Para não correr o risco de acordar gritando às quatro da manhã e acordar Sherlock Holmes, Audrey Morgan percebeu que a única coisa que poderia fazer era ficar acordada naquele horário.
Se valendo do fato que o detetive havia notado o quão preciso era o seu ato de acordar do pesadelo, ela colocou o relógio para despertar às três e meia da madrugada planejando ficar acordada até pouco depois das quatro e dormir de novo acordando as seis para poder ir trabalhar.
Quando pensou sobre os horários achou estranho seu plano de fingir que acordara em desespero ter funcionado, já que o colocou em prática um pouco depois daquele horário. Imaginou que o detetive deveria ter começado a tocar o violino muito antes da hora e não se deu conta desse detalhe.
Audrey conseguiu acordar antes que o pesadelo começasse, mas não tinha pensado em como seria difícil se manter assim até que fosse seguro dormir novamente. Ela resolveu ler mais algumas publicações do blog de John que ainda faltavam para ela terminar.
A luz do celular ajudou a mantê-la acordada por um bom tempo, inclusive mais do que planejava, e quando percebeu já estava amanhecendo. Precisou arrumar o horário do despertador e aproveitar pouco menos de uma hora de sono.
— Audrey... — batidas suaves na porta a tiraram do descanso. — Acho que você vai se atrasar, querida — o rosto da senhora Hudson apareceu na fresta aberta da porta.
— Quantas horas são? — A mulher sentou subitamente na cama.
— Quase seis e meia.
Audrey afastou as cobertas e começou a correr pelo quarto.
— Muito obrigada por ter me acordado.
— Por nada — a idosa sorriu. — Tome o chá que está lá na mesa da cozinha antes de sair que depois eu preparo outro para o Sherlock.
— Mais uma vez, obrigada! — Audrey sorriu jogando a roupa que separara em cima da cama quando o despertador do celular tocou. Ela pegou o aparelho — Tá explicado. Programei para as seis e meia ao invés de seis...
A senhora Hudson sorriu antes de fechar a porta dando privacidade para a mulher se trocar. Audrey pegou o celular e o dinheiro que precisaria e colocou nos bolsos do casaco de lã que vestia sobre o jeans e a camisa rosa.
Mais uma vez agradeceu mentalmente a Molly Hooper pelo presente, pois como não havia comprado uma bolsa ainda, o casaco além de proteger do frio servia muito bem para carregar todos os seus pertences.
Ela desceu pronta para sair, tomou o chá da xícara que estava sobre a mesa e pegou dois biscoitos para comer no caminho.
— Me perdoa John, perdi a hora — disse a mulher assim que entrou na casa dele às sete e dez.
— Calma, ainda é cedo — ele já estava pronto para sair.
— De jeito nenhum, John.
O homem sorriu.
— Bem, eu preciso ir. A Rosie ainda está dormindo. Você baixou o aplicativo da babá eletrônica no seu celular?
— Sim — respondeu Audrey.
— Eu deixei ligada no quarto dela — o pai pegou as chaves do carro e abriu a porta.
— Ficarei de olho — a mulher sorriu. — Tenha um bom dia, John.
— Você também, Audrey.
Os dois se despediram e John saiu fechado a porta depois de passar. Audrey foi para a cozinha a fim de lavar a louça do café da manhã, mas como chegara atrasada, John já havia feito o serviço.
Ela andou pela casa em busca de algo fora do lugar que pudesse arrumar, mas como não encontrou acabou indo para o quarto de Rosie se entretendo com alguns dos livros dela.
— Audie... — chamou a menina sonolenta alguns minutos mais tarde.
— Bom dia, Rosie — Audrey guardou o livro que tinha nas mãos e foi cuidar da bebê.
Apesar de já estar se acostumando com as tarefas e a rotina da pequena, aquele dia estava sendo estranhamente difícil para a babá.
Um cansaço inconveniente a abateu depois do almoço deixando as coisas mais simples quase dolorosas de serem executadas. Quando chegou a hora da soneca de Rosie no meio da tarde, Audrey não aguentou e se deitou com ela no sofá grande da sala.
— Acho que não tem problema eu fechar os olhos por alguns minutinhos enquanto você dorme... — a mulher abraçou a bebê bem junto ao corpo para que qualquer movimento de Rosie a acordasse. — Só uns quinze minutinhos... — sussurrou antes de fechar os olhos.
E os minutos se juntaram em horas enquanto Audrey tentava recuperar o sono perdido.
— Audrey... — uma voz suave acompanhada de toques leves no ombro direito a acordaram.
Passada a confusão inicial sobre o que estava acontecendo, a mulher se sentiu muito envergonhada ao perceber o que tinha feito. Rosie ainda estava adormecida em seus braços enquanto John olhava para ela sorrindo, porém, deixando transparecer a preocupação em seus olhos.
— John, por favor, me perdoa — a vontade de Audrey era desaparecer dali e nunca mais voltar.
A movimentação acordou a bebê.
— Papai! — Ela exclamou ao ver John.
— Oi docinho — ele pegou a filha nos braços.
A mulher aproveitou a chance para se levantar.
— John, eu não sei o que está... como eu fui deixar algo assim acontecer... — a babá estava tão constrangida, que não conseguira terminar nenhuma frase.
— Audrey, se acalma. Está tudo bem — o pai deu um beijo na bochecha da filha em retribuição ao que havia acabado de ganhar de Rosie que estava alheia à situação.
— Preciso ir! — Audrey ficou de pé muito rápido e acabou se sentindo um pouco tonta.
— Deixa eu te levar de carro — pediu John preocupado.
— Não precisa. Eu estou bem. Levantei rápido. Só isso! — Enquanto calçava as sapatilhas, Audrey colocou no rosto o sorriso mais sincero que conseguiu.
— Audrey, se estiver sendo muito cansativo para você cuidar da Rosie, pode falar.
— Que isso, John. Eu adoro cuidar dela. A gente se diverte bastante, não é pequena? — A mulher falava um pouco embolado, numa velocidade maior do que de costume.
Rosie sorriu.
— Então me diz o que está acontecendo para te deixar assim — implorou o homem. — Eu posso tentar te ajudar.
Era tão sincero o pedido que Audrey quase contou tudo, mas não fez isso. Considerou que já havia extrapolado todos os limites da hospitalidade que lhe foi oferecida.
— Eu preciso ir — reafirmou a mulher se despedindo de Rosie com um beijo antes de se virar e sair pela porta da frente.
John pegou o celular no bolso do paletó e mandou uma mensagem para Sherlock.
"Me avise quando a Audrey chegar - JW"
Depois de tantas noites mal dormidas, nenhuma memória nova como mínima esperança que fosse se lembrar de seu passado, qualquer avanço na investigação, a possibilidade de ser mãe e ter tido suas crianças tiradas dela e por último as improváveis, porém não impossíveis, cirurgias alterando sua fisionomia, faziam Audrey experimentar o mais profundo sentimento de desespero. Quase tão intenso quanto no dia que conheceu Sherlock e John.
Seu coração estava acelerado quando ela entrou no ônibus e escolheu um lugar bem longe dos outros passageiros. Além das lágrimas que insistiam em cair, ela lutava contra o sono que parecia ter voltado com intensidade, mas sem poder confiar que dormiria por apenas alguns minutos, se esforçou para ficar acordada.
Quando desceu já perto do 221B da Rua Baker, ainda era dia, mas um vento gelado fez a mulher cruzar os braços juntando as duas partes do casaco para se manter aquecida. Os poucos metros que a separavam de sua cama pareciam mais longos do que de costume.
Audrey apressou os passos e subiu as escadas quase correndo quando chegou ao prédio. Depois de cumprimentar rapidamente Sherlock que estava na sala, sem dar a ele chance a de fazer qualquer pergunta, ela foi para o quarto.
Já incomodado com a mensagem que John enviara mais cedo, ele subiu atrás da mulher para descobrir o que estava acontecendo e a encontrou jogada de bruços sobre a cama vestida exatamente da forma como chegara.
— Audrey... — chamou Sherlock querendo confirmar se ela estava realmente dormindo antes de entrar no quarto, tirar as sapatilhas de seus pés e jogar um cobertor sobre o corpo dela.
Feito tudo isso, ele deixou o cômodo e trocou algumas mensagens com John.
"Audrey está em casa. Dormindo. - SH".
"O que está acontecendo com ela? ".
"Não vou acordá-la para descobrir ".
O detetive desceu as escadas e voltou para a sua poltrona na sala.
"Audrey disse que você tem tocando violino até tarde".
"Não mentiu ".
"Ela passou por muita coisa. Tenha um pouco de paciência".
"Estou tendo".
Sherlock deixou o celular de lado sobre o braço da poltrona, cruzou os dedos uns sobre os outros mantendo os indicadores no queixo, fechou os olhos e mergulhou no seu palácio mental.
Precisava descobrir que organização era aquela, desmontar o esquema de tráfico humano facilitado pelas famílias das vítimas, saber como faziam aquele tipo de lavagem cerebral, esclarecer até que ponto era reversível e ajudar Audrey a superar tudo o que fizeram com ela.
O detetive abriu os olhos de repente ao perceber seus sentimentos ganhando força de forma inesperada.
(...)
Quando acordou do pesadelo precisamente às quatro da manhã e mais uma vez recorreu à camisa na gaveta da mesinha de cabeceira para conter o sangramento, Audrey estranhou o cobertor sobre o corpo, pois não se lembrava de que tivesse pegado um.
Como não podia confiar em sua memória, ela ignorou o fato até colocar os pés no chão e sentir o piso frio. Suas sapatilhas estavam ao lado da cama postas uma junto à outra. Não havia a menor possibilidade dela as ter tirado e deixado dispostas daquela forma no estado em que chegou.
Audrey se esforçou um pouco e se lembrou de ter ouvido alguém chamar seu nome. Aquela voz era impossível de confundir.
— Sherlock... — sussurrou no escuro.
Nota da Autora: Apesar de todo o apoio, a vida de Audrey não parece estar se desenrolando da melhor forma. Sem querer incomodar ainda mais a mulher está tentando controlar algo sobre o qual não tem controle. Aonde isso irá parar? Palpites?
