N.A: Mil perdões pelo atraso. Havia uma cena que eu queria incluir nesse capítulo, mas jamais coube, então conversamos sobre ela mais tarde!

Segue o penúltimo capítulo.


Capítulo XXIX – O convite

"Ora, sua mãe e seu pai eram os melhores bruxos que eu já conheci. Primeiros alunos em Hogwarts no seu tempo." – Rubeo Hagrid, HP e a Pedra Filosofal


Soltei um longo suspiro quando olhei para aquela cabine maior, na qual eu nunca havia entrado antes.

- Sirius nunca vai me perdoar.

Lily me lançou um olhar simpático, enquanto organizava suas anotações. Ela não estava tão afetada pelos comentários de Sirius, claro; todas as provocações que Sirius tinha feito nos últimos dias pareciam muito mais direcionadas a mim.

- Ele vai superar – ela garantiu. - Ele parou de reclamar de Remo depois de alguns meses.

- Nós dois sabemos que ele só não deve ter se importado com Aluado sendo monitor porque era melhor que fosse ele do que eu – sorri travessamente. – Você consegue imaginar como ele teria odiado se eu fosse monitor?

- Só porque você teria tirado pontos realmente de nós – Lily ponderou. – Contra sua própria casa, tsch tsch.

Ergui as sobrancelhas.

- E como você fará se vê-lo cometendo uma infração? – perguntei, me aproximando dela. Lily ergueu a cabeça, seus olhos brilhando marotamente.

- Depende do tipo de infração – ela comentou, no mesmo tom. – Me dê um exemplo.

- Que tal se ele estiver passeando por aí fora do horário?

- Aí eu teria que tirar pontos de você, não é? Deixando o amigo passeando por aí sem a Capa de Invisibilidade? Que decepcionante.

Eu ri baixinho.

- Planejando tirar pontos de mim, Evans?

- Só se você merecer – ela confirmou. – Se for você quem estiver andando por aí à noite...

Apontei para o distintivo no meu peito.

- Mas agora eu posso fazer isso. Legalmente, quero dizer. – Levantei minha mão, para tirar o cabelo da frente do seu rosto e colocar as mechas ruivas atrás da orelha. Ela estremeceu, mas não recuou. – A Monitora-Chefe é sempre bem-vinda a me acompanhar, claro. Para garantir que eu não farei nada indevido.

- E aí qual a graça?

- Sabe, essa foi a coisa menos Monitora-Chefe que você já me disse.

- Eu sei – ela suspirou, se afastando.

Contive minha careta por ter falado algo errado que estragara o momento.

Esses momentos tinham acontecido bastante nos últimos dias; instantes em que estávamos próximos e estávamos flertando obviamente um com o outro, tão próximos que eu podia sentir faíscas da eletricidade entre nós. Mas em nenhum desses momentos nós tínhamos voltado a nos beijar.

Eu achava que Lily queria que estivéssemos juntos tanto quanto eu queria, mas sempre havia algo para nos atrapalhar. E como me era importante que estarmos juntos novamente fosse perfeito dessa vez – sem pressa, sem desespero, apenas duas pessoas que se gostavam muito -, eu só esperava pelo momento certo.

Infelizmente, era incrivelmente difícil conseguir um momento certo.

- Você tem a lista dos monitores aí? – Lily perguntou, me distraindo dos meus pensamentos. Eu acenei, lhe entregando a lista que havíamos preparado na véspera, estabelecendo as rondas e horários de cada um.

Lily olhou a lista, conferindo tudo uma última vez, e eu soube o momento em que ela chegara no nome de Lupin, porque uma expressão infeliz surgiu em seu rosto. Era para Mary Macdonald ser a par dele nas rondas e, embora tivéssemos colocado seu nome, nós dois sabíamos que ela não viria.

Havia um clima estranho na plataforma; poderia ser só minha visão parcial, mas achei que as pessoas estavam mais receosas do que nunca, ninguém parecendo querer ficar por muito tempo. Meus pais haviam nos deixado – eu, Sirius e Lily – e então eu pedira para eles partirem, ao menos uma vez, nesses sete anos, não esperando o trem partir antes de desaparatarem; eu não havia dito nada, mas minha mãe tinha me lançando um daqueles seus olhares em que ela lia minha mente, e então ela só acenara. Eu supus que sendo sangue puro, minha família não teria tantos problemas, mas também não tinha como negar que nós nunca fomos puritanos – era uma questão de tempo até alguém nos chamar de traidores do sangue, e então...

Eu nunca me preocupara realmente com meus pais serem alvo de algo, mas eram tempos incertos.

O clima sombrio não fora exclusivo daqui. Havíamos ido ao Beco Diagonal no final de semana e lá estava pior. Havia várias lojas fechadas, dando lugar a barracas de vendas de amuletos de proteção – ou outros itens mais estranhos e perigosos ainda; parecia óbvio que os vendedores queriam atrair todos os tipos de público. Ao longo da rua, havia ainda diversos cartazes espalhados, com mensagens de ódio aos trouxas e clamando pela pureza do sangue; Sirius tinha explodido alguns desses cartazes antes de Lily menear a cabeça e falar para ele deixar para lá – do contrário, ele teria que explodir a rua toda praticamente.

Nós não havíamos nos demorado nas compras e, durante todo o tempo que ficamos lá, minha mão não tinha soltado a varinha sob as vestes, incapaz de ignorar a sensação de que estávamos em perigo.

Quando andamos pelo trem, até chegar à primeira cabine, onde ocorreria a reunião dos monitores, eu havia reparado também que parecia haver menos pessoas que o normal; achei que sair do país não tinha sido uma decisão exclusiva de Mary. Os outros nascidos trouxas que eu conhecia, que tinham permanecido, estavam anormalmente reunidos em grupos, como se buscassem proteção nessa união.

Eles não eram exclusivos na reunião em grupo, porém. Aqui e ali, eu vira grupos de bruxos sangue puro reunidos, os rostos excitados, conversando baixinho entre si. Snape estivera em um desses grupos, claro, com aqueles seus amigos de sempre. Queria que houvesse algo que eu pudesse fazer para separá-los, mas é claro que não havia.

A perspectiva de encarar os monitores da Sonserina me era menos interessantes ainda. Eu e Lily havíamos discutido por alguns minutos se manteríamos eles juntos nas rondas, mas acabamos decidindo que torná-los companhia de outras pessoas poderia ser pior ainda. Nós não confiávamos neles com mais ninguém.

Quando o trem finalmente começou a andar, a porta da cabine se abriu atrás de nós, e Remo surgiu, com um sorriso anormalmente maroto no rosto.

- Vocês ficam uma graça como monitores – ele declarou, fitando os distintivos presos em nossas roupas como se eles lhe causassem uma satisfação profunda. – Encontrei Sirius. Ele está super ofendido porque três dos Marotos são monitores agora, e está agora amuado no compartimento com Pedro.

- Ele só está com inveja – Lily observou.

- De nós sermos monitores? Acho difícil.

- Não – ela me corrigiu. – Ele está com inveja porque não está aqui, Sirius odeia ser deixado de fora.

Eu assenti, pensando nas discussões que o sentimento de exclusão de Sirius causara; mas não falei nada, porque outros monitores começaram a entrar, parecendo surpresos por nos verem como monitores-chefe, e meu rosto começou a ficar vermelho.

- Vamos ficar bem – Lily me garantiu em voz baixa. Ela tinha uma expressão confiante no rosto, embora eu visse suas mãos tremendo. Apertei sua mão, e Lily piscou para mim, me sorrindo.

- Dumbledore deve estar realmente se esforçando – ouvi uma voz debochada comentar, e, quando me virei, vi que Avery havia entrado, seguido por Regulus Black. – Ele está preenchendo o cargo de monitor-chefe por cota agora.

Lily ergueu as sobrancelhas, não impressionada.

- É só porque a cota de imbecis já foi preenchida, Avery – ela disse calmamente, fazendo com que eu e Aluado ríssemos. Avery pareceu afrontoso, mas dei um passo para frente.

- Você pode ficar e fazer o que falamos, ou pode desistir de ser monitor, tanto faz para a gente – e indiquei a porta.

Ele cruzou os braços.

- Vou ficar.

- Então fique quieto – falei, revirando os olhos.

Por um instante, achei que Avery iria sacar a varinha e me enfeitiçar – até esperei que ele fizesse isso, feliz por ter uma desculpa para azará-lo também -, mas ele só foi até Regulus e se sentou ao lado dele, o rosto fechado.

Eu e Lily trocamos um olhar, quando a porta se fechou atrás da última pessoa; havia dois lugares vazios ainda, mas nós sabíamos que ninguém mais entraria. Além do lugar de Mary, estava vago o lugar do monitor do sexto ano da Lufa-Lufa; eu me lembrava do garoto loiro, e ele também era nascido trouxa.

Lily suspirou ao reparar nisso, mas quando ela viu Avery e Travers rindo juntos disso, murmurando algo entre si, uma expressão dura surgiu em seu rosto, e eu sabia que ela não demonstraria nenhuma fraqueza, não daria a eles a satisfação de ver como isso a afetava.

Essa era uma das coisas que eu mais amava nela.

Eu apenas esperava estar à altura de sua força de vontade, do seu espírito. E como tudo que eu podia fazer era me esforçar para isso, eu a acompanhei quando ela começou a nos apresentar e a explicar como funcionaria a monitoria daquele ano.


- Vocês foram bem – Remo garantiu, numa voz solene, quando a reunião terminou.

- Eu confundi todos os horários – lamentei.

- Ninguém reparou, Tiago, só nós sabíamos o que tínhamos combinado – Lily ajudou, com um sorriso fácil, que eu me senti devolvendo a despeito de qualquer outra preocupação.

Nós havíamos atuado bem juntos, como monitores, de um jeito que eu não tinha esperado. Talvez porque havíamos conversado bastante antes sobre o que queríamos fazer, mas todas as vezes em que eu tivera um branco no que falar, ela havia me completado; e quando ela se perdera em suas anotações, felizmente eu sabia qual era a programação.

Saber que eu e Lily éramos uma boa dupla me dava uma agradável sensação de calor.

- Você foi bem – Lily confirmou, seus olhos brilhando para mim. – Quem diria que a confiança não é restrita ao campo de quadribol?

- Olha quem fala. Achei que a cabeça de Carrow ia explodir quando você mandou ela aceitar as rondas na sexta à noite.

Lily corou.

- E quando você praticamente mandou o Avery sair? Como eu quis que ele aceitasse.

- Não foi nada perto de você resolvendo a discussão entre Black e Rowle, aquilo calou a boca dos dois, foi divino...

- Bom – Remo disse, lentamente, olhando de mim para Lily, e eu quase pulei por ter me esquecido da presença dele. – Já que estou com a primeira ronda, vou começar agora. Vejo vocês mais tarde.

E havia um sorriso no seu rosto quando ele partiu, não muito discreto, que me fez descobrir quem havia apostado em setembro entre os três.

- O que foi isso? – Lily perguntou, olhando confusa para onde o amigo tinha saído.

Eu dei de ombros, sem responder, para não os entregar. Lily eventualmente descobriria quando os visse pagando a aposta. Imaginar sua reação a ser objeto de uma aposta me acalentava de certa forma.

Qualquer que fosse as pretensões de Remo, no entanto, eu sabia que não seria agora que eu e Lily decidiríamos começar algo. Havia muitas rondas, muitas tardes na sala dos monitores, para que algo acontecesse. Meu coração acelerou com essas ideias.

- Vamos? – perguntei, e ela acenou, ainda olhando suas anotações.

- Você acha que devíamos ter ignorado Avery e Carrow? – ela perguntou em voz baixa, indicando os monitores do sétimo ano da Sonserina. – Sabe, não ter dado nenhuma atividade para eles?

- Não poderíamos – lembrei. – Se eles quiserem desistir, tudo bem, mas não vamos demonstrar favoritismo, não é? Já colocamos eles para as atividades menos importantes.

- É – ela concordou, franzindo a testa. – É só que só de pensar neles perto dos primeiranistas nascidos trouxas...

Ela estremeceu e passei a mão por seus ombros, num gesto acolhedor, por mais difícil que fosse fazer isso no corredor do trem em movimento.

Nós caminhamos pelo trem, cumprimentando algumas pessoas aqui e ali, em direção ao último vagão onde os outros Marotos estavam. No quarto vagão, porém, ouvimos algo que nos fez parar subitamente.

- Potter e Evans, dá para acreditar? – era a voz de Avery, vindo de um compartimento semiaberto. A cortina estava abaixada, mas eu imaginava quem era a companhia ali. A de sempre.

- É o favoritismo tradicional de Dumbledore – ouvi Snape comentando, numa voz que soava quase desinteressada. – Dois grifinórios, claro.

- Você precisava ver como eles estavam juntos – Avery continuou, soando enojado. – Potter é uma vergonha por se misturar com o tipo dela.

- Ao menos Evans é esperta – surgiu a voz de Mulciber. Ele parecia achar graça. – Black, Prewett, Selwyn, e agora Potter. Ela só se aproxima de sangue puro.

- Acho que esse era o seu problema, Severo – Avery disse, também com um tom sádico de diversão na voz. – Você não tinha o sobrenome correto.

- Eu tenho o sangue correto, Avery, muito obrigado – Snape retorquiu, numa voz gélida, e houve um estampido na cabine que fez as vozes se calarem e a porta se fechar de repente.

A fúria agitou mais forte em mim, todos os meus instintos clamando por invadir aquele compartimento e azarar cada um daqueles sonserinos – principalmente Snape -, mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, Lily me puxou.

- Vamos – ela disse, sem me fitar. Seu rosto estava pálido.

Eu decidi que poderia esperar o momento certo para fazê-los pagar.

- Lily? – chamei, quando ela continuou a andar.

- Não fale para Sirius – foi só o que ela disse.

- Achei que você tinha prometido contar tudo a ele.

Ela se virou para mim com lágrimas de raiva brilhando nos olhos.

- Perdão se eu não quero contar para Sirius que eles acham que estou pulando de bruxo até bruxo até encontrar um sangue puro para consertar o meu sangue.

- Você não tem nada para ser consertado.

- Eu sei disso. Mas eles estão falando tudo aquilo sem nenhum medo, com a certeza de que estão certos, e eu odeio isso. Odeio que Mary não esteja aqui por causa de pessoas nojentas como eles. Odeio que eles ajam como se meus pais fossem inferiores. Odeio, odeio, odeio.

- Você sabe o que fazer, Lils – murmurei. – Cada vez que você é melhor do que eles, cadê vez que eles têm que obedecer a você, cada vez que você mostra como é uma bruxa poderosa, é um tapa na cara deles e de todos esses babacas puritanos.

Ela respirou fundo, e secou as lágrimas que nunca havia derrubado dos olhos.

- Sim, eu sou melhor do que eles.

- É claro. E mais tarde podemos conversar exatamente sobre que marotagem eles merecem.

Isso fez um pequeno sorriso surgir no rosto dela.

- Não seria feio, dois monitores-chefes envolvidos em uma marotagem? – perguntou, com um tom mais leve.

- Feio será se formos pegos – respondi, travessamente, e por um instante achei que Lily me beijaria. Havia uma expressão tenra e carinhosa em seu rosto ao me fitar.

Mas então ela piscou e abaixou a cabeça, continuando a andar, e me perguntei o quão sério ela havia interpretado as palavras de Mulciber.


Lily não mencionou mais a conversa que nós ouvíramos no trem e não deu qualquer indicação a Avery de que tinha ouvido suas palavras também. A frieza com que ela o tratou era normal entre uma grifinória e um sonserino, até porque ela tratava assim todos os outros sonserinos.

Mais de uma vez me ocorreu que, em outra época, eu teria sido a pessoa a fazer a ponte entre os dois, e os sonserinos teriam me respeitado melhor; agora, eu só podia lamentar como não tinha percebido antes as visões que eles tinham. A visão que Snape tinha. Ele não defendera Lily.

Eu me perguntei como podia ter achado que ele gostava dela, de verdade, um dia.

Eu só sabia que Lily não tinha esquecido a conversa quando ela pediu minha Capa de Invisibilidade emprestada uma semana depois, e perguntou se eu podia cobrir a ronda daquela noite por ela. Eu acenei, sem fazer nenhuma pergunta, até porque ela iria me cobrir nas próximas noites, quando fosse a época de acompanhar Remo na lua cheia.

Na manhã seguinte, todos os sonserinos do sétimo ano chegaram reclamando de que alguém tinha soltado um pelúcio no dormitório deles, que tinha revirado todo o quarto, aberto baús e destruído metade dos pertences, antes de sumir com todos os itens valiosos.

- Eles deveriam procurar no lago – Lily sugeriu em voz baixa, quando a história chegou até nós, mas fora isso ela não comentou mais nada. Sirius olhou questionador para mim, mas dei de ombros, sem querer lhe contar que Lily tinha ido sozinha à Sala Comunal da Sonserina.

Isso teria feito ele arrancar os cabelos provavelmente.

Felizmente, havia outras distrações. Estar no sétimo ano significava que as aulas eram mais desafiadoras que nunca e, para nossa sorte, tivemos um professor decente em Defesa Contra as Artes das Trevas, que parecia desesperado para nos preparar para o mundo fora de Hogwarts. Mais de uma vez, ele mencionou como o Ministério da Magia estava procurando aurores direto da escola. Os sonserinos que participavam da turma com a gente deram risadas zombadoras disso, mas o professor não pareceu reparar.

Meu olhar encontrou o de Lily quando isso aconteceu, e então, naquela noite, nós alistamos Pedro para invadir a Sala Comunal da Sonserina. Ele era o melhor de nós para isso, sendo um rato, e naquela noite, a água do chuveiro dos sonserinos do sétimo ano foi substituída por uma poção do sono. Todos eles perderam as aulas da manhã e ganharam detenção por isso.

Era pouco; não era nem de longe suficiente para o que queríamos, mas nos dava uma satisfação poder fazer alguma coisa.

Nós nos dedicamos mais nas aulas, decididos a aprender o maior número de contrafeitiços possíveis, sabendo que em um dia muito próximo precisaríamos disso.

Além disso, meu tempo estava tomado com todas as tarefas da monitoria e com o quadribol. O novo capitão estava obviamente nervoso com sua tarefa, e o fato de o calendário de quadribol ter sido antecipado para aquele ano não facilitava nada. Tentei dizer a Christopher que nós pelo menos já tínhamos um time quase completo, que a seleção para a posição de goleiro tinha sido bem sucedida e que o time todo estava bem entrosado, mas não pareceu funcionar.

- Só pegue o pomo rápido – Sirius me orientou, quando saímos do treino num sábado de manhã, ambos exaustos porque também tínhamos treinado na sexta à noite. Ele massageava a nuca. – Se ganharmos o primeiro jogo, ele vai sossegar.

- "Se"? – eu sorri, debochado. – Assim você me despreza, Almofadinhas.

Ele riu, fazendo com que os alunos da Sonserina, que desciam em direção ao campo de quadribol, nos olhassem; exceto, claro, Regulus Black, que nunca fazia nada para demonstrar a presença do irmão. Num gesto quase inconsciente, apertei a varinha no bolso até eles saírem, mas eles não fizeram nada.

- Só quero ganhar deles – Sirius comentou, sem esconder o repúdio na voz, fitando as costas dos jogadores.

- Eles estão piores, não é?

- É a guerra – Sirius murmurou, olhando para o céu claro como se esperasse cair uma tempestade. – Eles acham que estão do lado vitorioso.

Eu não respondi por um momento. Já tinha acontecido vários episódios esse ano de alunos sendo retirados da sala de aula para serem comunicados sobre o falecimento de pais, irmãos; alguns desses alunos sumiam depois, abandonando a escola. Até o professor de Estudos Trouxas tinha sofrido com isso; ele havia partido da escola durante a noite e, na manhã seguinte, vimos no jornal a notícia do desaparecimento de sua família – apenas a Marca Negra havia sido deixada sobre a casa deles.

Eu sabia que se me concentrasse nisso, apenas na tragédia, ia cair em um estupor de infelicidade e pessimismo que não resolveria nada. O que precisávamos fazer agora ela lutar, nas pequenas coisas, até que pudéssemos atuar onde importava.

E então me ocorreu que talvez essa fosse a fonte de preocupação de Christopher. Os pais dele eram trouxas; ele não tinha subido numa vassoura até chegar em Hogwarts. Ele claramente sentia que tinha mais a se provar que qualquer um de nós.

- Eles não vão ganhar – falei, numa voz decisiva, e Sirius acenou.

- É claro que não – ele concordou, olhando para o local no gramado onde Lily, Remo e Pedro estavam sentados, nos esperando para estudarmos. A expressão no rosto dele foi de preocupação antes dele sorrir de volta para os amigos, que acenavam para nós. Eu sabia no que ele pensava.

Nenhum regime de Voldemort trataria bem nenhum dos três. Talvez nem o próprio Sirius, o que quer de sangue puro que ele tivesse; ele claramente jamais aceitaria o lado das trevas.

Nós tínhamos isso em comum.

Pela primeira vez durante os sete anos em Hogwarts, as aulas de Defesa Contra as Artes das Trevas eram minhas favoritas. O professor, Shacklebolt, era um auror que tinha sofrido um acidente em perseguição a Comensais da Morte, e então tinha aproveitado o descanso forçado para passar um ano como professor. Achei que era uma ideia boa sua limitação a um ano. Desde que eu entrara em Hogwarts, nenhum professor da matéria durava mais que um termo; sempre acontecia alguma coisa que os forçava a sair, muitas vezes de forma bizarra.

Talvez Shacklebolt conseguisse pular essa maldição se ele próprio se limitasse.

Achei que minha única dificuldade na matéria seria ignorar os sonserinos – que pareciam desprezar a ideia de defesa na aula –, até que o professor tentou nos ensinar o Feitiço do Patrono.

Eu olhei admirado para aquele tigre de luz que surgira na sala de aula, vendo-o rugir sem som, e não duvidei que qualquer dementador fugiria diante do animal. Nós ensaiamos durante toda a aula, mas ninguém conseguiu produzir mais que alguns fiapos de luz.

Depois disso, sempre que eu tinha um tempo livre, eu tentava reproduzir o feitiço, mas sem sucesso. O professor disse para não nos desanimarmos, que realmente era uma mágica avançada, mas era difícil não me sentir frustrado.

- Eu consigo virar um cervo – reclamei para Lily, na sala dos monitores, enquanto planejávamos a festa de Halloween. – Mas não consigo acertar esse feitiço.

- Paciência – Lily disse, sem levantar os olhos do pergaminho em que anotava tudo que precisava ser preparado. – Você vai conseguir. No que está pensando?

- O quê?

- A sua lembrança feliz. Talvez você não esteja escolhendo a certa.

Eu franzi a testa. Eu tentara todas as lembranças possíveis – e isso incluía algumas muito específicas com Lily, que tinham resultado em consequências previsíveis -, mas nenhuma funcionara até o momento.

- O que te preocupa? – Lily perguntou, finalmente se virando para me olhar. Ela devia ter interpretado bem meu estresse com o tema, porque fechou o pergaminho e me estendeu a mão.

Aceitei sua mão, deixando nossos dedos se entrelaçarem e, por um segundo, me perdi só na sensação da sua pele com a minha. Isso não era incomum, esses toques. Às vezes nós estávamos no meio de uma ronda particularmente tediosa, andando por corredores que, graças ao Mapa, sabíamos que não ia ter ninguém, e então nossas mãos se tocavam; nós voltávamos de mãos dadas. Ou então, quando estávamos na Sala Comunal, ela se apoiava em mim e eu a abraçava, minha mão brincando com o seu cabelo enquanto continuava a ler o que estivesse lendo, ou conversando normalmente com ela.

Tudo isso fazia os outros Marotos erguerem as sobrancelhas, esperando, mas nada acontecia.

Eu achava que havia algo retendo Lily, como se ela não soubesse como ir adiante, e enquanto ela não me deixasse realmente, não havia nada que eu pudesse fazer.

Havia muitos riscos que eu estava disposto a correr na vida – a maior parte deles eu mesmo causava -, mas eu jamais arriscaria Lily novamente.

- Tudo – admiti finalmente, fitando nossas mãos unidas. – Mas especificamente me preocupa precisar do patrono e não conseguir. Se não consigo lançar o feitiço em uma sala de aula confortável, como vou fazer diante de um dementador?

Lily estremeceu; tardiamente eu me lembrei de que ela tinha um pavor irracional de dementadores, embora nunca tivesse encontrado um.

- Talvez você funcione melhor sob pressão – ela sugeriu, e eu consegui detectar o nervosismo em sua voz.

- Você sabe que não é assim que funciona – murmurei. – Desculpe por ter mencionado os dementadores.

Ela corou.

- Não, é uma preocupação razoável. E não é como se pudéssemos esquecer – ela indicou o jornal aberto ao lado. – Foram dois ataques essa semana.

- Trouxas?

- Não, bruxos, por isso apareceu no jornal – havia só uma dose de sarcasmo na voz dela. – De famílias tradicionais. Foi como se... – Ela se calou, sem concluir o raciocínio.

- O que você acha? – perguntei, olhando para o jornal. Abbott e Smith. Eram nomes conhecidos mesmo.

- Não sei, não me pareceu um ataque gratuito. Foi como uma ameaça, sabe? Os dementadores não tiram a alma de ninguém.

- Ameaça para conseguir o que?

- Ou quem – ela sugeriu, estremecendo de novo. – Talvez conseguir seguidores do jeito normal não seja mais suficiente para Você-Sabe-Quem.

Escorreguei para o seu lado no sofá e passei a mão por seus ombros.

- Bom, vou me esforçar mais para aprender o Patrono – prometi, com uma tentativa de humor não muito boa, mas minhas palavras pareceram tranquilizá-la.

Lily me sorriu, e achei que havia algo a mais naquele sorriso de repente; meu coração palpitou – o que já teria sido uma reação normal apenas por estar próximo a ela –, mas retirei a mão, fingindo concentração nas anotações que ela fizera para o Halloween, e Lily suspirou. Quando ela voltou a falar comigo, porém, sua voz estava normal.

Depois de alguns minutos, quando enfim concluímos a lista de decorações para orientar os outros monitores ao que seria feito, ela se levantou.

- Eu vou ao corujal – ela explicou. – Preciso responder a carta da sua mãe.

Eu acenei. Nesse ano, minha mãe devia ter trocado mais corujas com Lily do que comigo; eu sabia que a desculpa oficial era para manter Lily atualizada com notícias e fotos do gato que havia ficado em Godric's Hollow, mas imaginei que meus pais só queriam garantir que Lily estava bem. Eles tinham se afeiçoado a ela tanto quanto gostavam de Sirius.

Fiquei vendo Lily partir. Eu sabia que além da carta, Lily gostava de passar um tempo com sua coruja também, que havia sido um presente dos seus pais. Essa era outra das vantagens das cartas que minha mãe e ela trocavam. Por tudo que eu tinha visto, Lily não se corresponderia com sua irmã por correio-coruja.

Voltei a tentar acertar o Feitiço do Patrono por mais alguns minutos, mas, finalmente aceitando que não seria hoje que eu conseguiria produzi-lo, decidi voltar para a Sala. Era tarde já e eu estava distraído só pensando em tomar um banho e ir dormir, até que no caminho encontrei dois segundanistas sendo cercados por aquele grupo de sonserinos do sétimo ano. Era a minha sorte mesmo; quatro contra um.

Saquei a minha varinha.

- Algum problema? – perguntei em voz alta, deixando minha voz ecoar no corredor. O círculo se abriu e eu fitei os dois garotos da Lufa-Lufa ali no meio; eles pareciam assustados. – Vocês estão bem?

Eles olharam para os outros garotos mais velhos antes de acenar.

- Então vão, antes que dê o horário – falei, e por um instante me distraí com o fato de que eu soava muito responsável. – Isso vale para vocês também.

Para minha surpresa, eles só deram de ombros.

- Nós só estávamos conversando, Potter – Avery respondeu, numa voz suave. – Não tinha nada demais.

- Consigo imaginar os assuntos que vocês têm em comum – observei, sarcástico. Avery riu, parecendo curtir uma piada interna.

- Nunca se sabe – ele disse.

Ouvi passos atrás de mim. Me virei, para ver Lily quase correndo em minha direção, o Mapa do Maroto fechado em sua mão.

- Está tudo bem? – ela me perguntou, e sua mão direita estava no bolso da capa; eu sabia que ela também tinha a varinha preparada.

- Sim, eles já estão indo. – Me voltei para Avery novamente. – Hoje não é sua noite de ronda, podem ir.

- É claro, monitor-chefe – Avery riu mais uma vez. Havia algo enervante no tom dele. Ele sorriu para mim, ergueu as sobrancelhas na direção de Lily, e deu as costas.

Os outros estavam nos olhando também, com uma estranha expectativa. Fitei Snape apenas; ele parecia mais cauteloso que os outros, mas quando seu olhar se desviou para Lily, havia ali aquela conhecida expressão de cobiça. Então seu olhar encontrou o meu, e o rosto dele voltou a ficar impassível. Nós ficamos vendo eles partirem.

- O que foi isso? – Lily me perguntou, numa voz abafada, dez minutos depois quando enfim chegamos na Sala Comunal.

- O que houve? – Sirius perguntou imediatamente, preocupado.

- Nós encontramos uns sonserinos, mas não aconteceu nada.

- Foi estranho – discordou Lily. Ela franzia a testa. – Eles estavam em vantagem, por que não fizeram nada?

- Por que vocês são monitores agora? – Remo sugeriu. Lily meneou a cabeça.

- Isso não deveria ter parado neles. Parecia que eles não queriam fazer nada com a gente. Eles olharam para mim. – Quando ela sentiu quatro pares de olhar sobre si, Lily revirou os olhos. – Eles nunca se dignam a olhar para nascidos trouxas, tinha algo estranho. O que aconteceu antes de eu chegar?

- Nada, eles estavam atormentando uns garotos do segundo ano, eu mandei parar, e eles pararam. – Fiz uma careta. – Mas agora que você fala, realmente, eles não pareceram mais dóceis que o normal. Menos dispostos a discutir.

Havia uma expressão pensativa no rosto de Sirius.

- Você estava sozinho antes?

- Eu estava voltando para cá, Lily tinha ido no corujal.

- Você também estava sozinha? Vocês não podem fazer isso. – Ele olhou para os outros. – Nenhum de nós deveria andar sozinho mais, não é seguro. Tem alguma coisa mais estranha com os sonserinos que o normal, principalmente os do nosso ano.

E quando meu olhar encontrou o de Sirius, eu sabia que ele estava se lembrando do mesmo que eu: aquele incêndio em Londres e o fato de que Snape parecera tão abalado no mesmo dia.

- Eu sei, mas... – Lily ainda olhava para a lareira com a testa franzida. – Eu não me senti em perigo, não parecia que eles iam nos atacar. Parecia que eles estavam esperando algo.

De alguma forma, essas palavras não me tranquilizaram.


Christopher tinha o rosto verde quando o encontramos no vestiário, antes da partida. Troquei um olhar com Sirius, mas não tinha muito o que fazer. Nós já tínhamos passado a última semana garantindo que ele fizera um bom trabalho, era um bom capitão, mas sabíamos que só depois da partida ele voltaria a ficar ao normal.

Não adiantava também o fato de que ele tinha quase quebrado o braço em uma brincadeira que tinha dado errado na semana passada. Essas rivalidades que antecediam os jogos de quadribol eram comuns até, mas eu não me lembrava de ninguém ter tido um acidente mais sério. É claro, ninguém mais no time era nascido trouxa.

- Faça gols – falei para Sirius, quando saímos para o campo.

- Pegue o pomo logo – ele respondeu, e eu vi que seu olhar estava concentrado no ponto onde seu irmão estava.

Dessa vez, Regulus não parecia tão amistoso comigo. Ele me ignorou quando ficamos frente a frente, seu rosto sério e concentrado. Quando o jogo iniciou, e tomei um encontrão dele logo no início, por nenhuma razão justificável, eu percebi que não era só impressão. Ele provavelmente não tinha levado tão na boa o fato de que Sirius tinha fugido para a minha casa.

Não devia me importar, mas por um instante me distraí. Regulus nunca me parecera tão ruim quanto Sirius falava dele; lembrei dele no último jogo, me cumprimentando, elogiando a boa partida que fizéramos, sem nenhuma agressividade realmente. Alguma coisa tinha mudado.

Não era o meu problema descobrir o que havia mudado, então foquei em localizar o pomo-de-ouro. As condições estavam boas; Sirius já tinha cuidado para abrir uma boa vantagem nos gols. Ele e a artilheira nova, Wood, realmente tinham uma boa química juntos, o suficiente para cobrir o fato de que Christopher ainda não tinha se recuperado muito bem.

Eu só precisava encontrar o pomo para termos uma vitória fácil.

Vinte minutos depois do início do jogo, eu o vi, próximo ao gol da Sonserina. Regulus estava mais perto, mas olhando na direção oposta; se eu disparasse para o lado certo, ele teria percebido.

Então olhei para Sirius, metros abaixo de mim, onde o relógio de ouro brilhava em seu pulso, que meus pais lhe haviam presenteado de aniversário, e tive uma súbita inspiração. Mergulhei em direção a ele, e, depois de alguns segundos, vi Regulus vindo na direção, também atraído no reflexo dourado do relógio. Era tudo que eu esperava. Sem interromper meu movimento, fiz o looping para voar na direção oposta. O pomo ainda estava próximo aonde eu o vira; antes que Regulus conseguisse mudar de direção, eu já mergulhava feliz com o pomo na minha mão, as asinhas agitando inutilmente.

Christopher me abraçou, quase soluçando, quando o encontrei no chão. Eu sorri, sabendo o que aquela vitória representava para ele.

- Boa, capitão – falei, piscando, e então estávamos todos nos abraçando.

Era um dos meus caminhos favoritos: o da vitória, de volta para o vestiário, para que trocássemos de roupa antes da festa na Sala Comunal. Eu me troquei rápido, ainda com aquela animação da vitória, e meu coração acelerou loucamente quando saímos do vestiário e vi que Lily tinha ficado ali para nos esperar. Ela sorria para mim e, embalado naquele sentimento de vitória e euforia que o quadribol sempre me causava, eu estava decidido que não havia momento mais perfeito para voltarmos a estar juntos.

Quando eu fui interrompido.

- Tiago Potter? – era um homem que eu não conhecia, mas me parecia estranhamente familiar. – Posso ter uma palavra?

Troquei um olhar com Lily, e ela me acenou, seus olhos cheios de promessa.

- Claro – falei, tentando soar interessado, vendo Lily e Sirius partirem de volta para o castelo.

- Meu nome é Roberts – o desconhecido se apresentou, com um sorriso simpático. – Alan Roberts. Nós já nos encontramos em um dos jantares de Horácio, mas nunca nos falamos antes.

- Oh, certo, já o vi antes.

- Ótimo, ótimo. Horácio me recomendou muito você e, devo dizer, ele não exagerou. – Ao meu olhar confuso, ele piscou. – Eu sou um agente na Liga de Quadribol.

Isso chamou minha atenção. Pestanejei, sem saber como responder. Roberts sorriu da minha reação.

- É, ninguém acredita de início quando um dos agentes o procura. Queria deixar o meu cartão com você, combinarmos de mantermos o contato. Você ainda está na escola, claro, mas temos várias posições em aberto na Liga, inclusive de apanhador, e você tem muito potencial. Você tem algum time de preferência?

- Ah... – subitamente eu não conseguia me lembrar de nenhum time. – Eu torço para os Tornados.

- Excelente. Essa é a última temporada de Birch, tenho certeza de que conseguiríamos te colocar na seleção para reserva e, com alguns meses de prática, talvez até principal...

Tinha alguma coisa estranha nessa história, o que varreu o sorriso do meu rosto.

- Birch vai trocar de time? – perguntei, confuso. O sorriso de Roberts estremeceu antes de voltar a se fixar no rosto.

- Não, ele está se aposentando.

Isso não fazia qualquer sentido. Eu conhecera Thomas Birch nos jantares de Slughorn. Ele era de longe o melhor apanhador da Liga, e ele era novo ainda. Não tinha nenhuma razão para ser a última temporada dele.

- Está tudo bem?

Roberts desviou o olhar de mim.

- Infelizmente, com o clima atual, nós conversamos com Birch e todos concordamos que seria melhor se ele não continuasse mais a jogar quadribol. Não é... seguro.

- Seguro...? – e então eu entendi. Eu me lembrava de conversar de Thomas Birch, dele contando como seus pais trouxas tinham amado ver um jogo de quadribol pela primeira vez. Eu recuei, a fúria se instalando em mim. – E quando você diz que tem várias posições em aberto, são todos jogadores se aposentando também?

- Você é jovem – Roberts voltou a me olhar, condescendente. – O quadribol não tem público se as pessoas não se sentem seguras, e pensamos nos próprios jogadores também, claro...

- Forçando-os a sair do quadribol? Não parece seguro para os jogadores.

- Oh, mas você não precisa se preocupar. – O sorriso simpático havia voltado ao rosto de Roberts. – Você é um excelente jogador e com o seu sobrenome, nunca terá qualquer problema.

- Mas tem problema – sibilei, a indignação em cada palavra. – Você não tem vergonha de vir me aliciar para substituir os jogadores nascidos trouxas?

- Meu caro, não é pessoal, entenda isso. Se isso passar, eu tenho certeza de que...

- Isso vai passar e eu não tenho interesse – declarei, e, sem esperar resposta, eu fui embora.


O meu clima festivo tinha passado totalmente quando voltei à Torre da Grifinória. Fitei aquela cena de comemoração, os rostos felizes, as pessoas dançando ao som de uma música animada que tocava no rádio, e me senti estranhamente distante de tudo aquilo. Como poderíamos comemorar uma partida de quadribol com tudo o que acontecia lá fora?

Ou talvez fosse por causa de tudo que acontecia lá fora que devêssemos estar tentando aproveitar um momento de segurança. Olhei para o rosto animado de Christopher – ele estava bebendo cerveja amanteigada com seus amigos do quinto ano, recebendo os parabéns pela partida – e tentei não pensar como ele seria excluído de um futuro no quadribol apenas por conta de quem eram seus pais; não só ele, todos os outros nascidos trouxas. Me lembrei de Lily, cuja entrada no Ministério da Magia tinha sido negada independente do quão bom fossem suas notas.

Não era justo.

Os Marotos estavam em pé próximo à mesa com as bebidas, conversando animadamente entre si. Me aproximei deles, e o sorriso feliz que estava no rosto de Sirius sumiu quando ele me fitou.

- O que houve?

- Achamos que você ia voltar com um contrato assinado – Aluado acrescentou. – Já estávamos prontos para comemorar.

- Era um agente, não era? – Lily perguntou; ela me olhava atentamente, e me perguntei quão irritado e amargo eu deveria estar. – Slughorn me contou que ele tinha convidado um para vir ver a partida.

- Era – falei curtamente. – Mas não tenho interesse.

- Por que não? – Sirius perguntou, em choque. – Você é excelente e você sabe disso.

- Eu só não estou a fim, Sirius, deixa para lá.

Ele não se impressionou.

- Eu deixaria se você parecesse animado com isso, mas você voltou como se tivesse recebido uma cobrança ao invés de uma proposta.

- Porque a única razão para eu estar recebendo uma proposta é que estão enxotando os jogadores nascidos trouxas da Liga – respondi, irritado. Isso fez Sirius piscar.

- O quê?

- Foi o que o agente me disse. Que não é seguro manter os nascidos trouxas no time, então todos eles estão se aposentando.

- Eles temem uma retaliação – Sirius adivinhou, seu rosto finalmente adquirindo a mesma expressão de irritação e repulsa que havia no meu.

- Exatamente. Não vou fazer parte de uma Liga corrupta que não defende os próprios jogadores e não vou participar de nenhum time que concorde com isso.

E me sentei no sofá, o rosto fechado. Sirius bateu nos meus ombros.

- É claro que não. Você é melhor que isso – quando o fitei, vi um sorriso tentativo no rosto de Sirius, que imitei fracamente.

- Mas não deixe isso afetar a nossa vitória hoje – Remo palpitou, com sua voz sempre gentil.

- Ganhamos da Sonserina – Pedro concordou. – Regulus jogou a vassoura no chão quando pousou, ele estava irritado.

- É porque eu o fiz perseguir o relógio de Sirius – comentei, com um meio sorriso, erguendo o pulso de Sirius para que ele refletisse a luz. Os três riram e o clima voltou a ficar mais leve.

Deixei que Pedro me servisse de uma bebida que definitivamente não era cerveja amanteigada, e senti a bebida aliviando um pouco da irritação – ou pelo menos alocando-a em algum lugar da minha mente que eu não precisaria enfrentar hoje ainda. Eu me levantei, decidido a aproveitar um pouco da festa, talvez até dançar – e para isso eu precisaria de mais alguns goles daquele uísque-de-fogo – ou então...

- Tiago? – Lily chamou, numa voz suave, e eu vi que ela não tinha se movido desde que eu surgira. Ela me olhava como se nunca tivesse me visto antes; seu rosto parecia febril.

- Sim?

- No próximo sábado tem um passeio para Hogsmeade – ela disse, e eu pisquei. Não era isso que eu esperava. – Você quer ir comigo?

Ouvi três respirações sendo subitamente cortadas atrás de mim, mas os ignorei, toda minha atenção concentrada em interpretar Lily Evans, porque eu devia ter ouvido errado. Ou talvez um dos balaços tivesse se desviado e a acertado durante a partida. Eram raros os casos, mas poderia acontecer...

- Quanto você bebeu, Evans? – perguntei, lançando um olhar nervoso para o copo na mão dela.

- Não o suficiente para abalar meu julgamento – ela garantiu, com um sorriso simpático.

- E balaços?

- O quê?

- Nenhum balaço te acertou? Eles são enfeitiçados para não sair das extremidades do campo, mas esses feitiços vencem com o tempo e tenho certeza de que...

- Parece que quem foi acertado por um balaço foi você, Pontas – ouvi Sirius ponderar atrás de mim, e os outros dois riram sem vergonha, mas Lily não se abalou.

- Nada me acertou – ela prometeu, e então uma reserva surgiu em seus olhos. – Sobre o convite, você pode negar, claro, não se sinta...

- Eu quero – falei rapidamente, e ouvi uma risada atrás de mim, mas não me virei para ver qual deles tinha rido. Me mantive concentrado no rosto de Lily, tentando entender o que havia gerado essa súbita decisão nela, mas tudo que eu podia ver no seu rosto era serenidade.

Ela realmente queria sair comigo. Em um encontro. Com pessoas sabendo que era um encontro.

Estiquei minha mão e, naquele gesto familiar, ela entrelaçou seus dedos com o meu e se levantou também.

Eu nunca achara o verde nos seus olhos tão lindo.

- Eu ficaria muito feliz em irmos juntos para Hogsmeade – garanti, na minha voz mais agradável.

- Ótimo – o sorriso de Lily era brilhante agora. - Então é um encontro.


No próximo capítulo: O primeiro encontro de Tiago e Lily não sai nada como planejado.