Nota: Como este fic não os segue como um casal, o Undertaker e o Cedric são pessoas diferentes.

A Claudia tem quase 20 anos no começo, pouco mais de 21 no fim.

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1850

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A perspectiva de casamento nunca parecera ser a mais emocionante para Claudia. O seu amor por crianças já fora partilhado mais do que uma vez, mas quer casamento quer maternidade tinham o seu custo no seu tempo, mesmo com uma panóplia de criados à sua disposição.

Apesar disso, o seu noivado era consideravelmente tardio na sua idade. E com o falecido Conde Phantomhive já não estando entre os vivos, não poderia ser ele a tomar o seu devido lugar nos protocolos necessários para as preparações do casamento. Fora uma das maiores preocupações da mãe de Claudia após o falecimento do seu marido, e tomou a tarefa em suas mãos. A severidade que lhes corria no sangue do seu lado da família parecia ter engrossado e agravado com a viúvez.

Após as notas manuscritas a informá-lo do noivado, uma das quais fora surpreendentemente enviada a Undertaker, Claudia só partilhou dois comentários sobre o seu noivo. Também partilhou resumidamente os contornos da sua discussão com Lady Phantomhive sobre a questão de Claudia permanecer dentro de casa, como seria esperado que fizesse para acompanhar todos os preparativos e etiqueta do seu noivado.

- Estou a ver que correu bem~

- Porque raios haverei eu de negligenciar o meu trabalho para a Rainha? - denotou Claudia, andando para trás e para a frente na funerária.

- Poderia sempre fornecer-vos a informação que requeríeis sob olhar atento da senhora vossa mãe~

Claudia lançou-lhe um olhar fulminante que o fez rir.

- E trazes cadáveres debaixo do braço enquanto isso, sim? Tenho a certeza que ela adoraria um membro decepado no meu vestido de noiva.

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Com a data aproximando-se rapidamente, Lady Phantomhive tomou o seu lugar de matriarca da família e de mulher assustadora. Brevemente casada ou não, Claudia ainda estava claramente sob comando e controlo da nobre viúva.

Undertaker assustou o jovem criado incumbido de lhe entregar uma mensagem de tal forma que lhe tirou anos de vida. Servo dos Phantomhive ou não, não era toda a gente que estava habituada a ter uma mão branca de unhas negras agarrar-lhe o ombro saída de um caixão.

Após recuperar o fôlego com dificuldade por soltar tantas gargalhadas que caiu ao chão, Undertaker aceitou o envelope selado e agradeceu ao criado, que estava mais do que ansioso em sair da loja e não regressar até à hora da sua morte.

Ainda a tremer de riso, Undertaker leu a nota. Só para rir ainda mais alto de seguida.

Tenho de participar nos preparativos finais do meu casamento. Tenho também séria necessidade do livro que discutimos.

Por favor visitai a mansão hoje à hora do chá.

C.P.

Ora.

O Cão de Guarda da Rainha estava de castigo.

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'O livro que discutimos' referia-se simultaneamente a algo literal e figurativo. Undertaker cruzara-se com uma pequena compilação de poemas de uma aparente noiva suicida (se as suas palavras se tivessem concretizado, teria agora ceifado mais do que a alma do seu noivo) assim como uma colecção de detalhados desenhos de borboletas, material de pesquisa para o caso que Claudia estava a investigar para a Rainha.

- Bem-vindo - o mordomo dos Phantomhive parara de tentar encontrar o título que sentia ser mais adequado para um informador de Claudia, decidindo contra um 'meu lorde' mais formal e um ' Undertaker' demasiado informal; nenhum dos quais o teriam aborrecido de forma alguma, mas Undertaker rira da primeira vez que o homem se lhe dirigira como 'lorde'.

Undertaker cumprimentou-o e entrou na mansão, achando sem qualquer dificuldade a frígida e assustadora Lady Phantomhive no topo das escadas. O seu rosto era a mesma máscara da sua falecida mãe, o que significava que, se estava agradada com o facto de a sua filha estar claramente a obedecer às suas ordens, não traía tal expressão.

- Tanaka, por favor acompanha a minha filha e o cavalheiro - ordenou ela, abandonando lenta e sinistramente o hall que em breve estava apinhado.

Claudia apareceu passado pouco, absolutamente exasperada e perseguida por pelo menos três criadas. A sua cara parecia uma paródia da da sua mãe, e percorreu um espectro inteiro hilariante de pânico impotente, raiva acumulada e puro alívio quando encontrou a figura alta e negra no meio do hall, a apreciar o espectáculo.

- Óptimo, estás aqui. Vais provar um pouco do que é o Inferno.

Undertaker teve pouco tempo para se engasgar antes da mão de Claudia se cerrar em torno do seu pulso e ele voar atrás dela, vendo-se cercado de uma horda de criadas e, em pouco tempo, quilómetros de tecido branco e renda e uma estilista que certamente iria iniciar um legado de alfaiates excêntricas.

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- Estás familiarizado com as lendas de borboletas serem almas humanas transformadas? É um mito e um conceito que atravessa diferentes culturas.

- Estou.

- Interessante, não crês? - Claudia conseguiu perguntar antes de ser esmagada num corpete.

O mordomo não parecia de todo confortável, e não tendo qualquer conhecimento ou decoro pela etiqueta, Undertaker teve de se interrogar se haveria mais alguma nobre dama inglesa que tivesse dois homens por perto enquanto a dita dama confeccionava o seu vestido de noiva.

- My lady, deveríamos... - tentou o pobre Tanaka, recebendo um imediato olhar de morte que o pregou ao chão.

Quanto a Undertaker, estava presentemente a servir de cabide, braços esticados a segurar o tecido branco mais brilhante que alguma vez vira, mesmo comparado com os tecidos mais caros com tinha para os seus hóspedes na funerária.

Quando Claudia regressou à superfície após ter o que parecia ser um enorme objecto de tortura esmagado desde a sua cabeça até ao peito, Undertaker tentou retomar a sua conversa.

- Estáveis a dizer?

- Ugh. Borboletas. Almas.

- Sim. É interessante. Pergunto-me se será verdade - Parecia poético. O que provavelmente significava que não era verdade. Todos aqueles amantes suicidas também tinham tentado ser poéticos e acabaram por descobrir que a verdade do seu 'amor para sempre' não era o que desejaram. Já a ironia, por outro lado, seria um sinal garantido para saber se as lendas eram verdadeiras.

Undertaker ainda estava para ver uma alma transformar-se numa borboleta.

- Mr Tanaka! Mr Tanaka! - chamou uma voz do exterior. O mordomo desculpou-se e saiu, fazendo Undertaker sentir-se subitamente mais abandonado, a única figura negra agora de pé por entre aquele feroz mar de branco.

- Por favor não me digam que são visitas - suspirou Claudia. - Não fazes ideia de quantas pessoas tenho recebido, membros da família e conhecidos e amigos e amigos do noivo e Deus sabe quem raio são todas aquelas pessoas! É só um casamento, porque é que tem de ser como se eu-

- My lady - o mordomo depressa regressou. - Lord Cedric está aqui para a ver.

Claudia libertou o rugido mais alto que Undertaker alguma vez imaginou que ela pudesse produzir.

- Acabámos por hoje! Não posso experimentar nem mais um corpete ou ter mais um alfinete a um milímetro de mim!

Claudia foi incapaz de fugir sozinha das toneladas de vestidos que tinha sobrepostos sobre si, e demorou alguns longos minutos a regressar ao seu vestido azul escuro. Undertaker decidiu voltar as costas durante o processo, e quando uma mão o girou, com pano branco rodopiando juntamente com as suas mangas pretas, Claudia tinha regressado a si própria. E continuava desagradada.

- Já te sentes mais esclarecido com o aspecto do Inferno?

- Receio que o Inferno não seja tão divertido quanto isto tem sido, não.

Deixando as criadas e alfaiate para trás, Claudia atravessou o corredor num passo rápido. As duas figuras vestidas de preto continuaram a segui-la como antes.

- Podes dar-me o livro?

- Sim - ele conseguira segurar o pequeno livro contendo os poemas e as ilustrações de borboletas mesmo enquanto funcionara de cabide. Claudia agarrou o livro como uma criança que acabara de receber um presente há muito antecipado.

- Obrigada.

- Então... Lord Cedric? - perguntou Undertaker, sorrindo.

- Haverias de o conhecer mais cedo ou mais tarde, suponho que esta altura seja tão adequada como qualquer outra.

- Estou curioso~

- Ele é um tolo às vezes, mas muito mais perspicaz do que os outros cabeças de vento que os meus pais me apresentam desde que tinha catorze - elaborou Claudia.

- Outros cabeças de vento? Não me recordo desses outros. Excepto daquele jovem moço que mencionastes, o da epifania da morte.

- Bem, não és uma figura central na minha vida, pois não? Eu tenho uma vida privada.

- Hee hee, pois tendes~ e inclui corte e costura.

Era uma bênção que Claudia não carregasse uma faca ou uma arma de fogo em casa.

Pelo menos ele achava que não.

- Não estais feliz? - Por estranho que pudesse parecer, ainda tinham de falar sobre aquele aspecto particular do noivado de Claudia.

Claudia resfolegou de forma pouco característica, levando um momento a responder.

- Ele faz-me rir.

- Tomo isso como um sim, então...?

- Sim.

- Então...

- Estou de castigo, por amor de Deus! De castigo! Quem pensa a minha mãe que é? Já não sou uma criança! Tenho trabalho a fazer, trabalho que posso conciliar com o casamento, mas não. E porque raios tem alfaiataria de ser tamanha tortura? Estava satisfeita com o primeiro vestido! Quanto mais tipos de tecidos e combinações me foram mostradas?

- Claudia - a voz foi como um chicote. Lady Phantomhive aproximou-se deles. - Abstém-te de tais comentários à frente do teu noivo.

Claudia inflou de forma demasiado cómica, mas recuperou a compostura e assentiu.

- Estou acompanhada pelo Tanaka e pelo Undertaker, Mãe. Não é-

- Não é digno de uma noiva conversar com o noivo sem a sua mãe presente. Já descoraste demasiado a etiqueta e a estética do que alguma vez deverias, minha jovem. - E voltou as costas, caminhando apenas atrás de Tanaka, que prontamente tomara o seu lugar de mordomo e abrira a porta para a noiva, a mãe e um coveiro.

Que trio.

No interior estava um jovem homem loiro ligeiramente ansioso e que estava com dificuldade em o esconder. O mordomo anunciou as duas damas Phantomhive e 'Mr Undertaker'. Mal conseguiu conter o riso, mais imaginando do que vendo a expressão do jovem por ter a sua futura sogra entrar com um coveiro. Certamente se parecia com um mau agouro literal.

- Lady Phantomhive - saudou o jovem Cedric, curvando-se antes de tomar a mão da viúva. A voz estava ligeiramente trémula. - Lady Claudia.

- Olá, Cedric.

- Mr Undertaker - continuou ele.

- Oh~lá.

Pobre criança.

A mãe de Claudia sentou-se como uma inquisidora silenciosa, bebendo o chá que o mordomo lhe serviu a ela primeiro, procedendo então a todas as outras pessoas na sala. O jovem Cedric enunciou todas as desculpas formais pela sua visita não anunciada, e Claudia não parecia muito ansiosa por uma conversa até Cedric comentar o quanto ele desejava escapar das loucuras de alfaiataria da mãe. A sobrancelha de Claudia arqueou-se ligeiramente. Um sinal positivo.

- Oh, o Inferno é partilhado, hã?

- Perdão?

Undertaker riu, atraindo o olhar de Cedric. O homem rapidamente beberricou o seu chá, tentando salvar a sua garganta terrivelmente seca.

Tendo inadvertidamente começado com o pé direito e partilhando o Inferno de Claudia, ela pegou no tema e discretamente (ou não muito) partilhou todas as suas experiências com normas de etiqueta loucas. Pouco depois, o jovem homem estava a sorrir, ouvindo as palavras de Claudia com um interesse que não era nem falso nem exagerado, seguindo a sua deixa para tecer comentários honestos mas cuidadosamente formulados. Também lhe pediu opinião sobre o livro que estava a ler, perante o qual Claudia prontamente lhe mostrou uma das ilustrações, os poemas mantidos em segurança entre as páginas.

- Alguma vez ouvistes acerca de lendas de borboletas serem almas humanas transformadas?

Nunca Undertaker se imaginara a acompanhar um jovem casal, juntamente com a severa mãe da noiva e fazendo-o agir como... o quê? Com certeza não preenchia o papel paternal. Não podia realizar qualquer outro papel que não o seu. O que significava que ele era o coveiro, o ceifador testemunhando a construção do momento presente das memórias de um Cinematic Record. Um lembrete silencioso da natureza frágil de tudo o que estava a acontecer e o que seria construído a partir deste ponto.

E não era isso que concedia significado à vida, tal como Claudia uma vez dissera?

O que concedia significado à nova vida que ele recebera não era a tarefa que lhe fora forçada, mas sim aquela que ele escolhera para si. E essa era testemunhar esta jovem mulher viver a sua vida ao máximo.

Que interessante.

Um severo aclarar de garganta trouxe-o de volta à sala e ele apercebeu-se que a mãe de Claudia fora quem o chamara a atenção.

- Uma coisa que ele é, é excêntrico - disse, sem contexto para Undertaker. Não que tal frase precisasse de muito mais contexto para fazer sentido.

- Não posso negar, mas admito que me distraí~

- Lord Cedric fez-vos uma pergunta.

- Ooh?

- É um velho amigo meu - respondeu Claudia no seu lugar. - Conhecemo-nos quando eu era apenas uma criança. Podeis perguntar à Mãe se quiserdes e não tomardes a palavra de uma mulher adulta e vossa futura esposa. Seja como for, ele visitará a casa tanto quanto for cómodo a ambos.

Aquilo era uma forma rápida de clarificar (ou afastar) o assunto.

- Eu tomo a vossa palavra, Lady Claudia.

- Não tereis mudado muito, pois não, Mr Undertaker?

- Não posso dizer que tenha, Lady Phantomhive~

- Nunca tive oportunidade de vos agradecer por toda a ajuda que destes à minha filha ao longo destes anos. E a paciência que sem dúvida tereis mostrado perante a sua sede insaciável de conhecimento.

Lady Phantomhive estava a elogiá-lo? Que dia surpreendente este era.

- Eu é que deveria agradecer à vossa filha. Eu e os meus hóspedes na funerária adoramos providenciar toda a assistência que pudermos~

- Hã - a voz de Cedric soou, atraindo os olhares na sua direcção. - Peço perdão, mas tendes uma funerária?

Claudia beberricou o chá, olhando devagar para Cedric e Undertaker. Quase conseguia ouvir o seu comentário mental: 'Eu disse que ele era um tolo.'

- Hã, o que me refiro é, posso perguntar como começastes tal ofício? Com certeza ainda sois consideravelmente jovem também?

Undertaker riu de forma desconcertante, mas louvou o jovem por se manter firme.

- Suponho que isso seja uma questão de perspectiva, nããão~?

- Se estais a perguntar sobre a sua idade, não considero apropriado - cortou Claudia. - Não deveríamos perguntar uma idade a uma dama. Com certeza o mesmo se aplica a cavalheiros.

- Claro. Peço perdão, e-eu não quis parecer idiota.

Undertaker acenou com a cabeça no que achou ser uma paródia de educação, mas na verdade, não desgostou do homem nesta primeira impressão. Tinha alguma inteligência sob aquela ingenuidade juvenil. E podia rir-se com Claudia, em vez de a sufocar sob classes e etiqueta. Isso era algo que Undertaker podia compreender e apreciar. E Claudia parecia de facto feliz.

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Mas ele era um tolo.

- Céus, juro que acabei de ver a minha vida passar à frente dos meus olhos! - arquejou Cedric, a mão cerrada com força sobre o peito de onde o coração acabara de tentar saltar. Undertaker ainda se ria, o corpo a tremer quando falhou em controlar o surto de risadas provocadas pelo susto do pobre homem.

- Não duvido que o tenhais feito, Lord Cedric! - conseguiu recuperar o fôlego tempo suficiente para conseguir guinchar as palavras. - Algo assim irá acontecer quando vier a morte, mas quão infeliz seria isso acontecer na véspera do vosso casamento, não é? O que posso fazer por vós~?

- Podeis tentar não me tornar num dos vossos hóspedes - murmurou o homem, massajando o peito e tentando ele próprio recuperar o fôlego. - Jesus Cristo, recebeis toda a gente desta forma?

- Gosto de rir. Quereis um biscoito?

Cedric não parecia ansioso em aceitar o que quer que fosse de um homem dono de uma funerária e que acabara de saltar para fora de um caixão na companhia de um esqueleto. Ver os biscoitos cortados em formato de osso também não pareceu persuadi-lo. Undertaker deu uma grande dentada num dos biscoitos, aguardando pacientemente.

- Eu... hã. - Tentativamente, estendeu a mão e retirou um com cuidado. - Peço perdão por vos incomodar no local de trabalho.

- O meu actual hóspede não está com pressa, Lord Cedric.

- Pois. Imagino que não. Estou aqui para... vim para vos pedir ajuda, e que tipo de pagamento essa ajuda requereria.

- Ooooh? - Quase sentiu as orelhas empertigarem-se qual um gatinho apanhando um som curioso. - Ajuda...?

- Eu... eu sei que conheceis a Lady Clau... a Claudia, há bastante tempo. Até Lady Phantomhive parece aprovar a vossa presença.

- Algo que nos surpreende a todos, incluindo a mim.

- Gosto muito da Claudia - disse ele, e a sua voz não estremeceu aí. - Estou ciente do legado e do dever que carrega aos ombros. Sinto-me honrado por ser parte da família Phantomhive. Já discutimos o assunto, e contra os desejos da minha família, a Claudia não irá receber o meu nome após o casamento. Nunca sequer me ocorreu que tal família, servos leais da Rainha de Inglaterra, fossem renunciar a tal título apenas por questões antiquadas de etiqueta. Quero ajudá-la no seu trabalho para a Rainha no melhor das minhas capacidades, e se tal requerer eu me afastar e não ser um estorvo, fá-lo-ei.

Não quis interromper o rapaz em tal momento inspirado, mas Undertaker desejava que ele chegasse ao ponto. Ainda que ele fosse divertido nas suas divagações.

- Portanto, estou aqui porque... Porque tinha esperança que me pudesses ajudar a conquistar o coração da Claudia.

Oh céus.

Não valia a pena. Undertaker não conseguiu evitar rir à gargalhada, lágrimas formando-se nos olhos e forçando-o a enxotá-las sob a cortina de cabelo. Apanhou o relance de Cedric mantendo-se firme, tentando parecer impávido qual nobre inglês perante este mortuário tão peculiar, e Undertaker voltou a conceder uma nota positiva ao jovem por enfrentar e superar as suas questões de autoestima.

- Ah, Lord Cedric, diria que estou honrado por me terdes em tal alta estima~ por favor, não tomeis ofensa por me rir. Pelo contrário... tenho a certeza que acabastes de merecer a informação que pedis graças a estas gargalhadas.

- As gargalhadas? - repetiu ele, mas acabou por decidir não insistir no assunto. - Isso quer dizer que me ireis ajudar?

- Se pressentisse algum má vontade da vossa parte, a vossa vida teria efectivamente vos passado à frente dos olhos por esta altura - disse Undertaker. Apesar de ainda sorrir, sabia que o homem sentira a ligeira mudança no seu sorriso. - Não pressinto tal coisa. Fazeis a Claudia rir, e fizestes-me rir. Mas preciseis de facto de aprender algumas coisas. Não creio que preciseis de conquistar o coração da Claudia, ou de outra forma não seríeis noivo dela.

- Perdoai-me, mas essa resposta é muito banal e fraca - retorquiu Cedric. Undertaker pestanejou. Uma frase que trazia memórias. - Decerto haverá mais, algo mais concreto que eu possa fazer para a deixar feliz?

A resposta era simples, não era? Sempre fora.

- Se algo vos faz sorrir, é algo que vos deixa feliz. Fazeis a Claudia rir. Isso é ainda melhor. Diria que já estareis a fazer um bom trabalho, Lord Cedric.

Undertaker deu uma dentada no biscoito, sorrindo ao jovem.

- Gosteis de literatura?

- Literatura? Claro.

- Já lestes Hamlet?

- Claro.

- Discute o vossa opinião com ela. E ela tomou interesse por borboletas, como podereis ter reparado durante a vossa maravilhosa conversação sob o tecto dos Phantomhive.

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- Porque lhe deste tal informação?

- Ele fez-me rir demais.

- Que tipo de pagamento é esse? - inquiriu Claudia, mordiscando o biscoito que lhe fora oferecido. Era a sua última visita à funerária antes do casamento, mas tal como a própria dissera, o caso não aguardaria o seu noivado e as pessoas ainda continuavam a morrer. Resolveu o caso dos assassinatos nessa mesma manhã, e Undertaker recebeu de bom grado o corpo do perpetror.

- O melhor tipo, diria eu.

- Nunca requisitaste qualquer pagamento da minha parte.

- Minha querida, vós sois a razão para eu poder alguma vez aceitar este pagamento.

- Risos?

- Razões para sorrir. Essa era a própria resposta que ele procurava, afinal. Seria cruel não o ajudar.

- É melhor não tornares este tipo de pagamento um hábito. Ris demasiado.

- Faço minhas as vossas palavras. Quão triste seria, se o riso desaparecesse.

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Undertaker não tinha memória de atender a um casamento. Com certeza já fora. Tivera a sua própria família, em tempos. Há uma vida atrás.

Recolhera almas em casamentos. Não fora um convidado muito bem vindo nessas cerimónias.

Receber um convite para assistir a um era algo único.

Mesmo entre os convidados dos Phantomhive, atraía muitos olhares surpreendidos (afinal, não estava bem a seguir a tão importante etiqueta desta era), mas também viu alguns acenos em cumprimento na sua direcção, incluindo-o neste novo aspecto da vida humana para o qual fora tão amavelmente convidado a juntar-se.

Observou à distância como os recém-casados cumprimentavam educadamente cada convidado e trocavam dois dedos de conversa. Inferno ou não, era inegável que a alfaiate costurara um maravilhoso vestido de noiva para Claudia, e o jovem Cedric parecia ligeiramente menos infantil e mais confiante no seu fato impecável.

Sorrindo, Undertaker espreitou a comida, recebendo olhares ainda mais severos das damas do que aqueles que recebera devido às suas roupas mortuárias. Eventualmente, apanhou um grupo de crianças que seguiam atenta e cautelosamente cada um dos seus movimentos. Sorriu, acenando na direcção delas a certo momento, e as pobres crianças quase chocaram as cabeças umas nas outras na tentativa de se esconderem. Envergavam a perfeita moda Victoriana, pequeninos adultos com menos de sete anos de idade, guinchando num pânico.

Undertaker estava a rir sozinho de satisfação quando se voltou para achar a grande figura branca e elaborada de Claudia mesmo atrás de si.

- Sois maravilhosamente assombrosa quando apareces tão silenciosamente atrás de alguém.

- O grande trapaceiro dos caixões assustou-se com uma noiva a envergar cinco quilómetros de pano? - brincou Claudia. Parecia ligeiramente cansada. - Estás a gostar da festa?

- Muito~

- Ainda bem. Só quero que isto acabe. Não há bebida suficiente para nutrir a minha garganta. Acho que nunca falei tanto durante toda a minha vida.

- Estais a fazer um óptimo trabalho, Condessa Phantomhive. A vossa mãe deverá estar muito satisfeita.

- É bom que esteja. E tu. - Undertaker voltou-se para ela, os seus olhos semicerrados e focados no rosto dele. - Desejava que mudasses o teu penteado. Gostaria muito de te ver novamente com a aura de realeza. Além disso, a tua visão não vai melhorar se continuares a tapar os olhos dessa forma.

Como se esse fosse o único motivo pelo qual escondia os olhos.

- Minha querida, não preciso tanto dos meus olhos quanto podereis pensar - relembrou.

- Ainda assim, são uma visão tão mais agradável do que ver sempre a tua cara tapada dessa forma. Irias colocar muitos aqui a um canto se tirasses tudo isso do caminho.

- Ora, isso é um elogio?

- Seria bom que os apreciasses em vez de me fazeres arrepender destes lapsos de raciocínio.

- Não, não, não era essa a minha intenção~ Ah, mas creio que será mesmo pelo melhor manter os meus olhos escondidos. Já assusto pessoas suficientes tal como estou~

- Tens te estado a divertir, então?

- Não precisei de muito esforço - explicou, dando um passo casualmente para o lado e assim desimpedindo o campo de visão de Claudia. Conseguia sentir o grupo de crianças a estremecer e a esconder-se sem sequer precisar de olhar para ela. As pobres crianças eram hilariantes.

Conseguiu ver Claudia sorrir de forma maquiavelicamente, uma expressão já bastante familiar.

- Hmmm~

- Oh, eles podem ter ouvido algo acerca de um convidado meu, de como criancinhas mal comportadas desaparecerem misteriosamente sem deixar rasto. E como esse convidado possui, por mero acaso, bastante conhecimento sobre como enterrar coisas.

Ela podia parecer tão inocente ao sorrir de forma tão diabolicamente.

- Oh Claudia. Não fizestes tal coisa.

- Claro que fiz.

- Sereis uma mãe maravilhosa.

- Eu sei.

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1851

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E ninguém duvidaria, quando Vincent Phantomhive nasceu a 13 de Junho.

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continua

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