu pescoço.
- Precisamos remediar isso. – ele sorriu, envergonhado. – Me leve até aquele cômodo ali para analisarmos abordagens de tratamento, sr. Shiryu Suiyama. – apontou para a porta do quarto. – Temos a noite toda.
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(1) Kimchi – acelga salgada, envolvida com uma pasta feita com farinha de arroz, açúcar e vários temperos e colocada para fermentar em grandes vasos nos jardins das casas.
(2) Kyungdan - é bolinho de arroz moti com recheio de mel e açúcar.
(3) Todos esses pratos estão no dorama Chocolate, na Netflix. Recomendo fortemente. É o meu favorito da vida. Os personagens Lee Kang e Moon Cha Young são homenagens aos protas de lá. ;-)
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Aaaahhh, eu sei que nos doramas as coisas são mais devagar... rsrsrs! A questão é que eles estavam pedindo por esses momentos de felicidade, esses primeiros encontros onde os dois ainda estão calibrando os entendimentos, os ritmos. :3
Quero muito saber o que estão achando da história. Obrigada a quem já mandou review e a campanha para deixar uma escritora feliz continua.
Beijos e até o próximo capítulo, que vai trazer uns personagens novos para movimentar as coisas!
Jasmin Tuk
