Capítulo 8
Catherina adormeceu naquela noite derrubada pela exaustão, desistindo de se alimentar, de se mover, de fazer qualquer coisa exceto rezar até o seu corpo chegar no limite e quase desmaiar, quando finalmente se deitava para dormir.
Mesmo sem ser por tantas horas, Francesco deitava e rolava na cama, e a cena da despedida se repetia. Já era madrugada, Petrus fazia a guarda da Duquesa, e então o soldado foi acionado pelo comunicador.
- Traga Catherina para o meu quarto, ninguém deve saber.
E boa sorte para o padre conseguir fazer isso.
Petrus, sem saber como fazer, abriu a porta da cela e comunicou a Duquesa.
- Sua Santidade deseja vê-la.
Catherina estava dormindo quando escutou a porta da cela ser aberta e se sentou lentamente na cama, achando até que seria o irmão. Não entendeu quando viu o padre ali, entendeu menos ainda daquela frase.
- Que?
Petrus jogou um uniforme da Inquisição na mesa, o com capuz.
- Seu irmão quer que eu a leve para o quarto dele. Não dificulte as coisas.
Ela levantou-se e pegou as roupas, nunca havia vestido algo da Inquisição. Olhou para o padre com reprovação.
- Vai ficar aí olhando ou vai sair?
Ele ficou meio sem jeito, era a Duquesa. Se fosse qualquer outra, estaria apanhando agora.
- Queria olhar mas, meu chefe está apaixonado demais para isso.
Saiu Petrus reclamando baixo da cela dela.
Catherina observava bastante insatisfeita. Pegou aquelas roupas e demorou um pouco para vestir, porém se ajustavam bem em seu corpo. Imaginou que fossem de Paula. Logo estava pronta e saía da cela, seguindo por aquelas corredores tão conhecidos e familiares, finalmente vendo de novo o céu, ainda que de noite.
O padre acompanhava Catherina só ao lado, sabia que ela era correta demais para fugir. Chegando na porta do quarto de Francesco, Petrus bateu e abriu a porta, dando espaço para a Duquesa entrar. Francesco esperava deitado na cama, olhando para a porta. Estava ansioso mas, jamais deixaria ela perceber.
Catherina entrou e a porta se fechou atrás dela. Era uma sensação ruim, ser contrabandeada assim a noite.
- Você me trata como uma Prostituta - falou ainda parada no meio do quarto, sem se aproximar mais, ao que efetivamente pensava quantas prostitutas ele já devia ter colocado naquele quarto que fora de seu pai e Alessandro.
- Você entende tudo errado - reclamou se levantando e indo para perto dela. Tirou a máscara para ver os lindos cabelos loiros que tanto gostava. - Sei que terminou com o mudo, não queria que dormisse sozinha.
Observou enquanto ele tirava o capuz, mas tinha dificuldade ainda em aceitar que pudesse haver algo bom vindo dele.
- Ou você não queria dormir sozinho?
Passou as mãos pelos cabelos dela, arrumando, e então desceu pelo uniforme da Inquisição. Ela estava muito gostosa naquele uniforme e definitivamente desejava muito tirar, mas era outro efeito que precisava causar.
- Não quis te deixar sozinha e queria te ver - falou se afastando, indo para a mesa. Mostrou o jantar posto para ela, não sabia muito bem o que fazer. - Nunca cheguei nessa parte.
Ela não se movia com qualquer dos toques, apenas permitindo. Quando ele se afastou, notou a mesa. Com um ar prepotente, ainda mais pela posição em que se encontrava, jogou os cabelos para trás com a mão direita, lhes dando movimento no ar enquanto andava para tomar o seu lugar.
- Eu realmente duvido disso.
Sorriu de canto com todo o jeito da irmã e a olhou malicioso, definitivamente adorava esse jeito dela. Mesmo no pior momento, com o causador de todo o mal, ela ainda conseguia ser assim.
- Tenho sido sincero, mas acredite no que quiser.
Catherina sentou e cruzou as pernas lentamente, algo que não era permitido à nobreza, mas ela fazia mesmo assim, sem desviar os olhos do irmão.
- Eu realmente duvido que nunca tenha se relacionado com alguma mulher.
Olhar a irmã cruzar as pernas daquela forma era tão sexy que não conseguiu disfarçar.
- Eu gosto de mulher, não de coleira. Você foi a única que me interessei.
- Mentira - declarou, achava aquilo muito absurdo para ser real, ainda mais em se tratando de um homem de reputação tão rodada quanto a dele. Porém, fez um adendo. - Se bem que, se apresentou todas elas ao seu cavalo, realmente acho que nenhuma ficaria para o jantar - jogaria isso na cara dele para sempre.
- Não vou ficar me justificando, acredite no que quiser.
Levantou-se sem paciência alguma, irritado. Fez como se fosse tirar a camisa e então lembrou das cicatrizes, ela não podia ver. Só se deitou na cama, olhando para a irmã.
Ela também não queria comer, então se levantou da cadeira e foi para a cama, deitando ao lado, mas com uma certa distância entre os dois. Olhava o teto e não dizia nada, sabia que estava usando as palavras apenas para feri-lo e nem estava se divertindo.
Não queria mais falar nada, então virou para o lado contrário dela, longe na cama, não tinha mais o que falar, ao menos ela estava ali.
- Nunca subi nessa cama - Catherina comentou do nada, olhando ainda o teto tão ricamente adornado com tecidos brancos e bordados com ouro e cristais. - Nunca nem entrei aqui antes.
- Preferia que subisse em mim - falou baixo, esperando que ela não ouvisse. Virou de barriga para cima, aquela situação era muito estranha. Tinha uma mulher na sua cama e não estava entre as pernas dela. - Vai entrar aqui muitas vezes, deveria conhecer o quarto.
Mas Catherina escutou o que ele disse. Virou então de costas e se sentou, ao que começou a tirar a roupa, até ficar sem o vestido
Olhou sem acreditar no que ela fazia e sem entender também. Aquilo era judiar demais dele.
- O que está fazendo?
Ela pegou o cabelo e o jogou para frente, exibindo bem as costas nuas. Perguntava séria.
- O que você vê?
Francesco estava olhando encantado o que a irmã fazia, deitado de lado agora para vê-la ainda melhor. Respondeu baixo:
- A mulher mais linda, forte e irritante que já vi.
- Eu vou te dizer o que vejo - ela ainda usava o mesmo tom e levava as mãos para trás, tocando os próprios ombros para iniciar. - Eu vejo cicatrizes. Esta veio de uma corda. Esta foi de uma lâmina. Aqui houve uma costela quebrada. Esta aqui foi de um chicote. E aqui foi uma vela - eram todas cicatrizes pequenas, superficiais até, mas Catherina lembrava de cada uma delas. - Entende qual é o problema?
- Entendo.
Então se aproximou com cuidado, beijando-a por cima de cada machucado enquanto falava bem baixo.
- Não vou negar o que gosto, mas prefiro que seja consentido agora. Também fiz coisas só para machucar ou assustar.
- O que você gosta? - Aquele era o real questionamento, já que seriam casados. Ela precisava saber o que era por gostar, o que era pelo sadismo, saber o que ele faria com ela. - Que parte eu vou ter nisso?
- Gosto de dominar - respondeu sincero, enquanto continuava a beijá-la nas costas, raspando os lábios e o rosto, sentindo a irmã sem a máscara. - A parte que quiser e aceitar. Não vou te forçar.
Ele beijou num lugar que a arrepiou, ao que empinou a bunda, espichando a coluna de forma automática. Isso não a impedia de continuar a falar:
- Eu te vi dominar, aí está o resultado. Dizer apenas que "não vai me forçar" não é o suficiente.
Fez total cara de prazer quando viu ela se arrepiar, olhando as reações do corpo dela. Estava a conhecendo. Aproveitou os cabelos para frente e foi beijando mais para cima, prestando atenção no que surtia mais efeito nela enquanto conversavam.
- Posso provar.
- Como?
Ela se mantinha firme, mas também não era de ferro, em especial considerando que logo eles dois estariam casados e aquilo de fato era bom.
- Pode se lembrar de como foi a última vez, foi ruim? - Perguntou ainda brincando nas costas dela.️ Sussurrou bem próximo ao ouvido dela, beijando-a no rosto em seguida. - Quer me mostrar o que gosta?
Se recusou a responder a primeira pergunta, de fato não havia sido ruim, mas havia... Sido com ele. Ele era o problema.
- Não é sobre o que eu gosto, é sobre "quem" eu gosto.
Ele sabia que ela estava entrando nessa relação com o coração ocupado.
- Eu sei.
Sentiu vontade de contar mas, não podia. Sabia que a irmã iria surtar. Passou a mão aberta por suas costas realmente como se estivesse conhecendo, ela nunca tinha tirado a roupa por vontade própria perto dele.
- Mas, vou continuar tentando. Posso ser melhor.
Catherina puxou os lençóis sobre si, cobrindo sua nudez na frente, ao que se virava para ele e disse num tom de desafio:
- Eu realmente duvido disso.
- Podemos começar pelo básico - disse enquanto se afastava e se encostava na cabeceira da cama, olhando-a. - Você nunca me beijou.
A Duquesa se virou de costas para ele, furiosa.
- Como se atreve!
E deitava na cama, em posição de dormir, encerrando aquela conversa. Claro que não o beijaria, não o amava, mas tinha feito coisas muito piores do que isso.
Sorriu de canto quando ela virou de costas, adorava a irmã brava. Tocou seus cabelos com cuidado, afundando os dedos ali sem se aproximar, só a mão.
Estava brava e queria distância, mas gostava de carinho nos cabelos, Nemo lhe ensinara isso. Se afastou um pouco mais, ficava triste ao lembrar dele.
Quando a irmã se afastou, parou com os carinhos. Puxou a mão de volta e se deitou virado para ela, mais próximo na cama mas, sem falar nada. Daria o tempo dela.
Catherina levou ainda diversos minutos para dormir, mesmo estando de novo em lençóis de algodão egípcio. Era difícil estar naquele quarto, todo ele tinha o cheiro de Francesco.
No meio da noite acabou acordando assustado, do nada, e então olhou para ela ali, ao seu lado e sorriu. Se aproximou lentamente e a abraçou com todo o cuidado, como Nemo, queria ela dormindo com ele.
A Duquesa dormia tão pesado que não reagiu ao abraço, pelo contrário, deve ter sido o cheiro e se viu sonhando estar em sua cela, sendo amada por Nemo.
Apertou a irmã nos braços como o soldado sempre fazia quando ia dormir e a beijou nos cabelos, fechando os olhos ali.
A manhã avançava, a luz do sol passava suave entre as cortinas. Catherina escutou batidas na porta, mas ignorou, achou que estava sonhando.
Ainda abraçado com a irmã, Francesco pegou o comunicador e chamou Petrus com voz de sono:
- Quem está na porta?
O padre levava uma mão ao rosto como quem diz "não pode ser..." e tratava de assumir compostura para responder:
- Santidade, está na hora. Está bem tarde, na verdade.
- Preciso de meia hora - falou sem vontade alguma de sair do quarto. Aproveitou para avisar. - Catherina fica aqui no quarto hoje.
Então desligou o comunicador, jogando na cama. Abraçou a irmã enquanto espreguiçava, apertando contra o corpo.
Talvez fosse o barulho, mas Catherina se agitava e girava nos braços dele, enfiando a cara em seu peito e só assim ficando mais relaxada de novo. Seus sonhos estavam sendo bons e os anjos estavam lhe dando essa trégua.
Olhou para baixo sem acreditar. Tateou a cama com o maior cuidado possível para pegar o comunicador outra vez e avisou Petrus bem baixo:
- Vou precisar de mais do que trinta minutos.
Desligou sem nem dar chance de resposta e a envolveu nos braços outra vez, puxando as cobertas para cima. Queria que ficasse o mais confortável possível.
Catherina dormiu bem, como nunca antes em sua vida. Acordou algum tempo depois, demorando para entender onde estava, com quem estava.
- Nemo…
Se dava conta que era Francesco e se afastava de imediato, assustada e ainda perdida quanto ao que estava acontecendo. Seu coração batia rápido, o rosto estava vermelho, constrangida por sua fraqueza. Além disso, imaginando o que lhe aconteceria agora.
Deixou a irmã se afastar e assistiu o quanto ela ficava constrangida. Ouviu o nome que chamou e não gostou mas, logo se lembrava que era ele mesmo. Sem dizer nada, levantou para ir se arrumar, era hora do trabalho.
Não entendeu nada daquela calma, era totalmente não ele. Confusa, se sentou na cama e começou a fazer o mesmo, pegando as suas roupas para se vestir rapidamente, pois não queria permanecer nua ali.
- Estou pronta - ele poderia chamar Petrus para que ela retornasse a cela.
- Não vai voltar, vamos nos casar em breve. Fique no quarto - falou terminando de fechar a batina, se aproximando dela. - Vou mandar trazer roupas limpas e comida.
- Não! Espere! - Havia coisas que ela queria e precisava buscar na cela, mas que não queria dizer. - Como vai fazer para justificar isso?
- Isso é problema meu - disse sem entender muito bem o motivo dela estar tão preocupada. - Quer voltar para a cela?
- Sim - teria que ser dessa forma, não havia outro jeito. - Eu mesma vou buscar minhas coisas. Não confio em sua equipe.
Balançou a cabeça negativamente e jogou o capuz nela. Era estranho ter ciúmes dele mesmo, mas era problemático o bastante para isso. Abriu a porta e falou com Petrus.
- A Duquesa quer ir buscar as coisas dela.
- É arriscado - o padre respondeu.
- Nem o diabo muda o que essa mulher quer, quem sou eu.
Então saiu, foi para o escritório e deixou Petrus responsável por ela.
- Vamos, então. Sem falar - disse Petrus, esperando-a do lado de fora do quarto.
Sem dizer uma palavra ou fazer qualquer som, Catherina acompanhou-o com a sua máscara até as masmorras, parando diante de sua cela. Ele abriu a porta e ela o lançou um olhar de repreensão.
- Se importa?
O Padre revirou os olhos repetindo que era a Duquesa de Milão e fechou a porta para dar privacidade. Catherina olhou ao redor quase com saudade daquele espaço, pois fora ali que conhecera Nemo. Pegou a Bíblia e moveu o tijolo secreto para pegar o capuz que ele deixou lá. Então, uma última vez, deitou no colchão por alguns instantes e depois levantou para chamar Petrus:
- Vamos.
Ele olhava da pequena janela o que ela fazia, aquilo estava muito errado. Francesco estava errado, sabia que precisava contar logo, Catherina estava sofrendo demais e nem podia imaginar que era pelo próprio irmão. Assim que a Duquesa levantou Petrus se afastou e abriu a porta para ela:
- Vamos.
Seguiu de volta com ela pelos corredores, tomando cuidado para não encontrar ninguém. Abriu a porta do quarto para ela, em silêncio.
Catherina entrou no quarto de Francesco e, mesmo com a mudança das masmorras para o palácio, continuava se sentindo uma prisioneira. Sua primeira atitude foi ir para o banheiro, tomar um banho de banheira como não fazia há muito tempo. Preparou tudo sozinha, o que importava mesmo era a água quente, e ficou ali relaxando.
Pouco tempo depois, na hora do almoço, Francesco voltou. Já tinha avisado que a refeição deveria ser servida no quarto. Passou a porta já tirando a batina enquanto procurava a irmã no quarto.
Catherina ainda estava na banheira, aproveitando a espuma. Quando escutou o som da porta, não se incomodou nem um pouco, pois ser o irmão era exatamente a pior hipótese.
Só foi encontrar a irmã no banho. Olhou-a ali, com a banheira cheia de espuma e aquilo era um teste tão grande de resistência que nem sabia muito bem o que fazer. Encostou na porta e ficou em silêncio, olhando encantado, como se nunca tivesse visto uma mulher antes.
Passava as mãos nas bolhas quando escutou o irmão se aproximar. Olhou para ele e depois tornou a mirar a espuma.
- Como foi o trabalho? - Adoraria voltar ao seu gabinete.
- O mesmo de sempre - respondeu sem empolgação alguma, muito mais interessado no que a espuma escondia. - Já pegou todas as suas coisas?
- Já sim.
Não alongou qualquer assunto. Suas coisas estavam no meio das roupas que trouxera da Inquisição.
Saiu de perto, deixaria ela terminar o banho. No quarto, se aproximou das roupas que que a irmã usava e então viu a Bíblia e o capuz, balançou a cabeça negativamente e sorriu de canto, lembrando que era por ele.
Não demorou muito para sair da água, já com o vestido cor de rosa bem claro que lhe havia sido providenciado. Ao menos agora tinha roupas íntimas.
Voltou-se para ela quando percebeu que estava ali, olhou o vestido e sorriu, ela estava tão bonita, mas não falaria nada. Logo o almoço chegava e quem trazia para dentro do quarto era Petrus, que saía sem dizer nada, ainda sem acreditar que aquilo estava dando certo de alguma forma.
- Pedi para entregar aqui, assim ninguém desconfia de nada.
Catherina foi olhar a mesa. Estava faminta, mas sem vontade nenhuma de se alimentar.
- E quando poderei voltar a transitar?
- Já estou resolvendo isso.
Não respondia muita coisa. Ela não queria falar com ele e ele não queria falar com ela, estava irritado por tentar e não conseguir nenhum avanço. Não sabia lidar muito bem com essa rejeição e estava começando a se incomodar com isso.
Ela não agradeceu, aquilo não era mais do que obrigação. Foi andando pelo quarto, não gostava muito de explorar os espaços pessoais dos outros, mas logo estariam casados e esta era a sua prisão agora. Passava os olhos nos livros.
- "O príncipe". Como está Maquiavel?
Foi acompanhando com os olhos sem entender muito bem o que ela queria. Catherina tinha um jeito específico de conseguir tudo o que desejava e ele não sabia muito bem ler isso ainda.
- O que quer perguntar, minha irmã? Duvido que se importe com Maquiavel.
- Eu estou entediada - revelou o que para ela não devia ser nenhuma novidade, já que ficar enclausurada provocava essa sensação em qualquer ser humano. - Acho que lerei os seus livros.
- Ao menos tem uma banheira e mais opções além da sua bíblia - disse enquanto deitava na cama, com os braços atrás da cabeça e a acompanhava a todo momento com o olhar.
- Eu gosto da minha Bíblia - tratou de estabelecer logo.
A Bíblia era importante, mesmo sendo pequena e simples, pois fora dada por Nemo.
- Eu sei que gosta, foi seu mudo que deu - disse enquanto balançava os pés, acompanhando a irmã explorar seu quarto como uma criança curiosa.
Aquilo era bonitinho mas, seu demônio interior que só acalmava com sexo implorava por briga, precisava provocar:
- Jamais imaginei você se envolvendo com um soldado do mais baixo nível da Inquisição. Mudo, ainda por cima. Como funciona, tem algum sistema de cotas para deficientes? Abel tem problemas mentais, agora esse mudo...
"Sim, MEU". Era a resposta que ecoava em sua mente, deixando bem clara a sua posição quanto a Nemo. Voltou-se para o irmão:
- Ele é mais homem do que você jamais será.
Olhava a irmã e todos aqueles elogios que no final eram para ele... Aquilo chegava a deixar dúvidas se deveria contar mesmo ou não.
- Tão homem que te abandonou na primeira dificuldade sem nem "falar nada" - e deu risada antes mesmo de terminar a frase com o trocadilho infantil.
Um enfeite foi atirado da estante em direção a ele. Catherina não gostava desse tipo de provocação e ficava bastante ofendida.
- Ele me chamou para fugir, me chamou mais de uma vez inclusive, e eu escolhi cumprir com a minha promessa para a Igreja e ficar aqui com você!
- Ah, ele te chamou para fugir? - Perguntou como se tivesse descoberto algo, enquanto se defendia do enfeite com um travesseiro. - Então tenho um traidor na equipe.
Catherina inspirou com ódio já, culpando a si própria por ter dito aquilo. Caminhou a passos largos e parou próxima a ele ao lado da cama.
- Me prometeu não punir mais ninguém por minha causa além de mim mesma, lembra? Estou cumprindo a minha parte da promessa - era bom se adiantar antes que o irmão pensasse em assassinar Nemo por traição, o que ele legalmente poderia fazer. - Afinal, eu não fugi.
Com a irmã tão perto e tão brava, passou uma das mãos por cima da mão dela e acariciou seus dedos, sem perceber que quem fazia isso era Nemo, não ele.
- Não vou machucar seu mudinho de estimação. Mesmo sabendo que posso.
Suspirou aliviada com aquela notícia, seu coração poderia ficar mais leve. Notou a forma como ele a tocava, tão delicado e diferente do habitual. Teve coragem de perguntar:
- Por que está sendo tão gentil comigo? - Nunca em toda a vida o tinha visto ser gentil. - Por que não poderia ter sido assim antes? - Antes de destruí-la.
Francesco quase entrelaçou os dedos, mas não o fez. Percebeu que estava começando a misturar e não podia ou ela iria perceber. Respondeu enquanto olhava o que fazia com a mão dela.
- Não menti sobre gostar de você. Mas, só descobri depois de tudo.
- Você gosta, mas você me prende - falou pegando a mão dele entre as duas dela, erguendo e olhando o anel papal. - Se gostasse de mim de verdade, me deixaria ficar com quem amo, mesmo que ele seja só um soldado de baixa patente.
- Eu vou deixar você ficar com quem ama… - Disse enquanto olhava a irmã e a forma como tocava sua mão, gostava de toda aquela delicadeza dela. - Na hora certa.
Não entendeu absolutamente nada daquela frase, imaginava até que fosse alguma espécie de jogo sádico dele, mas ainda assim a fazia feliz haver uma perspectiva.
- Você já tem o que quiser de mim. Só não o machuque.
- Só você tem o poder de machucar ele. Eu não vou fazer nada - disse sentando-se na cama com a irmã entre as pernas. Outra vez encostou a cabeça nos peitos dela e a abraçou com as mãos nas costas, puxando com cuidado mais para perto.
Deixou-se ser abraçada, ao que o envolveu da mesma forma como havia sido em sua cela. Ia subindo as mãos até a nuca dele, notando o cabelo perfeitamente cortado. Comentou:
- Eu jamais o machucaria, pois eu o amo - e continuaria a amar para sempre.
O corpo congelava todas as vezes que a irmã falava aquilo. Era para ele, ela só não sabia. Apertou mais os braços em volta dela e não respondeu, era melhor não falar mais sobre isso.
- Vamos nos casar amanhã. O que precisar, pode pedir para Petrus.
Sentiu o aperto, imaginando que sentimento seria aquele: raiva, ódio, ou tristeza. Nunca vira o irmão triste de verdade. Escutou então sobre o casamento.
- Dá azar ver a noiva no dia do casamento - falou com um ar melancólico, pois não era como se pudesse ter mais azar do que já tivera. - Vai chegar a cavalo? - Mas não perderia a chance.
- Não vou entrar no quarto, então - tinha percebido o tom e não se importou, ela deixava claro que não queria fazer aquilo. Sorriu de canto pelo cavalo, eles não conseguiam conversar sem as faíscas. - Se você insistir, vou.
- E vai dormir com ele na cama também.
Sua resposta era um ataque, porém estava bem ciente que deveria se deitar com o irmão em sua noite de núpcias, como mandava o protocolo da Igreja.
- Prefiro dormir com você - passou a mão aberta por sua cintura, segurando ali enquanto beijava entre seus seios.
- Você vai - falou sem qualquer empolgação. - Vai ter tudo o que deseja - pois ela cederia nessa noite.
- Prefiro que faça só quando tiver vontade - sabia que a irmã não queria fazer nada com ele e não iria forçar. O foco era outro. - Forçado, já fiz tudo o que queria com você.
- Não importa - e dessa vez ela era incisiva, movendo as mãos para obrigá-lo a olhar para cima, para ela, como se ela estivesse na posição de comando ali. - Você sabe o que precisa ser feito e que deve ser atestado por um padre - já que não havia um homem da família para atestar.
A vontade era beijá-la, mas não podia. Então apenas ficou parado, olhando ela explicar que deveria transar com ela de qualquer jeito, porque era como ele queria entender.
- Já que você insiste.
- Sim - ela insistia, pois eram as normas da Igreja Católica quanto aos casamentos, especialmente os casamentos nobres. - Imagino que o padre Petrus será convidado para assistir.
- Petrus já viu mais do que deveria ver - definitivamente, dessa vez, não queria mais ninguém assistindo. Mas, sabia das regras. - É ele ou Paula, você pode escolher.
- Petrus - queria provocar o irmão até nisso, além do que não desejava submeter Paula a ter que assistir a esse tipo de cena. - Ele vai matar a vontade.
- Eu te ofereci para ele, ele não quis - falou como se fosse a coisa mais normal do mundo mas, claro, sem contar tudo. Se ela queria provocar, ele também faria.
Deslizou o indicador pelo rosto dele, abaixando só um pouco para chegar mais perto.
- Vocês homens possuem uma fidelidade estranha uns aos outros. Mas eu sei o que ele quer.
Ela sabia que o padre só negava por ela ser quem era e ser objeto de afeição de Francesco.
Arrepiou e nem conseguiu disfarçar muito bem ao sentir o toque, o rosto ainda era uma parte sensível às mãos dela, já que dificilmente o tocava ali, nem como Nemo.
- Ele pode assistir, se é isso que você quer.
- Ótimo.
Mas era uma ironia, odiava a ideia, queria apenas magoá-lo o quanto pudesse. Então finalmente se afastou.
Deixou-a ir para longe sem resistência e ficou em silêncio por um tempo, deitando-se outra vez na cama. Estava se perguntando o que a irmã vestiria. Ou o que ele deveria vestir. Não teria ninguém para ajudar e definitivamente não sabia nada sobre isso. Comentou enquanto olhava para o teto.
- Não sei exatamente o que devo fazer amanhã.
Catherina o olhou erguendo uma sobrancelha, aquilo chega a ser engraçado, visto que ele era o Papa.
- É um casamento. Você nunca celebrou um casamento?
- Já, mas não estava do outro lado.
E isso fazia toda a diferença para ele. Era muito mais fácil colocar as roupas, falar o que estava decorado a tanto tempo e encerrar.
- Vai ser a mesma coisa. Você sabe o procedimento - tentava ser pragmática, ao que acabava sendo fria. - Alguns minutos e vai ter acabado.
- Alguns minutos e vai ter acabado - repetiu o que ela falava e se levantou.
Não atingia tanto porque sabia de tudo mas, ainda incomodava. Saiu do quarto sem dizer mais nada indo para o escritório terminar seu trabalho.
Catherina não esperava aquela resposta, mas era até melhor. Preferia deixar um coração partido do que sustentar uma mentira e o seu irmão merecia que fosse até mais cruel. Então ficou ali sozinha no quarto, olhando os livros que tinha, às vezes folheando a sua Bíblia.
Francesco só voltou a noite para o quarto, até mais tarde do que o esperado. Tinha bebido parte da tarde tentando lidar com o conflito de suas personalidades e acabou esquecendo que não estava mais sozinho. Só quando entrou e viu a irmã que se lembrou, então disfarçou e foi direto para o banheiro tomar banho sem nem falar com ela.
A Duquesa estava lendo a bíblia quando o irmão passou. Sentia o cheiro de bebida de longe e adoraria ter feito o mesmo. Foi para a porta do banheiro, mas ficando de costas para não ver nada.
- Poderia ter trazido a garrafa.
Estava de costas para a porta do banheiro também, mergulhado em água gelada. Sem filtro algum, respondeu.
- Se chupar com vontade no final pode sentir algum gosto.
- Já fiz isso e sei que não funciona assim.
Ele dava, ela rebatia em igual nível, estava começando a perder a paciência e logo estariam casados.
- Então porque não toma banho comigo? - Respondia como se não se importasse com o que ela tinha feito. Pareciam um casal de velhos rabugentos e nem tinham se casado ainda.
- Eu lembro a última vez que estive com você em um banho.
E a lembrança ainda aterrorizava, a forma como fora obrigada a chupar mais de duas dúzias de homens, sendo ele apenas o primeiro.
Ele lembrava bem daquele dia e não podia negar o quanto tinha gostado. Tentava comprar a irmã.
- Posso ser gentil dessa vez. Mas, só dessa vez.
Ainda muito desconfiada, Catherina foi para dentro do banheiro e tirou o vestido de costas. Entrou na água de roupa íntima ainda, apenas porque sabia que teria que se acostumar com isso cedo ou tarde e que o pior viria na noite seguinte.
- Da próxima vez, venho com uma arma.
Não tinha percebido que a irmã havia aceitado o convite. Definitivamente não esperava por aquilo ao ponto de ficar sério e quase não saber o que fazer. Tocou seus cabelos e o arrumou para trás do corpo, olhando a irmã ali. E nem havia obrigado dessa vez.
- Você já está armada - olhava para as roupas que tinham sobrado, era claro o quanto tinha gostado.
- Não, você está - e apontou para baixo, numa clara referência que não deixaria de fazer.
Ela ficava então encolhida na outra ponta, bem distante. Estava tentando perder o "medo" dele, mas era como se aproximar de um cachorro quando já se foi mordido.
Riu baixo com a brincadeira da irmã e entregou a mão para ela, contando que não fosse reconhecer nenhuma cicatriz do seu corpo, já que só tinha tirado a parte de cima uma vez.
- Eu te devo uma primeira vez.
- Eu já tive a minha primeira vez - falou aceitando a mão dele e se aproximando apenas um pouco, o quanto achava que fosse seguro. Claro que estava se referindo a Nemo. Evitava olhar para o corpo dele de qualquer forma. - E você já deve ter tido milhares de primeiras vezes, então nem deveria ter graça.
Nem iria entrar no mérito dele ter tirado a sua virgindade, pois isso ainda era um assunto doloroso.
Não respondeu nada do que ela falou, já tinha falado várias vezes que era diferente, não iria repetir para ser "humilhado" por ele mesmo. Como ela não se aproximava mais, a puxou de forma mais convidativa, guiando para sentar no seu colo sem se encaixar ainda, só para ficar perto, ela ainda estava com as roupas íntimas. Tocou-a sobre os seios e foi subindo a ponta dos dedos nas alças, brincando, tentando fazer a irmã perder o medo enquanto acompanhava com o olhar o que fazia.
Catherina se deixou guiar, mas não sem um pouco de resistência. Ficava apavorada ali, de costas para ele, sendo sua única proteção a "armadura" de tecido que ainda usava. Cobriu as mãos dele com as próprias e se virou para olhá-lo, estavam realmente próximos.
- Nunca ficamos tão perto na sala de reuniões.
- Acho que não podemos ficar tão perto assim na sala de reuniões - disse brincando enquanto a irmã se aproximava.
Quando ela se virou, podia sentir a respiração tão próxima e os olhos abaixaram para os seus lábios. Definitivamente queria beijá-la mas, não arriscaria. Desceu o rosto e beijou seu ombro, depois entrelaçou os dedos. Era coisas que Nemo fazia mas, que não tinha como fugir, era a forma de dizer que se importava.
O toque, a sensação, era tão suave e gostoso que lhe trouxe lembranças boas e, consequentemente, pensamentos pecaminosos. Era traição se estava com o seu futuro marido? Seu coração doía demais.
- Não posso ficar aqui.
Levantou-se da banheira e saiu, pegando logo uma toalha. Queria manter o seu coração fiel e ficava repetindo "é seu irmão, é Francesco, Francesco do cavalo, Francesco da fila, Francesco que lhe fez engolir na frente de toda Inquisição"... Assim conseguia parar.
Estava sentindo que ia ter algo quando a irmã simplesmente levantou. Não tentou impedir, não reclamou, apenas respirou fundo e deixou ela sair sem dizer nada enquanto encostava a cabeça na borda da banheira. Olhou para baixo, já estava excitado, e só conseguia pensar em todos os pecados que tinha cometido, inclusive aquele.
Após se enxugar, Catherina colocou novamente o vestido, pegou a bíblia, e se ajoelhou diante de um crucifixo na parede, rezando com todas as forças para não sentir mais qualquer inclinação animal por aquele homem que não valia um segundo de seu tempo.
Ele demorou um pouco para sair do banheiro ainda. Quando chegou no quarto, já com roupas confortáveis e enxugando os cabelos, travou na porta do banheiro. Seu único pensamento era comer a irmã na frente daquele crucifixo com a cara na bíblia. Balançou a cabeça como quem tenta afastar pensamentos errados, arrumou os cabelos e se deitou na cama, olhando-a rezar.
Catherina ainda ficou bastante tempo orando, pedindo tão forte que quando finalmente se levantou, já havia esquecido da banheira até notar que o irmão a observava. Não trocou de roupa, apenas se deitou sob as cobertas, em total silêncio, fechando os olhos.
- Vou mandar trazer mais coisas suas amanhã - disse se levantando da cama. Foi até o closet e pegou uma camisa branca dele e voltou, entregando para ela. - Tire as roupas molhadas, coloque isso. Eu não vou fazer nada com você.
Acabou aceitando, mesmo que o vestido estivesse seco, sua roupa íntima não estava. Foi para o lado da cama e tirou toda a roupa, colocando depois a camisa do irmão. Parou e cheirou a gola. No meio do cheiro de sabão havia algo a mais. Nemo! Cheirou de novo.
- Seus soldados cuidam de suas roupas? Não sabia.
- Nem sempre. Por que?
Ia falar que não, porém foi mais rápido e então entendeu o motivo da pergunta, respondendo algo aleatório e se fingindo de desentendido. Só então prestou atenção na irmã com a sua camisa. Já sentado na cama e encostado na cabeceira, deitou a cabeça para olhá-la, encantado. Falou baixo, no tom mais sincero que tinha.
- Ser bonita assim deveria ser errado.
Felizmente estava de costas, pois o seu rosto se inflamou no mesmo instante. Nunca tinha recebido um elogio assim tão sincero e desinteressado. Demorou alguns instantes ainda para se virar e seguir novamente para a cama.
- Nós temos a mesma genética quase - foi só o que pensou em responder, até porque o irmão era de fato muito bonito, não era a toa que as mulheres corriam atrás dele. - Obrigada pela camisa.
- Isso foi um elogio? - Perguntou enquanto assistia ela vir e subir na cama em câmera lenta. Ajudou com as cobertas e se deitou ao lado dela, mais próximo do que na noite anterior. - Eu que agradeço - definitivamente não conseguia se conter.
- Não se infle - acrescentou logo, aproveitando que o escuro escondia que ainda estava sem graça. - Se não, o seu ego vai fazer sua cabeça inchar.
Francesco soltou uma risada baixa e tocou a irmã no rosto com a mão aberta, afundando parte dos dedos nos cabelos dela. Não conseguia ver bem, mas só de conseguir encostar nela já estava bom.
Ele não responder era um avanço positivo, ao que Catherina apenas ficou ali sentindo o carinho nos cabelos até adormecer, o que não demorou muito, já que estava jejuando há dias.
Só quando teve a certeza que a irmã tinha dormido, a puxou com todo o cuidado na cama e envolveu nos braços, arrumando as cobertas por cima deles. Apenas então conseguiu dormir tranquilo.
