Donald "Donnie" Coheny os acompanhou para fora da edificação. A dupla ainda estava conversando debaixo da árvore e assumiu uma postura mais formal quando viu o grupo fazer seu caminho até lá.

Audrey Morgan precisou se controlar para não entrar em pânico quando Sherlock Holmes colocou as mãos em seus ombros e a moveu para sua frente à fazendo ficar entre ele e o homem que a havia encarado com raiva momentos antes. John Watson, preocupado com a atitude, permaneceu vigilante assim como os seguranças que os acompanhavam.

— Estes são Albatroz e Garajau — apresentou Donnie. — O que vocês têm a dizer sobre terem abandonado a vida que tinham para participar do projeto? — Perguntou ele para que o grupo entendesse como a mente dos agentes era trabalhada.

— Bom, nós trocamos o almoço de domingo na casa da vovó... — disse Albatroz sorrindo.

— Por jantares ao redor do mundo — completou Audrey assustada por não saber de onde vinha aquela memória.

— Te disse para ficar fora do meu caminho, Beija-flor! — Continuou ele com os dentes cerrados enquanto levava a mão às costas sem ninguém perceber.

— Albatroz — o choque de finalmente tê-lo reconhecido veio acompanhado de uma dor que se espalhou rapidamente pelo corpo da mulher partindo do seu lado esquerdo.

A pequena pistola que estava escondida com o homem, foi sacada e disparada sem dificuldade. Audrey olhou para baixo e viu o filete de sangue escorrer do ferimento um pouco abaixo das costelas.

Em reflexo, o segurança de Mycroft acertou um tiro fatal na cabeça de Albatroz enquanto sua parceira rendeu Donnie e o outro homem.

O Holmes mais velho ficou parado em choque acompanhando a cena enquanto Audrey, atordoada por conta da dor, olhou para John num pedido desesperado de ajuda.

Ele avançou na direção dela, mas já não tendo forças para continuar em pé, a mulher caiu e foi amparada por Sherlock que a acolheu entre os braços até sentar no chão com ela recostada sobre seu peito. John imediatamente se abaixou ao lado dos dois.

— Fica calma e continua respirando — pediu o médico pressionando o ferimento enquanto a respiração dela ficava cada vez mais precária e ruidosa.

— Dói bastante — Audrey tentou sorrir enquanto as lágrimas desciam pelo seu rosto.

— Verdade — comentou Sherlock sendo tomado por um sentimento que havia desejado nunca mais sentir. — Mycroft! — Ele gritou pelo irmão que, compreendendo imediatamente o apelo, tirou o celular do bolso e requisitou o socorro.

— Me desculpem... — ela foi interrompida por um acesso de tosse graças sensação de ressecamento na garganta pela forma irregular como ela respirava.

— Por favor, para de se desculpar! — Implorou John com urgência. As veias saltadas em sua testa deixavam claro seu desespero — Não foi culpa sua! Nada disso é culpa sua! Você é vítima deles! — O ódio que ele sentia era evidente pela expressão no seu rosto quando encarou Donnie ajoelhado e sob a mira da arma da segurança com as mãos atrás da cabeça.

— Não sofram por mim — Audrey tentou levantar o braço direito para tocar no rosto de John abaixado perto dela, mas a dor não permitiu.

— Fica quietinha, a ajuda está vindo... — a voz do médico quase não saiu quando ele encostou os dedos no pescoço da amiga e sentiu sua pulsação cada vez mais fraca.

— Não chora John... — ela tentou sorrir. — Você também não, Sherlock.

Audrey sentiu o queixo dele repousar sobre sua cabeça enquanto removia a arma que acabara de descobrir escondida dentro do casaco dela. Daquela vez não houvera tempo para usá-la, e mais uma vez algo ruim havia acontecido.

Não era a primeira vez que os dois amigos estavam em uma situação como aquela, mas não havia como a mulher saber disso. O único além deles com essa consciência era Mycroft, que olhava a cena já muito preocupado com qual seria a reação de seu irmão mais novo após o desfecho do incidente.

— Obrigada por tudo... — mais uma vez um gemido de dor a interrompeu. — O que fizeram por mim.

— Você fala como se estivesse indo embora... — era evidente que Sherlock tentava conter o choro.

— Eu estou indo... você sabe... — a mulher virou a cabeça de lado se aconchegando na dobra do braço esquerdo dele e fechou os olhos. — Os irmãos sempre sabem — foram as últimas palavras dela.

Sherlock colocou a mão direita sobre a cabeça de Audrey movendo suavemente os dedos desejando do fundo do coração que o final dela não fosse aquele. Não haveria quem pudesse convencê-lo de que ele não havia sido inteiramente responsável dessa vez.

Ao longe uma ambulância se aproximava em alta velocidade e já era possível ouvir o barulho emitido pelas sirenes indicando a urgência do descolamento. Apenas Audrey não a ouviu.

A história de Beija-flor e Albatroz

A primeira coisa que deixou de existir foram seus nomes...

Aquele homem grande todo encolhido sobre a cama fez o coração da mulher bater fora do ritmo normal. Ela também se sentia desorientada por ter acordado sem saber quem era e onde estava, mas tentava manter a calma.

Uma enfermeira havia explicado com muita paciência que esse era exatamente o resultado esperado depois de um mês de tratamento. Eles esqueceriam sua identidade, mas não coisas básicas como andar, falar e o básico aprendido na escola, pois isso seria inconveniente para o objetivo final.

Incomodada por ninguém aparecer para confortar o homem, ela decidiu fazer isso. Sentiu frio quando seus pés descalços tocaram o chão, mas não recuou da decisão. Andando devagar e levando consigo o que parecia ser soro preso em uma haste conectado ao seu braço, ela atravessou o quarto.

— Tenha calma. Nós vamos ficar bem — ela sentou na cama ao lado do homem. — Albatroz — a mulher leu a palavra na pulseira de identificação no braço dele.

Ele olhou para ela com os olhos cheios de lágrimas.

— Parece que esses são nossos nomes agora — a mulher sorriu com os olhos afetuosos.

— Como consegue ficar tão calma? Nós perdemos toda nossa memória! — Ele deitou de costas para ficar de frente para ela.

— Pelo que a enfermeira disse, nós aceitamos isso. Provavelmente não éramos pessoas muito boas — ela segurou a mão do homem com o braço onde estava fixada sua pulseira de identificação. — Estou encarando como uma nova chance.

— Então espero que consigamos nos sair melhor dessa vez, Beija-flor — ele leu o codinome dela.

— Parece que o pessoal aqui gosta muito de pássaros — ela riu e o homem a acompanhou.

— Talvez seja para ser sinônimo de liberdade. Nossa nova chance, como você disse — concordou ele.

— Pretendo fazer da melhor forma que puder dessa vez — a mulher ficou de pé e fitou a planície com árvores espaçadas através do vidro da janela da enfermaria. — Mas talvez eu sinta falta dos almoços de domingo na casa da vovó.

— Você se lembra disso? — O homem ergueu metade do corpo se apoiando nos cotovelos e olhou espantado para ela.

— Não, seu bobo — ela riu. — Maneira de dizer...

Albatroz gostou do senso de humor dela.

Depois desapareceu a dor...

— Tem certeza que não é melhor ir para a enfermaria, Alba?

— Não precisa, sei que você consegue dar conta disso — ele gemia enquanto tirava a camisa. — São só alguns arranhões.

— Alguns arranhões? Você mergulhou num arbusto cheio de espinhos!

— Era a única forma de escapar dos tiros...

— Estávamos treinando com paintball — Beija-flor pegou uma vasilha contendo antisséptico diluído. — Você não teria morrido de verdade, nem se machucado! — Ela se esforçava para conter o riso.

Albatroz percebeu e sorriu para ela.

— Bom, pelo menos eu tenho a certeza de que meu parceiro está levando muito a sério o treinamento — ela sentou ao lado dele na cama e com um pedaço de tecido de algodão começou a limpar a ferida no braço esquerdo do amigo.

O homem franziu o cenho quando sentiu o remédio em contato com o ferimento.

— Ainda bem que você estava usando o colete, senão o estrago seria maior...

Além do braço, também havia cortes no pescoço e era onde Beija-flor limpava no momento.

Para poder fazer o serviço direito, ela havia se aproximado mais de Albatroz e seu nariz quase encostava no queixo dele quando seus olhos se encontraram.

Por alguns instantes eles se encararam e olharam para os lábios um do outro, mas nenhum dos dois se atreveu a dar o próximo passo.

— Ainda não Alba, — Beija-flor pediu quebrando a tensão. — Preciso de mais tempo.

— Tudo bem — ele sorriu. — Também não estou nos meus melhores dias e definitivamente não estamos no melhor lugar.

— Não vai faltar oportunidade. Acho que vão nos mandar em uma missão internacional! — Comentou ela animada.

— Uau! Parece que perdemos os almoços de domingo na casa da vovó, mas ganhamos jantares ao redor do mundo.

A mulher sorriu de volta e deu um beijo no rosto do amigo antes de continuar com os curativos.

Em seguida se foi o medo...

— Não acredito que aquele cara tinha realmente planos para explodir o museu aproveitando o feriado de primeiro de janeiro! — Beija-flor chutou a mochila que havia acabado de tirar dos ombros para debaixo da cama do hotel.

— Parece surreal, mas ele tinha os mapas detalhados do lugar inteiro! — Albatroz fechou a porta depois de passar e colocar o aviso de 'não perturbe' pendurado do lado de fora. — Salvamos o dia mais uma vez! — Comentou ele sorrindo.

— Hum, temos serviço de quarto — a mulher levantou o cloche prateado que estava sobre um carrinho no meio do cômodo. — Não tinha ideia do quanto estava faminta até agora — ela passou o dedo na beirada do purê de batatas que estava ao lado da carne cozida, colocou na boca e gemeu. — Que delícia!

— Olha só essa vista! — O homem atravessou o quarto e abriu a janela que na verdade era a porta de uma pequena varanda. — Dá até para ver a torre Eiffel daqui!

— Bom, se a gente se esforçar um pouco dá mesmo — Beija-flor apertou os olhos franzindo a testa.

— Você está ficando muito exigente — ele soltou o corpo sobre a cama. — Não poderíamos nos hospedar em um hotel no centro. De certa forma somos procurados pela polícia, mesmo tendo feito um favor a eles.

— Eu diria que estou ficando mal-acostumada — ela se jogou ao lado dele com um sorriso no rosto. — Parece que o pessoal está muito satisfeito com o trabalho que temos feito.

Um barulho inesperado quebrou o silêncio e o clima entre os dois.

— Acho que foi meu estômago — comentou a mulher sentando na beirada da cama.

— Não está errado. Você não come nada desde que saímos para a missão!

— Eu acho melhor assim — comentou ela. — Comer durante o trabalho me deixa meio lenta... — acrescentou.

— Pois se eu fizer igual você, termino o dia inconsciente... — Albatroz riu alto.

Os dois encontraram uma mesinha com duas cadeiras no canto do quarto e a arrastaram até ficar de frente para a varanda. Nos primeiros minutos a dupla apenas comeu em silêncio enquanto bebiam do vinho que viera junto com a refeição.

— Não tem sido uma vida tão ruim assim — disse Beija-flor depois de terminar de comer saboreando o resto do vinho que ainda tinha em sua taça. — É como diz o nosso lema. Trocamos o almoço de domingo na casa da vovó...

— Por jantares ao redor do mundo — completou Albatroz sorrindo e batendo sua taça contra a dela em um brinde.

Depois de tomar o último gole e a deixar vazia sobre a mesa, ele ficou de pé convidando a mulher a fazer o mesmo. O homem a abraçou e começou a dançar com ela pelo quarto.

— Sem música Alba?

— Você é toda a melodia que eu preciso Flor — declarou ele deixando extravasar a paixão que sentia.

Dessa vez, depois da troca de olhares, seus lábios se uniram acabando com a distância entre eles e dando início a um beijo carinhoso que aos poucos foi aumentando de intensidade.

Suas línguas se entrelaçavam deixando extravasar o desejo que nasceu no dia em que eles se viram pela primeira vez, mas preferiram esperar com paciência até os dois estarem prontos para se entregar por completo nos braços um do outro. Ao fundo, o barulho dos fogos dava boas-vindas ao ano novo.


Nota da autora: Bom, novamente um capítulo um pouco maior, mas havia muitos acontecimentos a serem narrados, então não poderia ser diferente. Infelizmente o plano de Sherlock deu errado e aconteceu o que eles mais temiam. Vocês acham que ele e John conseguirão continuar com a investigação depois dessa tragédia?

E finalmente um pouco sobre o passado de Audrey para vocês conhecerem. O bom coração da mulher já se mostrando presente com ela sempre querendo ajudar mesmo sem saber ao certo como. Definitivamente uma pessoa que não merecia todo o mal feito a ela.