Disclaimer: Todos os personagens pertencem a JK Rowling. Esta fanfic é uma tradução autorizada de "A Time for Realizations and Change" postada em 2013 no FanFiction por Scarlett J. Abner.

Capítulo 2.

As nuvens se desprenderam de sua malha apertada de algodão branco e deixaram o sol brilhar pelas janelas sujas do número 12 de Grimmauld Place. Lá dentro, os únicos três residentes da enorme casa, que parecia uma mansão, acordaram de um sono longo e reparador.

Um deles, Sirius Black, se viu deitado de bruços em sua antiga cama de infância, olhando para um hipogrifo adormecido, que descansava no chão do quarto. O outro, Remus Lupin, sentou-se e imediatamente começou a se vestir e se preparar para o dia. Era sua vez de preparar o café da manhã e ele tinha uma boca extra para alimentar hoje.

Harry Potter, por outro lado, continuou dormindo. Um pouco de sol não foi suficiente para acordá-lo, mas uma pequena coruja persistente bicando cada centímetro descoberto de pele era. Ele tentou afastá-la, mas ela simplesmente voltaria para mais. Gemendo, ele se sentou na cama e murmurou algo ininteligível, amaldiçoando o dia em que ganhou uma ave tão teimosa.

Ele empurrou as cobertas e tropeçou para fora da cama, apoiando-se na cabeceira da cama antes que pudesse cair no chão frio. Seus olhos se estreitaram e suas mãos lutaram no ar enquanto ele procurava por seus óculos e os encontrava na mesa de cabeceira.

Ele estava em um quarto muito grande, muito maior do que seu armário embaixo da escada. O quarto de Dudley provavelmente caberia três vezes aqui. A cama em que ele dormia ficava do lado esquerdo da porta, contra a parede e em frente a ela estava uma cômoda, dois guarda-roupas e outra porta que levava ao que Harry presumiu ser o banheiro. Bem em frente à porta havia duas janelas do chão ao teto, pareciam não ter sido limpas há décadas e apenas deixavam entrar uma quantidade mínima de luz. As cortinas eram presas às paredes com uma corda decorativa grossa. Harry supôs que, em algum momento do passado, poderiam ter sido de uma rica cor verde, mas agora estavam cobertos com tanta poeira e sujeira que ele não podia ter certeza.

Seu estômago roncou obscenamente alto e o tirou de seus devaneios. Depois de fazer sua higiene matinal, ele cuidadosamente abriu uma porta e saiu do quarto. O corredor em que se encontrava era tão deprimente e escuro quanto seu quarto. O quarto em que estava era o último de um longo corredor, então ele disparou na única direção oposta.

Ele deixou seus olhos olharem ao seu redor. As paredes eram pintadas de preto com pedaços de tinta descascando em muitos pontos e o carpete soltava continuamente pequenas nuvens de poeira quando seus pés pousavam nele.

Quadros estavam pendurados nas paredes, cada um com o rosto de um homem ou de uma mulher com olhos implacáveis, narizes pequenos e lábios finos delineados em um sorriso altivo disfarçado de carranca. Todos estavam olhando para ele com escárnio. Não estavam se movendo ou falando como ele tinha visto nos retratos de Hogwarts, mas parecia que o julgavam com aqueles olhos cinzentos e frios.

Sirius tinha exatamente a mesma tonalidade, só que nunca pareceu tão nítido e calculista. Os quadros se estendiam por quilômetros e quilômetros, e era apenas através das roupas e do cabelo que Harry às vezes conseguia distingui-los. Séculos de endogamia fizeram com que dificilmente houvesse grandes mudanças na aparência de uma dúzia de gerações de Blacks. Marcas de queimadura em vários ancestrais fizeram Harry parar em várias ocasiões e lhe deram a sensação de que, se andasse mais até os tempos atuais, ele poderia encontrar um rosto queimado cercado por um chumaço de cabelos pretos desgrenhados usando vestes da Gryffindor.

Harry parou de andar assim que alcançou as escadas. O tilintar das panelas da cozinha e o cheiro de pão torrado subindo as escadas o levaram de volta à realidade.

Ele deu seus passos com cuidado e se permitiu ser guiado pelos rangidos da madeira centenária. Estava na metade de um segundo lance de escadas quando por acaso ergueu os olhos. A cabeça enrugada e decapitada montada na parede acima de uma placa de bronze foi o suficiente para fazê-lo perder o equilíbrio no degrau seguinte e cair nos poucos restantes.

— Merdamerdamerdamerda — ele gemeu.

Harry agarrou suas costelas onde tinha recebido o pior da queda e praticou a respiração pelo nariz em respirações rasas. Ele ouviu passos vindo em sua direção e estava sentado contra a parede quando Remus e Sirius viraram a esquina.

— Que dia... — um grito ensurdecedor e de gelar o sangue estilhaçou o ar.

Havia uma cortina de veludo roída por traças em um lado no corredor que parecia estar tremendo e chacoalhando, como se algo estivesse tentando forçar seu caminho para fora. As cortinas foram abertas por uma força invisível e, à primeira vista, Harry pensou que eles estavam cobrindo uma janela — uma janela através da qual ele podia ver uma velha feia com um chapéu preto e vestido gritando e berrando como se fosse a única coisa que ela soubesse fazer. Mas não era uma janela — era um quadro mágico em tamanho real (perturbadoramente realista) e era definitivamente a pintura mais horrenda que Harry já vira.

Os olhos da velha brilharam em um amarelo feio enquanto a baba escorria de sua boca pelo queixo. Seu cabelo estava em desalinho e suas mãos estavam estendidas na frente dela, arranhando uma parede imaginária com unhas pretas e pontudas.

— Imundos! Vermes! Parasitas! Monstros nojentos! Mestiços e escórias! Como ousa pisar na casa de meus antepassados! A Mui Nobre e Antiga Casa dos Black! Como ousa contaminar...

Sua gritaria despertou outros retratos da casa e eles também aderiram ao berreiro. Harry sacrificou a mão, que segurava sua caixa torácica, para cobrir as orelhas. Ele foi ajudado a se levantar do chão por Remus e observou quando Sirius marchou até a pintura da mulher se plantou em frente a ela.

— Cale a boca, cale a boca! Já chega, sua velha! — ele arrancou as cortinas e começou a puxá-las enquanto a memória da mulher o olhava com desgosto.

Você! — ela rugiu — O traidor! Aquele que envergonhou esta família! Abominação da minha própria carne e sangue! Amante de mestiços, aberrações e... — as cortinas se fecharam em torno dela e interromperam suas divagações. Sirius então pegou sua varinha e caminhou pelo corredor, atordoando cada quadro que continuasse uivando.

Harry sentiu Remus colocar a mão em suas costas e deixou-se ser guiado até uma cozinha sombria, onde ele rapidamente desabou em uma cadeira. Uma xícara de chá fumegante foi colocada na frente dele e Harry aceitou com prazer. Remus pegou um assento oposto ao dele.

— Então... O que diabos foi isso?

— Um pesadelo — respondeu Remus.

— Aquela, Harry, era minha querida e velha mãe — Sirius entrou no cômodo com um olhar meio divertido e meio zangado.

— Aquela era a sua mãe? De verdade? — Harry teve o pensamento repentino de que preferia os Dursleys do que aquela harpia venenosa dos infernos.

— Difícil de acreditar, não é? — Sirius caminhou até o fogão e pegou um prato cheio de comida. Ele o colocou na frente de Harry, junto com uma faca e garfo, e pegou sua própria xícara de chá — É um milagre eu ter crescido e ter me tornado o diabo lindo que você conhece — ele disse, balançando as sobrancelhas de brincadeira.

Harry negou com a cabeça e começou a comer. Ele podia sentir os olhares seguindo cada garfada entrando em sua boca e isso o fez se contorcer na cadeira.

— O quê? Tenho alguma coisa no rosto?

— Não — Remus respondeu — É bom te ver acordado e comendo alguma coisa. Nos deixou preocupados por um tempo, aquela tempestade deve ter exigido muito de você.

— Como assim? Há quanto tempo estive dormindo?

— Uns dois dias. Estávamos preocupados de que você tivesse entrado em coma, mas verificamos e foi só um sono profundo. Faz sentido. Você gastou muito da sua energia chamando aquela tempestade, ainda mais uma tão grande, nunca vi nada parecido antes.

— Nunca — Remus corrigiu, imediatamente corando quando Harry olhou para ele com curiosidade, esperando que ele elaborasse.

— Desembucha. Quando foi a última vez que viu algo assim e por que não está me contando?

Eles trocaram olhares inquietos entre si e ficaram repentinamente muito interessados no traçado de formas imaginárias da mesa.

— Harry — começou Sirius —, você precisa entender que não significa absolutamente nada o que estamos prestes a te contar. É apenas uma coincidência e, além de vir de dois bruxos claramente muito poderosos, a intenção... o significado é completamente diferente. Certo?

Harry acenou com a cabeça, hesitante.

— A única outra vez que vimos um bruxo convocar uma tempestade como você fez, foi há uns quinze anos, quando a guerra ainda estava acontecendo. Voldemort era muito poderoso. Ele estava no auge do seu poder e ninguém jamais pensou que ele poderia ser derrotado, tudo parecia sem esperança, mas ainda assim continuamos lutando. Não podíamos desistir e deixá-lo assumir o controle de nosso mundo, simplesmente não podíamos — disse Remus, perdendo-se nas memórias daquela época.

— Não tínhamos muitos ainda dispostos a lutar uma batalha perdida naquela época, a maioria já tinha sido morta por ele e era difícil encontrar novos recrutas, mas todos sabíamos quando era a nossa vez de lutar, porque era sempre os mesmos sinais — Sirius engoliu em seco e continuou — O céu escurecia de repente, nuvens negras cobriam a lua ou o sol, deixando todos que lutavam cegos. Então, uma luz verde, como a maldição da morte, disparava para o céu de algum lugar do solo. A Marca Negra seu cartão de visitas e era quando os feitiços começavam a disparar de todas as direções. A maior força de Voldemort era o medo — Sirius concluiu, encarando Harry — e nada inspira mais medo do que enfrentar oponentes invisíveis prontos para matá-lo sem hesitação ou remorso e saber que, a qualquer segundo, pode ser o último, e você não perceberia até ver isso chegando — ele tomou um último gole de sua caneca, colocou-a sobre a mesa e embalou-a em suas mãos, parecendo estar perdido em seus pensamentos.

Era perturbador para Harry pensar que ele compartilhava algo com o homem que assassinou os seus pais. Quanto mais pensava sobre isso, mais doente isso o fazia sentir, até que ele se enganou para acreditar que podia sentir — aquele mal, o potencial para isso, descansando dentro dele, adormecido até que ele perdesse o controle novamente e não tivesse vontade de se conter mais.

Seu chá espirrou da borda da xícara quando a pousou na mesa.

O poder nunca foi algo que o favoreceu, muito pelo contrário, Não ter nenhum poder, ser impotente para observar e sentir enquanto os outros abusavam dos seus e descontavam nele, era algo com o qual estava familiarizado. Com os papéis efetivamente invertidos, isso deixou um gosto ruim em sua boca.

— Eu não sou mau — Harry não percebeu que tinha falado em voz alta — Eu não sou – não posso ser mau, não sinto como se fosse, não me sinto diferente de antes. É assim que começa? Acho que as pessoas más pensam que não estão fazendo mal, senão eles não fariam isso, certo? Então eu não teria como saber — ele estava com 6 anos de idade novamente, perguntando à sua tia Petúnia porque todos os outros da sua turma tinham alguém para levar no dia de levar seus pais à escola, menos ele.

— Merlin, Harry! Você não é mau, é apenas um garoto que foi colocado no espremedor muitas vezes e, com razão, quebrou um pouco — disse Sirius — Não pode pensar que só porque você desmatou algumas árvores, você vai se tornar o próximo Lorde das Trevas. Não é assim que funciona.

— Então como funciona? Se eu tenho todo esse poder e não consigo controlar, e alguém se machuca, então como posso ser melhor do que Voldemort?

— Você não vai perseguir e mirar em mestiços e criaturas mágicas, para começar. Você também não vai usar propositalmente seu poder para machucar pessoas inocentes. Você se importa, Harry, eu sei que sim. Ter um pouco mais de magia do que o resto de nós não significa que você está vinculado a isso, você é quem você é e isso não vai mudar a menos que você queira.

— Ao que tudo indica, você está sentado ao lado de um lobisomem e de um homem que passou 12 anos em Azkaban. Todos nós temos partes nossas que gostaríamos que não estivessem lá — a mão de Sirius apertou o braço de Remus. Quando o homem percebeu, curvou-se de vergonha —, mas nós trabalhamos com elas, Harry. É a única coisa que você pode fazer.

O silêncio reinou na sala. Harry se permitiu um minuto para se sentir tolo por não se lembrar com quem estava falando — ele não achava que poderia comparar suas batalhas com as de Remus ou Sirius, eles tinham décadas de experiência que Harry e muito mais tempo lidando com seus próprios problemas do que ele. E, apesar do conselho experiente, não conseguia se livrar do medo de que, se não encontrasse uma forma de controlar sua magia, ela explodiria da mesma forma que acontecera na Rua dos Alfeneiros.

Só que, desta vez, ela não se contentaria com alguma mobília de pátio virada.

— Você disse que eles estavam "fazendo turnos" ou algo assim. Perto de casa — Harry engoliu em seco — Estão me observando? Todo esse tempo? É por isso? Então eu não vou poder explodir minha tia e meu tio como fiz com a irmã dele?

— Não está sendo vigiando pelo Lorde das Trevas, Harry — Sirius revirou os olhos — Sair de lá exigiu algum planejamento de nossa parte e, para isso, pensamos em dar uma olhada antes de ir buscá-lo, ver qual vizinho gostava de levar o cachorro para passear ou qual dona de casa intrometida também passava muito tempo regando as plantas, esse tipo de coisa.

— Não pensamos que seríamos os únicos a checar você nesses tempos — continuou Remus — Eles não estão lá todos os dias, eu não acho que tenham mão de obra suficiente para isso, mas nós discernimos um padrão em suas aparências e é por isso que marcamos nosso encontro tão tarde.

— E essas pessoas — Harry lutou com o termo quando tudo o que queria fazer era chamá-los do que eram: facilitadores, carcereiros — Eles são todos bruxos.

— A maioria se escondia sob capas da invisibilidade. Não tão boas quanto a que seu pai tinha — Remus sorriu — e outros usavam feitiços de desilusão.

— Quem os enviou?

— Pensamos em Dumbledore. Se fosse sancionado pelo Ministério, estariam usando vestes de auror e, se não usassem por que estavam disfarçados, então teriam se comportado de uma certa maneira que é fácil de reconhecer, se souber o que está procurando. Essas pessoas claramente não eram treinadas. Só alguém como Dumbledore teria influência e coragem de fazer algo assim debaixo do nariz do Ministério.

— Ele sabia — sussurrou Harry — Ele sabia o tempo todo o que estava acontecendo e não... ele nem mesmo... ele devia saber, não é?

— Não sabemos — disse Sirius — Não temos ideia de quanto tempo isso está acontecendo ou que tipo de informação essas pessoas levam para ele. Ele provavelmente tinha suas suspeitas, ele não é cego.

Cada palavra que saía da boca de Sirius encolhia Harry mais e mais dentro de si mesmo até que ele ficou balançando na beirada da cadeira com os braços em volta das pernas dobradas.

— Eu nunca quis que ninguém soubesse. Se ele sabia, suspeitava, então por que me mandou para lá? Por que ele não me levou depois que viu...?

— É o que nos perguntamos quando descobrimos. Dumbledore pode ser várias coisas, talvez sua pior qualidade seja seu ego, seu senso de justiça. O homem era uma força da natureza durante a última guerra e sempre houve linhas que não estava disposto a cruzar.

— Mas?

— Mas é um porta-voz do "bem maior", se é que isso existe — disse Sirius — Ele nunca desceria ao nível de Voldemort, fazer as coisas horríveis que ele fez, mas se ele acreditasse que um único ato de maldade pudesse salvar a vida de milhões... ele não hesitaria.

— A casa dos Dursleys — disse Remus — é cercada por barreiras impenetráveis. Só podemos adivinhar de que tipo, mas não é preciso ser um gênio para entender que é por isso que foi enviado para morar lá. Já se perguntou alguma vez sobre isso?

— Eu pensei que tinha sido enviado para os Dursleys porque eram meus únicos parentes vivos que poderiam me acolher.

— Acertou a metade. Eles eram, e ainda são, seus únicos parentes consanguíneos, mas estavam longe de ser os únicos dispostos a cuidar de você. Você é o menino que sobreviveu, Harry. Bruxas e bruxos lutariam uns contra os outros pela chance de criá-lo. Você vê como as pessoas reagem a você até hoje, e já se passaram 12 anos. Você fez o que nenhum bruxo, bruxa ou exército conseguiria.

Harry não conseguiu enfrentar a expressão quase admirada que tomou conta das feições de Remus. Ele abaixou os olhos para a mesa e desejou que o calor acumulado na nuca desaparecesse.

— A questão é que — Sirius insistiu — Petúnia é de longe o parente de sangue mais próximo de você. No mundo bruxo, o sangue carrega não apenas significado, mas também poder, poder mágico. De certa forma, você não poderia estar melhor protegido. Remus não conseguiu nem colocar os pés no gramado da frente, ele se virou e ficou confuso a tal ponto que eu tive que azará-lo para que ele voltasse ao normal.

— Tenho certeza de que foi por isso que você fez isso — resmungou Remus;

— Funcionou, não é? — Sirius o desafiou.

— Estou mais da metade convencido de que teria passado por conta própria.

— Eu não poderia correr esse risco, não é? Você estava pulando em círculos como um coelho perseguindo o próprio rabo.

— Coelhos não perseguem as caudas...

— Então você sabe o quão ridículo estava parecendo.

Embora tenha tentado bravamente manter uma expressão severa, o canto do lábio de Remus se contraiu e ele não conseguiu se conter para não compartilhar uma risada incrédula com seu amigo de longa data — um feito que ele tinha certeza de que nunca seria capaz de fazer novamente.

— Lobisomens ainda são registrados como criaturas das trevas e, com barreiras mágicas como aquelas ao redor da casa dos Dursleys, não estou falando apenas a de sangue, há outras também, não é surpresa que fui rejeitado antes mesmo de chegar perto demais. E como é o caso de barreiras que dependem de sangue — Remus puxou seu colarinho e endireitou sua postura, trazendo Harry de volta às aulas da tarde sobre grindylows e bichos-papões —, requerem sangue, embora não no sentido físico que possa pensar. A sua presença e de sua tia na mesma casa teria sido suficente para manter as proteções fortes e carregadas. Alguns meses durante o verão para um ano inteiro de proteção, mais a sua infância.

— E agora que não estou mais lá para carregar? — perguntou Harry — O que acontece?

— Vão enfraquecer até que deixem de existir. Vão se desintegrar.

Harry franziu o cenho.

— Eu odeio os Dursleys, mas não quero que corram perigo por minha causa. Eles não queriam nada disso.

— Aqueles bastardos merecem qualquer coisa que lhes acontecer — cuspiu Sirius com os olhos brilhando.

— Apenas as barreiras de sangue vão desaparecer — disse Remus, lançando olhares cortantes para Sirius — Os outros permanecerão intactos até que alguém propositalmente os derrube. Na chance remota de que alguém saiba onde você viveu e vá procurá-lo, os Dursleys serão protegidos.

Harry assentiu com a cabeça. Ele deixou o silêncio se estender o máximo que pôde enquanto organizava os seus pensamentos. Sua magia. Dumbledore. Os Dursleys. Ele não sabia por onde começar. Meia hora atrás, ele não teria pensado que a melhor parte do dia seria cair das escadas aos lamentos de uma banshee gritando sob os olhares vigilantes de elfos domésticos decapitados, mas ali estava ele.

— Voldemort vai voltar, vocês sabem — disse ele — Ele tem tentado há anos. A pedra, o diário. Ele chegou tão perto e vocês sabem quem o atrapalhou todas as vezes? Eu — a risada zombeteira de Harry deixou claro que não era ostentação — Não é nem de propósito, é como se eu fosse atraído quando algo ruim acontece e sempre me leva de volta a Voldemort. Para 12 anos atrás. Não pode ser coincidência — então sussurrou para si mesmo — É só questão de tempo.

— Não é coincidência — Sirius murmurou levemente — Existe uma profecia, Harry. Uma profecia que poucas pessoas conhecem. Voldemort não queria matar James e Lily por vingança. Ele estava tentando impedir que a profecia se tornasse realidade e, ao fazer isso, foi direto ao seu alcance. Eu acho que talvez a razão pela qual tudo isso continua acontecendo com você seja porque você está conectado a Voldemort através dessa profecia. E você continuará a ser atraído até que a profecia se cumpra.

Um ruído estrangulado escapou do fundo da garganta de Harry. Ele colocou a mão sobre a boca e fechou os olhos contra o ataque de lágrimas que ele podia sentir se acumulando. Sirius estava imediatamente ao seu lado, de joelhos dobrados enquanto ele hesitantemente corria os dedos pelos cabelos de seu afilhado.

Harry não fez nenhum outro som enquanto Sirius fazia o possível para confortá-lo. Quanto mais o tempo passava, porém, Harry ficava mais tenso até que ele tirou a mão de Sirius de cima dele e ficou de pé. Ele marchou até a janela com os braços cruzados e ficou de costas para eles.

— Quem sabia?

Remus e Sirius trocaram olhares preocupados.

— Seus pais nos contaram caso algo acontecesse com eles — Remus disse cuidadosamente — Pensando nisso agora, é nossa sorte que Peter não tenha conseguido ir ao jantar. Alice e Frank, os Longbottom, eles sabiam. Você e o filho deles ,Neville, se encaixavam na descrição. Dumbledore lhes contou que ouviu direto da boca do oráculo. Um Comensal da Morte também estava lá. Ele ouviu a segunda metade da profecia antes de ser expulso.

As respirações profundas e controladas de Harry ecoaram na sala.

— Quem?

— Isso é tudo o que sabemos. Ou Dumbledore não sabia, ou ele não queria dizer — disse Sirius.

— Então ele só sabe a metade — sussurrou Harry — Sabem o que dizia? A profecia? As palavras exatas?

— Nunca poderia esquecer, mesmo se quisesse — Sirius pigarreou — Aquele com o poder de derrotar o Lorde das Trevas se aproxima. Nascido daqueles que o desafiaram três vezes, nascido quando o sétimo mês terminar. E o Lorde das Trevas irá marcá-lo como seu igual, mas ele terá um poder que o Lorde das Trevas desconhece. E um deve morrer nas mãos do outro, pois nenhum deles pode viver enquanto o outro sobreviver. Aquele com o poder derrotar o Lorde das Trevas nascerá quando o sétimo mês terminar.

Um batimento se passou. A dificuldade na respiração de Harry foi educadamente ignorada.

— Mais alguma coisa? Foi só isso? — Harry se virou para os dois homens e fixou os olhos neles.

— Já não é o bastante? — Sirius riu sem alegria.

— Talvez você deva tomar um tempo para processar, Harry — implorou Remus — Não precisa pensar sobre isso agora, você tem tempo e pode...

— Tem certeza? — interrompeu Harry — Apostaria sua vida nisso? Tenho 13 anos e já enfrentei Voldemort três vezes! É a mesma quantidade de vezes que meus pais, certo? É por isso que eles foram mortos — ao proferir essas palavras, pareceu murchar diante de seus olhos. Ele desapareceu entre as roupas velhas do primo e tudo o que restou foi um par de olhos esmeralda fitando-os do rosto de um menino — Estive no centro de todas as coisas terríveis que aconteceram no mundo bruxo desde antes mesmo de saber sobre isso e, se eu deixar isso me atingir agora...

— Você pode sentir o que quiser, Harry — disse Remus — Isso não muda isso e certamente não usaríamos isso contra você se você se sentir assustado, com raiva, traído.

— Sim, não. Obrigado. Vi, comprei, experimentei, e não funcionou muito bem para mim, acredite ou não — disse Harry — Moony, eu estou preso de qualquer forma. Eu sinto isso. Posso continuar chutando, gritando e choramingando, ou posso fazer algo a respeito ao invés de esperar o próximo desastre acontecer.

Suas palavras soaram fortes, mas havia algo desesperado e suplicante pairando sobre as rugas nos cantos de sua boca, o conjunto de seus olhos, a inclinação de seu queixo. Algo que enviava sinal de fumaça, ordenando que não o pressionassem mais, que dizia "me toque e eu vou quebrar".

— Tudo bem, tudo bem — as mãos de Sirius estavam com as palmas para a frente, como se ele estivesse orientando o tráfego — Se é o que você quer.

A zombaria de Harry se transformou em uma bufada no meio do caminho.

— O que eu quero? Acho que estamos um pouco longe disso no momento. Se eu tivesse feito do meu jeito e tivesse dinheiro para isso, teria pelo menos tentado fugir há séculos para viver sozinho. Teria ficado melhor. Eu não seria aquele garoto pobre e desajustado da vizinhança legal, eu seria apenas aquele garoto pobre.

— Estou feliz por você nunca ter conseguido então — disse Sirius — Se você tivesse, não há como dizer o que teria acontecido com você, comigo, Remus... Você dificilmente viveram em uma crise com todo o dinheiro dos seus cofres, mas eu gostaria de pensar que ainda é melhor assim.

— Cofres — Harry resmungou o "s" — Grampo disse que só tinha dinheiro suficiente para durar até o final da escola e eu não acho que financiar minha fuga seria o que meus pais tinham em mente.

— Você tem os outros cofres — quando Remus recebeu apenas um olhar vazio em troca, insistiu — Você deve saber sobre os seus outros cofres. Você é o último herdeiro sobrevivente da linhagem Potter e pensou que a única coisa que restava a você era um fundo fiduciário da escola?

— Eu... acho que nunca pensei sobre isso — gaguejou Harry — É uma das principais coisas que os Dursleys sempre reclamaram, que era apenas um desperdício do pouco dinheiro que eles tinham.

— Se sua família não fosse tão franca em suas crenças, provavelmente ainda fariam parte dos Sagrados Vinte e Oito — Sirius parecia divertido.

— Quê?

— As casas mais antigas e nobres da Grã-Bretanha bruxa. Outra maneira de saber quem são as famílias mais influentes e ricas com base no status de sangue puro — disse Remus — São aquelas famílias que possuem assentos em Wizengamot junto com alguns poucos escolhidos que não foram escolhidos, mas que ainda assim são respeitados na comunidade. Os Potters mantiveram os assentos?

— Ah, com certeza. Um dos maiores calcanhares de Aquiles da minha mãe junto com os traidores Weasley — riu Sirius.

— Ninguém nunca me disse isso — disse Harry, pensando que, para alguém cuja família estava tão enraizada na história da magia, ele tinha certeza de que nunca se sentiu tão afastado dela quanto naquele momento.

Alguns de seus pensamentos devem ter transparecido em seu rosto, porque Sirius disse:

— Essas coisas – os costumes, tradições e regras, geralmente são transmitidas pela linhagem familiar desde a mais tenra idade. Sangues puros crescem aprendendo essas coisas, então não é surpresa que você não saiba. É estúpido e desatualizado, a epítome da intolerância bruxa. Eu mesmo fui alimentado à força com essas regras ridículas, mas isso não significa que não vale a pena conhecê-las, Harry. Os velhos sentados em Wizengamot comandando o governo precisam de uma boa sacudida de suas preciosas tradições, se você me perguntar. Navegar no seu caminho através da política bruxa do jeito que eles fazem é como jogar xadrez bruxo.

— Faço um movimento errado e serei atingido na cabeça por uma cadeira?

— Você ficaria surpreso — sorriu Sirius.

Harry sorriu de volta para ele. Não demorou muito quando o pensamento veio a ele que, nos três anos que tinha feito parte do mundo bruxo, nem tinha aprendido o básico de sua linhagem e perdeu uma forte conexão com sua família que poderia ter tido o tempo todo.

— Esses cofres — começou — São meus? Eu posso vê-los?

— Você ainda é menor de idade, mas com o seu tutor legal presente, é bem-vindo para explorar como quiser, embora só sejam verdadeiramente acessíveis a você sem minha permissão expressa quando atingir a maturidade. Dezessete no mundo bruxo — explicou Sirius.

— Os duendes são um povo neutro aqui para fazer negócios — continuou Remus — Eles não vão se importar que Sirius seja procurado pelo Ministério, só o entregariam se tivessem algo a ganhar com isso. Como está agora, Sirius é o chefe da família Black, e um dos Sagrados Vinte e Oito. Duendes não se importam muito com política bruxa, mas mesmo assim, sabem o que pode significar ter uma família tão poderosa quanto os Black do seu lado.

— Eu digo que está na hora de fazermos essa cláusula de confidencialidade trabalhar a nosso favor — Sirius sorriu de forma lupina — Estava ficando cansado de só os Comensais da Morte receberem todas as vantagens de dinheiro por aqui.

Harry apertou os olhos para o termo e Remus disse:

— É assim que os seguidores de Voldemort se chamavam.

— Apropriado.

Um relógio de pêndulo tocou em algum lugar dentro da casa, seus ruídos atingiram os residentes sentados à mesa da cozinha e forneceram um cobertor de distração bem-vinda enquanto cada um se concentrava em suas próprias reflexões internas.

Sirius se lembrou da última vez em que se sentou à mesa, mãe e pai ainda vivos, um Comensal da Morte em formação, Monstro mancando e saltitando em torno de cada capricho de sua mãe. Talvez a única atividade que eles compartilhassem como uma família foram aqueles poucos segundos que cada um reservou para encarar Sirius, vestido de vermelho e dourado da cabeça aos pés enquanto eles os regalava com contos que sabia que eles desaprovariam e seria punido mais tarde, mas não conseguiu se importar com a expressão de indignação e fúria nos rostos de seus pais.

Remus estava pensando na guerra. As noites passadas amontoados em volta da sede — uma diferente a cada semana para manter os Comensais da Morte em alerta. Ele se lembrou de James, o cabelo bagunçado, igual ao do filho, caindo em seus olhos enquanto se inclinava sobre um mapa estendido em uma mesa velha e instável, movendo pontos que representavam inimigos e amigos lutando uns contra os outros em linhas caóticas de violência. Lily estava de lado, conversando com Olho-Tonto e Alice Longbottom em gestos selvagens e dando um soco em sua mão para provar um ponto antes de apontar sua varinha e latir uma ordem.

Eles eram uma força imparável — brilhante e incomparável por quase qualquer outra. Eles eram água e óleo derramados um no outro, trabalhando juntos perfeitamente enquanto deslizavam um contra o outro, mas nunca perdendo sua própria essência, a centelha que os tornava quem eles eram, separados e juntos. Eles poderiam conquistá-lo em um piscar de olhos e nocauteá-lo com um feitiço bem localizado.

Foi a primeira vez em mais de uma década que as memórias de seus amigos não o atingiram como uma onda de dor, ameaçando se tornar o redemoinho que o puxaria para novas profundezas de depressão inexploradas.

Harry pensou em seus pais também. Ele pensou no que eles poderiam tê-lo deixado nos cofres que nunca lhe contaram que ele tinha. Ele pensou no que teria acontecido se ainda estivessem vivos, se seu pai o teria levado para ver o legado Potter pessoalmente ou se ele teria esperado até o seu aniversário de 17 anos — o melhor presente que poderia conseguir depois de ouvir histórias das grandes coisas que seus ancestrais realizaram e guardaram para sempre.

Ele se perguntou se seus pais já tiveram explosões como a dele, se já tiveram medo da magia que carregavam em si, pensando que os tornava abençoados e amaldiçoados em partes iguais, pois seriam evitados por ambos os mundos se eles deixassem escapar do controle. Harry olhou para as palmas das mãos e viu cânions nas linhas enrugadas da pele, cavernas escondidas nas depressões entre os dedos e estradas de ferro mapeando os rastros de sua vida nas pontas de seus dedos.

Por último, ele pensava que, com seus pais ao seu lado, ele nunca saberia como era se sentir entre sua própria espécie.

— Existe alguma maneira de me ensinarem outras coisas também? — perguntou Harry, o dedo médio correndo ao longo da forma de sua sobrancelha esquerda — Todos os outros no mundo bruxo, eles sabem mais do que eu sobre tudo. Meu primeiro dia em Hogwarts e foi Hermione quem me disse que escreveram livros sobre mim – todos sabiam quem eu era antes mesmo de mim. Eu não me encaixo no mundo trouxa porque sou um bruxo, e agora não me sinto encaixado no mundo bruxo porque fui criado completamente como trouxa. Seria apenas... bom, se eu não fosse o último em tudo pelo menos uma vez — seus olhos verdes perfuraram-nos suplicantes e Sirius e Remus não tiveram problemas em ceder ao seu desejo.

— Estamos aqui para tudo o que você precisar. Cá entre nós, acho que temos uma boa variedade de coisas para lhe ensinar, tínhamos uma reputação a manter como marotos em Hogwarts, mas não significa que éramos desleixados — disse Remus.

— No mínimo, as pegadinhas nos ajudaram a nos tornar melhores alunos, melhores homens para os próximos — Remus zombou em voz alta — e são valores que eu não poderia, em são consciência, permitir que você vivesse sem. O que é um homem, se não a soma de sua melhores pegadinhas e...

— Adoraríamos ajudá-lo, Harry. Podemos começar mostrando seus cofres. Gringotes abre as portas no primeiro raiar do dia, seremos os únicos lá por algumas horas. Teríamos que disfarçá-lo por enquanto, é claro, pois não podemos permitir que o reconheçam quando o seu desaparecimento chegar em certos ouvidos — Remus se virou para Sirius e disse — Teremos que enviar uma coruja para Dumbledore. Harry está seguro conosco. Isso provavelmente não o impedirá de conduzir sua própria busca, mas pelo menos não alertará as autoridades. Quanto menos pessoas souberem que você se foi, Harry, melhor.

— Então vamos ter que adicionar mais pessoas nessa lista porque eu já disse a alguém que estava indo embora. Eu não disse para onde ou que era você — ele disse apressado —, mas ela definitivamente deveria saber. Eu não estou na Rua dos Alfeneiros agora. Ginny não vai contar a ninguém, eu juro.

Sirius e Remus se encararam em uma conversa silenciosa.

— Algum de seus outros amigos sabe que você se foi?

— Não tive tempo de escrever nada para eles, nem para Ginny — Harry mordeu o lábio.

— Vamos manter assim então — Harry tinha um protesto na ponta da língua, mas Sirius o interrompeu — Por enquanto. Até termos certeza de que está seguro.

Harry assentiu relutantemente.

Sirius juntou as xícaras e as levou para a pia para lavar, Remus de pé ao seu lado com um pano de prato à mão. Eles guardaram as xícaras em silêncio, que só foi interrompido quando Sirius pegou uma faca e começou a cortar os vegetais, voltando-se para Harry enquanto falava.

— Essa garota, Ginny, por acaso não seria a garota Weasley... Ginevra, certo?

— Sim, o irmão dela, Rony, é meu melhor amigo. Ginny é um ano mais nova que nós.

Sirius cantarolou.

— Eles são todos ruivos, não? Até a garota.

Harry viu Remus dar uma cotovelada nas costelas de seu padrinho.

— Bem, sim. O tom dela é um pouco diferente, mais profundo, mais como fogo do que o laranja dos irmãos. Por que a pergunta?

— Por nada — Sirius derrubou os vegetais em uma panela com água e ligou o fogo — Ela é bonita?

— Almofadinhas — Remus o alertou, embora tenha escondido um sorriso por trás da gola do suéter.

— Sim — Sirius e Remus viraram-se para olhá-lo nos olhos e Harry sentiu um calor intenso espalhar-se por seu pescoço e chegar às bochechas — Quero dizer, eu realmente não notei, mas suponho que sim — ele ficou de pé e manteve os olhos focados nas mãos enquanto tomava o cuidado desnecessário de lavá-las na pia.

Remus e Sirius murmuraram uma resposta. O resto da refeição se passou em um silêncio sociável.