Assim que saiu do quarto de Sherlock Holmes, Audrey Morgan correu para o fogão a fim de tirar a última de suas criações do forno.
— Não posso deixar essa última queimar! — Disse ela animada com a assadeira quente segura com um guardanapo de pano.
— Acho que não tenho espaço para mais pizza... — Molly Hooper sorriu.
— Para essa você vai ter sim! Fiz de tamanho menor — comentou a mulher colocando uma pizza doce de chocolate e morango sobre a mesa. — Quis deixar essa para o final porque se der chocolate para a Rosie nesse horário, acho que perco meu emprego — ela sorriu para John Watson que retribuiu o gesto.
— Senhora Hudson?
— Acho melhor não, Audrey, mas muito obrigada. Estava tudo maravilhoso!
— Meus experimentos na cozinha tem um cheiro bem melhor, não é? — Disse a mulher para provocar Sherlock.
As duas sorriram uma para a outra.
— John? — Ofereceu Audrey.
— Que mal pode fazer? — Ele aceitou a oferta.
— Deixei uns morangos que sobraram dentro de um potinho na geladeira. Oferece para Rosie, amanhã — sugeriu ela enquanto servia.
Sherlock recusou mais uma vez, então Audrey serviu apenas para ela, John e Molly.
A mulher inclusive achou que passaria mal quando pegou o segundo pedaço, mas não estava se importando com aquilo. Não se importava com mais nada.
Depois de terminar mais uma taça de vinho, a senhora Hudson se despediu e agradeceu novamente pelo jantar.
Audrey deu um abraço demorado nela antes da idosa descer para seu apartamento. Menos de uma hora depois, foi a vez de Molly se despedir.
— Veio de carro?
— Não, e mesmo que tivesse vindo, não poderia voltar dirigindo — ela indicou a taça de vinho vazia.
— É verdade — concordou a mulher. — Eu espero o táxi com você lá embaixo.
As duas se levantaram e depois que Molly se despediu de Sherlock e John, elas desceram as escadas em direção à rua.
— Amei o que você fez hoje. Podemos fazer mais vezes! — Disse ela à Audrey.
— Também gostei de passar esse tempo com vocês. Obrigada por tudo.
— Por que você está falando assim? Parece que vai embora.
— É só meu jeito, e a gratidão por tudo o que vocês têm feito...
— Audrey...
— Olha um táxi, Molly — a mulher levantou o braço direito na direção da rua.
Não poderia desistir do que pretendia fazer. Não agora que faltava tão pouco. Acreditava profundamente que era o melhor para todos.
— Estava pensando em passar a tarde assistindo um filme ou uma série amanhã, por que você não vai lá para casa?
— Ah, desculpe, acho que vou aproveitar o domingo para recuperar o sono perdido durante a semana. Tenho acordado bem cedo.
— Entendo... fica para a próxima então — Molly encarou a mulher tentando descobrir o que estava acontecendo.
— Sim, fica para a próxima — Audrey a surpreendeu com um abraço demorado.
Molly retribuiu o gesto e quando se afastou dela hesitou um pouco, mas acabou entrando no táxi e indo para casa enquanto a mulher voltava para dentro do 221B.
Audrey subiu os degraus devagar, memorizando cada detalhe do lugar. Quando partisse, queria manter o seu último refúgio vivo em sua mente para lembrar que já havia sido feliz. Ela teve dificuldade em segurar as lágrimas quando voltou para a cozinha.
— Acho que já vou dormir, meninos — a mulher se aproximou de John, que estava sentado de costas para a porta, e colocou uma mão em cada ombro dele.
— Não quer me ajudar a terminar com essa garrafa? É a última — ofereceu sem olhar para ela.
— Sinto muito, John. Terei que recusar — Audrey apoiou o queixo sobre a cabeça dele. — Peça ajuda ao Sherlock, uma taça de vinho não vai deixar ele bêbado — a mulher riu do próprio comentário enquanto olhava para o homem ainda acomodado sobre a cadeira perto da cabeceira da mesa.
Queria poder abraça-lo para se despedir, mas logo começariam a surgir perguntas que entregariam seu plano. Por mais que o Sherlock tolerasse a presença dela, não tinham aquele tipo de intimidade.
Audrey ficou um pouco mal por isso, mas depois aceitou o fato que estaria fazendo bem a ele que não precisaria mais acordar de madrugada com alguém gritando, ou ficar sem dormir tocando violino.
— Vou fazer esse favor para você, mas é o último por hoje — compreendendo o que acontecia, Sherlock levantou, passou um pouco de água na taça onde bebia o suco e pediu para John despejar a bebida.
Audrey aproveitou quando ele chegou mais perto, ficando de pé ao lado dela esperando sua taça ser enchida, para segurar a mão esquerda dele sem que John pudesse perceber.
— Obrigada — ela olhou para Sherlock e sentiu um nó em sua garganta. — Boa noite, meninos.
Os dois se despediram e ela seguiu para o piso superior. Antes de terminar o lance de escadas, as lágrimas já escorriam pelo seu rosto.
(...)
— Se ela acordar gritando de madrugada deixa que eu a socorro — comunicou John depois de beber um gole do vinho e colocar a taça de volta sobre a mesa.
— Ela não vai fazer isso hoje — informou Sherlock se acomodando de volta na cadeira onde estava antes.
— Como pode ter tanta certeza? — O meio sorriso característico apareceu em seu rosto.
— Palpite — o amigo respondeu antes de tomar um gole de vinho.
— Tá achando que a bebida vai ajudar ela a dormir? — Perguntou John percebendo o gesto.
— O que? — Sherlock estava pronto para negar e explicar o que estava acontecendo, mas percebeu que se fizesse isso, o amigo certamente tentaria impedir. — É, o vinho. Vai acalmar ela o suficiente, eu imagino. Se a música do violino consegue, a bebida tem sua chance.
— Só precisamos tomar cuidado para que não vire um hábito para ela...
— O problema da Harry é bem diferente, John — disse Sherlock. — Mas estarei atento.
— Bem, acho que vou dormir então — declarou ele esvaziando a taça. — Ainda tem roupas minhas por aqui, não tem?
— Na última gaveta da cômoda, junto com as que você deixou da Rosie — respondeu o amigo girando o resto de vinho no fundo da taça. — Pode dormir na minha cama com ela que eu me ajeito no sofá da sala. Só preciso de um cobertor, meu pijama e meu roupão.
— Olha Sherlock, eu iria embora para você não ter todo esse transtorno, mas depois do que você me contou...
— E acordar a Rosie à toa? — Ele deixou a taça sobre a mesa e ficou de pé.
John sorriu.
— Queria saber o que fazer para ajudar a Audrey — declarou ele sem muita empolgação.
— Além de investigar o caso, tenho trabalhado nisso também — garantiu Sherlock.
(...)
Para o plano dar certo, Audrey precisava passar a noite em claro. Nada de gritos de madrugada ou de levantar muito depois de amanhecer. Ela resolveu terminar de ler o blog do John e precisou controlar os soluços toda vez que a vontade de chorar parecia querer rasgar seu peito.
Quando finalmente a escuridão foi dando lugar ao amanhecer, a mulher se levantou e deu uma última olhada pela janela. Depois arrumou a cama deixando seu celular sobre a mesinha de cabeceira, vestiu a mesma roupa que usara no dia anterior e pegou suas botas para descer sem fazer barulho.
Na cozinha, ela abriu os armários até encontrar no que ficava sobre a pia o que precisava e guardar no bolso do trench coat sem se preocupar em fechar a porta de vidro por completo.
Subitamente uma vontade de dar uma última olhada nos amigos quase a fez desistir de ir embora e pedir ajuda. Mas ela gostava demais deles e preferiu abrir a porta e sair. Ficou feliz ao perceber que não estava trancada.
Audrey desceu as escadas e apenas do lado de fora, sentada no mesmo lugar onde havia sido acolhida por John quando chegou à Rua Baker, calçou as botas.
Ela fechou a porta preta com o número 221B dourado puxando pela aldrava e olhou para o prédio. Sentiria saudades, se sua memória continuasse funcionando. A mulher virou as costas e saiu andando pela rua, abandonando a vida que havia acabado de começar.
Por trás das cortinas da janela da sala, Sherlock a observava ir embora.
Nota da autora: Sherlock, meu filho, vai atrás dela! Hahahaha... sim, mesmo sabendo o que vai acontecer me irrita o jeito friamente calculado dele, mas o plano do detetive é bem complexo. Todos querem a Audrey por perto, mas para realmente trazer a mulher de volta, Sherlock sabe que precisa provar isso para ela.
