O trem chegou à estação Central em Cardiff precisamente às 15h36min. Sherlock Holmes e John Watson embarcaram em um táxi e em pouco menos de meia hora chegaram à clínica.

O prédio de dois andares era circundado por muitas árvores de pequeno porte e flores. Tinha uma atmosfera aconchegante e agradável completamente incompatível com o esquema criminoso que parecia estar acontecendo ali.

Além da porta de vidro, todas as paredes do térreo eram do mesmo material transparente, o que deixava o local muito bem iluminado. A dupla foi direto para o balcão em frente à entrada principal onde um sorridente recepcionista de uniforme amarelo claro os atendeu.

— Em que posso ajudá-los? — Perguntou o homem atrás do balcão.

— Imagino que vocês estejam cientes que retornaríamos a fazer uma visita — Sherlock mostrou um cartão de identificação com o nome do irmão mais velho para ele.

— Acho que já esclarecemos tudo o que tínhamos para explicar, senhor Holmes — argumentou o atendente já sem o mesmo sorriso.

— Vou ter que discordar e pedir as fichas de todos os pacientes que morreram ou desistiram do tratamento nos últimos doze meses — o detetive sorriu. — Para levar comigo. Prometo que devolvo o mais rápido possível.

— Não sei se posso fazer isso, senhor.

— Bem, imagino que sejam muitos arquivos e acho que apenas eu e meu parceiro não daremos conta de analisar tudo aqui com o tempo que temos disponível para o serviço. Sendo assim, precisarei chamar reforços... — Sherlock guardou a identificação e pegou o celular no bolso.

— Já imaginou se a movimentação chama a atenção das pessoas e vai para nos jornais? — John inclinou levemente a cabeça para o lado. — De novo?

Há muito tempo ele havia parado de se espantar com Sherlock usando as credenciais de Mycroft para ter acesso a algum lugar.

— Esperem um minuto — o recepcionista tirou do gancho o telefone oculto pelo balcão e discou apenas três números.

Os amigos aguardavam sem se abalar enquanto as informações eram passadas. Eles ouviram o nome do Mycroft e a descrição do que queriam. Foram apenas 5 minutos até conseguirem a permissão para ir ao acervo da clínica e pegar o que precisavam.

Os dois saíram da levando quatro pastas com divisórias contendo os arquivos de 126 pacientes. Quase 700 folhas com seus dados, quadro clínico, tratamento e motivo da desistência ou causa da morte.

— Vamos levar isso para Londres? — Perguntou John carregando duas pastas.

— Sim. A própria Audrey pode nos ajudar a analisar — com as outras duas embaixo do braço, Sherlock andava tranquilamente pela calçada atento para ver se passava algum táxi.

— Sherlock, e se não encontrarmos nada? Nem sei se deveríamos estar com esses arquivos. Essa clínica ignorou completamente o sigilo médico paciente nos entregando isso — ele estava mais preocupado do que o amigo sobre as implicações daquilo.

À medida que caminhavam as nuvens começaram a cobrir o azul do céu e Sherlock estava cada vez mais ansioso por encontrar transporte até a estação para embarcarem no trem que saia 20 minutos depois das 5 horas.

— Esse tipo de restrição não existe para o Mycroft — retrucou ele sentindo a primeira gota de chuva bater em seu rosto. — Droga! — Praguejou antes de começar a correr.

John fez o que pôde para acompanhá-lo com a mesma velocidade.

— Sherlock! — Chamou o amigo com dificuldade para respirar se escondendo debaixo de uma marquise.

— Vamos perder o trem! — O homem parou de pé ao lado dele sem conseguir esconder a aflição.

— Estamos longe da estação... e eu não vou correr até lá... — John tentava recuperar o fôlego. — A idade pesa às vezes — acrescentou ele com um sorriso no rosto.

Sherlock sorriu de volta e começou a trabalhar em alternativas para o que fazer com aquela forte chuva os mantendo presos.

Chamar um táxi para levá-los até a estação parecia uma boa ideia, mas provavelmente não havia mais tempo para embarcarem no trem das 5 horas e o detetive não queria ter que esperar muito mais para começar a olhar os arquivos.

Precisavam de um lugar ali mesmo. Uma biblioteca certamente os expulsaria caso ele espalhasse todo o material sobre uma mesa. Qualquer lanchonete ou restaurante faria o mesmo.

— Já sei — disse ele olhando para o outro lado da praça onde estavam. — Vamos ficar em Cardiff.

O outro homem olhou para a mesma direção e viu o letreiro do hotel.

— Esperaremos a chuva passar enquanto analisamos — acrescentou Sherlock.

John concordou com a ideia e sinalizou para ele acenando com a cabeça. Mais uma vez os dois saíram correndo protegendo os arquivos debaixo de seus casacos.

Antes de entrar no hotel, eles pararam sob a marquise em frente à porta e sacudiram a roupa tentando se livrar ao máximo das gotas de chuva acumuladas.

A recepção era modesta, porém muito aconchegante. Além de um carpete marrom cobrindo todo o lugar, havia duas poltronas do mesmo tom com uma mesinha redonda de madeira entre elas de cada lado da parede. Quadros decorativos com imagens dos pontos turísticos da cidade estavam espalhados pelo lugar. John se aproximou do balcão para tentar conseguir as acomodações.

— Sem reserva é um pouco complicado, senhor — a recepcionista checou as vagas na tela do computador. Posso colocar vocês no mesmo quarto com duas camas de solteiro? — Perguntou ela.

— Tudo bem — respondeu John.

A mulher fez o check-in e os dois subiram de elevador depois de pegar a chave. Não muito diferente da recepção, o quarto seguia o mesmo padrão, modesto e aconchegante. Duas camas, uma mesa com uma cadeira, um armário pequeno, um banheiro e a janela com vista para a praça. O céu ainda escuro não mostrava sinais de que a chuva daria trégua.

Sherlock tirou o sobretudo úmido e deixou sobre o encosto da cadeira depois de pegar o celular de dentro do bolso. John fez o mesmo com o casaco que usava, pegando um dos cabides de dentro do armário para pendurá-lo para secar no banheiro.

Em seguida a dupla dividiu os arquivos e começou a procurar por qualquer menção ao centro de treinamento ou o endereço onde ficava e qualquer mulher que se parecesse com Audrey. Com a ideia de que ela poderia ter passado por alguma cirurgia estética para alterar sua fisionomia, já que Mycroft não conseguia obter resultado positivo com o reconhecimento facial, eles precisavam analisar com cuidado.

— Sherlock — chamou o amigo com um arquivo na mão sentado sobre uma das camas com as pernas esticadas. — Olha essa paciente... — John jogou a pasta sobre a outra cama.

O detetive a pegou, abriu um arquivo no celular e comparou a foto com a imagem que tinha de Audrey.

Nope — disse pronunciando a letra 'p' estalando os lábios antes de devolver o arquivo com o celular junto.

John olhou as duas imagens de teve que concordar.

— Além do que, ela está entre os que desistiram do tratamento. Acho que a Audrey vai estar entre os que morreram — Sherlock, sentado com as pernas cruzadas uma sobre a outra, apontou para uma pequena pilha com quatro pastas do seu lado direito. Estou separando esses para olhar de novo com mais cuidado e procurar por similaridades. Aqui nos arquivos, ou entre as famílias.

— Vou separar dessa forma também — comentou John com o celular de Sherlock na mão. O aparelho começou a vibrar anunciando a chamada recebida. — É o Mycroft — declarou ele. — Vai atender?

— Não — Sherlock respirou fundo e respondeu sem dar muita atenção ao fato.

— Se importa?

— Fique à vontade — o homem ergueu e abaixou os ombros.

John atendeu a ligação.

— Sherlock, eu posso saber o que você está fazendo em Cardiff? Ou melhor, o que eu estou fazendo em Cardiff? — O Holmes mais velho começou falando.

Pelo seu tom de voz ele já sabia que sua identidade havia sido usada e estava irritado pelo irmão ter feito isso sem nem ao menos avisá-lo.

— Sherlock não quis atender, mas eu achei que não seria mal te informar do que está acontecendo — respondeu John. — Molly conseguiu uma pista para a substância que encontrou no sangue da Audrey e isso nos trouxe até aqui.

— E que pista seria essa?

John percebeu pelo tom de voz do Holmes mais velho que ele não estava completamente alheio ao que estava acontecendo. Da mesma forma que Sherlock, ele teve certeza que havia alguma coisa importante sendo escondida.

Mesmo assim, ele contou como Molly havia feito a descoberta e falou sobre a busca da polícia pela droga na clínica sem resultados. Pelo silêncio do outro lado da linha, John sabia que aquele fato não era novidade para Mycroft e nem a posterior investigação pelo número acentuado de pacientes da clínica que acabaram mortos.

— Agora estamos com os arquivos dos últimos 12 meses dos pacientes que desistiram do tratamento na clínica e dos que morreram vendo se conseguimos encontrar a Audrey entre eles ou algo que remeta àquele centro de treinamento.

— Por favor, me mantenha informado do que descobrirem, doutor Watson.

Assim que encerrou a ligação, Holmes mais velho respirou lentamente e cobriu o rosto com as mãos. Era um projeto com grande chance de dar certo, mas um potencial catastrófico caso algo saísse dos eixos, e aparentemente era o que havia acontecido. Não havia mais motivo para negar. Precisava comunicar o fato a Elizabeth Smallwood e organizar sua viagem para Cardiff na manhã seguinte.


Nota da autora: E aí, quem adivinhou sobre a volta do Mycroft? E que projeto é esse que ele já sabe desde o início e não contou para ninguém?! E como uma mulher, até então inocente foi envolvida nisso tudo? Continuem acompanhando para descobrir!