*************************************** Cap 45 Meu coração amanheceu pegando fogo! ****************************************

Quando o cavaleiro de Áries deu falta do marido na rodinha dos poucos amigos que ainda restavam na festa - e que agora tomavam uma saideira antes de voltar para suas casas - a última coisa que imaginou foi que o encontraria em seu altar improvisado, e tampouco que agora o estar beijando como se o fizesse pela primeira vez, com paixão avassaladora e desejo imenso.

Impossível dizer quem perdera o controle primeiro. Um arrepio intenso e estimulante irradiou por todo o corpo de Mu na hora em que viu Shaka parado diante do altar; o beijo inesperado que recebera foi a consequência dessa atração mútua.

Mãos agora corriam apressadas pelos corpos já despertos.

Saudade.

Desejo.

Amor.

O tempo das angústias e medos finalmente agora definidos parte de um passado que embora ainda recente não tinha mais o poder de frear a paixão sempre viva dentro deles, e que neste momento os surpreendia na forma de uma explosão irrefreável de libido que parecia varrer para longe qualquer traço de sanidade. Ou não ...

Uma faísca de moralidade ainda lampejava no consciente de Mu; era nada além de uma vozinha que o alertava não ser apropriado para o lugar o que pretendiam fazer ali.

Somado ao fato de que também aparecem muitos servos em seu templo naquela hora, o ariano com muito esforço entreabriu os olhos escurecidos de desejo e sussurrou na boca de Shaka:

- Hmm ... A-Aqui não ...

Em menos de um segundo eles estavam na forja de Áries, um lugar próximo o suficiente de onde estava Kiki, também seguro e distante o bastante para terem a privacidade que desejavam, além de um cenário que embora tivessem explorado pouco para tal fim menos mais de oito anos de casamento, sempre os instigara, cada um à sua maneira.

Logo a atmosfera leve antes perfumada pelas flores e incensos deu lugar ao já bem conhecido clima abafado e com cheiro forte de carvão, este que se intensificou quando o dono daquele lugar elevou ligeiramente o Cosmo e acendeu a fornalha celestial. O calor e a luz amarela imediatamente iluminou o local fazendo as dezenas de ferramentas, instrumentos e metais no entorno deles refletirem o vermelho e o laranja vivo do fogo, este que também brandia espelhado nas íris azuis dos olhos do cavaleiro de Virgem.

Foi um reencontro.

Meses inteiros haviam passado desde que aquelas duas almas apaixonadas tinham consumado seu amor. Agora ali era como se houvessem retornado de uma longa e terrível viagem e por isso a saudade, junto da necessidade, de unirem-se novamente comandavam totalmente suas ações.

— Sabe... eu acho que sempre tive a fantasia de fazer amor com você aqui — o lemuriano sussurrou arfante enquanto aos beijos conduzia Shaka pela forja até seus corpos se chocarem contra uma mesa de ferro repleta de suas ferramentas, produzindo um som pesado — exatamente aqui, nesta mesa.

A confissão dita naquele tom lascivo provocou no virginiano um arrepio forte; ele, que já tinha confessado tantas vezes ao marido o quanto seu ofício de ferreiro celestial potencializava sua nata sensualidade, não imaginou que ouvi-lo dizer aquilo lhe causaria ainda maior frisson.

— Não podia ter escolhido lugar melhor — murmurou Shaka mordiscando os lábios de Mu antes de toma-los novamente com um beijo ardente e com desespero lhe arrancar a camisa. Suas mãos então correram para as costas largas e sem piedade suas unhas arranharam a pele muito alva, arrancando do ariano um gemido abafado.

Shaka sinceramente não sabia como conseguiu passar tanto tempo sem amar o marido, porque naquele momento a menor possibilidade de parar o que faziam lhe era inviável. Ele precisava dele como seu corpo precisava do ar para respirar.

E essa urgência poderosa nos gestos de Shaka excitava Mu ao ponto de fazê-lo crer que a qualquer hora seu coração fosse pular do peito de tão forte e acelerado que batia, por isso num só movimento mais do que afobado ele liberou espaço na mesa varrendo as ferramentas com o braço e em seguida o suspendeu pela cintura o colocando sentado ali para encaixar-se entre suas pernas abertas. No instante seguinte ele elevou os braços e com ambas as mãos segurou o rosto de Shaka, apertando com força as bochechas coradas.

— Por todos os deuses, Shaka — disse ofegante enquanto parecia perscrutar com um olhar abrasador toda a silhueta do virginiano — a sua aura está tão quente e incandescente quanto aquele fogo... Você pretende me enlouquecer?

— Não. — Virgem respondeu apertando a cintura dele com as pernas e lhe beliscando os mamilos eriçados. — É você quem me enlouquece, Mu... é você quem faz o meu sangue ferver... Eu senti tanto a sua falta...

Confessou Shaka, e Mu gemeu baixinho sentindo um arrepio lhe percorrer todo o corpo.

— Eu não sei como suportei ficar tanto tempo sem amar você — disse o ariano mordiscando o brinco de argola na orelha dele. Estava feliz que Shaka tinha voltado a usar suas joias. Adorava vê-lo todo coberto de ouro e enfeitado para si.

— Então vem... Realize a sua fantasia! — Provocou-o o indiano esfregando os lábios em seu pescoço, sorvendo com a boca e o nariz o perfume de lavanda misturado ao almíscar lemuriano que o punha louco.

Shaka havia apagado um incêndio com querosene, pois que bastou dizer isso para que Mu tomasse sua boca novamente num gesto quase agressivo, tamanho era seu furor em beija-lo, enquanto também sem nenhuma delicadeza lhe arrancava a bata de seda indiana, rasgando-a por fim. Quando foi livra-lo das calças eis que veio a surpresa; ao puxar a peça para baixo já junto da cueca Mu viu que Shaka usava o cilício que forjara exclusivamente para ele, o mesmo que agora estava fortemente preso à sua coxa esquerda.

O desconcerto e o espanto imediatamente tomaram as feições de Mu que logo buscou nos olhos de Shaka uma explicação para aquele artefato ainda estar ali, castigando sua carne, mas neles só encontrou a indomável luxúria que famélica o atraía com tamanho apetite que nada no mundo seria capaz de lhe fazer retroceder.

Irremediavelmente atraído, com um olhar lascivo que perfurava as íris azuis de Shaka feito ferro em brasa, sem dizer uma só palavra Mu deslizou lentamente os dedos pelos nós de metal do cilício como se o estivesse acariciando.

O que ele viu nos fundo dos olhos do marido então o deixou sem fôlego.

Era como se Shaka lhe dissesse "vá em frente! O que está esperando?"

Ele estaria gostando daquilo? Mu pensou sem conseguir acreditar no que via refletido tanto na íris quanto na aura escarlate de Shaka, e ainda menos sem conseguir acreditar no que ele mesmo estava prestes a fazer.

Com o peito ardendo e o corpo em chamas Mu estendeu a mão sobre o cilício e apertou-o de leve.

— Aaaaah... — Shaka soltou o ar num gemido fraco e incontido. A fisgada de dor fez sua ereção latejar e as pupilas dilatarem tanto que seu olhar escureceu.

"Oh porra! Agora já era!". Mu xingou mentalmente e quando menos percebeu já se ativara completamente contra o marido e o beijava com desespero enquanto seguia apertando o metal do cilício, até que de repente ele agarrou as correias de couro que regulavam a pressão do aperto e as puxou com toda força, de um modo até um tanto exagerado.

Apesar de sua tremenda resistência à dor Shaka não conseguiu evitar um grito alto dessa vez; o inesperado foi que diferente da leve satisfação resultante do aperto fraco que Mu dera antes no artefato, agora a dor intensa veio acompanhada de um prazer tão avassalador que seu corpo todo estremeceu e ele contraiu os dedos dos pés em resposta. Uma faísca lampejou em seus olhos e tomado por um entusiasmo quase selvagem ele agarrou o pescoço de Mu e mordendo forte seu lábio inferior o puxou para cima da mesa, mais precisamente para cima de si mesmo, entre suas pernas marcadas pelos dentes do cilício.

— Aaaaaah Mu...

— Hmm... Shaka... Eu não consigo mais esperar — murmurou Áries chupando os lábios de Virgem ao passo que tinha ambas as mãos ocupadas, já que com uma livrava-se da própria calça e com a outra seguia apertando forte o cilício. — Eu quero ouvi-lo gemer assim enquanto estou dentro de você.

Shaka sentiu o rosto e as orelhas arderem ao ouvi-lo dizer aquilo, e nem era efeito do fogo que ardia na fornalha, mas do incêndio que Mu causava dentro de si, da combustão que a língua irrequieta dele lhe provocava quando o tocava em pontos que o ariano sabia como ninguém que o deixava derretido como ferro fundido.

O Santo de Virgem não se sentia tão excitado já fazia muito tempo; na verdade, lhe causava surpresa e até um certo medo os sinais que seu corpo, em comum acordo com sua mente, lhe davam naquele momento. Ele sabia que algo diferente estava acontecendo, que ele estava desenjaulando qualquer coisa que nem sabia fazer parte de si e que certamente não devesse alimentar, mas que irracionalmente sentia que precisava ir em frente, pois ele estava cansado de racionalizar tudo, cansado de sentir medo, exausto de reprimir seus desejos humanos. Esses, todavia, que eram os que mais sentia urgência em explorar.

— Me amarre!

Shaka se viu falando aquilo sem ponderar nada. Sua voz saiu rouca e abafada, tanto pela respiração ofegante quanto pela língua doce de Mu que explorava ávida sua boca.

O beijo, no entanto, foi interrompido no ato.

— O quê? — Mu perguntou com a respiração presa na garganta. Suas íris verdes, que nada mais eram do que uma linhazinha ao redor de um lago negro profundo, emitiram uma faísca dourada.

Ok. As coisas de fato estavam se encaminhando para um ponto realmente novo, mas olho no olho, nenhum dos dois sequer cogitava em dar importância a esse mero detalhe.

— As correntes — respondeu Shaka ofegante apontando com os olhos para um punhado de grossas correntes de ferro penduradas em um gancho preso à parede de pedra — me prenda com elas.

Nem era preciso que Mu olhasse para o ponto indicado. Ele conhecia cada pequeno espaço e artefato presente naquele que era um de seus lugares mais sagrados no mundo.

Um segundo inteiro se passou no qual eles ficaram em completo silêncio. Um segundo que mais pareceu um ano. Um segundo em que o coração de Mu parou de bater enquanto ele mirava vidrado os olhos do marido como se seu olhar pudesse penetrar nas íris azuis e ver sua alma.

Bem, talvez o lemuriano de fato pudesse, embora nem precisasse.

— Prendo!

Foi tudo o que Áries conseguiu dizer quando o tempo voltou a correr e seu coração voltou a bater. Ele ainda olhava um tanto espantado para Virgem quando com um movimento um tanto suave, em comparação a todos os outros, afastou os cabelos loiros que lhe cobriam os olhos, puxando as mechas curtas para trás para não perder uma só sequer expressão de seu belo rosto.

A ideia de acorrentar Shaka de repente o fez sentir tão estranhamente excitado que não foi capaz de afastar-se dele nem mesmo para ir buscar as correntes. Com um movimento calculado, embora um tanto apressado, Mu se inclinou sobre ele e projetando os quadris com repetidos movimentos de vai e vem trouxe as correntes até si por telecinese.

Definitivamente as coisas estavam muito diferentes e nenhum dos dois ousava parar.

Como um predador cujos olhos vidrados não se desviam por um só segundo do alvo, Mu se inclinou para cheirar e lamber o pescoço de Shaka ao mesmo tempo em que o agarrava pelos pulsos e erguia seus braços acima da cabeça. Seus gestos não eram delicados, ele não estava preocupado em não causar dor ao marido que parecendo deduzir isso, como se fosse a coisa mais trivial do mundo, seguia provocando-o remexendo-se debaixo dele, mordendo seu queixo e apertando sua cintura com as coxas.

Com duas voltas em cada punho Mu acorrentou Shaka na mesa prendendo a outra extremidade da corrente aos pés soldados em placas de ferro presas no chão de pedra, e ele nunca imaginou que algo como aquilo fosse lhe causar tamanho frisson.

Seu corpo todo ardia em êxtase, sua ânsia já começava a ser dolorosa, e sabendo exatamente o que queria, Mu escorregou para baixo e esfregou o rosto na penugem dourada que despontava pouco abaixo do umbigo de Shaka, inalando o cheiro natural da pele dele, de sua masculinidade, um aroma que inebriava os seus sentidos e fazia sua boca salivar. Sedento ele então envolveu o pênis duríssimo com os lábios e começou a chupar, a princípio com calma, degustado cada gotícula de lubrificação, tateando com a língua cada textura diferente e deleitando-se com a profusa rigidez, exatamente como gostava de fazer, e depois com movimentos mais intensos, prendendo a respiração e o engolindo todo até que lhe tocasse a garganta, indo à loucura tanto com o ato quanto com os gemidos que arrancava do marido.

Shaka por vezes involuntariamente teve o ímpeto de inclinar-se e agarra-lo pelos cabelos, como fazia quando queria ditar a Mu um ritmo mais lento para a felação para assim controlar o orgasmo, prolonga-lo, mas além de estar acorrentado, em todas as vezes que tentou Mu o impediu apertando mais as correntes com telecinese.

A sensação de estar dominado e completamente à mercê do ariano era nova e assustadoramente excitante. Ele era um homem viril, um dos cavaleiros mais poderosos de todo o exército de Atena, e certamente Mu era a única criatura em todo aquele miserável mundo para quem ele aceitaria ser subjugado daquela maneira.

Mas muito além de aceitar, Shaka desejava aquilo.

E como se lesse os pensamentos de Virgem, ou apenas deduzindo que esses eram um reflexo dos seus, Áries apertava mais e mais as correntes em seus pulsos e também o cilício em sua coxa, fazendo seus gemidos de prazer misturarem-se a gemidos de dor, enquanto seguia delirante com aquela felação frenética, satisfazendo o próprio desejo e diminuindo o ritmo apenas quando o fez gozar. Esperou somente o tempo dos espasmos no corpo dele cessarem e a adrenalina desprendida pelo orgasmo se abrandar, depois usou o próprio sêmen de Shaka — o qual não havia engolido de propósito — como lubrificante improvisado e então o penetrou devagar e com cuidado.

A despeito de sua absurda excitação e ávida urgência, eles não faziam sexo a muito tempo e Mu tinha consciência de seu tamanho, embora a aura de Shaka, incandescente como o carvão que queimava na fornalha, lhe desse carta branca para seguir sem tanta cortesia.

Mas o cavalheirismo de Áries durou apenas o tempo que ele empregou para esperar que a resistência natural do corpo de Virgem se abrandasse e ele ficasse um pouco mais relaxado, enquanto isso admirava a visão estonteante de seu corpo nu e suado sob a luz quente do fogo. Tendo Shaka totalmente à sua mercê, logo Mu o cobriu novamente com seu corpo e tomando-lhe a boca com um beijo possessivo começou a se mover rápido, enterrando-se todo dentro dele, com seu pênis deliciosamente estrangulado pela pressão daquela carne que se contraia involuntariamente enquanto a golpeava com estocadas cada vez mais firmes até suas investidas tornarem-se quase violentas.

— Você é meu — Mu grunhiu o penetrando cada vez mais fundo.

— Não... você que é meu — Shaka mordeu os ombros dele o provocando.

Mu sorriu perigosamente para ele e então as correntes apertaram-se ainda mais em seus pulsos.

Shaka gemeu e relaxou o pescoço fechando os olhos e deixando a cabeça cair sobre a mesa.

Aquilo tudo era uma completa loucura. Ambos já haviam perdido o controle de si mesmos a muito tempo.

As estocadas logo viraram pancadas e o som dos corpos colidindo um contra o outro misturava-se ao das correntes sendo chacoalhadas, aos gemidos, urros e sussurros.

O calor escaldante que fazia ali, somado à volúpia do ato encharcava seus corpos com um suor espesso e exalava um cheiro de sexo que certamente ficaria impregnado naquelas paredes e nas memórias sensoriais de ambos os cavaleiros por um bom tempo.

Perigoso era eles se acostumarem com aquilo... com aquela sensação.

Mas Mu não estava preocupado com viciar-se em coisa nenhuma, pois que já era viciado em Shaka, e no momento só no que pensava era em toma-lo alucinadamente em cima daquela mesa, até não ter mais fôlego algum.

Já Shaka tinha muitas perguntas. Ele sempre tinha muitas perguntas...

Mas, por hora, tudo o que lhe importava de fato era Mu, era o cheiro de Mu entranhado em sua pele, era o corpo de Mu sobre o seu, dentro de si, era a saliva dele misturando-se a sua, as mãos apertando sua carne, o prazer que ele lhe dava, a dor e o amor, a vida que ele lhe devolvia. Depois ele pensaria no resto.

Em dado momento Mu saiu de Shaka e com certa impaciência o virou de bruços na mesa. Com um tapinha em suas nádegas insinuou que pretendia prosseguir nessa posição, então o virginiano empinou a bunda e o incentivou a ir em frente.

Mu ia ao delírio quando o marido perdia o recato daquela maneira, por isso sem demora o penetrou novamente e com ainda mais vontade, dessa vez também com bem mais facilidade, deslizando para dentro dele e gemendo alto enquanto o sentia suga-lo para seu interior.

Por vários minutos as investidas poderosas prosseguiram. Gotas de suor pingavam do queixo de Mu sobre os ombros de Shaka, que sentia-se dissolver numa névoa de prazer e de dor. Seus pulsos já estavam machucados pelas correntes, as coxas e as nádegas muito marcadas pelo impacto repetitivo e incessante com o corpo feroz do lemuriano, que mesmo ofegante e encharcado de suor não demonstrava nenhum cansaço.

O tempo logo se tornou um conceito subjetivo; irrelevante demais para ter de ser contabilizado.

E em dado tempo eles já tinham alguma fuligem de carvão grudada em suas peles quando Shaka chegou ao orgasmo pela terceira vez, dessa um orgasmo seco, apenas pela penetração, e Mu pela segunda vez derramara sua semente dentro dele.

Agora eles estavam ali, ainda sobre a mesa e respirando pesadamente enquanto seus corações frenéticos aos poucos recuperavam o ritmo normal. O frenesi de antes finalmente se abrandara e iluminados pelo fogo, que agora queimava mais modesto na fornalha, eles descansavam nos braços um do outro enquanto em silêncio tentavam buscar dentro de si mesmos uma resposta para o que tinha acabado de acontecer, para o que afinal os havia levado para aquele caminho tortuoso.

Sem encontra-la eles procuravam afugentar as perguntas ocupando a mente com coisas mais agradáveis e concretas.

Mu, por exemplo, preferia distrair-se com os pelos pubianos de Shaka que se refletiam à luz do fogo; passava delicadamente as pontas dos dedos pela penugem dourada que tanto gostava de esfregar o rosto e deixava seu pensamento voar para longe. Mas então seus olhos corriam pelas pernas longas dele, a princípio admirando os músculos torneados e os pelinhos finíssimos que cobriam sua pele dourada cheirando a sândalo, até que fatidicamente caiam nas marcar severas e profundas deixadas pelo cilício.

O recurso encontrado por Shaka para bloquear a razão — sempre ela — não era diferente; ele pensava em Mu. Ficou um tempo olhando para aquele lugar e pensando como tudo ali era incrivelmente dicotômico, exatamente como Mu. Aquela forja era a exata e perfeita junção do bruto e do gracioso, do místico e do laical, do rústico e do refinado. Será que essa era sua resposta? Seria Mu que despertava tais paixões truculentas em si? A dualidade de Mu refletia-se na sua?

Shaka pensava em tudo isso quando esticou o braço, já devidamente liberto das correntes de ferro, para espreguiçar-se e seus dedos então tocaram uma das ferramentas que ainda restaram sobre a mesa. Ele na mesma hora olhou para ela e a tomou na mão a trazendo para perto do rosto.

Era um martelo de ouro usado para moldar o metal dos pequenos entalhes das armaduras sagradas, e embora sua beleza o fizesse parecer frágil, quando o levantou seu peso massivo lhe causou extrema surpresa.

Aí estava o motivo de Mu ter braços e ombros tão fortes e musculosos, Shaka pensou, e um arrepio eriçou os pelinhos de sua nuca. Ele repreendeu a si mesmo em pensamento na mesma hora.

As ferramentas celestiais tinham aparência frágil, porém o peso delas entregava o quanto eram poderosas, exatamente como o cavaleiro que as manuseava; de aparência frágil e feições serenas, porém dono de um poder incrível.

Logo a distração de Shaka foi removida de sua mão quando os dedos calejados e ásperos de Mu deixaram de acariciar sua púbis e lhe tomaram o martelo gentilmente. O ariano então olhou para a ferramenta por um instante e sem real interesse nela a abandonou na superfície da mesa para em seguida tomar a mão do marido na sua. Seus dedos desceram, dessa vez com toda delicadeza, até o pulso machucado e tatearam os hematomas profundos e alguns esfolados que ele na hora teve certeza que ficariam visíveis por muitos dias.

Fora ele quem provocou aquelas marcas. O mesmo homem que agora podia fazer uma carícia tão leve quanto a passagem de uma pluma sobre a pele.

Com todo o cuidado do mundo Mu começou a fazer uma massagem nos pulsos feridos de Shaka, sentindo-se em conflito.

— Luz da minha vida, me desculpe... eu não pretendia machuca-lo assim —murmurou ele numa mistura de culpa e resignação.

Nenhum dos dois se mexeu. As mãos permaneceram unidas sobre o peito do ariano enquanto este esperava por uma resposta qualquer que fosse do virginiano; e quando Mu achou que não teria nenhuma eis que a voz serena de Shaka quebrou o silêncio:

— Mu... meu amor, não tem que se desculpar por nada. Eu pedi para que me amarrasse — disse ele beijando a lateral do rosto do marido — eu quis isso.

Outro silêncio confortável caiu sobre eles enquanto Mu soltava o pulso de Shaka para virar-se de frente para ele e olha-lo diretamente nos olhos.

— É por isso que ainda o está usando? — Ele perguntou ao pousar a mão sobre o cilício de metal na coxa de Shaka.

A pergunta de repente causou um certo desconcerto no virginiano; não que ele quisesse ocultar do marido alguma verdade íntima que lhe causasse embaraço, mas apenas porque não tinha uma resposta para ela.

— Eu... não sei — disse ele por fim franzindo as sobrancelhas e engolindo em seco a própria confusão.

Mu o fitou por um instante e então sorriu. Não havia mentira em seus olhos.

— Bem... essa é uma resposta melhor do que a que eu temia ouvir considerando que forjei esse cilício para que usasse quando procurasse na dor algum alívio para suas angústias.

Shaka sacudiu a cabeça ao modo indiano e sorriu de volta para ele.

— E um dia inteiro de festejos na presença de todos os nossos caros colegas e irmãos de armas não é suficientemente angustiante?

Mu mordeu os lábios e avançou sobre ele estreitando os olhos.

— Shaka você é terrível! — brincou lhe roubando um beijo.

— Hum... mas eu falei a verdade quando disse que não sabia — explicou fazendo uma carícia no rosto dele e depois ajeitando uma mexa de seu cabelo lavanda atrás da orelha — apenas senti vontade de tê-lo no meu corpo hoje, como senti vontade de usar as joias que você me deu no nosso aniversário de casamento.

Abraçado a ele, Mu correu os olhos pela gargantilha de ouro em seu pescoço, nos brincos de argola em suas orelhas e depois tomou suas mãos dando um beijo sobre um dos anéis em seus dedos; todas peças que ele mesmo forjara para o marido.

— Ficaram lindas em você — disse o ariano — ou melhor, sua beleza é que enalteceu a delas... Mas vamos combinar que um cilício está longe de ser uma joia, Sha.

— Ainda assim foi um presente do Mu para o Shaka, e agora que é dele, ele pode usá-lo como quiser... e pelo que Shaka pôde perceber, o Mu também gostou de usar o presente que deu para ele dessa forma — explicou e o beijou apaixonadamente em seguida.

Mu correspondeu ao beijo um pouco pensativo.

Sim, de fato ele havia gostado mais do que o esperado da experiência, e sinceramente ele não estava verdadeiramente pronto para pensar em todas as implicações, então de maneira totalmente intencional conduziu seus pensamentos para o fato de que desde que dera o cilício a Shaka, nunca mais vira o marido cometendo atos frustrantes de autoagressão; logo, era uma coisa boa. Ponto final.

Com as preocupações desafogadas por hora, Mu se permitia apenas curtir a companhia do marido, mas eis que Shaka de repente afastou-se olhando para ele com os olhos azuis arregalados.

— Estamos aqui há muito tempo — observou ele — me esqueci completamente deles!

Mu deu um longo suspiro e sentindo enfim o cansaço bater esticou-se na mesa espreguiçando-se.

— Kiki está dormindo como uma pedra ainda, Sha, não se preocupe — disse ele que podia sentir o filho pelo elo mental compartilhado — e o Ebó com certeza está com ele... aquele capeta preguiçoso.

— Não estou preocupado com eles, Mu. Do jeito que comeram e brincaram vão dormir até amanhã... estou preocupado com meus Tupperwares! — disse apressando-se em descer da mesa para buscar por suas roupas espalhadas pelo chão.

Mu riu alto e com muito esforço também desceu; estava esgotado, mas dormir na mesa da forja realmente não era uma opção.

— E o que diabo tem os seus potes, Luz da minha vida? — perguntou também se vestindo.

— Pote não, Tupperware! — Shaka o corrigiu enquanto analisava vagamente sua bata de seda, que estava rasgada. — Há essa altura devem estar totalmente arruinados... As mãos de morsa daquelas servas desenxabidas devem tê-los arranhado todos!

— Oh, que desastre! — fez Mu segurando o riso. Sabia o quanto o marido odiava que qualquer pessoa pusesse as mãos em seus preciosos potes.

Nessa hora Shaka olhou sério para ele, então se aproximou e segurou em sua mão.

— Mu, eu me esqueci completamente de coisas importantes... coisas que talvez fosse necessário que eu me esquecesse por um tempo para conseguir enxergar o que não era capaz de ver.

Áries devolvia o mesmo olhar firme para ele.

— Certamente não é dos potes que está falando — disse.

— Estou falando de mim — fez uma pausa no que pareceu ponderar em algo que estava pensando, depois concluiu: — quero que devolva a estátua de Buda ao meu templo.

Mu arregalou os olhos um tanto surpreso mas imediatamente um sentimento de alívio o tomou.

— É sério?

— Sim. Já passei tempo demais tentando me esquecer de quem eu sou e de qual é a minha principal missão nessa existência... Eu preciso estar pronto para Atena!

Mu sorriu para ele. Seu amado Shaka estava de volta!

— Nunca pensei que ficaria tão feliz em ouvir isso — confessou o ariano.

— Não me arrependo de nada, eu precisava me distanciar do divino para me conectar com o terreno e entender que o sofrimento não é uma opção, como eu achava que era quando você e Kiki não faziam parte da minha vida — disse acariciando o rosto de Mu. — Agora que tenho vocês, agora que conheço o maior amor do mundo, preciso encontrar um caminho para que meu corpo e meu espírito passem a coexistir juntos e não mais separados, não mais em conflito... e eu sei que somente Buda pode me ajudar a encontrar esse caminho.

Mu estava prestes a responder quando a imagem mental da estátua arruinada brilhou em sua mente e então o sorriso murchou.

— Eu vou devolve-lo a você, igualzinho ele era, mas vai ter que ter paciência... Seu trabalho em destruí-lo também foi primoroso. — Mu riu sem ânimo. — Mas você tem muita sorte de ter se casado com o melhor artesão lemuriano dessa geração.

— O melhor artesão lemuriano, o melhor pai, o melhor marido... o melhor amante — disse o virginiano o pegando pela cintura e o apertando contra seu corpo. — Shaka tem mesmo muita sorte de ter o Mu, porque o Mu é o melhor em tudo!... Mu só não é o melhor em fazer companhia para o Shaka na hora de assistir à novela, porque ele dorme.

O ariano sorriu beijando de leve os lábios dele colados aos seus.

— O Mu tinha que ser ruim em alguma coisa, não é? — Brincou. — E eu sei que depois você vai me contar o capítulo todo mesmo, então não tem problema eu dormir.

Shaka concordou com ele e sorriu.

Era indescritível a sensação de ter a vida de volta.