CAPÍTULO 7
Seiya saiu exausto do tatami.
Pegou a garrafa d'água e bebeu inteira num gole só. À medida que o campeonato se aproximava, mais longos e intensos se tornavam os treinos. Jogou-se na cadeira, puxando a toalha para enxugar a cabeça.
- Seiya, 10 minutos! – Marin sinalizou com os dedos o tempo para descanso, voltando a chamar a atenção dos companheiros no tatami ao lado.
Seu celular, que estava embaixo da toalha, caiu e a tela iluminou uma mensagem de duas horas atrás.
# Saori 'Deusa' Kido: Tudo certo para hoje à noite?
# Seiya 'Alado' Ogawara: Confirmado! ;-)
Ele largou o aparelho, imaginando que ela não responderia agora.
A tela piscou.
# Saori 'Deusa' Kido: Vou levar uma surpresa para você. (emoji piscando)
Seiya moveu a boca num "YES" silencioso e começou a rir.
# Seiya 'Alado' Ogawara: Mal posso esperar! (emoji mandando beijo)
- Mariiin! Já posso voltar!
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Shiryu ajudou Ryuho a calçar o tênis.
- Você vai obedecer a srta. Kwan? – ele balançou a cabecinha, erguendo os braços para vestir o casaco azul escuro cheio de estrelas e planetas prateados. Eles conferiram a mochila.
- Livro de colorir o Sistema Solar, manta de astronauta, travesseiro de sol, – o pai mostrava e Ryuho nomeava. – lápis de cor, pijama, camiseta, cueca, nave espacial... Iiih, cadê? – ele correu e pegou uma caixinha fina, colocando com cuidado em cima de tudo.
- E isso? – ele negou, tentando fechar o zíper. Shiryu riu. – Uma hora você vai me contar? – Ryuho confirmou. – Vou cobrar, hein?
O celular vibrou no bolso da calça.
# Shunrei Nishi S2: Desculpa não receber vocês. :-( Lembra de pegar o jantar na Moon Cha Young. Ela fez uns bolinhos lindos para eles – foto dos bolinhos no pote de plástico. A senha do estacionamento é 842268. A vaga é a 2004. Te vejo mais tarde. (GIF de corações flutuando.)
# Shiryu S2 Suiyama: Mal posso esperar! (dois emojis de coração.)
# Seiya Ogawara: Saindo de casa. Passo em 20 minutos para pegar vocês.
# Shiryu 'Dragão' Suiyama: Beleza. Vou avisar Marin. Eu acho que vamos ter que alugar uma vã, sabia? Chegou todo mundo hoje. Esse hotel está uma festa!
Shiryu ergueu as sobrancelhas.
- Espero que elas não se espantem muito.
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Saori esperou os seguranças informarem que poderia sair do carro e entrou no edifício no centro financeiro de Seul para seu último compromisso do dia.
Negociara muito antes dessa reunião para garantir que fosse uma proposta que o Conselho na Coréia aceitasse, pois assim já voltaria para Tóquio com a questão fechada, para o Conselho Geral apenas apreciar.
Ela pedira a consultoria de alguns investidores na modalidade e, francamente, achava um absurdo não terem visto esse nicho antes.
- Vovô sempre insistiu para que diversificássemos o capital. – ela segurou o relicário onde levava a foto do avô pendurada no pescoço. Entrou no elevador. – Vovô, espero que o senhor aprove essa minha decisão.
O celular vibrou em sua bolsa.
# Seiya 'Alado' Ogawara: Confirmado! ;-)
- Pensei que ele não iria mais responder. – ela sorriu, subitamente lembrando.
# Shunrei Nishi: Passa para pegar uma encomenda de Namagashi (1)? (Localização) Eu vou ter que ir direto da reunião.
# Saori Kido: Sem problema. (GIF de gatinhos pulando.)
- Essa parece que viu passarinho verde. – ia sorrir, mas a porta do elevador abriu e ela incorporou a executiva implacável.
o.o – 0.0 – o.o – 0.0 – o.o
Fora uma semana cansativa para Shunrei. Fizera vários contatos com os profissionais da lista, reuniões, almoços, videoconferências. Conversara bastante com o diretor-presidente. Decidira acelerar o cronograma para conseguir um dia a mais de folga nas próximas semanas.
- Precisa de mais alguma coisa, dra. Nishi? - a secretária trouxe a caixa com os Namagashi, sua expressão implorando.
- Não, pode ir. – a jovem fez a reverência e estava na porta. - Park A-ha, obrigada pela semana.
- Bom final de semana, doutora.
Terminou de escrever o e-mail para o dr. Miguel Nicolelis, neurocientista brasileiro, continuando uma conversa que se iniciara no último congresso em Bruxelas. Fechou o notebook e espreguiçou.
Trocou o jaleco pelo casaco xadrez e conferiu as mensagens.
# Shiryu S2 Suiyama: Olha o que está acontecendo. – vídeo de Ryuho guardando os pertences na gaveta mais baixa da cômoda e a srta. Kwan acenando no quarto que ela arrumara para os dois. – Acho que esse hóspede vai querer voltar. Já estou indo para o restaurante. (emoji mandando beijo com coraçãozinho.)
# Shunrei Nishi S2: Aaawww (GIF de corações explodindo.). Estou saindo agora. (três corações com fita de presente.)
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O restaurante era pequeno e discreto na fachada. Quando se passava do pequeno hall, o salão se abria e o burburinho envolvia os clientes. Chamava-se Mystic Pop-Up Bar (2) porque começara como uma tenda itinerante. O cartaz dizia: Petiscos, Bebidas e Ouvidos. Os proprietários, Weol-ju e Guibanjang, nunca deixavam as mesas sem soju e cerveja.
Os primeiros a chegar foram Shiryu, Seiya, Marin e Aiolia.
- Quando Seiya me contou, eu não acreditei que vocês estavam vindo. – Shiryu comentou, ajudando Aiolia a juntar a mesa ao lado.
- Com o fim do torneio ou voltávamos para o Japão ou para cá. Marin pediu que viéssemos. – o grego organizou as cadeiras e os arranjos das mesas. – Estávamos há três meses sem nos ver. - disse, sério.
Shiryu gostava muito dele. Seu mestre, Dohko, o acolhera por um período, quando ele perdera o irmão, e os dois se aproximaram muito nessa época. Quando o mestre aderira à brincadeira dos emblemas nos quimonos, os três exibiam o Dragão, o Tigre de Dohko e o Leão de Aiolia em todos os lugares.
- Tem notícias do Mestre? – Shiryu perguntou. Aiolia recebeu os primeiros pratos de petiscos e Shiryu distribuiu as garrafas de soju e água.
- Na Índia. Ele mandou uma foto. – mostrou a imagem de Dohko sorrindo, os braços em torno de dois homens, um loiro com expressão compenetrada e olhos fechados e um outro de cabelos lilases e duas pintas no lugar das sobrancelhas, com um sorriso enigmático. Ao fundo, parecia ser os Himalaias.
- Dohko é um espírito livre. É só o que posso dizer. – Marin comentou, montando uma trouxinha de alface com pedacinhos de polvo empanado e oferecendo para o marido. Ele aceitou, aproveitando para piscar para ela.
- Ele e Ikki vivem por aí. – Seiya girou o copo de soju, bebericando um pouquinho, sua expressão mostrando aprovação. – Já eu gostaria de me assentar. – Aiolia e Shiryu ergueram as sobrancelhas. – O que foi? É verdade. – eles olharam para sua mestra, que confirmou. – Conversei com a Marin e o que foi que você disse?
- Já passou da hora. – Marin fez uma trouxinha para ela com pedacinhos de lagosta. – O Seiya precisa de alguém que ele possa proteger.
- Ora, ele pode trabalhar como guarda-costas. – Aiolia comentou casualmente e fez os três rirem alto.
- Aiolia, Marin já te contou que você vai conhecer a garota do Shiryu? – Shiryu baixou os olhos, erguendo as sobrancelhas, mordendo a metade final do bolinho recheado de kimchi e frango.
- É mesmo? – a voz grave de Aiolia soava animada. – E como ela é, Shiryu?
Silêncio porque vieram tantas palavras e nenhuma conseguia defini-la.
- A mulher mais admirável que eu já conheci.
- Você esteve muito perto de ficar sem namorada agora. – ele pulou na cadeira e olhou para trás. Seiya virou também. Marin e Aiolia mordiam os lábios, tentando não rir do espanto dos dois.
Shunrei viera com seus tênis brancos, um vestido de lã creme até os joelhos, sua correntinha de ouro e, a novidade que prometera, os cabelos cortados em camadas na altura das orelhas, emoldurando o rosto delicado.
Shiryu viera com sapatos e calça pretos, camisa branca e seu sobretudo de lã preto que Shunrei achava a roupa mais bem escolhida que jamais houvera. Os cabelos domados pela fita.
Saori com seu tailleur vermelho escuro com um lenço branco fazendo as vezes de gravata, meia-calça grafite e saltos pretos. Trazia a caixa com os Namagashi.
Seiya estava de calça jeans azul-escuro e tênis e camisa vermelhos. Os cabelos curtos, castanhos e rebeldes, que Saori achava perfeitos para mergulhar os dedos.
- Parece que alguém perdeu a língua. – Aiolia cutucou, fazendo Shiryu e Seiya acordarem da epifania e apresentá-las.
- Shunrei Nishi, obrigada por fazer nossa entrada mais impactante.
- Aiolia Soullis, sempre pronto a ajudar.
- Ou a colocá-los em maus lençóis. Olá, Marin Kodama Soullis. Naquele dia não fomos apresentadas.
- Sim, foi tudo tão rápido. Saori Kido, muito prazer.
Eles se cumprimentaram à moda ocidental e agora o quebra-cabeças era definir os lugares de cada um.
- Vocês vão tomar soju? – Seiya perguntou, pedindo mais duas garrafas.
Shunrei e Saori se olharam.
- Queremos ficar perto da Marin!
- Marin, você é nossa ídola!
- Onde está Shun? – Shunrei perguntou, sentando entre Marin e Saori.
- A família dele chegou. Ele ficou para ajeitá-los. – Marin respondeu.
- Disse que vão ao parque conosco amanhã. – Shiryu, que ficara do lado oposto à namorada, informou. – O filho do meio dele é da idade de Ryuho.
- Hyoga e Eiri vieram com Aiolia diretamente de Moscou. – Seiya disse. – Querem fazer uns programas de turistas também. Nunca estiveram na Coréia.
- Nossa, você deve estar cansado, Aiolia. – Saori comentou, sentada ao lado de Seiya, que lhe serviu um copo de soju.
- Nada que dormir dois dias não resolva. – Aiolia fez uma trouxinha de alface com carne bovina e deu para Marin, que permaneceu sentada ao lado dele.
- Marin, você é a única mulher que luta nesse grupo? – Saori, estava curiosíssima com a ruiva.
- Não. Em nível profissional temos Shaina, que voltou para o Japão para resolver assuntos pessoais; e June, que vocês vão conhecer amanhã.
Logo as conversas separaram, com as mulheres conversando alegremente sobre suas rotinas e os homens falando sobre os campeonatos e vice-versa. De vez em quando a mesa toda falava do mesmo tema, outras vezes eram pares, ou quartetos.
Os petiscos e as bebidas soltaram as línguas e abriram os corações. À certa altura, Shunrei viu a mão de Seiya segurar a de Saori.
- Vamos dançar! – levantou-se de súbito, pegando todos de surpresa. Havia um grupinho dançando ao som de uma junkebox tocando sucessos do k-pop. – Vem Saori! – puxou a amiga, que protestou. Ao passar pelo namorado, Shunrei deslizou os dedos pelos ombros dele e o ouviu chamar Seiya.
Dançaram umas duas músicas rápidas e Shiryu conversou com o grupinho, que o deixou escolher a próxima música.
- Gosta dessa? – perguntou a Shunrei. Os olhos dela brilharam com a cumplicidade.
Claro que era uma música romântica, que obrigou um muito vermelho Seiya a segurar uma pimenta que atendia pelo nome de Saori.
- Acho que eles só precisam de um incentivo agora. – Shunrei sussurrou, a cabeça encostada no ombro de Shiryu. Os dois dançavam bem devagar, pertinho um do outro. Ele sorriu.
- Você devia ser roteirista de filme. – disse, antes de beijá-la. Não um beijão de língua e sim um beijo tranquilo, dos lábios se movendo constantes, aproveitando o calor e a maciez do outro.
Ao lado, o casal de pimentões experimentava as mesmas sensações.
Da mesa, Marin e Aiolia acompanhavam, as cadeiras bem próximas e as mãos entrelaçadas.
- Acho que a família está aumentando. – Marin comentou, um sorriso na voz. Como Aiolia não respondeu logo, ela reparou que ele estava cochilando. – Obrigada por ter vindo, Grego. – deu um beijinho nele, que acordou espantado. – Sem você a gente não teria conseguido.
- Vocês planejaram tudo isso? – ele piscou e balançou a cabeça para acordar.
- Claro que não. Se tivéssemos planejado, não teria dado certo.
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Entraram no elevador felizes pelo desfecho do jantar.
- Tomara que eles se deem bem. – Shunrei comentou, encostando-se no namorado. "Ele tem um cheiro tão bom."
– A Saori vai precisar ter paciência com o Seiya. – Shiryu afirmou. "Ela encosta em mim e eu quero despi-la. Que Deus me ajude!" – Ele nunca teve um relacionamento sério.
- Ela teve um, mas era muito nova e não acabou bem. – Shunrei digitou a senha da porta e eles entraram, recepcionados por duas risadas.
Diferente do apartamento de Shiryu, o de Shunrei era grande, com três quartos, um ambiente que unia a sala ampla e a cozinha e uma visão privilegiada do rio Han e dos arranha-céus de Seul ao longe.
Shunrei precisara pedir autorização do edifício para colocar as telas de proteção na fachada envidraçada de janelas panorâmicas quando decidiram que Ryuho viria dormir ali e pagara a mais por uma de trama transparente.
"Valeu cada centavo." Ela sorriu quando o viu, correndo da srta. Kwan entre os sofás. A moça estava quase pegando-o quando ele viu sua salvação e se atirou no pai.
- Boa noite, sr. Suiyama, senhorita. Esse rapazinho não está querendo dormir. – ela ameaçou fazer cócegas nele e Ryuho soltou uma risada fina, agarrando-se no pescoço do pai.
- O que eu falei sobre obedecer a srta. Kwan? – Shiryu passou as mãos nas costas dele. – Já passou muito da sua hora de dormir, Ryuho. – levou-o para o quarto.
Shunrei deixou a caixa com os Namagashi e a bolsa em cima da bancada.
- Vocês jantaram, Kwan Ahnjong? – a moça confirmou.
- Ele estava muito ansioso, mas conseguimos jantar, sim. – Shunrei ofereceu um dos doces redondos e coloridos a ela. Via os olhos perdidos na escuridão do rio.
- E você pensou se quer ficar conosco no final de semana? – a moça baixou os olhos e começou a enrolar a camiseta. – Pode falar. – Shunrei usou o tom reservado às crianças que ela sabia terem desobedecido o tratamento. A srta. Kwan assobiou antes de falar.
- A minha família não quer que eu cuide mais de Ryuho. Dizem que atrapalha os estudos. – a última informação soou quase como um pedido de desculpas. Shunrei piscou algumas vezes.
"Começou."
- Você pode esperar até amanhã ou quer que Shiryu a leve agora? – a moça contraiu os lábios, ainda sem conseguir fixar os olhos em Shunrei.
Ryuho voltou mais comportado, segurando a mão do pai. Vestia o pijama azul e trazia a caixinha misteriosa na mão.
- Ele veio desejar boa noite. - Shunrei ajoelhou quando o garotinho veio todo encabulado e entregou a caixinha.
- Para mim? – ela abriu a boca, exagerando na expressão. Era uma cartela de figurinhas autocolantes de estrelas e planetas. – São lindos! Posso te dar um beijo? – ele olhou envergonhado e assentiu, as faces branquinhas corando após o beijo estalado na bochecha. – Durma bem.
- Agora a srta. Kwan. – os dois se abraçaram forte e a jovem disse que logo iria ficar com ele.
Quando os dois voltaram para o quarto, Shunrei a chamou para sentar no sofá, mas ela preferiu ficar de pé.
- Daqui a pouco Shiryu volta e vocês poderão conversar. – o tom de Shunrei não mudara. – Só queria que você pensasse em Ryuho. Ele gosta muito de você, Kwan Ahnjong, mas a decisão é sua, claro. – como a moça continuasse em silêncio, ela achou melhor não insistir. – Fique à vontade. Fique ao menos até amanhã. Tenho certeza de que Ryuho vai se sentir mais seguro.
Entrou no chuveiro de cabeça e tudo, procurando se acalmar.
"Essa é só a primeira batalha e você já está assim?" Não imaginara que atingisse justo quem ela mais queria preservar.
Secou os cabelos recém cortados o melhor que pôde, apreciando a praticidade. Sentou na cama enrolada na toalha felpuda, vendo as luzes refletirem nas águas escuras do Han.
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Shiryu entrou no quarto iluminado pela luz filtrada pela cortina da janela panorâmica.
Era a primeira vez que vinha ao apartamento dela e imaginou, quando soubera o endereço, que ficaria intimidado. Por mais que tentasse se convencer que isso não importava, ele pensava constantemente na diferença econômica entre eles. Passou pela sua mente, não apenas uma vez, as perguntas que se fizera enquanto subia o elevador mais cedo: você consegue aguentar? Você é bom o suficiente? Você não vai atrapalhar a vida dela?
Se aproximou da cama, vendo a silhueta debaixo das cobertas.
Essas perguntas eram todas esquecidas quando ela ligava, ou mandava uma foto de alguma coisa interessante que vira na rua, ou pedia a Moon Cha Young que fizesse comida para eles. Essas dúvidas que a insegurança dele criavam eram afastadas com os áudios de bom dia, de boa noite, com a alegria que ele conseguia sentir através de um celular.
Tirou a roupa e tateou debaixo do edredom em busca do corpo dela. Com muito cuidado, deslizou a mão por sua cintura, não querendo acordá-la e, ao mesmo tempo, querendo tocá-la.
"Ela deve estar muito cansada. Trabalhou desde às 4 horas da manhã."
Porém, elas ficavam, as dúvidas, à espreita de alguma recaída.
Assim que eles entraram no apartamento, elas ficaram do lado de fora.
Shunrei preparara uma recepção para eles em cada cômodo da casa. Havia dois chinelos com os escritos: papai e filho. Na porta da geladeira, uma foto dele e Ryuho. Da luminária do quarto de hóspedes pendia um móbile do sistema solar que brilhava no escuro, no escritório/ biblioteca dois livros 3D sobre a Via Láctea. Na porta do quarto dela um post-it: 'Onde não há tempo e nem espaço'.
Beijou o ombro descoberto, passando a ponta do nariz no pescoço agora livre para os passeios dos lábios dele.
"Como ela consegue ficar mais linda a cada dia?"
Depois da noite em que ele reaprendera a fazer amor, eles não tinham conseguido se ver pessoalmente. Por mais que se esforçassem para estar presentes no dia-a-dia um do outro, Shiryu não via a hora de tê-la nos braços novamente. No restaurante, seu coração acelerado pelo susto freou bruscamente com a visão dos cabelos emoldurando o rosto. Tinha certeza de que ela quisera sentar do lado oposto ao seu para que ele contemplasse a mudança.
Sentiu que ela se movia e encostou mais o corpo ao dela.
- Está acordada? – perguntou baixinho.
Foi quando ele a viu limpar o rosto antes de responder, com a voz úmida.
- Estava te esperando. – ela tentou disfarçar, puxando a mão dele para um seio. Shiryu se afastou imediatamente.
- O que houve, Shunrei? Está sentindo alguma dor? - como ela não se manifestou, forçou-a a virar para ele. – O que foi que aconteceu? Por que está chorando? – ela sentou-se, puxando o lençol para se cobrir e encostando na cabeceira, o mais longe possível dele.
- Porque eu estou atrapalhando a vida de vocês. – confessou e Shiryu viu medo em seus olhos. Sentou-se também, colocando um dos travesseiros no colo. – Porque eu não sou boa o suficiente para você.
Shiryu ficou horrorizado. Fez menção de chegar perto e ela se encolheu.
- Shunrei, de ond... ?
- O que a sua família e os seus amigos vão dizer quando descobrirem que eu sou órfã? Eu estou me impondo e as pessoas estão se afastando. Logo seus vizinhos vão dizer que eu não sou adequada. Ninguém vai deixar os filhos se aproximarem de Ryuho. Eu não tenho nada a oferecer para vocês, não tenho família, não tenho relações.
Cada palavra o deixava mais furioso. Não com ela, mas com quem tinha repetido isso tantas vezes que a fizera acreditar que era verdade.
"Se ela não tivesse bebido, eu jamais saberia e isso ficaria machucando e nos afastando."
- Isso tudo porque a srta. Kwan não quer ficar? – ela mordeu os lábios, as lágrimas descendo livres. – Shunrei, estou me lixando para o que ela ou a família dela pensam. Se você quer saber, eu acho que ela está com ciúmes. – ele tentou fazê-la rir e falhou. – Amanhã de manhã, nós a levamos de volta e vamos passar o final de semana tranquilos, como tínhamos programado.
- E como vai ser com Ryuho?
- Levando em conta que ele tem seis anos e ela está conosco há cinco meses, acredito que ele vai ficar bem. – ela piscou seguidas vezes. – Por que acha que eu escolhi trabalhar na farmácia? A sra. Yin Seon-in não vai se opor a que eu ajuste meu horário com o de Ryuho. E, se ela não gostar, eu procuro outro emprego.
- Não, Shiryu... Olha o que pode acontecer por minha causa...
- Não é meu primeiro emprego e provavelmente não será o último. Mas não é disso que eu quero falar. – ele se aproximou mais e ela não teve como se esquivar. – Aquilo que eu falei no restaurante não tem nenhuma importância para você? – ela franziu a testa. – Você é a mulher mais admirável que eu conheço. Em nenhum momento eu perguntei sobre a suas relações ou sua família. Você foi generosa e confiou em mim quando me contou sua história e, se eu já te admirava por todo o seu trabalho, passei a te admirar mais. Desde então, o que você tem me mostrado não é nada mais que alegria, carinho, determinação e uma vontade incansável.
O rosto dela estava muito vermelho e ela ia abaixar a vista, mas ele a proibiu.
– Ouça o que eu tenho a dizer de cabeça erguida. – ela assentiu. – Sabe que eu estava com essas dúvidas também? Pensando que iria atrapalhar a sua vida, a sua carreira, as suas relações. E o que você fez? Preparou a nossa chegada aqui hoje e me mostrou o quanto eu sou um idiota se deixar essas bobagens nos afetarem. – parou para se acalmar, vendo a tristeza nos olhos dela. - Não tenho nenhum respeito por quem machucou tanto você que a fez pensar não ser adequada. Você é admirável como profissional, como namorada e como mulher. Se por um segundo sequer você ousar duvidar disso, lembre-se de como te olhei hoje a noite inteira. Eu vou me lembrar de como você me olhou e me beijou.
Shunrei sorriu levemente, tocando os lábios. O coração dele parou um pouco de doer.
- Me deixa cuidar de você.
E ela permitiu que Shiryu se aproximasse e a amasse como se lidasse com uma flor muito delicada. Foi cuidadoso e seguro em satisfazê-la completamente. Queria que a memória do corpo dela recordasse de todas as sensações, de cada lugar que ele beijava, apertava e lambia. Em silêncio, deixava que ela o guiasse também, sentindo a poderosa energia que os envolvia e que aumentava a cada vez que ela o chamava e puxava para si. Ele envolveu-a para que ela sentisse, em seu sono, sua presença como ele sentia a dela.
Bem mais tarde, em seu íntimo, Shiryu marcaria essa como a noite em que sua paixão se transformou em amor.
o.o – 0.0 – o.o – 0.0 – o.o
CENA BÔNUS 1
Há algumas quadras de distância, na mesma avenida, Saori estava deitada de bruços, um lençol cobrindo-a da cintura para baixo. Sonolenta, sua mente navegava rumo à inconsciência.
Sentiu lábios roçarem a pele de suas costas, num caminho curvilíneo, mas constante para cima, rumo à sua nuca.
- Oi. – a voz murmurou, fazendo-a sorrir e virar de costas.
- Oi de novo. – ela respondeu.
Seu último pensamento foi sobre ter razão quanto a cabelos rebeldes.
CENA BÔNUS 2
- Papai! Papai! – eles acordaram assustados com as batidas na porta e o choro.
Shunrei nunca viu ninguém vestir uma calça tão rápido.
- O que foi, Ryuho? – o garotinho não conseguia falar de tanto que chorava. Shiryu o pegou no colo. – Ficou com medo do lugar novo? – ele balançou a cabeça. O adulto fez sinal que iria sair. Shunrei pediu para ele esperar.
Vestiu a camisa de Shiryu e o fez entrar. Colocou Ryuho no meio da cama, entre os dois.
Quase perderam o horário na manhã seguinte.
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(1) Namagashi é um tipo de Wagashi (doces tradicionais japoneses). São bolinhas de farinha de arroz recheadas com pasta de feijão azuki doce, geleias, frutas ou nozes.
(2) Mystic Pop-Up Bar – dorama fofura, com uma pitada de sobrenatural, da Netflix. Outro recomendado.
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Olá!
E então, gostaram das novas aparições?
Gente, na minha mente romântica, Marin e Aiolia são um casal oficial de CdZ e eu adoro os dois juntos.
Eu gostei tanto desse capítulo. Quero saber se vocês estão gostando também. Estão tão caladinhos, mas sei que estão lendo.
Beijos e até o próximo capítulo, que vai ser uma festa de tanta gente!
Jasmin
