CAPÍTULO 7
Acontece na manhã seguinte ao final do Capítulo 6.
Música: Be My Light
Artista: Kevin Oh
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Os lábios dele percorriam o corpo dela, ateando fogo em sua pele. Começou atrás da orelha e foi descendo enquanto as mãos a despiam e acariciavam. "Adoro essa maneira de me despertar." Ela se virou para ele, entreabrindo os olhos.
- Bom dia para você também. – ele a beijou, sugando seus lábios.
- Você estava me chamando no seu sonho. – a boca dele roçava a dela. – Tão carinhosa. Não consegui me conter. – ela suspirou quando a mão dele se alojou entre suas coxas.
- Quem alguma vez pediu isso a você? Me fala que vou ter uma conversa com essa pessoa. – a risada abafada dele fez o corpo dela inteiro formigar.
Shiryu continuou a peregrinação, subindo as colinas dos seios e abocanhando-os. Os dedos dela embrenharam-se nos longos cabelos negros. Shunrei correspondia o melhor que podia, movendo-se para o contato máximo entre os dois corpos. Shiryu chegou no terreno muito sensível de sua feminilidade e a mente dela apagou. O corpo dela se contorcia, suas extremidades explodindo com o coração galopando. Do seu baixo-ventre emanavam choques que percorriam todos os seus músculos.
Então, sem aviso, ele parou. Ela o sentiu deitar ao seu lado e emitiu um muxoxo. Ele voltou a beijá-la no pescoço e no ombro e ela se virou de lado, ajudando os lábios úmidos a alcançarem suas costas. A mão dele desceu até seu traseiro. Eles gemeram juntos quando ele entrou dentro dela. Shunrei forçou o corpo contra o dele.
- Calma. – a voz grave em seu ouvido a deixou fora de si. Ele apoiou a mão em seu abdômen e indicou o ritmo. Ela entrelaçou os dedos nos dele, procurando sua boca quando eles diminuíam os movimentos para recuperar a respiração. O corpo dele pesava sobre ela e Shunrei se ajeitou para que a penetração fosse cada vez mais profunda. Sentia como se os dois estivessem envolvidos por uma força incomensurável, quente e magnética.
Os dois estremeceram várias vezes, os dedos deles fortemente entrelaçados, apertando-a contra ele, como se quisessem se fundir.
Quando conseguiu raciocinar, seus braços e pernas confundidos com os dele e os corpos ainda unidos, Shunrei teve uma certeza que não podia explicar de onde vinha. Naquele amanhecer, se iniciava uma nova etapa na vida deles. Ela sorriu para si mesma, deixando os dedos de Shiryu passearem lânguidos entre seus seios e seu quadril. "Não vamos ser mais só nós dois."
Shunrei acordou de uma vez. "Dormi demais." Durante a noite, ela tinha se achegado mais a Shiryu, sua cabeça encaixada em seu ombro. Quando tentou se afastar, percebeu que a mão dele segurava a sua sobre o peito. O espanto a fez correr os olhos para o rosto dele. A expressão não mudara.
"Mas ele conseguiu encontrar a minha mão. Ele se mexeu e encontrou a minha mão." Agora eram lágrimas de esperança. "Ah, Shiryu... Deve ter sido um esforço enorme." Ela conseguiu se sentar, sem cortar a ligação. Beijou a mão dele, acariciando seu rosto, tirando alguns fios de cabelo rebeldes do pescoço e da testa. "Você me fez lembrar daquela manhã, meu amor? Ou foi a lembrança dela que te guiou até mim?"
Ela perdeu a noção do tempo que ficou ali, tentando entender, sem querer sair de perto dele. Assim que pensou em acordar Shun, a respiração de Ryuho ficou ruidosa e difícil. Shunrei pulou fora da cama. Shun, que colocara o berço bem próximo de sua cabeça, acordou com a movimentação. Ela abriu um unguento com forte cheiro de cânfora e começou a massagear o peito do bebê.
- As crises são muito frequentes? – ele se postou ao lado dela. – O que posso fazer para ajudar?
- Pode pegar o nebulizador? – ela indicou o instrumento portátil em cima do guarda-roupa. – Coloque só uma das pastilhas e o soro. – ele ligou e segurou a máscara no rosto de Ryuho. - Os pulmões dele ainda estão fracos pelo nascimento prematuro, mas há semanas não tinha uma crise. – Shunrei o massageou até aquecer o peito, enrolando-o no cobertor, vigiando a volta da respiração à normalidade. – Isso mesmo, meu pequenino... Você é muito forte... Fique tranquilo, a mamãe está aqui... O tio Shun está ajudando você a respirar, viu?... Você está indo muito bem. – os medicamentos fizeram efeito e os olhinhos de Ryuho sorriram para os adultos. Ela devolveu o sorriso, abraçando-o.
- Me lembro quando ele nasceu e agora entendo como ele é uma mistura perfeita de vocês dois. – ela enrubesceu. – Fiquei muito feliz por Shiryu ter conseguido formar uma família. Que bom que o nebulizador que sugeri está ajudando.
- Ele segurou a minha mão! – ela se lembrou do que acontecera. – Shiryu conseguiu se mover.
- Isso é verdade? – ele se virou para o amigo, acompanhando Shunrei até a cabeceira. – Será que Shiryu foi guiado pela sua cosmo-energia? É muito provável. Se for assim, ele não está inconsciente. – observou longamente o rosto de Shiryu, tomou seu pulso, contou a respiração. Pegou sua maleta médica e fez exames nos ouvidos, olhos, boca, espetou finas agulhas nas plantas dos pés, coxas e braços. Percebeu minúsculas reações, que poderia considerar meros reflexos autômatos. Ou não.
- Quero tentar alimentá-lo. Não sei há quanto tempo ele é alimentado apenas por soro. – Shun analisou o pedido. – Ele pode ser um Cavaleiro de Atena, mas seu corpo é humano. Precisa se alimentar. Posso fazer uma papinha para ele, como as de Ryuho.
- Não sei se ele conseguiria sentir o alimento na boca. – Shun falou devagar, pensativo. – Ele pode engasgar. – pareceu ver que não adiantava argumentar com a vontade dela. Seus lábios se curvaram num meio sorriso. – E é para essas emergências que o amigo recém-formado de vocês está aqui, sem falar na junta médica.
Shunrei assentiu, arrumando-se o mais rápido possível e seguindo para a cozinha. Se assustou com os três médicos conversando e tomando café da manhã. O Dr. Saito se adiantou.
- Desculpe, senhora. Pensamos em contribuir também com as tarefas domésticas, se a senhora permitir.
- Claro, por favor, fiquem à vontade e obrigada por se oferecerem para ajudar. – aceitou a xícara de chá que o médico lhe ofereceu, entregando o filho para Shun. – Vou preparar o café para Ryuho e Shiryu. – anunciou, calmamente, selecionando alguns tubérculos e verduras para começar o espesso caldo que tinha em mente. Os três a olharam com espanto. A dra. Aikyo abriu a boca para protestar e ela viu Shun fazer sinal negativo com a cabeça.
- Eu concordei com ela. – ele colocou Ryuho na mesa e o bebê foi animado até a tigela com bolinhos de arroz, tentando colocar um na boca e babando no bolinho e na mãozinha. Sentou, observando a conversa dos adultos, muito interessado nas vozes. – Shiryu se moveu à noite. Acredito que ele não está inconsciente. Precisamos descobrir como nos comunicar com ele.
- Como assim ele se moveu? – a expressão da neurologista estava entre o espanto e a incredulidade. – Fizemos tantos exercícios e não vimos nenhuma reação até ontem.
- Eu testei seus reflexos musculares hoje e houve reação, muito sutil, mas houve. – parou um pouco e acrescentou. – Ele apertou a mão de Shunrei.
- Oh! – os três exclamaram juntos, alvoroçados.
– Nós temos que tentar, vocês sabem que o corpo dele não resistirá só com a alimentação intravenosa. Confio que se algo der errado, vocês vão ajudá-lo. – Shunrei finalizou, cortando nacos de coxa de frango para acrescentar no caldo borbulhante.
"Estou indo até você. Me espere, por favor."
Enquanto os quatro começaram a discutir como agir com essas novas informações, Shunrei concentrou-se, pretendendo colocar seu amor e seu chamado naquele caldo. Amassou tudo e passou na peneira grossa. Serviu a porção do filho e foi até ele, limpando a mãozinha do bolinho espremido e despedaçado, rindo da bagunça e da inocência.
- Shunrei, nós vamos prepará-lo. – os dois fisioterapeutas saíram.
Ryuho colaborou e logo estava sob os cuidados da dra. Aikyo. Shunrei respirou fundo, dirigindo-se ao quarto. Shiryu fora sentado, sustentado por pilhas de travesseiros, lençóis e cobertores e um encosto de pescoço improvisado. Um nó obstruiu a garganta dela ao vê-lo daquele jeito. "Não posso me deixar abater agora. Não é hora disso."
Se aproximou e colocou um pano de prato no peito dele. No afã de fazer funcionar, tentou colocar uma colher de caldo na boca, mas o líquido caiu pelo queixo. Ela suspirou com ruído, parou e procurou se acalmar e pensar. Os três homens estavam em pé ao seu lado. Tentou de novo e conseguiu apenas derramar no ombro de Shiryu. Estava nervosa e frustrada.
Do fundo de sua memória, veio a voz do Mestre Ancião em um dos treinamentos para os aspirantes a cavaleiro: "Qualquer adversário que tenha em sua frente, você precisa ter paciência. Se não tiver paciência, inevitavelmente você será derrotado."
Buscou a mão de Shiryu e o chamou mentalmente, tentando repetir a comunicação da noite anterior. Era como tatear com a voz no escuro, ecoando infinitamente. Ela continuou chamando, navegando na escuridão completa. Não soube quantas idas e vindas, mas enfim sentiu uma resistência invisível no ar, uma concentração de energia em sua mente. Fisicamente, sentiu uma pressão leve em seus dedos.
"Deve estar com fome." Novo aperto. "Vou colocar caldo na sua boca."
Pediu a Shun que a ajudasse a abrir um pouco a boca e inclinasse levemente a cabeça dele. Testou algumas gotinhas, informando a ele quando as depositou na boca, e observou os músculos da garganta reagir e engolir. A adrenalina inundou seu corpo e trocou um sorriso com Shun. Demorou quase uma hora para que o caldo da pequena tigela fosse consumido. Ela declarou, animada, que pegaria mais.
- Melhor deixarmos Shiryu descansar um pouco, senhora. – o dr. Yoshida interrompeu. – Ele não ficou tanto tempo sentado antes. Já foi um milagre isso que aconteceu.
- Daqui a pouco vamos levá-lo para o banho de sol. Concordo com o dr. Yoshida. – o dr. Saito completou. – Na hora do almoço, ofereceremos mais.
Shunrei olhou para eles e depois para Shiryu.
"Vamos deixar você descansar. O seu corpo vai ser nutrido e logo a comunicação ficará mais fácil."
Beijou-o e se afastou para que os fisioterapeutas o colocassem mais confortável. Saiu muito feliz do quarto. Confiava que em poucos dias conseguiriam estabelecer um bom canal de comunicação.
- Quem sabe ele estará recuperado em poucas semanas?! – a disposição dela aumentou com essa primeira vitória.
- Shunrei. – Shun veio até ela, pedindo para conversarem sozinhos. Ela pegou dois casacos atrás da porta e levou-o ao mirante de onde podiam ver a planície dos arrozais, com os Picos ao fundo e o rio formado pelas quedas d'água. A brisa estava fria, embora não estivesse ventando forte. O avanço do outono, se transformando em inverno, secara a vegetação rasteira, de modo que não tiveram dificuldade em encontrar um local para sentar. – Shunrei, não podemos parar a comunicação. Agora que você conseguiu alcançá-lo, temos que fortalecer a ligação.
- Era aqui que nós vínhamos quando crianças para conversar sobre como tinha sido o nosso dia. Eu contava sobre as aulas na aldeia e a rotina da casa do Mestre e Shiryu falava sobre o treinamento e sobre antes... O orfanato, a Fundação Graad... – ela olhou para cima, vendo as nuvens escondendo o sol. – Ele não chegou a falar comigo agora, eu senti uma energia, uma resistência, mas não tinha certeza de que fosse ele.
- Acredito que quanto mais fortalecermos a conexão, mais claramente você o reconhecerá. Ele deve estar usando o sexto sentido. Você já ouviu falar dele, não é? – ela confirmou. Ouvira o Mestre explicar várias vezes.
- É a nossa intuição mais pura. Com ela conseguimos nos contatar com as pessoas de uma maneira íntima e mais completa... – à medida que ela falava, percebia como se encaixava. - E não precisa de nenhum dos cinco... dos sentidos físicos, pois está além do corpo. – colocou a mão na boca, olhando para Shun com o rosto em chamas. - Está alojado na mente pura, na alma.
- Shiryu tem o sétimo sentido desperto, embora voltado para vencer batalhas. – Shun conseguia ver um bando de pássaros voando alto rumo ao sul. – Nosso sexto sentido foi treinado para antever movimentações nas lutas e analisar nossos oponentes. Agora precisamos agir em duas frentes.
- Ele precisa aprender a utilizar o sexto sentido para se comunicar e direcionar para o corpo físico... E?
- E preciso ensinar a você como acessar o seu sexto sentido. – ela ergueu as sobrancelhas. – Shunrei, você já faz isso inconscientemente. Está sempre atenta, sentindo quando algo não está bem, ou antecipando um acontecimento ao seu redor. Shiryu comentava que você conseguia prever que ele estava em perigo ou que o Mestre Ancião estava precisando de ajuda.
- Mas é bem diferente... – ela nunca pensou sobre isso. "Sexto sentido?... Eu?"
- Não é tão diferente assim. – o tom de voz de Shun era calmo. Ela via que ele queria convencê-la. – O sexto sentido é uma extensão extrassensorial sua. A única coisa que precisamos fazer é um treinamento para você conseguir usá-lo sempre, para que ele seja o canal de comunicação entre vocês.
- Não temos tempo para treinamento, Shun. – o coração dela disparou só de pensar. "Por que estou com tanto receio?" – Estou tentando não o deixar morrer de fome e sede. – ele balançou a cabeça.
- Shunrei, você já despertou o sexto sentido, só que o seu caminho foi o do amor. – Shun encarou-a e deve ter visto a insegurança dela. – Pense bem e verá que é verdade. Não será difícil para você dominá-lo. Estarei com você em toda a jornada.
Ela afastou-se, indo até a beira do mirante, sentindo a brisa fria e o cheiro de terra úmida. Lembrou das incontáveis vezes em que os dois estiveram ali, ao entardecer, conscientemente trocando amenidades e inconscientemente apoiando-se, fortalecendo-se, criando laços que chegaram até aquele momento, onde estavam sendo postos à prova. Jamais imaginara que aquilo que fazia era qualquer outra coisa senão amar e prestar atenção nos entes amados. Assistia os treinamentos e nunca se imaginou no lugar deles. "Parece que, de alguma forma, alguns dos ensinamentos do Mestre Ancião ficaram na minha mente."
- Como ele está sem os cinco sentidos e não pode usar o sétimo, nossa única esperança é no sexto. – ela declarou, devagar. Voltou-se decidida. – Eu faço. Nem que demore anos, vou fazer. Não vou deixá-lo no escuro. – ele sorriu, aliviado.
- Vamos começar já o treinamento. Só precisamos ser discretos com os meus colegas médicos. A medicina se distanciou bastante dos assuntos da alma e, em vários aspectos, ainda está engatinhando quando o assunto é trabalhar com qualquer substância não-palpável. – ela percebera que Shun evitava conversar sobre tudo que envolvesse o Santuário e a vida de Cavaleiro de Atena na frente dos médicos. Ela própria não conversava sobre isso com ninguém na aldeia.
- Claro que entendo. Precisamos encontrar horários para praticar em alguns momentos durante o dia, mas acho que será melhor à noite. – eles decidiram fazer pequenos exercícios quando os outros estivessem realizando seus turnos com Shiryu e deixar o principal para depois que todos se recolhessem.
- Seu primeiro exercício é tentar se concentrar apenas no momento presente, sem deixar que a sua mente a leve para o passado ou para o futuro. – ela sorriu.
- Sei o que é meditação, Shun. Cresci com um senhor que passava os dias sentado ao lado de uma cachoeira, fizesse chuva ou sol. – ele corou, pedindo desculpas. Ela riu. – Não se preocupe. Vamos fazer agora? – ele assentiu, sentando-se na habitual posição para a prática: as pernas cruzadas, a coluna ereta e as mãos descansando nos joelhos. Ela ficou de frente para ele e os dois fecharam os olhos.
Usou uma das técnicas que o Mestre ensinava para os discípulos assim que chegavam: contar a respiração. Mantê-la compassada e concentrar a atenção o máximo de tempo possível na ação de inspirar e expirar.
"Não tente frear os pensamentos, pois eles criarão uma torrente irresistível como uma represa que se rompe." A voz do Mestre veio clara. "Ao invés disso, deixe que eles venham, mas não se identifique com nenhum. Deixe que eles venham e passem, como as folhas na correnteza de um rio. Você não é a folha e nem o rio, apenas observe."
Abriu os olhos algumas vezes e foi parando ao ver Shun imóvel à sua frente. Aos poucos, entrou no estado que atingia quando se concentrava para raciocinar. Respirava com o diafragma, sentindo a energia da terra subindo pela sua coluna. Abriu os lábios e posicionou a ponta da língua no céu da boca, fazendo a energia fluir para o restante do corpo. Ouvia o som da grande cachoeira e, mais ao fundo, a brisa do vento. De mais distante ainda vinha o arrulhar dos pássaros e, abafado, o farfalhar dos bambus na encosta abaixo.
Tocou na energia de resistência da manhã. Em princípio recuou, contudo, foi atraída para ela. Não sentia nem ouvia nada ali. Do outro lado da resistência, uma força que ela conhecia bem. Tentou tocar, mas não conseguiu. Deslizou e rodeou, até que sentiu um calor próximo. Estendeu a mão e sentiu que outra mão quase a tocava.
- Shunrei. – a voz de Shiryu soou em sua mente e ela se desestabilizou de tal modo que quebrou a conexão e voltou para o mirante. Abriu os olhos e Shun a observava.
- Quero voltar lá! Eu o encontrei, Shun! – estava eufórica.
- Eu senti. – ele estava muito feliz. – Mas não posso deixar que volte agora. – ela abriu a boca para protestar. – Já estamos há duas horas aqui. Sentirão nossa ausência. – teve que ceder à lógica do amigo.
Durante os dias seguintes, ela voltou várias vezes, aproveitando quaisquer 10 minutos que tivesse de descanso. À noite, por outro lado, Shun estava dedicado a ela e foi ensinando-a a controlar suas emoções naquele lugar de existência tão frágil. Qualquer desestabilização em sua psique e ela saía de lá.
"Pelo menos ele está se alimentando."
Ela conseguira se disciplinar para dizer o que daria para ele com tanto refinamento que em poucas semanas já descrevia os ingredientes, pois sabia que ele não tinha paladar nem tato para distinguir as texturas.
"Hoje tem o seu arroz de jasmim com pepino em conserva... Hoje fiz frango desfiado com macarrão e molho de soja e banana caramelada... Hoje tem sobremesa de leite de castanhas..."
Ela ficou bem mais tranquila quando ele conseguiu voltar a mastigar, e ela acrescentava quantas vezes ele precisava triturar o alimento antes de engolir pulsando luz no ponto de encontro. Entretanto, continuava sem conseguir permanecer mais de alguns segundos a cada vez. Além disso, ficava esgotada ao final de cada sessão, a ponto de não conseguir falar por vários minutos. Shun teve que intervir.
- Não pode continuar assim, Shunrei. Você está se deixando levar. – conversava com ela no escuro do quarto, numa das noites em que o fizera comer duas gyozas. – Nós precisamos de você aqui. – ela ouvia sem responder. O coração doía por saber que era verdade. "Preciso encontrar uma saída." - Ryuho sente a sua falta. Todas as horas do dia você está em meditação. Eu entendo, embora como seu amigo não possa ficar calado. Além disso, você está ficando cada vez mais fraca e exausta. – A garganta dela estava travada. Shun suspirou. – Vamos pensar juntos numa forma mais sustentável. Já fizemos grandes progressos nesses últimos dois meses!
Ela abraçou Shiryu e não falou nada. Shun tinha razão, claro, e ela sentia que iria sucumbir a qualquer momento. "Preciso parar e refletir... Não posso sacrificar mais ninguém." Sua alma suplicava cada vez que dava as costas ao chamado silencioso dos olhinhos de Ryuho. O bebê parecia entender o que estava acontecendo, pois não chorava, aceitando o que lhe ofereciam. Apenas a acompanhava com os doces olhos azuis.
- Me desculpe por falar assim... – a voz de Shun estava bem baixa e pesarosa. Ele também tateava sem respostas. - Tente dormir, por favor... Boa noite, Shunrei. – ela esperou a respiração dele mudar, indicando que adormecera.
Com extremo cuidado, deitou-se em cima de Shiryu, movendo-se o mínimo possível para não o machucar. Seu corpo sabia onde se postar. Suas pernas entrelaçadas com as dele, a cabeça descansando em seu ombro e, o mais importante, os dois corações lado a lado. Ela fechou os olhos e se concentrou em sincronizar as batidas. À medida que o coração dela se unia ao dele, ela foi para o ponto de encontro.
- Shunrei. – ele estava lá. Ela o via nítido, sentado em posição meditativa. Os olhos verdes sorriram ao vê-la se aproximar. Não havia mais nenhuma resistência invisível. Ele se levantou para abraçá-la, mas ela parou.
- Tenho medo de ser arrancada daqui. – Shiryu estendeu a mão e ela a tocou. "É sólida e ao mesmo tempo é etérea."
- Não tenha medo. – como ela sentiu falta da voz dele. – Dessa vez, a ligação não vai se romper pois não há mais a resistência entre nós. – eles se abraçaram com força. – Você está bem? – ela sentia as mãos dele em seus cabelos, embora não fosse a mesma sensação dos corpos físicos. "É mais como um conhecimento do que uma sensação... Como se eu sentisse o que a mente dele quer fazer." – Ryuho está dando muito trabalho?
- Não. – a voz dela estava emocionada. – Ele é doce e compreensivo. Determinado e muito forte. – Shiryu beijou o alto de sua cabeça.
- Não podemos demorar. Acredito que essa ligação que você forjou não será mais desfeita, entretanto não será necessária nesse nível sempre. Pode ser arriscado gastar tanta energia. – ele se afastou para olhar seu rosto. – Você precisa descansar.
- Sinto que a conexão é firme. – Shunrei tocou o peito dele, sentindo a maciez felpuda do corpo étero-físico, e o seu próprio.
- Com ela, será mais fácil que eu perceba o nosso mundo. Vou conseguir me levantar e me locomover. Conseguirei sobreviver mesmo sem os cinco sentidos do corpo físico.
- Isso é maravilhoso! – ela queria gritar de felicidade. Os lábios dele contraíram.
- Mas não será fácil para você, Shunrei. – os dedos dele tocaram suas bochechas. – É de você que terei todas as informações para fazer isso. Através das suas sensações e das suas percepções é que sentirei e perceberei o mundo. E isso pode ser muito pesado para você. – as mãos dele a afastaram. – Você já tem um bebê. – ela não hesitou.
- Se eu precisar ensinar você a caminhar e tomar banho e você aprender rápido como Ryuho, não temos nem o que discutir.
- Shunrei...
- Shiryu, se você acha que eu vou desistir, não me conhece muito bem. – ela estava ofendida. "Por que ele não acredita que eu sou capaz?"
- Você é a mulher mais forte que eu conheço. – ela se assustou ao ter seu pensamento respondido de forma tão casual. – O Dragão jamais escolhe uma companheira mais fraca do que ele. – os olhos de Shiryu emitiam o brilho verde que ela vira pela primeira vez na distante tarde quando descobrira que ele era capaz de sorrir e se divertir. – Mas o Dragão também sempre a protege e não deseja que ela carregue um fardo tão pesado. Nossa ligação será profunda tanto aqui – tocou o coração dela. – quanto aqui. – e a testa.
- Dois corpos... – ela tocou o coração dele. – Um coração... – e a testa em meio à franja espessa. – Uma mente. – ele confirmou. Ela baixou o olhar por um instante e respirou fundo. – Sempre foi assim para mim. Pelo menos agora eu saberei exatamente o que você planejará. – sorriu, sem receio. – Amanhã mesmo você vai sair daquela cama e vai até a porta de entrada.
- Vou me empenhar ao máximo. – ela o abraçou e fechou os olhos. – Durante todo esse tempo, você é a única pessoa que eu consigo ver. – os braços dele a envolveram. – Não preciso dos meus olhos para ver você, meu amor. – as declarações dele eram tão raras que a comoviam. Ela sentia o calor, o sentimento dele transbordando para todos os planos. Aconchegou-se mais. - Diga ao Ryuho que o verei em breve. – a voz dele murmurou, como trazida pelo vento.
Shunrei despertou no quarto iluminado pelo amanhecer. Os braços de Shiryu a envolviam.
"Vamos lá!"
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Olá!
E então, está difícil a situação para nossos queridos, né? Será que eles conseguirão tornar essa calamidade em algo menos trágico?
Como vocês reagiriam se estivessem no lugar da Shu? E como será que foi para o Shiryu?
Eu gosto muito da ideia de Shun ser médico. Para mim, é a cara dele, ser médico do Médicos Sem Fronteiras.
Me contem o que estão achando. 😉
Até o próximo capítulo!
