Nota: Olá pessoas. Esta pausa nos capítulos traduzidos deveu-se essencialmente ao meu medo da alteração de linguagem que vou fazer.

Este capítulo é depois de um timeskip. A Claudia tem 17 anos aqui. E vou usar este salto para justificar a mudança de tratamento dela para com o Undertaker - não que não o respeite, mas tornou-se mais familiarizada e confortável com ele, ao mesmo tempo que, mesmo achando/sabendo que ele é a Morte (e portanto superior), ele basicamente a serve/trabalha para ela.

Há partes mais à frente em que a linguagem do 'vós' me fazia confusão. Assim tenho esta desculpa para que, chegando a esse ponto no futuro, já tenha a linguagem alterada.

Aviso: Conversas sobre suicídio do ponto de vista de uma entusiasta mórbida e de um Shinigami.

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1847

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- Undertaker?

- Hmmm?

- És uma raridade bastante especial, não é verdade.

- Eh? Especial? Achais?

- Conheço-te há uma eternidade.

- Dezassete anos e... precisamente seis meses, minha querida. Perdoai-me mas atrevo-me a dizer, isso dificilmente é uma eternidade.

Claudia semicerrou os olhos, todo o peso e altura dos seus longos e experientes dezassete anos de vida expressando a sua ofensa.

- Estava a tentar elogiar-te. Era uma lisonja. Poderias tomá-la como tal? Obviamente sei o que és.

- Oh~

- Serei eu quem tem de referir que não envelhecesses? As pessoas depressa vão começar a formar as suas suposições e alimentar as suas imaginações pelo teu aspecto e linha de trabalho. Estou surpreendida por não ter ouvido rumores de que raptas jovens virgens para lhes beber o sangue. Deus sabe que saberias como esconder os seus corpos.

- Ha ha ha, Claudia, minha querida. Vampiros não existem.

- Não?

- Descansai-vos, não existem. Apenas Humanos iriam beber o sangue uns dos outros.

Ela parecia desiludida. Undertaker riu baixinho.

- Não me digais que desejáveis que existissem vampiros?

- Bem, há demónios e existes tu. Certamente há mais por aí. - A marca da sua imagem de criança estava tão profundamente gravada nas feições adolescentes que era praticamente adorável. Ela queria mais monstros no mundo!

Mesmo por entre risos, Undertaker voltou a notar como, apesar de ela sempre ter sabido, nunca o chamara pelo nome. Grim Reaper. Morte. Não directamente - concedia uma certa aura sinistra ao nome. Quanto tempo passaria até alguém o voltar a dizer em voz alta?

- Então todos os monstros são humanos?

- Quase todos eles.

- Alguns considerá-lo-iam um paradoxo, talvez. Desejava mesmo que houvesse mais para descobrir.

- E há. Mas no que toca aos monstros que procurais, de facto, os humanos dão origem à maioria deles.

- Então os 'verdadeiros' monstros são seres humanos. A nossa natureza permite-nos ser mais desprezíveis do que demónios.

- Também vos permite serem mais complexos e interessantes.

Claudia pestanejou perante as suas palavras, analisando-as enquanto bebia o seu chá.

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O Conde Phantomhive faleceu nesse ano.

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O luto que começara a ver em outras pessoas finalmente alcançou Claudia - e a dor que lhe provocou a ele foi surpreendente.

A morte não tinha qualquer relação para com ele - era o pai de Claudia, não seu conhecido próximo - mas tinha relação para com ela. A tristeza dela ressoou nele como se fosse dele - um sentimento que não experienciara ao mais longo dos tempos.

A tristeza e o luto demonstrado pelos seus hóspedes e clientes finalmente alcançou alguém por quem ele se preocupava, e por extensão, alcançara-o a ele.

Undertaker não questionou a morte do Conde. A doença fora surpreendentemente rápida na sua corrosão da saúde e corpo do homem, mas não foi terrível. O Shinigami que ficara encarregue daquele nome em particular na lista do dia não teria demorado muito a realizar a sua análise - apenas mais uma morte, não uma horrível, apenas mais um dia de trabalho.

O homem vivera a sua vida, e com certeza teria mais sonhos e intenções que nunca iria concretizar. Mas isso é...

...a vida. Vida é morte.

A dor foi o que prendeu a sua atenção dessa vez.

A dor do luto. Da perda.

Não deveria magoar, já não.

Mas magoou. Não pelo homem, mas pela dor de Claudia, as suas lágrimas, a sua perda de alguém tão importante na sua vida.

Undertaker sabia que ela ficaria bem - a dor passaria. Mas a dor neste momento era...

...não era interessante. Era desoladora.

Quão triste seria, se ela não voltasse a sorrir de novo.

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E juntamente com todo o luto, o novo Cão de Guarda da Rainha começou o seu trabalho.

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Quão triste seria, quando Claudia-

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- Quando se torna enfadonho o conceito de morte? - perguntou Claudia quando o seu mordomo terminou de servir o chá preto na chávena à sua frente.

O pôr do sol brilhante pintava a sala de estar em tons quentes e calmos. Mais uma vez, nesta Londres normalmente tão sombria e enublada e drenada de cor, não deixou de registar na mente de Undertaker o quão curioso era que as anteriores visitas à casa de verão dos Phantomhive tinham sido sob a mesma luz colorida.

Undertaker pegou na chávena que o mordomo lhe servira, agradecendo ao homem e bebendo o chá sem qualquer cuidado com etiqueta. Claudia não parecia particularmente incomodada por isso, e beberricou o seu chá. O aroma fresco a limão que tinha sido acrescentado era maravilhoso.

- A morte em si é aborrecida - começou ele. - Costumava pensar isso durante muito tempo. Então aos poucos, questionei-a, e isso abriu toda uma nova perspectiva da vida. A morte não é questionada habitualmente, tendo em conta a inutilidade de tal coisa, mas eu fi-lo. Com o tempo, creio... comecei a redescobrir o seu fascínio.

- Fascínio com a morte?

- Hmm~

- Como assim? - pressionou Claudia após o seu mordomo se retirar da sala. - Numa perspectiva de ela atribuir valor à vida?

- A vida é um assunto fascinante para mim. Os humanos são fascinantes. A minha noção de tédio acerca da morte começou a mudar ligeiramente por esse motivo. A morte sendo uma parte tão relevante da vida. Recuperou um certo apelo para mim. Antes, só me focava nos efeitos que exercia no corpo da pessoa, no final das suas vidas per se. Tornei-me mais atento nos efeitos que exerce nas pessoas à volta do falecido. Curioso com os mecanismos do corpo em si, porquê e como a pessoa morre e o que acontecesse no interior no corpo. Tudo privilégios advindos da minha linha de trabalho de coveiro.

- Imagino que se tornaria tedioso passado pouco tempo. Uma banalidade. Após a tragédia ser vista muitas vezes, perde o seu impacto.

- Como disse, foi assim durante bastante tempo.

- E então questionaste-lo.

- Sim.

- Como nós fizemos àqueles anos atrás, com aquele rapaz? Aquela vítima.

Undertaker recordava-se de forma bastante vívida. Tal como se recordava daquele jovem inventor, anos antes. Tal como se recordava da imagem que a sua mente produzira, de uma Claudia morta pronta para enterro.

- Sim. Porque motivo não poderão continuar.

- A parte mais difícil de acabar é recomeçar de novo - disse Claudia. A frase pareceu provocar uma outra questão na sua mente, mas demorou um momento a prosseguir. Undertaker sentiu a sua hesitação, algo que chamou a sua atenção. Claudia não era o tipo de pessoa de reprimir as suas perguntas.

O silêncio perdurou um momento mais.

- Já tentastes terminá-la? Matar-vos?

A mão de Undertaker estacou por um instante, quase demasiado rápido para ser perceptível. Mas Claudia viu. A sua interpretação do gesto foi guardada para si, e aguardou em silêncio. Quando o momento se estendeu mais do que ela esperara, o seu rosto demonstrou uma expressão diferente.

- Peço desculpa. Fui demasiado brusca. - Nunca ouvira Claudia admitir um descuido. - Devia tê-lo guardado para mim.

Undertaker não estava ofendido pela pergunta - apenas surpreso. O tempo que demorou a divagar fora claramente demais, e fizera Claudia vacilar. Teriam as suas cicatrizes provocado a questão, ou teria a recente perda vertido mais pensamentos sobre a morte na sua mente brilhante... claramente, ele demorara demasiado a pensar sobre isso em vez de lhe responder.

- Eu é que tenho de me desculpar. Está tudo bem. - Sorriu, para a assegurar da verdade das suas palavras. Não pareceu resultar. - Grandes doses de morfina podem sufocar a dor, mas a quantidade errada colocar-vos-á num asilo.

- Foi assim que a minha avó tirou a vida - explicou Claudia, inclinando-se para a frente, a sua postura agora rígida.

Ele sorriu de novo. - Eu sei, criança.

Claudia pestanejou. Apesar do seu tom não se ter alterado e o seu sorriso se ter mantido tão divertido como sempre, Undertaker sabia que ela tinha aquela faísca de deslumbre nos olhos ao olhar para os dele, aquela mesma confirmação silenciosa como quando ela era uma criança disfarçada com roupas andrajosas; como quando era uma bebé, sorrindo ao lado do cadáver da avó.

- Talvez seja por isso que sempre tive tanto interesse no outro lado da vida - acrescentou ela em voz baixa, aparentemente pensando em voz alta. Voltou a pestanejar e levantar a voz. - Depois de todos estes anos e apesar da era em que vivemos, creio que já terás notado que não tenho muitas conversas desta natureza com qualquer pessoa. Mesmo com o interesse generalizado no horrendo e no mórbido... é sempre mesquinho como te declaram digna de um asilo pelos mais pequenos lapsos segundo os seus critérios.

- De facto - ele sorriu pelas memórias dos mencionados anos passados. - Mas continuando com a vossa questão. Sim, tentei matar-me. A vossa avó foi muito mais eficaz no seu método do que eu. Pela aparência de alguns dos meus hóspedes, vejo que os asilos não mudaram muito.

De novo, memórias. Quanto ele gostava de lhes sorrir agora.

Claudia estava a observá-lo atentamente. De alguma forma ele supôs que ela estava a ponderar as suas palavras, os seus olhos a traçarem as cicatrizes no seu rosto. Não seria anormal considerá-las infligidas por um anterior tratamento, ou a sua personalidade excêntrica ser recomendada para um asilo - ela não poderia saber como ele era antes das anteriores longas décadas.

- Algum método de preferência - perguntou ela em vez disso - caso pudesses escolher como morrer?

Ele queria encorajá-la a continuar a ponderar, e por isso sorriu. - Estais a perguntar-me caso eu quisesse terminar a minha vida, ou como eu escolhi fazê-lo?

A surpresa estava agora do lado dela, e ver o sorriso dele, tomou-o agradavelmente como uma provocação.

- Qualquer uma.

- Objectos cortantes em veias tenras podem ser bastante eficazes, se souberes quais cortar. Se errares, vai simplesmente requerer mais tempo. E pessoas podem intervir.

- Não foi assim que decidiste fazê-lo.

Undertaker encolheu os ombros, sorrindo.

Claudia não estava a ponderar um método de suicídio para si própria. O tema era simplesmente interessante para ela. Outras pessoas que pudessem ouvir a conversa deles iriam abanar as cabeças a esta jovem mulher, achando que ela se afundava em tristeza pela morte do pai e se afogava num ciclo que iria tomar também a sua mãe refém; pensamentos aparentemente depressivos que as poderiam mandar a ambas para asilos.

Quando a verdade era que ela estava cheia de vida - e os pensamentos sobre morte só lhe davam mais vida. Cheia de vida, e ele certificar-se-ia que ela viveria uma longa. Para que estas conversas pudessem continuar, e as suas divagações sobre vida e morte pudessem um dia criar algo novo.

Se ela alguma vez atentasse contra a sua própria vida, ele estaria lá para a travar.

- Então e vós?

- Eu? Oh, eu tive a maior epifania acerca do assunto há alguns anos - respondeu Claudia, beberricando o seu chá calmamente antes de pousar a chávena e continuar: - Um dos meus pretendentes... supostos, considerados, interessados, fosse o que fosse que aquele era suposto ser... tentou cortejar-me uma vez numa festa. Uma valsa, recordo-me. Se aceitaria uma valsa. Não gostei imediatamente do rapaz, mas tentei entrar numa conversa com ele. Alguma interessante, pelo menos.

- Que outro tipo de conversa poderíeis desejar?

- Experiência horrível. Ou talvez esclarecedora, dependendo da perspectiva, pois funcionou para a minha epifania. Portanto, como estava a dizer, perguntei-lhe que peça literária ele preferia discutir. Fiz questão de começar com 'Hamlet' de Shakespeare.

- Não esperaria qualquer outro gosto.

- Eu tenho bom gosto. Mas aquele rapaz, aquele estúpido rapaz. Ficou chocado que uma dama como eu iria desperdiçar tempo a ler, ainda mais novelas românticas. 'Românticas'.

Undertaker riu audivelmente ao resquício de descrença, tão perto de ofensa, no rosto de Claudia; uma mostra da expressão que ela exibira nessa ocasião agora recordada. Ele adoraria lá ter estado, ter-se-ia desmanchado a rir.

- Só posso imaginar como terá corrido.

- Não deixa muito à imaginação, na verdade. Permanece o meu método desejado de morte. Disse-lhe 'Uma mulher feliz eu seria se morresse neste preciso momento esmagada por uma tonelada de livros, para ser poupada de aturar a vossa ignorância por mais um segundo'.

Voltou a beber o seu chá, epítome da nobreza, e acrescentou:

- E podiam escrever na minha lápide 'Tragam livros, os últimos foram de morrer por mais'.

O chá na boca dele espirrou para todo o lado, e ele mal se importou por desatar a tossir por entre as gargalhadas. Mal conseguia ver os contornos de Claudia do outro lado da mesa, mas só imaginar a sua reacção foi suficiente para o fazer rir ainda mais.

- Que mórbido, Claudia - conseguiu ele arquejar por entre os risos. - Que maravilhoso!

- Bem, é verdade, não é? - disse ela, mas a sua compostura foi traída pelo sorriso frio transformando-se num riso. - Céus, parecemos uns tolos. Não pretendia dizer algo tão idiota.

E ela desatou a rir. Undertaker ecoou o riso, agora com acréscimo de a ouvir rir de forma tão despreocupada. O seu peito e barriga quase doíam, muito provavelmente pelo esforço e pressão que se tinham tornado tão completamente anormais para ele. Nem sequer se lembrava de alguma vez ter rido desta forma. Se o fizera, fora há uma vida atrás. O riso contagioso partilhado era demasiado precioso para ele se importar com a dor. Era maravilhoso.

- Desculpa, eu tenho um sentido de humor horrível! - tentou Claudia dizer, a voz esganiçada de forma tão pouco característica e tão cómica. O rosto tornara-se rosado e ela tinha o brilho de lágrimas nos cantos dos olhos. - Que tolice.

- Adoro o vosso sentido de humor! - assegurou Undertaker, a sua voz a quebrar ridiculamente e ele cacarejou, completamente sem fôlego. A barriga estava a doer tanto que teve de a agarrar enquanto atirava a cabeça para trás e ria. Provavelmente ia acabar por cair a este ritmo.

Quando achou que o momento tinha acalmado, com a necessidade de respirarem e o pico de adrenalina a desvanecer, a sua mente foi buscar de novo a imagem de Claudia e a sua severidade aristocrática e voz pragmática dizendo aquelas palavras hilariamente mórbidas. Um novo relance entre eles, e ambos se engasgaram e desataram a rir.

Como podia descrever isto? O que estava a sentir, que não fosse felicidade? Uma coisa estranha, em tempos incompreensível. Uma coisa tão anormal, agora tornada tão clara ao ponto de ser palpável, uma torrente maravilhosa. Era estranho, a leveza no peito embora estivesse simultaneamente pesado pelo esforço e doloroso pela necessidade de oxigénio, os pulmões a protestar por ar. Rir e sorrir, aqueles eram dois sinais de que estava feliz, não eram?

E estava. Se Claudia era quem lhe provocava isto, então ela era a fonte da sua felicidade.

E ela era.

Undertaker moveu a mão para o rosto, sentindo as lágrimas que tinham tão livre e inesperadamente caído dos seus olhos, deslizando sobre as cicatrizes e caindo ao seu colo.

A vida era fascinante.

- Ah, céus. Não me lembro quando foi a última vez de ri desta forma! - Nunca imaginara que o voltasse a fazer.

Claudia enxotou uma lágrima do canto do olho, os risos fazendo a sua mão tremer. Uma nova onda de gargalhadas irrompeu entre eles e deixou-os sem fôlego e a chorar.

- Ah, quão triste seria - disse Claudia, as faces coradas e sorriso gravado profundamente no seu rosto - se o riso desaparecesse.

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continua

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