John Watson não teve dificuldade para se deslocar pelo centro local de atendimento urgente, e apenas mostrando suas credenciais foi encaminhado até a única sala em atividade onde Audrey Morgan estava sendo socorrida.

Vários profissionais entre médicos e enfermeiros estavam em volta de uma maca no meio da sala enquanto Audrey seguia monitorada pela aparelhagem com a cirurgia em curso. Suas roupas haviam sido rasgadas e alguns pedaços ainda estavam embolados embaixo do corpo dela.

O corte aberto em seu lado esquerdo ia das costelas até o quadril e um pouco de sangue escorria pela lateral do corpo da mulher enquanto o médico usava as mãos enluvadas para inspecionar a cavidade. Um enfermeiro notou a presença de John e foi até a porta saber o que ele queria.

— Eu preciso saber como ela está. Estamos querendo uma transferência para um local com mais suporte — mais uma vez o médico mostrou suas credenciais.

— É a melhor opção para ela — falou o cirurgião olhando na direção da porta. — Não somos equipados para casos graves como esse e não estou conseguindo localizar a origem do sangramento — ele apontou para o corte aberto no abdome de Audrey. — Sem isso minha opção é fazer uma esplenectomia de urgência. Pela posição em que o projétil entrou, acho que está alojado no baço causando a hemorragia.

John viu um recipiente no chão próximo aos pés do cirurgião onde um tubo gotejava com o sangue extraído da cavidade abdominal da amiga. Ele percebeu na hora que a gravidade do quadro era ainda maior do que tinha imaginado. Estava surpreso pela mulher ainda estar resistindo.

Apreensivo, John fez seu caminho de volta até a recepção onde Sherlock e Mycroft Holmes esperavam pelas notícias. Os dois, que haviam se acomodado nas cadeiras próximas à parede perpendicular à entrada, ficaram de pé.

— E então? — Quis saber Sherlock sem esconder a aflição.

— O estado dela é ainda mais grave do que pensei — anunciou ele. — Consegui conversar com o cirurgião e vi as condições da Audrey. Minha opinião profissional é que ela não aguenta o deslocamento terrestre nem até Cardiff. Para onde você conseguiu a transferência, Mycroft?

— Menos de meia hora do centro de Londres

— Ainda mais improvável dela resistir — John balançou a cabeça em negativa.

Os dois irmãos expiraram decepcionados.

— E o risco para ela ficando aqui? — Perguntou Sherlock sem se importar em deixar transparecer o desespero.

— O cirurgião ainda não encontrou o projétil e acha que a bala pode ter se alojado no baço. Ele está pensando em remover o órgão para conter a hemorragia. Vai ser uma cirurgia delicada por conta do estado dela e a quantidade de sangue já perdida. Além disso, se sobreviver, Audrey vai ficar mais vulnerável a alguns tipos de infecções pelo resto da vida.

— Mycroft... — o olhar que Sherlock lançou ao irmão o remeteu a lembranças da infância dos dois quando o Holmes mais novo realmente não sabia o que fazer e recorria a ele.

— O que mais eu posso fazer? — Ele estava impaciente sem conseguir encontrar uma solução.

— Acha que consegue um helicóptero? — Perguntou John.

— O que vocês vieram está há poucos quilômetros daqui.

— Precisa ser uma UTI aérea — continuou ele.

— Para Cardiff ou o hospital que consegui em Londres? — Quis saber Mycroft.

— Pode ser para Londres — respondeu o médico transmitindo segurança no que dizia.

— Me deem cinco minutos... — ele se afastou novamente com o celular na orelha.

Sherlock desabou sobre uma das cadeiras de estofado bege ao lado de um vaso de folhagem artificial escondendo o rosto com as mãos. John se aproximou e colocou a mão sobre o ombro dele com um aperto firme.

— John, — chamou Mycroft quando voltou. — Avise no centro cirúrgico que ela precisa estar preparada para a transferência em quinze minutos.

Sem demora ele correu para falar com o cirurgião que parou o que estava fazendo e tomou as providências para deixar a mulher estabilizada e pronta para a remoção. Quando a equipe de socorro aéreo chegou, mais uma vez Sherlock ficou do lado de Audrey e não se afastou mais.

Dessa vez John seguiu com ele enquanto Mycroft, que julgou não ser mais necessária sua presença, retornou com seu pessoal para a sede do projeto para participar das averiguações e interrogar pessoalmente Donald Coheny.

Ele estava certo que o atentado à vida de Audrey fora uma emboscada para tentar preservar o esquema criminoso do qual ele com certeza fazia parte. Se o homem se atrevesse a dizer que não sabia de nada, aquilo iria custar ainda mais caro a ele. Só depois de terminar o inquérito, Mycroft pretendia embarcar de volta para Londres.

O clima tenso no helicóptero era quase palpável. John mantinha os olhos nos monitores que informavam os sinais vitais de Audrey, assim como o paramédico que viera acompanhando o piloto na aeronave. Sherlock encarava com o olhar perdido a mulher inconsciente presa à maca coberta por uma manta prateada.

— Ela adorou a primeira viagem de helicóptero — declarou John quebrando o silêncio e arriscando um sorriso.

Sherlock olhou para ele e retribuiu discretamente o gesto antes de voltar a fitar a amiga com a pele muito pálida e os lábios levemente arroxeados.

O helicóptero pousou no aeródromo do hospital particular onde dois enfermeiros e uma médica aguardavam a paciente.

— Ela está estável, mas perdeu muito sangue — anunciou o paramédico ao desembarcar começando a puxar prancha de resgate para fora da aeronave.

John e Sherlock o ajudaram e a acomodaram sobre a maca que a esperava.

— Coloquem uma bolsa de O negativo nela e façam a tipagem sanguínea — ordenou a médica.

— Eles queriam fazer uma esplenectomia por não terem conseguido localizar o projétil — anunciou John recebendo um olhar confuso da médica por não esperar esse tipo de informação de alguém que não era da sua equipe. — Também sou médico — esclareceu ele.

— Vamos verificar — ela sorriu em agradecimento pela informação enquanto todos se deslocavam apressados para dentro do hospital.

O centro cirúrgico ficava no último andar da edificação e o grupo percorreu o corredor atravessando três portas, até que na última passagem, a médica precisou impedir o acesso de Sherlock e John.

— Eu vou ter que pedir para vocês esperarem aqui — ela apontou para um recuo na lateral direita da parede do corredor com algumas cadeiras estofadas.

— Tudo bem, — John segurou o braço do amigo. — Vem, Sherlock.

Os dois se acomodaram nos assentos e a médica seguiu para o centro cirúrgico. Tudo o que podiam fazer era aguardar pelas notícias e esperar que fossem boas.

(...)
— Como está a transfusão? — Perguntou a médica depois de higienizar as mãos enquanto calçava as luvas de látex e olhando admirada o tamanho do corte na lateral esquerda do corpo da paciente assim que a manta prateada foi retirada.

— Correndo bem — respondeu um dos assistentes.

Antes de retirar os poucos pontos que mantinham o ferimento provisoriamente fechado, a médica passou a analisar o que faria.

— Tragam a máquina de raios-X portátil. Precisamos localizar esse projétil para decidir o que fazer.

Assim que se afastou para os técnicos passarem com a máquina, a mulher visualizou algo que chamou sua atenção.

— Espera um pouco.

— O que foi doutora? — Perguntou o homem que se preparava para ligar o equipamento.

— Tem um caroço estranho nas costas dela — a médica apalpou o nódulo que acabou se movendo um pouco. — Acho que não vamos precisar dos raios-X — ela sorriu e começou a desfazer a sutura. — Afastadores — ela apontou para o corte no abdome de Audrey e um instrumentador cirúrgico posicionou a peça nas laterais do ferimento abrindo espaço para que a médica visualizasse seu interior. — Pinça Allis — pediu em seguida.

Em poucos segundos vasculhando a cavidade ela fez mais um pedido.

— Cuba rim.

Assim que o objeto foi colocado ao seu alcance, o barulho de choque entre duas peças metálicas foi ouvido no centro cirúrgico.

— Muito boa observadora, doutora! — O homem com o equipamento portátil de raios-X sorriu.

— Essa foi a parte fácil — comentou ela sorrindo de volta por trás da máscara. — Coloque um aspirador para drenar esse sangue dentro da cavidade abdominal — ordenou ela a um médico que a acompanhava no procedimento. — É a artéria que o projétil rompeu ao passar que está provocando todo o sangramento. Preciso restaurá-la.


Nota da autora: Tudo o que Sherlock e John podem fazer agora é esperar. Uma espera angustiante principalmente para o detetive que imaginou naquela hora estar comemorando mais um caso solucionado.

Vocês gostaram da atitude de Mycroft ajudando no resgate de Audrey? Eu não acho que ele seja do tipo sentimental, mas também não acho que o irmão Holmes mais velho seja um monstro insensível. Desde muito jovem Mycroft tem cuidado de toda a família e guardado segredos. Não me espanta ele ser como é.