Federico Bryantt conduziu Sherlock Holmes e John Watson para uma sala de reunião confortável. Além de uma mesa grande com tampo de vidro e oito cadeiras acolchoadas com detalhes em metal, no fundo da sala havia dois sofás de dois lugares e mais duas poltronas em torno de uma mesinha de centro também com tampo de vidro.

Ao lado de um dos sofás, havia um armário de porta única com uma bandeja contendo duas garrafas térmicas e alguns copos em volta. A decoração ficava por conta de plantas, todas naturais, espalhadas principalmente ao redor da grande janela perto deles na parede oposta à porta por onde haviam entrado. John se acomodou em um dos sofás enquanto Sherlock permaneceu de pé analisando a sala e o psiquiatra.

— Eu ofereceria algo para beber, mas ainda é muito cedo para o pessoal da cozinha chegar — Federico dispensou os dois seguranças para ficarem do lado de fora e se acomodou em uma das cadeiras da mesa maior.

— Não precisa se incomodar — Sherlock deu um sorriso dissimulado. — A propósito, acho que nos esquecemos de nos apresentar, — continuou ele. — Ele é John Watson, e eu sou Sherlock Holmes.

— Federico Bryantt — anunciou o homem finalmente compreendendo o que estava acontecendo.

— Nós sabemos — continuou o detetive ainda com o mesmo sorriso.

Mycroft Holmes chegou à clínica acompanhado por quatro seguranças. Dois ficaram do lado de fora, no lugar dos que acompanhavam o psiquiatra, e os outros entraram na sala de reunião junto com ele.

Mesmo com várias perguntas para fazer ao irmão sobre o que ele estava escondendo, Sherlock preferiu se acomodar ao lado de John e deixar que o Holmes mais velho interrogasse Federico para depois obter suas respostas.

— Desde quando isso está acontecendo? — Mycroft foi direto ao ponto sem rodeios.

— A ideia surgiu pouco mais de um ano depois do sucesso do uso da droga criada por mim e minha equipe. Muito mais útil, precisa e eficaz do que aquela tal de TD12 que estão comercializando — respondeu o homem orgulhoso.

— Dispensável sua autopromoção. Já sabemos como funciona. Por isso o governo comprou a patente e mantém seu uso restrito, ou pelo menos é o que eu imaginava — o Holmes mais velho estava irritado pela atitude petulante do psiquiatra.

— Levou um tempo até esquematizar como funcionaria. Assassinatos por encomenda rendem valores altos, mas vocês não nos deixavam agir livremente com a restrição de só eliminar alvos que trouxessem perigo para a segurança nacional e usando somente criminosos condenados no projeto. Enquanto isso eu tinha aqui milionários ansiosos para se livrar de uma vez por todas de seus problemas.

— Os filhos? — John fez uma careta sem conseguir acreditar no que ouvira desde o momento em que Federico revelou o propósito do fichário escondido no cofre.

— Sim — o homem sorriu. — Ficavam felizes em se livrar dos problemas e ainda receber um reembolso pelo desperdício de tempo e dinheiro tentando educar herdeiros ingratos.

John cerrou o punho direito e o apoiou sobre os lábios fazendo contato visual com Sherlock, ambos extremamente desconfortáveis com as implicações daquela afirmação.

— Quem mais está envolvido nesse esquema? — Continuou Mycroft.

— Tem gente sua ganhando o suficiente para ajudar a manter tudo por debaixo dos panos. Inclusive fomos avisados quando invadiram o centro para onde levávamos os nossos internos para testar se eram de fato aptos para o projeto, ou se deviam ser descartados. Eu realmente devia ter me livrado daquele fichário. Mas só revelarei nomes se tiver garantias — anunciou Federico com firmeza no que dizia.

— Quando você diz descartados... — ponderou Sherlock apenas querendo ouvir a confirmação.

— Mortos — respondeu o homem com tranquilidade.

— Quanto o Donnie sabe sobre o que está acontecendo aqui? — Continuou Mycroft.

— Mais do que você imagina.

— Ele terá a oportunidade de nos explicar pessoalmente — garantiu o Holmes mais velho. — Levem ele daqui! — Ordenou aos seus dois dos seguranças.

— Antes, eu posso fazer algumas perguntas? — Quis saber John.

Mycroft sinalizou para que ele continuasse.

— Como era o processo? Como você selecionava os pacientes e como aplicava a droga?

— Selecionar os pacientes não era difícil, mas o mais importante era saber quais pais iriam aceitar a oferta. Eu precisava conversar com eles e descobrir isso. Claro que com meus anos de experiência, não era nada muito trabalhoso.

— E se o casal mentisse para você, dizendo aceitar a proposta, e fosse contar à polícia? — Perguntou John.

— Já tinha um advogado pronto para abrir um processo contra eles por estarem inventando mentiras para sujar minha imagem. Seria minha palavra versus a de pais desesperados com filhos problemáticos — Federico tombou a cabeça e continuou. — Para evitar isso, dávamos início ao procedimento o mais rápido possível.

— Mas você errou em uma escolha — argumentou Sherlock.

— Aquele casal realmente quase expôs tudo — o homem franziu a testa tentando descobrir pelas expressões se era por meio deles que tudo estava sendo revelado, mas confiava demais na sua droga para acreditar nisso.

Só havia outra pessoa em sua mente, porém ele estava impressionado como haviam conseguido tantas informações com aquela mulher pelo mesmo motivo. Desejou que tivessem persistido em terminar o serviço que tentaram no centro de treinamento, mesmo com o risco de expor tudo.

— Eu achei que fossem concordar, mas a esposa simplesmente surtou. O marido dela também ficou revoltado e eu precisei usar a droga neles. Mais nela, dado ao estado alterado e da possibilidade da sugestão de abrir mão do filho ter sido traumático demais.

— Qual o problema com traumas? — Perguntou John franzindo as sobrancelhas.

— Quando são muito profundos deixam sequelas difíceis de apagar. Não que as pessoas vão se lembrar do que aconteceu, mas o comportamento delas deixa claro que algo aconteceu.

— Um inibidor de memória que não consegue apagar eventos traumáticos... não me parece tão eficiente assim — Sherlock sorriu presunçoso.

— Pode ser muito mais eficiente do que você imagina, depende de qual será o seu uso.

— Explique — exigiu Mycroft.

— Depois de iniciado o tratamento, os candidatos desenvolvem uma dependência à droga. Com pequenas doses diárias esses traumas permanecem suprimidos, quando cortamos o seu uso os pacientes podem ter ataques de pânico, pesadelos, fobias... tudo sem explicação, pois não há memória do episódio que desencadeou aquilo. Método muito eficiente para conter os que querem desistir — o psiquiatra sorriu com desdém. — Uma semana sem a droga e eles imploram para serem aceitos de volta no projeto.

John olhou aflito para Sherlock que acenou com a cabeça indicando que os pesadelos de Audrey haviam começado no sétimo dia dela na Rua Baker. Desde que havia tomado conhecimento do que acontecia e receitado um sedativo para ela, o médico sabia que essa era a única forma da amiga conseguir dormir.

— Alguma memória volta com a suspensão do uso? — Perguntou Sherlock para saber se havia possibilidade dos pesadelos narrados por Audrey conterem alguma informação real.

— Pode ser que sim, pode ser que não. É bem difícil e depende da capacidade do cérebro recuperar as áreas afetadas, coisa que jamais aconteceria com o uso contínuo — Federico estava estupefato com a forma como o cérebro daquela mulher funcionava.

Ela já se destacava bastante no centro sendo uma das mais ágeis para aprender qualquer coisa e reter informações novas, mas a droga funcionava bem com ela. Não deveria estar se lembrando de nada. O psiquiatra a queria viva na sua mesa de estudos e daria um jeito de conseguir.

— E sobre a aplicação? — Continuou John cruzando os braços sobre o peito.

— Gostaria muito que pudesse ser inalada — ele olhou para os dutos de ventilação gerando desconforto entre os presentes. — Não se preocupem, sempre tive que fazer de forma injetável — ele sorriu. — As doses devem ser precisas para funcionar. Não tem como garantir que seria aspirada na quantidade adequada.

— Os pacientes eram selecionados, comprados e depois? Aplicações sucessivas da droga até apagar tudo? — Perguntou Sherlock.

— Adoraria que fosse tão simples. Primeiro tínhamos que convencer os pacientes que era a única opção que eles tinham. No final gravávamos suas declarações, porque é assim que se faz com os criminosos do projeto — o homem olhou para Mycroft. — Ninguém participa contra a própria vontade. É uma das regras.

John e Sherlock trocaram um olhar com o Holmes mais velho incomodados por ele ter escondido aquela história por tanto tempo.

— Convencer? — John tombou a cabeça de lado e um pequeno sorriso apareceu em seus lábios.

— Privações tem um efeito impressionante na mente humana. Além de que, um quarto trancado, alguns dias de jejum e castigos físicos de maneira bem calculada nunca mataram ninguém. Para alguns deles foi até bom. Crianças mimadas — Federico balançou a cabeça em negativa. — E claro, depois que descobri o benefício que os traumas agregavam não me importei em causar mais alguns.

John havia descruzado os braços e contraia e esticava os dedos das mãos sem saber até quando conseguiriam conter a vontade que estava de agredir fisicamente o psiquiatra.

— Depois começávamos o processo propriamente dito. Era um trabalho conjunto com cirurgias e a droga. O quanto vocês sabem sobre a amnésia dissociativa generalizada?

— É um tipo raro de amnésia em que os pacientes se esquecem da sua identidade e história de vida — expôs John. — Não se lembram de quem são, onde foram, com quem falaram, e o que fizeram, pensaram ou sentiram. Alguns pacientes não conseguem acessar habilidades bem aprendidas e perdem informações anteriormente conhecidas sobre o mundo — ele respirou profundamente quando terminou.

Já havia diagnosticado Audrey com o transtorno, mas pretendia procurar especialistas para ter certeza daquilo. Agora o médico tinha a confirmação do que suspeitava.

— Com meus anos de estudo em psiquiatria e neurocirurgia, sei exatamente quais partes do cérebro são naturalmente afetadas nos pacientes que apresentam esse tipo de amnésia e como induzir o estado sem que os candidatos percam habilidades aprendidas como falar, ler e escrever — continuou Federico. — Por motivos óbvios isso seria um contratempo para o projeto e por isso usava também a droga, que age de modo mais específico que as lesões físicas.

O silêncio tomou conta da sala quando o homem parou de falar. Um projeto que recrutava pessoas apagando sua identidade e as manipulando para trabalharem como assassinos de aluguel parecia tão absurdo que deixou Sherlock e John atônitos pelo governo não apenas ter consciência como aprovar algo daquele tipo.

— Mais alguma pergunta? — Questionou Mycroft.

— Só mais uma — respondeu John próximo de perder totalmente o controle sobre suas ações. — Essa dependência dos pacientes acaba um dia?

— Você já conheceu algum viciado totalmente recuperado sem a menor vontade de usar de novo? — Perguntou Federico com um sorriso irônico impressionado com a ingenuidade de alguém em pensar aquilo.

A resposta pegou John de surpresa e desarmou qualquer reação dele. A primeira pessoa que veio à sua mente foi Sherlock, que mesmo já há muito tempo limpo, ainda preocupava os amigos com a possibilidade de uma recaída voltando ao vício. O sentimento o ajudou a compreender como seria para Audrey dali em diante.

— Levem ele! — Ordenou o Holmes mais velho novamente para os dois seguranças. — Revistem e tranquem em uma sala sem contato com mais ninguém.

Os homens assim fizeram, deixando apenas os irmãos e John na sala. Agora era a vez de Mycroft explicar que projeto era aquele e por que havia escondido a verdade por tanto tempo.


Nota da autora: Bom, agora vocês sabem uma parte do que aconteceu com Audrey. Alguém imaginou algo do tipo? Me contem se correspondi as expectativas de vocês! Mas ainda tem mais revelações vindo por aí, e nossos heróis precisam descobrir uma maneira de acabar com esse projeto.