Mycroft Holmes sentou na poltrona olhando diretamente para o irmão mais novo e o amigo ao seu lado. Ele tinha motivos para ter guardado segredo até aquele momento e não se arrependia disso.
— Eu imagino que vocês estejam querendo saber a qual projeto ele estava se referindo.
— Seria ótimo! — Disse Sherlock Holmes impaciente.
— Se eu não te coloquei a par antes era porque não tinha certeza do que estava acontecendo. Eu não tinha ideia da existência daquele centro de treinamento, nem que estavam levando pessoas de lá para o projeto. Mas desde que você me contou que a doutora Hooper encontrou uma substância parecida com a TD12 no sangue da protegida que estou de olho neles. Mas, como perceberam, há alguém de confiança se esforçando para que eu não encontre nada.
— Fale logo que projeto é esse... — pediu Sherlock.
— Projeto ultrassecreto Empty Room, uma referência às celas que ficavam vazias assim como a mente de quem aceitava participar. Enquanto se comemorava o sucesso de uma droga conhecida como TD12, utilizada em consultório de dentistas e pequenas cirurgias por interferir na formação da memória recente dos pacientes e reduzir as chances de traumas gerados pelos procedimentos, uma equipe de pesquisadores trabalhava em algo bem mais audacioso.
Mycroft narrava detalhadamente os fatos.
— Nós a chamamos de TD12+, apesar do seu criador, Federico Bryantt, não gostar da referência por achar sua invenção muito melhor. E ele está longe de estar errado. Essa droga é capaz de apagar memórias já formadas e dependendo da dosagem limpar da mente dias, meses e até anos inteiros.
— Realmente sem chance de recuperação? — Perguntou John Watson sem olhar para Mycroft.
— Com os procedimentos que são feitos, até hoje não vimos acontecer. Por isso, desde que o Sherlock me contou do resultado do exame de sangue, eu já imaginava que não conseguiria nenhuma informação para investigar vindo dela. Ao mesmo tempo, não sabia como a droga tinha chegado até a protegida já que ela não estava cadastrada no projeto nem sequer era uma candidata elegível. A busca na base de dados de DNA de criminosos e o reconhecimento facial não deram em nada. Então só restava uma alternativa, Federico Bryantt — admitiu ele. — Ela poderia ter sido paciente dele.
Sherlock e John olharam espantados para Mycroft imaginando se o governo estava ciente que uma droga daquelas era usada deliberadamente em uma clínica psiquiátrica particular.
— Claro que nunca autorizamos o uso da TD12+ nos pacientes! — Disse o Holmes mais velho com impaciência praticamente lendo a mente dos dois. — Federico tentou nos convencer que teria utilidade, mas houve discordâncias e um conselho decidiu que apagar a memória das pessoas dessa forma era desumano e não terapêutico. E vocês perceberam pela forma como ele contou o que fez que tratar pessoas nunca foi a intenção dele.
— Então a Audrey não é uma criminosa! — Um sorriso iluminou o rosto de John.
— Francamente, casar com uma assassina de aluguel aposentada mexeu com seus parâmetros — retrucou o Holmes mais velho. — Sim, ela matou quatro pessoas, cinco se contarmos com o atirador no centro de treinamento, mas esse, nós somos testemunhas que foi legítima defesa.
— Ela foi forçada a fazer isso! — Retrucou ele.
— Seja lá como for, se ela foi paciente do Federico, ainda pode ter sido para tratar um quadro grave de psicopatia ou outro transtorno.
— O projeto, Mycroft! — Interferiu Sherlock quando percebeu o amigo se preparando para retrucar encerrando a discussão entre os dois.
— Empty Room era para criminosos condenados, porém com habilidades interessantes para o propósito. Estrategistas, bom manejo de armas, resistência, insensibilidade, entre outras. Depois que paramos contratar freelancers como assassinos, projetos desse tipo foram liberados contanto que respeitassem normas rígidas. Nós queríamos garantias que os candidatos seriam selecionados cuidadosamente e tudo ocorresse em sigilo absoluto.
O Holmes mais velho ficou de pé e moveu a cabeça para trás e para os lados aliviando a tensão no pescoço.
— Nunca permitimos grupos grandes em atividade. No máximo 20 pessoas e realmente havia pagamento na contratação da mão de obra para trabalhos nacionais ou no exterior. A maioria dos candidatos escolhidos não tinha família, mas quando havia interesse em alguém que ainda tivesse parentes, os mesmos eram avisados da decisão do condenado em participar de um projeto ultrassecreto em alternativa à pena que cumpriam e nunca mais poderiam ser contatados.
O Holmes mais velho voltou a se acomodar na poltrona.
— Não que algum quisesse ou conseguisse. Além da memória apagada, os candidatos passavam por cirurgias para impossibilitar o reconhecimento, caso fossem vistos. Apenas uma precaução extra já que eles só saíam a trabalho e devidamente camuflados.
— Acha que a Audrey... — começou Sherlock, mas o irmão o interrompeu e concluiu o raciocínio.
— Se o psiquiatra estava inserindo pessoas não elegíveis no projeto, tenho certeza que ele não negligenciou qualquer detalhe. Por isso não encontrei o rosto dela em lugar nenhum.
John fechou os olhos e respirou fundo pensando em como contariam isso a ela.
— Qual nosso próximo passo? — Perguntou Sherlock.
— Como eu disse para doutor Bryantt, nós vamos fazer uma visita para Donald Coheny, o diretor responsável pelo projeto — informou Mycroft. — Ele me deve muitas satisfações — acrescentou.
— Quero que a Audrey vá com a gente! — Anunciou o detetive ficando de pé.
— Enlouqueceu Sherlock? — John estava pasmo com a ideia.
— Não encontramos nada sobre ela aqui, nem no centro de treinamento e provavelmente não vamos encontrar nada nesse lugar aonde vamos — ele gesticulava com as mãos enquanto falava ansioso. — Se ela foi descartada antes, nunca chegaram a ter conhecimento sobre ela no projeto, mas acredito que haja gente lá que conviveu com a Audrey.
— Mas ela não vai se lembrar de ninguém e igualmente não será reconhecida! — Argumentou Mycroft.
— Vocês ouviram o psiquiatra! Com a interrupção do uso contínuo há a possibilidade de algumas memórias voltarem! Já faz pelo menos 25 dias que a Audrey está limpa! — Sherlock andava nervoso pela sala.
— Okay, vamos supor que ela pareça reconhecer alguém, ou vice-versa. O que você vai fazer com a informação? — Continuou o Holmes mais velho irritado.
— Se conseguirmos um reconhecimento, fazemos uma conexão incontestável dela com o projeto consequentemente com o centro de treinamento, com o psiquiatra, com tudo! É nossa melhor chance de concluir isso o quanto antes! Está sendo difícil para ela lidar com a investigação que não avança!
Mycroft olhou para o irmão tentando decifrar quem realmente estava impaciente por conta do pouco avanço da investigação.
— Não era mais fácil ter mostrado uma foto dela para o psiquiatra e exigido que ele contasse se ela fez parte do esquema? — Perguntou John ficando de pé.
— Ele já sabe da Audrey! — A voz do homem estava alterada pela impaciência de ter que dar explicações. — Esqueceu que tem alguém de dentro repassando informações. Quando o Mycroft apareceu no centro de treinamento eles devem ter vindo atrás dele e depois de nós. Estão nos vigiando faz tempo!
A irritação de Sherlock aumentou por só agora se dar conta do que a exposição deles tinha causado. Lamentou não ter ficado mais atento a pessoas estranhas circulando pela Rua Baker.
— Podem inclusive se aproveitar da nossa ausência para terminar o serviço já que estamos tão perto expor tudo. Se não fizeram nada até agora é porque ainda achavam que conseguiriam preservar o esquema fraudulento, mas desde que começamos a agir por conta da descoberta da Molly, tudo mudou. E é mais um motivo para ter a Audrey perto da gente — Sherlock sorriu com outro argumento a seu favor. — Se antes a eliminar abria a possibilidade de produzir provas contra eles quando descobríssemos a identidade do executor e do mandante, agora pode ser a única chance de manter tudo oculto.
— Mesmo que eu mantenha Bryantt sob vigilância, essa execução pode já ter sido autorizada assim que o detemos — Mycroft estava decepcionado e furioso ao mesmo tempo. — Ela pode até já estar morta.
Sherlock e John olharam chocados para o Holmes mais velho concordando com o que ele dizia, mesmo sem pronunciar uma só palavra. Simultaneamente eles tiraram os celulares dos bolsos apenas para constatar que não havia nenhuma chamada não atendida ou mensagem a ser lida. Engoliram em seco enquanto concordavam apenas com os olhares que se houvesse acontecido alguma coisa, alguém já teria tentado avisá-los.
— Ainda acho arriscado... — ponderou John. — Concordo que ela precise de proteção extra, mas levar a Audrey direto para pessoas que não hesitariam em matá-la?
— Como arriscado? Quem vai tentar alguma coisa na nossa frente? Aí sim eles estariam colocando tudo a perder encerrando inclusive o projeto que eles têm autorização para conduzir — Sherlock apoiou as mãos nos ombros de John. — Mesmo que ela vá conosco à toa e não reconheça ninguém, levar a Audrey com a gente se tornou a opção mais segura para ela, a Sra. Hudson e a Rosie.
Ao ouvir o nome da filha John olhou para o amigo. Ele ainda queria proteger a amiga, mas o coração de pai começou a falar mais alto.
— Eu avisei que seria perigoso manter ela morando na Rua Baker — acrescentou Mycroft cobrindo os olhos com uma das mãos.
— Só esqueceu de nos explicar bem o porquê — disse Sherlock com raiva do irmão enquanto tirava suas mãos dos ombros do amigo e voltava a se acomodar no sofá.
— E se... E se... Mostrarmos a foto dela ao invés de levar ela? — Sugeriu John. — Se o projeto vai ser paralisado e todos serão presos de qualquer forma...
— Serão 50% a menos de chance de reconhecimento se dependermos apenas do pessoal que está lá — reclamou Sherlock — E considerando o fato de todos ainda estarem usando a TD12+, talvez as chances sejam ainda menores.
— E eu não posso garantir que tudo será encerrado — lamentou Mycroft comprimindo a ponte do nariz com dois dedos.
— Por que não? — John estava visivelmente angustiado.
— Temos o crime do psiquiatra que prometeu nomes caso tenha garantias, mas se eu não encontrar nenhuma evidência de irregularidade na sede do projeto, se todos os participantes forem realmente criminosos condenados, não tenho justificativas suficientes para encerrar tudo — o Holmes mais velho soltou os braços ao lado do corpo. — Já passou pela sua cabeça que Bryantt pode ter se livrado de todos que ele colocou lá depois da invasão do centro de treinamento?
— A Audrey pode ser a única sobrevivente do esquema... — concluiu John.
Os irmãos Holmes acenaram com a cabeça em acordo.
— Vamos pelo menos perguntar para ela se quer participar disso — pediu ele vencido pelos argumentos. — Se ela não quiser, vai com a gente, mas eu fico com ela no carro.
— Que seja então — declarou Sherlock achando justa a sugestão.
Nota da autora: "Procure por Sherlock Holmes. Ele é o único que pode acabar com isso" foi a mensagem da mulher no dia que conheceu o detetive, mas cada passo adiante são dois para trás no pedido feito a Sherlock para acabar com o projeto. Acham que alguém na sede do projeto conseguirá identificar a mulher? Ou será que ela identificará alguém?
