Audrey arrumou a cama e pegou seu celular percebendo que havia uma mensagem não lida. Era de Sherlock a chamando para ajudar a pôr um fim naquele esquema criminoso. Ela sorriu e digitou sua resposta.
"Eu prometi fazer tudo o que pudesse para ajudar. Chego em breve." - AM
A mulher subiu para seu quarto no segundo piso, deixou o aparelho em cima da mesinha de cabeceira enquanto separava uma roupa para vestir. Acabou escolhendo a mesma com a qual chegara ali.
Se eles queriam que ela fosse reconhecida, a melhor forma era estar usando as mesmas roupas com que saíra do centro de treinamento, ou pelo menos a maior parte dela. A calça, a bota, a camiseta e o casaco. A camisa que vinha usando quando acordava com o nariz sangrando havia sido trocada por uma caixa de lenços descartáveis e jogada fora.
A mulher percebeu que aquela peça não fazia falta quando notou o impacto causado em John ao encontrá-lo na cozinha.
Audrey sorriu quando as lembranças do dia em que o médico cuidara do machucado em sua testa naquele mesmo lugar, passearam por sua memória.
John praticamente conseguiu ouvir como gritara com o amigo assim que viu a mulher pela janela: "Ela está coberta de sangue, Sherlock!" E também sorriu.
— Audrey, eu quero que você leve isso com você — ele estendeu a mão com a arma que ficava guardada no armário atrás dele. — Não sei o que vamos encontrar e quero que você tenha quanta chance de defesa puder.
— Vocês vão estar lá comigo. É tudo o que eu preciso — ela sorriu. — Mas se isso te deixa mais tranquilo — ela esticou a mão, pegou a pistola e a guardou em um bolso interno do casaco.
Das duas vezes que estivera com a arma em mãos, ela encarou situações as quais se considerava com sorte por ter saído ilesa. Estar mais uma vez armada, trazia o medo de algo muito ruim prestes a acontecer.
— Agora precisamos ir. O helicóptero não vai nos esperar por muito tempo — o médico já havia desmarcado todos os seus pacientes daquele dia para poder acompanhá-la.
— Helicóptero? Quer dizer, a gente não vai de carro? Nós vamos voar? — A animação dela aumentava exponencialmente de uma forma infantil e inocente. — Foi mal... Eu tô trabalhando nisso de me controlar ainda... — ela estava envergonhada com o próprio entusiasmo. — Pareço até a Rosie quando sabe que vai ganhar um doce.
— Não está fazendo nada de errado — John sorriu.
Audrey retribuiu o gesto e os dois desceram, parando por alguns minutos para que ela se despedisse da senhora Hudson. Depois de dar um abraço demorado na idosa, a mulher aceitou com muito gosto, um pote com scones de mirtilo recém-preparados ofertados por ela e começou a comê-los assim que entrou no carro que os esperava em frente à porta protegido por um segurança armado. A quantidade era suficiente para ela dividir com John que não recusou a guloseima, já que não havia comido nada desde a batata recheada do dia anterior.
A menção ao fato de estar se comportando como a Rosie, trouxe à memória de Audrey o episódio estranho do dia anterior com a mulher no parquinho. Ela então resolveu aproveitar que estava sozinha com John no banco de trás do veículo para conversar sobre o assunto e tentar entender o ocorrido.
— John, — ela chamou. — Aconteceu uma coisa estranha no parquinho ontem.
— O que? — O amigo tombou a cabeça para o lado olhou para ela sorrindo.
— Eu estava com a Rosie no balanço e apareceu uma mulher com um menino. Primeiro ela achou que eu era a mãe, mas eu disse que era a babá e aí ela começou a me oferecer trabalho.
Audrey sorriu ainda contente por achar que quilo se devia ao fato de estar fazendo um bom serviço e continuou.
— Mas eu disse que não tinha horas disponíveis durante a semana e ela chegou a me oferecer o dobro para eu trabalhar algumas horas no final de semana. Mas recusei... eu realmente preciso do descanso — ela olhou sorrindo para John que continuava com uma expressão serena no rosto.
Se Audrey estava sendo assediada daquela forma pelas mães no parquinho, ele não tinha qualquer dúvida que a Rosie estava sendo muito bem cuidada.
— Mas isso não foi a parte estranha...
— E o que foi? — O sorriso de John diminuiu um pouco quando ele franziu as sobrancelhas esperando a amiga continuar.
— Quando eu estava para ir embora, precisava passar no mercado como você tinha me pedido pra depois ir preparar o almoço, e eu disse isso pra ela — explicou a babá com simplicidade por se tratar de algo trivial para ela. — A mulher ficou impressionada pelo fato de eu cozinhar. Então eu disse que quando tinha tempo ainda lavava, passava e arrumava a casa também.
John cruzou os braços sobre o peito ainda sem perder contato visual com Audrey tentando imaginar onde aquilo iria chegar.
— Ela então comentou quão feliz deveria ser a mãe da Rosie por ter uma babá que fazia aquelas coisas, pelo menos foi o que eu entendi — ela gesticulava com as mãos enquanto falava. — Daí eu contei que era só você e a Rosie, e a mulher disse que tinha entendido o que estava acontecendo. Falou para eu não fazer cara de inocente e que eu não era boba. Mas eu realmente não entendi...
John já havia visto aquele olhar em Sherlock tantas vezes que perdera a conta. A mulher realmente estava sendo sincera quando disse não ter compreendido as insinuações. Mas ele entendeu, e ficou um pouco desconfortável com a situação. John coçou a cabeça antes de esclarecer o que havia acontecido.
— Essa mulher do parquinho, — ele tossiu uma vez. — Ela acha que você está tendo um caso comigo e provavelmente supôs que estamos dormindo juntos — respondeu ele erguendo as sobrancelhas.
— Ela acha que a gente está fazendo sexo? — Audrey experimentava uma mistura de surpresa e revolta. — Não que fosse errado ou um problema caso nós dois quiséssemos isso, e até entendo algumas amizades resultarem num relacionamento romântico, mas ela chegou nessa conclusão só pelo que eu disse fazer por você e pela Rosie? — Ela enfatizou o advérbio.
— Tem gente com dificuldade para aceitar que algumas pessoas podem cuidar umas das outras sem interesse sexual — as bochechas do homem haviam ficado um pouco coradas.
— O que vão pensar quando descobrirem que eu moro com o Sherlock e faço praticamente as mesmas coisas para ele? — A mulher sentia seu coração acelerar. — E minha amizade com a Molly? A forma que ela cuida de mim.
— Quer um conselho? — Ofereceu John.
Audrey concordou com um aceno de cabeça.
— Não liga para o que essas pessoas dizem. Não importa o que você faça ou quanto tente explicar o que realmente está acontecendo, elas não vão se deixar convencer — memórias de quando ainda se incomodava com episódios desse tipo corriam pela memória de John. — É uma limitação delas e não nossa.
— Você tem razão — ela sorriu. — Mas eu tenho pena de quem não consegue ver as relações humanas de outra forma além dessa.
— Por quê? — Perguntou ele curioso.
— Pessoas que não conseguem enxergar uma pura interação de amizade, sem intenções sexuais, talvez não estejam muito acostumadas a receber esse tipo de cuidado e carinho. Isso me deixa triste — o tom de voz mais baixo dela deixava claro que o sentimento era sincero.
O sorriso de John se tornou mais amável percebendo a lógica do raciocínio da amiga e entendendo que a falta de memória a havia deixado com uma visão um pouco mais inocente do mundo.
A dúvida era o que fazer a respeito, e ele queria conversar com sua terapeuta antes de decidir. No entanto, John não conseguia deixar de imaginar como seria o desenvolvimento de Rosie em companhia de uma mulher quase tão ingênua quanto ela própria.
Quando chegaram ao aeroporto, Audrey fez o máximo de esforço para se controlar. Apesar de John ter dito que ela não estava fazendo nada de errado, havia mais gente do que ela esperava parada a uma curta distância da aeronave. A maioria muito bem armada, exceto uma mulher vestida de maneira elegante com o cabelo preso em um coque bem feito no alto da cabeça e uma franja cobrindo a testa.
— Lady Smallwood, — cumprimentou John trocando um aperto de mão com ela.
— Doutor Watson — respondeu a mulher. — E você deve ser Audrey Morgan — houve mais uma troca de aperto de mão.
— Sim senhora — ela estava em dúvida sobre como se dirigir à mulher, mas achou necessário um pouco de formalidade por conta da postura dela.
— Estávamos esperando vocês. Assim que levantarem voo, aviso ao Mycroft para ele seguir com o irmão para o destino final.
— Ele se lembrou de pedir a você pela segurança na Rua Baker, no Barts e na casa da Molly? — Perguntou John.
— Sim — respondeu ela com firmeza. — Já tem gente vigiando os três locais. Qualquer movimento fora do padrão será prontamente interceptado.
— Obrigado — agradeceu a John. — Vamos — ele olhou para Audrey que o seguiu até o helicóptero onde mais quatro seguranças igualmente armados os esperavam.
Uma mulher ofereceu a mão para ajudá-la a embarcar e assim que estavam acomodados, devidamente presos pelo cinto de segurança e com headphones abafadores de ruído devidamente colocados, a aeronave levantou voo.
Audrey segurou firme no braço de John que estava ao seu lado, mas à medida que foi perdendo o medo soltou o amigo e acompanhou maravilhada a beleza da cidade de Londres desfilando embaixo dos seus pés.
— A Rosie precisa ver isso um dia! — Declarou a mulher em um tom mais alto de voz enquanto apreciava a paisagem. — Ela vai amar!
John sorriu contagiado pela animação dela torcendo para que logo tudo estivesse resolvido e a amiga pudesse passar a viver uma vida normal, ou o mais próximo disso que eles pudessem oferecer, e deixar para trás toda a maldade que havia conhecido, e felizmente não se lembrava.
Nota da autora: Audrey está pronta para encarar o desafio de desmascarar o esquema criminoso ao lado dos amigos. Que perigos ela encontrará pelo caminho? Será realmente um mau sinal a arma estar novamente em suas mãos? O que vocês acham?
