O que acontecia depois do fim?

Tinha de ser mais que isto.

.

Tudo o que havia para ele era dor.

Ela estivera sempre destinada a morrer neste dia? Poderia o registo dela ter sido alterado de alguma forma? Poderia a sua presença ter alterado algo, involuntária e ironicamente adulterado para o pior?

Estava em negação. O luto começava sempre por negação.

Não queria fazer luto.

Não queria superar isto.

.

Se fizesse luto, teria de aceitar que ela partira.

.

Preparara-a para o enterro. Segurara-a nos braços. Talhara-lhe o seu caixão perfeito.

Ela morrera.

.

Não.

.

O dia estava belo, iluminado, um dia de Verão sem um único vestígio de nevoeiro ou sequer de nuvens. O ar estava ameno. Os Phantomhive sobreviventes, especialmente a mãe de Claudia e Cedric, não queriam renunciar aos seus costumes da era Victoriana. Queriam escoltar Claudia de sua casa até ao cemitério.

A Rainha não viera. Não sabia porquê. Qualquer que fosse a justificação que se pudesse ter dignado a apresentar não lhe seria notificada a ele, um mero coveiro, um mero informador de quem ela apenas tinha uma vaga noção que existia. Ele não era ninguém. Isso era um benefício. Preferia que a sua condição se mantivesse assim sob os olhos da Sua Real Majestade.

A sua ausência não foi sentida de todo.

Tanaka estava lá, assim como todos os empregados dos Phantomhive, todos envoltos em negro. A expressão do mordomo estava pesada de tristeza, cravando rugas que depressa começariam a marcar permanentemente o seu rosto. Não se atreveu a aproximar de Undertaker; e por enquanto, Undertaker também não o abordaria. Não agora. Não neste dia onde a sua raiva e fúria ainda estavam silenciosamente geladas sob a dormência da dor.

A certa altura, Undertaker apercebeu-se que estava mais alguém no cemitério; sentiu em vez de ver o jovem mordomo. John Brown, o cãozinho leal da Rainha, marcando presença no seu lugar. Afinal a Rainha não esquecera o seu Cão de Guarda, ainda que fosse através de um representante. A sua honra ainda permaneceria preservada, o seu 'dever' e 'profundo remorso' pela sua súbdita caída ainda demonstrados à família e ao público. O mordomo dirigiu-se a Cedric e a Lady Phantomhive em particular, as suas palavras silenciadas a Undertaker, os seus movimentos desfocados e esbatidos devido à sua fraca visão. O mordomo entregara uma carta de pesar, provavelmente. O meio favorito da Rainha para alcançar os seus súbditos.

O mordomo permaneceu até ao fim, impregnando o ar agradável, sufocante, com a sua presença e da pessoa que representava. As suas roupas brancas destacavam-se obscenamente no negro fúnebre. Undertaker foi forçado a manter o olhar baixo, escondendo as lágrimas que nenhum simples coveiro verteria por um mero conhecido, lágrimas que caíam livremente dos seus olhos ao fitar a lápide que cravara, o caixão que talhara, o corpo que lavara e cosera e abraçara, as flores no seu cabelo e as flores na cama de terra sob a qual ela agora descansaria para sempre.

Cedric exigira assisti-lo no enterro. Contra todos os protocolos sociais, ajudou a enterrar a esposa. O excruciante sol agradável troçou deles quando a última porção de terra a escondeu para sempre.

Os dois servos Phantomhive caídos também foram enterrados neste dia. Os restantes empregados sentiram-se particularmente emocionados pela reconfirmação da verdade em que sempre acreditaram: os Phantomhives respeitavam os seus criados e tinham-nos na mais alta estima. Eram dignos de serem servidos, protegidos, nunca para serem traídos.

Apenas uma pessoa da comitiva regressou à campa de Claudia. Undertaker juntou-se-lhe, ficando junto a ele em silêncio.

- Reparastes que um certo alguém especial não está cá? - perguntou-lhe Vincent. Undertaker olhou para ele sob a franja. - A Mãe era o seu Cão de Guarda. Salvou a sua vida e o seu reino inúmeras vezes. Pode ser um papel obscuro a desempenhar, mas quer pessoas respeitáveis quer pessoas desprezíveis estão cientes dele. Teve de enviar o mordomo no seu lugar. Porque não veio ela?

Algo natural para um filho enlutado perguntar após o falecimento da mãe; uma expectativa infantil de um vassalo exigir tal coisa do seu soberano; uma declaração blasfema para o Cão de Guarda sucessor pensar e dizer em voz alta.

E para Undertaker, um alívio ouvir.

- Não sois tão cegamente fiel à Rainha quanto a vossa mãe era.

Vincent sorriu.

- Não deixai ninguém ouvir-vos. - O seu sorriso frio desmoronou, caindo com lágrimas silenciosas que se permitiu verter apenas uma vez, com ele, que não era nem seu pai nem um simples conhecido. Um amigo. - Ela partiu mesmo, não foi.

O coração de Undertaker continuava a esquecer-se de bater quando aquela verdade o perfurava até à morte. Teimosamente, não parava de bater de vez.

- Partiu, Vincent.

A relva resmoneou atrás deles. Ambos se voltaram para verem Francis aproximar-se; a mão de Vincent secou disfarçadamente todos os vestígios de lágrimas do rosto. As vestes negras de Francis eram demasiado pesadas para ela. Nenhuma criança merecia usá-las. Era agora crescida demais para Undertaker ainda poder ter esperança de a fazer rir com piadas tolas ou bonecas assustadoras. Um novo peso indesejado de tristeza conseguiu trespassar a dormência do seu coração magoado. Francis herdara muito mais as feições de Cedric do que de Claudia, mas herdara o seu feitio (menos o sentido de humor). Estava a tornar-se uma jovem dama que alcançava e superava todas as exigências severas da mãe. Vincent, que por sua vez herdara quer as feições quer a personalidade de Claudia (e sentido de humor), sempre mostrara que superaria qualquer expectativa. Os filhos de Claudia superariam a sua mãe em todos os seus méritos, e ela não estaria cá para o testemunhar.

Os três ficaram em silêncio sob aquele maldito dia belo e agradável, até Francis dizer em voz baixa:

- Não quero que te tornes o próximo Cão de Guarda.

Vincent voltou-se para ela. Ficou calado durante alguns segundos.

- Não se parece nada contigo dizeres algo assim, Franny. É minha responsabilidade, e sempre soubemos que assim seria.

- A Mãe morreu. Vais morrer também. Não te quero perder também.

- Herdarias o meu lugar, Franny.

- Eu seria mais difícil de matar. Mas isso só aconteceria se morresses, e eu não quero que isso aconteça.

Por entre o seu próprio sofrimento, os irmãos encontraram o seu apoio um no outro. Vincent sorriu pelas palavras de Francis, baixando os olhos para a campa.

- Talvez a morte seja uma escolha que eu possa recusar.

Undertaker tentou sorrir, mas era um esforço demasiado grande. Doía tentar.

- Gostaria que assim fosse. - Mas não é

As palavras não foram pronunciadas.

Porque eram erradas.

Tudo isto estava errado.

Claudia não devia estar morta.

Vincent não devia morrer.

A dor no seu peito não devia ser tão forte, não quando Claudia não estava aqui para a aplacar, não quando ela já não podia sorrir ou dar-lhe uma resposta afiada que lhe preenchia o dia, preenchia o vazio que a sua vida passada deixara. Para o fazer sorrir, para lhe dar razões para apreciar ser forçado a voltar a viver. Todas as suas conversas, todas as suas gargalhadas, todas as suas ideias e considerações, toda a alegria e toda a dor dela agora desaparecida, roubados e arrancados para longe dele. Não devia doer tanto quando não podia fazer a dor desaparecer, quando não sabia como estancar o sangramento que nem sequer ali estava para começar.

Porque não iria parar. Vincent seguir-se-ia, assim como Francis, assim como os seus futuros filhos um dia; independentemente dos lunáticos e lunáticas que tinham levado Claudia e que tentariam levar Vincent, Francis, eles iriam desaparecer porque alguém um dia pegaria no ficheiro com os seus nomes e observariam sem emoção as suas vidas preciosas e únicas cortariam o Cinematic Record após O FIM.

Todos aqueles fins predeterminados.

A dor dilacerou o seu corpo de uma forma que não conseguia suportar, não devia suportar. Devia estar a rebentar pelas costuras, as suas cicatrizes deviam estar a rasgar esvair-se em sangue para mostrar quão ferido e vazio se sentia com tudo aquilo. As lágrimas silenciosas não eram vermelhas como deviam ser, mas ainda assim ardiam como agulhas nos seus olhos ao cair.

Por isto estava tudo errado.

Porque não podia a Morte ser rejeitada?

Porque haveria de deixar O FIM acontecer?

.

Não conseguiu tocar no medalhão vazio durante dias. A simples ideia de segurar a fria moldura de prata era surreal, errada. Iria congelar a memória dela, a sua pessoa, todo o amor que sentira por ela, e seria assombrado para sempre por ele.

Não conseguia. Não o faria.

A madeixa de cabelo permaneceu ao lado do medalhão, aguardando, recusando-se ser congelada como uma mera memória. Como se ele pudesse conceder vida a Claudia apenas por o desejar.

Não o conseguia fazer. Ainda não. Ou antes, já não.

A madeixa de cabelo azul acinzentado era suave, acetinada ao toque. Tinha medo de a destruir, de desalinhar os frágeis dos fios de cabelo e perder até esta pequena recordação dela. Tinha de a proteger, mesmo que isso significasse aceitar-

Não.

Nunca.

.

Para sempre.

.∞

Quando a dormência da negação e da dor finalmente cedeu, a raiva gelada no seu interior emergiu.

Investigar o assassinato não era excessivamente complicado tendo em conta os factos:

- O Cão de Guarda da Rainha recebera uma carta de claro caracter urgente, e no entanto o seu homem de maior confiança não achara necessário acompanhá-la nesta missão. Porquê?

- Um criminoso evadido planeara uma armadilha para o Cão de Guarda da Rainha, e no entanto ele próprio não conhecia a pessoa que invadira a sua jogada e lhe roubara o troféu. Como?

- Após ser informada do evento no próprio dia, a Rainha redigira e enviara uma carta urgente ao seu Cão de Guarda para recapturar um criminoso evadido. Tais eventos por norma chegariam ao ouvidos da Sua Real Majestade através de Claudia. Se outro informador soubera da fuga, teriam de ter considerado a informação extremamente importante para notificarem de imediato a Rainha - mas o caso não era nada sério.

A polícia não a informara; não fora Claudia; outro informador era irrisório. Então como é que a Rainha soubera?

Ora isso tornava as coisas bastante fáceis, não era?

.

Mas era melhor não deixar pontas soltas e pedras por virar. E da curta lista de candidatos, um era particularmente fácil de achar.

.

Ele soube, no momento que viu Undertaker. Mesmo com o habitual cumprimento, a tensão transparecia pelo porte treinado do homem.

- Estivestes a chorar? - As palavras soaram gentis, embora estranhamente distantes. Uma questão que nunca colocaria sob qualquer outra circunstância, toda aquela estética de mordomo misturada com o seu código de honra.

- Com frequência, nestes últimos dias.

Tanaka curvou a cabeça de forma solene. Os olhos do homem estavam pesados e magoados quando se recompôs. Realçados pelo vermelho causado pelas lágrimas, os olhos de Undertaker brilhavam ameaçadoramente. Quaisquer poucas dúvidas que o mordomo ainda pudesse ter acerca da sua natureza foram esmagadas no momento que Undertaker apareceu nos seus aposentos, rosto livre de todas as camadas protectoras.

- Se puder oferecer uma explicação pelo meu comportamento aqui, gostaria de pedir autorização.

- Terei uma explicação quer ma dês ou não.

- Esperava a vossa vinda. Se estivéssemos em posições opostas, eu teria feito exactamente o mesmo. Parece demasiado provável que Lady Claudia caiu numa armadilha. Alguém a traiu. Mesmo na minha actual posição, considerei abordar-vos, mas foi um pensamento puramente de hábito, um reflexo por raciocínio treinado. Excluí totalmente qualquer possível envolvimento da vossa parte nesta tragédia quando vi o que vi naquele armazém.

Se esperara que Undertaker falasse, não o fez. Os olhos inabaláveis do homem encararam os da Morte ao continuar:

- Vós, no entanto, não tendes tal prova da minha parte. Era apenas uma questão de tempo antes de virdes e exigirdes respostas. Sou o mais suspeito de ter cometido traição. Fui eu que vos disse onde my Lady se dirigiu. Fui a última pessoa a vê-la na mansão. Fui eu quem lhe entregou a carta com as ordens. Não estava a seu lado quando morreu. Sou a pessoa mais privilegiada sob as ordens de Lady Claudia, e no entanto estou vivo e ela não. Um mordomo não está autorizado a morrer antes do seu mestre. Um samurai não está autorizado a viver após o seu daimyo morrer. Tendes todos os motivos para suspeitar de mim. Portanto, não posso surpreender-me ao ver-vos aqui, e sei o que vindes interrogar e o que tendes de fazer.

Undertaker conhecera algumas pessoas assim quando ainda fora Grim Reaper. Uma alma de aço, imperturbável perante a Morte. Algumas dessas pessoas eram inocentes, algumas culpadas - e todas tinham recebido o mesmo fim. Talvez tivesse sido por isso que investira tempo a talhar uma sotoba antes de matar o mordomo; tinham-se passado anos desde que fizera tal coisa. Fora simultaneamente tranquilizante e um compromisso para com o desenlace.

- Porque não fostes com ela?

- My Lady requereu que não o fizesse. Levou dois empregados treinados consigo para lidar com um assunto que não apresentava risco viável.

- E no entanto o resultado foi muito diferente.

O olhar de Tanaka caiu, uma sombra marcando profundamente a sua pele.

- Quero vingar a morte da minha senhora. Mas falhei miseravelmente e mereço morrer por isso. Sei que ireis fazer tudo no vosso alcance para trazer a devida retribuição ao assassino, e acredito que sereis implacável. E apenas por essa razão, aceito o meu destino. Se isto me fizer parecer ainda mais suspeito, não poderei fazer nada contra. Não conspirei contra my Lady, mas não negarei que as minhas acções irresponsáveis conduziram à sua morte. Sou culpado, e mereço morrer pelo meu fracasso. No entanto, se quiserdes, poderei assistir-vos a encontrar o Assassino da Rota de Seda, após o que me matareis. Sois o juíz das almas. Cabe-vos a vós decidir.

Os olhos de Undertaker pregaram Tanaka ao chão. A sua determinação era verdadeira, tal como a sua aceitação. As suas palavras eram verdadeiras, tal como o seu sentimento de culpa.

Mas era inocente de traição.

- A pessoa que matou a Claudia não estava compactuado com os criminosos.

- Impossível - foi a sua resposta imediata.

- Os criminosos não esperavam que ela morresse como morreu, nem viram quem foi a pessoa responsável. Estavam a preparar-se para escapar.

- Tinham planeado uma armadilha para Lady Claudia. A quantidade de corpos no armazém comprova-lo. O Assassino da Rota de Seda tinha homens estrategicamente colocados, preparados previamente para atentar contra a vida de Lady Claudia. Como...

- Os criminosos não conheciam a pessoa responsável - repetiu Undertaker.

- Impossível. - Apesar de não haver margem de interpretação das suas palavras, o olhar de Tanaka evitou o seu, tentando encontrar algo que lhe tivesse escapado antes. A verdade que estava mesmo à sua frente. - Como pode isso ser?

- A pessoa que matou a Claudia surgiu das sombras. A maioria dos criminosos já fora morta. Só restavam dois, e estavam a preparar a fuga quando abateram a pequena Alice-chan. Foi então que surgiu mais alguém. Alguém que eles não sabiam lá estar.

- Porque teriam eles aguardado, então? Porque estavam eles à espera para fazerem a emboscada a Lady Claudia?

- Tinham tencionado preparar uma armadilha para o dia seguinte. - Sois bem rápida, hã?! 'Tava à vossa espera amanhã à noite, mas trocas e baldrocas, e chega-me aos ouvidos que vos moveis hoje?! O Assassino dissera aquelas palavras. - Alguém os alertou que a Claudia atacaria naquela noite.

- My Lady saiu apenas umas horas antes. Deixou a mansão com os criados, imediatamente após receber a cart-

- Então, Tanaka-san - Os olhos do mordomo voltaram a focar-se nele e no sorriso terrível no seu rosto. Frio, magoado, cansado e perigoso. - Quem mais sabia que a Claudia lá estaria?

- Não pode ser. - O homem ficara enxague. Encarar a Morte não lhe provocava o choque que esta declaração agora trazia.

O riso fez o corpo de Undertaker estremecer.

- Mas que poder tem essa mulher sobre todos vocês... - disse em voz baixa - que vos cega tão completamente para o óbvio?

- Não faz sentido. Lady Claudia é o seu Cão de Guarda.

- E ela abateu o seu cão desobediente cortando-lhe a garganta. Não é assim que se faz? - Quase misericordioso, nalguma realidade distorcida que não esta.

- Não. Não faz qualquer sentido. Que desobediência? O que poderia my Lady...

Era algo que estivera a sussurrar na sua mente. Undertaker sabia que desobediência Claudia cometera.

Tudo se resumia a uma noite. Aquele terrível fim do ano.

Sarah Delane.

O demónio.

Ele próprio.

Claudia mentira a seu pedido para salvar Inglaterra de uma governante obcecada por poder.

Mentira para o proteger a ele.

Ele era responsável pela morte de Claudia.

- Se existe um traidor, tem de ser outra pessoa.

- Porquê? - retorquiu Undertaker, atraindo novamente a atenção do mordomo. - Não estou a excluir qualquer possibilidade, daí aqui estar. Poderíeis ter sido vós, poderia ter sido qualquer servo dos Phantomhive. Criaria de facto um problema de tempo, pois qualquer um de vocês teria de ser extremamente rápido a notificar os criminosos de forma tão célere. Poderiam ter sido os criminosos sem assistência, não tivessem eles admitido estarem prontos para uma emboscada no dia seguinte e portanto evidenciando uma mudança nos seus planos. E poderia ter sido a pessoa que notificou a Claudia para começar.

- Ireis matá-la? - perguntou Tanaka, a luz tremula lançando sobras no seu rosto que o envelheciam terrivelmente.

- Aaaaah... perguntooo~me~? - Undertaker sorrir de novo, a mão erguendo-se e a unha tambolirando sobre os lábios, enquanto uma lágrima caía sobre a sua face cicatrizada. - Pergunto-me eu... Quão irónico é que a Claudia haveria de me querer bater por simplesmente mostrar o meu desagrado pela mulher.

- Ela é a Rainha de Inglaterra. Mata-la lançaria o caos.

Undertaker voltou os olhos para Tanaka.

- Tenho a certeza que sim. Então em vez disso, ela matou a minha Claudia.

- A Rainha não pode ter feito tal coisa. Não tendes provas, Mr Undertaker.

Ainda não.

Ainda haviam três pessoas vivas que tinham estado no armazém. Dois dos sobreviventes eram os criminosos que escaparam naquela noite. Bem, não sobreviventes, propriamente; estavam mortos, apenas ainda não o sabiam. E o cobarde das sombras; aquele flash de branco que se tornara num amarelo queimado, envelhecido sob a luz arrepiante dos candeeiros a óleo da rua, como uma fotografia sépia.

Branco.

Roupas brancas destacando-se entre o negro.

John Brown. Um leal cachorrinho.

Mas porque esperara ele para deferir o golpe final? Comprovaria que houvera mais alguém envolvido. Porquê não deixar o plano como estava, deixando os criminosos emboscar e matar Claudia?

Porque os criminosos estavam a escapar. Porque existia essa possibilidade, e acontecera; e tinham de se certificar que ela morria. Tinham decidido que Claudia morreria naquele dia.

E porque iriam estar...

- Por favor, prometa-me. - As palavras demoraram um momento a registar na sua mente febril, interrompendo-o e forçando-o lentamente a regressar aos aposentos de Tanaka. Undertaker voltou a mover os olhos, prendendo-os nos do mordomo. - Pela minha vida e morte, e pela minha honra. Não tomeis a Rainha como culpada até provas decisivas. Não cometeis devida retribuição até poderes, sem qualquer dúvida, provar que foi ela. De outra forma, será apenas um homicídio sem sentido.

Homicídio sem sentido dificilmente parecia suficiente.

- Não destrua tudo o que este país é. Ireis arruinar as vidas de pessoas inocentes.

- Não gosto de governantes.

- O mundo humano é um local complexo, Mr Undertaker. Necessita de governantes para prevenir o caos.

Já sofrera mais do que o suficiente devido às decisões de governantes megalomaníacos em ambas as suas vidas. O caos das suas mortes era pouco comparado com o sofrimento que provocavam enquanto vivos.

- Jurai-me. Como dois homens honrados que cuidaram de Lady Claudia.

Undertaker haveria de amaldiçoar Tanaka por exigir tal promessa. Morais e justiça eram conceitos estranhos e frágeis neste mundo onde aqueles que querem morrer são obrigados a viver contra sua vontade, e aqueles que merecem viver vêem as suas vidas arrancadas. Conceitos impossíveis de acreditar quando este mundo não mudara em séculos. Mas este homem acreditava neles com a mesma ferocidade com que acreditava que a sua vida era uma compensação justa pelo seu "crime" de falhar Claudia. Claudia confiara neste homem, e Undertaker também o deveria fazer.

Mas Claudia também confiara na Rainha Victoria.

Era por essa razão que Undertaker haveria de se amaldiçoar a si e a Tanaka por esta promessa.

- Descansai bem, Tanaka-san.

.

Perseguiu os seus próximos culpados. E encontrou-os. O que restava deles.

Sabia que se tratava do Assassino da Rota de Seda porque seguiu o rasto de uma série de Cinematic Records de criminosos reles até esta localização. Matar bandidos parecia ser uma ideia maravilhosa para apaziguar alguma da fúria gelada que, de outra forma, seria libertada na totalidade no Assassino. E isso poderia deixar o homem num estado de tamanha destruição que não seria capaz de aceder ao seu Cinematic Record. E precisava ver através dos olhos do homem a identidade da pessoa responsável por lhe tirar a sua Claudia.

Outra pessoa claramente partilhara as preocupações de Undertaker acerca de danos corporais extensivos.

Tinham-no feito à sua maneira.

O prédio inteiro estava envolto em chamas e um tumulto de choros, gritos e feridos atraíra uma multidão que tentava em vão apagar as chamas. Undertaker observou de longe, os eventos desenrolando-se à sua frente ligeiramente separados da realidade. Um sentimento não muito diferente do que experienciara quando caminhara pela Isle of Dogs até ao armazém, sabendo - mas recusando-se aceitar - o que o aguardava.

Recuou para as sombras tremeluzentes lançadas por todos prédios circundantes e desapareceu, reaprendendo no interior do edifício onde vários bandidos costumavam encontrar refúgio entre pessoas comuns. Alguns ainda respiravam, queimando vivos. Outros sufocavam sob o fumo, morrendo de intoxicação. Outros já estavam mortos. Undertaker ignorou as chamas, ignorou as almas condenadas que tentaram implorar-lhe ajuda, e avançou para a porta que vira em Cinematic Records, onde sabia estar o Assassino. O piso inteiro estava a arder, perigosamente perto do colapso.

Haviam quatro corpos no interior. Só estava interessado em dois deles - o Assassino e o último capanga no armazém - mas nenhum dos quatro se assemelhava mais com corpos humanos.

Tentou tocar a carcaça com a Death Scythe. Nada brotou dela. Era como se o Cinematic Record tivesse sido carbonizado juntamente com o resto do corpo. Vira mortes assim quando ainda fora Grim Reaper, mas chegara sempre antes de danos permanentes terem consumido o corpo e o registo das memórias. As vítimas na altura tinham sido como algumas das pessoas que gritavam do lado de fora da porta. Talvez um colega Grim Reaper viera na altura certa, antes destes corpos serem consumidos além de qualquer possível salvação.

Agora não saberia. Não conseguia ver o Cinematic Record. Haviam mais de trinta pessoas mortas neste prédio, e os dois Cinematic Records que precisava ver tinham sido destruídos.

.

Tanaka interrompera os seus pensamentos antes.

Se a Rainha mandara matar Claudia, porque estaria John Brown em pessoa a aguardar para a executar?

Porque estariam a salvo no anonimato.

Qualquer pessoa que investigasse este caso, fosse o Scotland Yard, Cedric ou Tanaka ou os criados Phantomhive, consideraria a hipótese de Claudia ter sido traída. Os dados conhecidos sugeriam que o traidor não estivera no armazém onde ela morrera. Qualquer um - todos - assumiriam que a pessoa que deferira o golpe fatal fora um dos criminosos com sede de vingança de Claudia.

Ninguém saberia que o assassino não estava coligado com os criminosos a menos que encontrarem o Assassino da Rota de Seda e o interrogassem. E o homem podia mentir, roubando os louros pela morte da sua odiada inimiga. Nenhum humano saberia a menos que conseguissem falar com os mortos, ou tivesse algum poder sobre as memórias dos mortos para ver o que Undertaker vira.

E o que não vira. Porque não vira uma cara. O assassino não se mostrara a Claudia ou a Alice. Deliberadamente, cuidadosamente, o assassino evitara ser visto por duas pessoas moribundas - e que portanto não iriam ser capazes de revelar o seu conhecimento. Porquê perder tempo com isso? Porque não vangloriar-se sobre as suas vítimas?

Os dois criminosos que pudessem ter visto o assassino morreram de tal forma que os seus corpos e Cinematic Records foram destruídos.

Como se o assassino soubesse que-

Como se o assassino soubesse que havia uma forma sobrenatural de ser visto e de confirmar a sua identidade.

Como se o assassino soubesse que tinha de proteger a sua identidade, escondendo-se de todas as testemunhas - Claudia, Alice, os dois criminosos - e portanto soubesse que só poderia ser descoberto por alguém que não fosse humano.

...como se soubessem, e estivessem a dizer 'Nós vemos-te a ti.'

Eles sabiam. A Rainha sabia.

As mãos de Undertaker cerraram-se com tanta força em torno da moldura ornamentada do medalhão de Claudia que quase lhe rasgou a pele.

Se a Rainha Victoria e John Brown sabiam que Claudia mentira, saberiam eles exactamente acerca do que ela mentira? O que lhes escondera? Quem ela escondera?

Não. Ainda não sabiam com toda a certeza. Sabiam que havia algo - mas não o quê, ou quem. Isto seria uma prova, um teste para confirmar se esse algo era real ou não, e desafiava-lo a revelar-se.

A Rainha mentira a Claudia. Sabia sobre entidades sobrenaturais. Sabia que algo estava errado com o caso de Sarah Delane, e sabia que Claudia ganhara acesso a algo poderoso - informação. Informação que escondeu de Sua Majestade A Boa Rainha de Inglaterra e de quem nunca ninguém se deveria atrever a esconder algo.

Se Undertaker tentasse perseguir os assassinos de Claudia, estaria a comprovar-lhes a sua natureza. Se seguisse a sua vingança, se tentasse impedir que o seu coração moribundo continuasse a sofrer, teria de se expôr à Rainha Victoria. E ao fazê-lo, confirmaria e revelaria a mesma escuridão que implorara a Claudia para esconder - um pedido que custara a Claudia a sua vida.

A sua morte tornar-se-ia insignificante. Undertaker tornar-se-ia o responsável pela morte de Claudia desta forma.

E a Rainha sabia.

Era um jogo, então.

Undertaker suspeitava - sabia - que a Rainha estava envolvida na morte de Claudia.

A Rainha suspeitava - sabia - que Claudia estava envolvida com criaturas sobrenaturais e poderosas.

"O que é mais forte? O teu desejo de vingança, ou o segredo que tão obscenamente desejas esconder de mim?"

.

Amava Claudia demasiado para a deixar morrer por nada.

Odiava-se demasiado a si para tentar aliviar o seu sofrimento através de vingança.

Não daria à Rainha a satisfação que ela desejava.

Por isso lutaria com ela de outra forma.

Talvez as suas acções se tenham tornado uma forma de negociação.

E se ela não tivesse morrido? E se ele o tivesse impedido? E se houvesse uma continuação depois do fim?

E se?

Uma pessoa morta pode morrer duas vezes, pergunto-me?

As palavras que o demónio cuspira durante aquela maldita noite tinham-se gravado em Undertaker em mais do que uma forma, por mais do que uma razão. Surgiram por vezes como sussurros gelados que o impediam de dormir. Como garras ameaçadoras para lhe arrancar o coração; um eco do seu próprio desejo sufocante.

Um dia, a sua interpretação alternativa, literal, ocorreu-lhe.

Poderia uma pessoa morta morrer novamente? Ia contra a lógica e definição da noção. Mas o paradoxo era também a resposta. Uma pessoa morta não voltaria a morrer - continuaria a existir como tal.

Se uma pessoa morta podia continuar a viver de alguma forma - como eles, Grim Reapers, tinham sido forçados a viver - então não podiam bem voltar a morrer.

O que significava que Undertaker não voltaria a ficar sozinho.

Os meios para começar a ponderar aquela questão redundante e paradoxal eram escassos. Nunca poderia ser realizado fisicamente - através de ciência. O corpo estava morto, os órgãos mortos por falta de oxigénio e sangue a bombear através das veias e artérias.

Nunca poderia ser realizado espiritualmente. A alma partira, levada por um Grim Reaper.

A única coisa que restava era a essência. Memórias. O Cinematic Record.

Poderiam os registos ser adulterados?

Poderia ele adulterar registos?

Como? Não tinha uma lista de almas. Não poderia saber quando ou como impedir que o Cinematic Record chegasse ao FIM.

Mas podia partir daí. De que outra forma poderia ele tentar saber o que acontecia depois do fim?

.

Tinha um historial de quebrar regras.

Cada vez que desobedecera a alguma ordem estabelecida por alguém algures, sempre que cometera algum crime de acordo com alguma coisa, fora castigado.

Fora castigado por desobedecer um regente insano, atirado para as ruas para definhar e morrer à fome.

Fora castigado por não morrer, vendo a sua família morrer em vez disso.

Fora castigado por tentar tirar a vida e falhar, sendo enviado para um asilo em vez disso.

Fora castigado por conseguir suicidar-se, sendo forçado a procurar redenção pelo seu "crime".

Fora castigado por interferir com vidas humanas a que estava proibido, marcado extensivamente e desertando a sua "sociedade".

Fora castigado por desejar proteger a vida e alma de um ser humano, tendo de a ver ser assassinada e levada para longe dele sem poder fazer nada.

Castigos claramente não lhe serviam para nada. Mas alguém algures ainda achava que funcionaria. Quem quer que fosse, era um tipo teimoso.

E Undertaker também era. Portanto, que diferença fazia mais um pequeno crime?

.

Começou com uma jovem. Treze anos de idade. A mesma idade que Claudia quando se tinham voltado a encontrar no cemitério.

Antes de a atender, antes de remover a camisa de noite ensopada em sangue para lavar e coser os horríveis golpes no peito e no pescoço, antes de a mudar para vestes belas e limpas e lhe dar um funeral pacífico, Undertaker tomou a mão gelada na sua. Os dedos estavam pintados num mármore de fios de sangue seco. Em tempos vira uma imagem na sua mente, há todos aqueles anos atrás, vinda do medo sufocante de ver Claudia deitada nesta mesa, assassinada tal como esta jovem.

Desta vez tinha uma pessoa real. Desta vez tinha a memória real de Claudia assassinada.

Começou por raiva. Segurou no Cinematic Record, lutando contra as suas mãos trémulas que ameaçavam esmagar o frágil filme etéreo entre os seus dedos. Mesmo na última tira de filme e do FIM que se repetia, acrescentou um novo pedaço de registo. Era um registo seu, um vislumbre do fracasso em encontrar a pessoa que magoara Claudia, a raiva por não ser capaz de os despedaçar lenta e dolorosamente.

Algo aconteceu, demasiado rápido para ser visto num piscar de olhos. Literalmente. Um rápido movimento sob as pálpebras dela.

Sabia melhor que ninguém como os cadáveres demonstravam espasmos e se moviam involuntariamente à medida que os músculos começavam a enrijecer e a entrar em rigor mortis. Também o vira como movimentos fantasma, reflexos dos movimentos realizados antes das suas mortes violentas, como se o corpo tivesse memória própria e os músculos se recusassem a deixa-la desaparecer mesmo depois do coração parar de bater. Poderia ter sido uma coincidência.

Voltou a tocar o Cinematic Record. Os olhos da jovem moveram-se sob as pálpebras.

Em vez de deixar esta primeira, simples tentativa impressioná-lo, sentir-se chocado por a sua hipótese poder sequer ser possível, passou de imediato para aquilo que estava mal: não era suficiente. Será que o tipo de memória não era o correcto? Será que a emoção não era suficiente? Precisaria de ser mais visual, mais odiosa, mais triste?

Não. Quem haveria de desejar continuar a viver por raiva e tristeza?

O que o fizera a ele desejar estar vivo de novo?

Undertaker riu baixinho. Felicidade. E qual era ela, a resposta àquela pergunta que se interrogara há eras atrás, aquela resposta tão simples que um dos seus colegas Grim Reapers lhe dera?

- Se algo me faz sorrir, suponho que seja o que me deixa feliz.

Undertaker tentou de novo. Tentou rir, fazer algo ridículo e tolo. Apenas um pequeno pedaço de Cinematic Record, algo visto num piscar de olhos que causasse instintivamente um riso confuso. Colocou-o depois do FIM.

Durante vários segundos, tudo ficou imóvel, como se a funerária - talvez o mundo inteiro - tivesse contido a respiração em antecipação do resultado. Era como se o Cinematic Record bobinasse no mesmo lugar, preparando-se para chegar ao seu terrível final que finalmente tinha uma continuação.

O cadáver moveu-se. Um movimento brusco, desajeitado.

E depois voltou a cair inanimado.

Undertaker tocou no rosto gelado da jovem suavemente. Voltou a tocar o Cinematic Record. O FIM apareceu, e depois aquela pequena, minúscula continuação. O corpo dela agitou-se, aquelas mesmas memórias musculares reagindo a uma memória que não deveria lá estar. Não abriu os olhos, não abriu a boca, não coordenou o corpo. Mas o seu corpo reagiu a uma fracção de uma memória, como um brinquedo de corda começando de repente a mover-se.

Uma boneca bastante bizarra, de facto.

Não era suficiente, mas era um conheço.

Conseguia continuar depois do fim.

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Quando Lady Phantomhive faleceu nesse ano, tratou do seu funeral com o mesmo cuidado com que tratava de todos os seus clientes, a sua mente apenas ligeiramente ciente do facto que testemunhara a morte de três gerações de mulheres Phantomhive - esta mulher, a sua mãe, e a sua filha.

Quando Cedric faleceu no ano seguinte, Vincent e Francis ficaram sem família.

Sozinho com o cadáver aberto de Cedric, os seus órgãos devorados pela doença que o corpo perdera a vontade de combater, Undertaker pegou no seu Cinematic Record e realizou outra experiência. Desta vez, as memórias que podia acrescentar eram familiares a Cedric - ele próprio, Claudia, Vincent, Francis.

Tal como antes, tristeza e raiva não ajudaram. O corpo recusava-se a continuar a sofrer.

Tal como antes, felicidade inflamou uma resposta. Só que desta vez, Undertaker não colocou um pequeno pedaço de filme, mas sim uma tira de eventos recortados do próprio passado de Cedric. Removeu-a do seu lugar original e colocou-a depois do fim - tornaram-se assim uma continuação.

O corpo teve um espasmo e os olhos abriram-se. Um olhar morto moveu-se e girou pelo tecto da funerária antes de encontrar os olhos de Undertaker. A boca de Cedric escancarou-se, os braços tremendo de uma forma perturbadora quando os músculos quebraram a rigidez que os começara a prender. Com o peito aberto e fatias de carne puxadas para os lados como asas, Undertaker conseguia ver que nenhum dos seus órgãos reagia, contorcendo-se com a vida inesperada que fora subitamente devolvida ao corpo. Nada. O seu coração não batia, os pulmões não se enchiam de oxigénio enquanto os braços finalmente se moveram totalmente para cima, tentando alcançar Undertaker. Os seus dedos rodearam a mão de Undertaker, num aperto que nunca lhe dera em vida, puxando a mão de Undertaker para perto do rosto, como se quisesse sentir se era real, murmurar contra ela.

Apercebeu-se lentamente do que ia acontecer, mas aconteceu demasiado rápido para saber como reagir. A boca aberta de Cedric escancarou-se ainda mais e ele mordeu o pulso de Undertaker.

Em vez de se assustar ou ficar chocado, Undertaker soltou uma gargalhada surpreendida.

- Ora, Cedric, o que é isto agora? Sempre fostes divertido, de facto. - Cedric não respondeu. Os maxilares estavam a cerrar-se a uma velocidade alarmante, mas até aí os dentes ainda não tinham rasgado o tecido das vestes de Undertaker. As mãos continuavam a tactear, tentando procurar um novo ponto para o puxar.

Não falou. Quando Undertaker se afastou do seu alcance, o som que saiu da garganta dele foi vagamente familiar, uma amostra de como a sua voz soara, mas não era nada além de um grunhido. Undertaker achou a ausência de voz agradável em vez de perturbadora.

A sua experiência fora um sucesso. Conseguia trazer uma pessoa de volta à vida.

Com limitações. Por enquanto.

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Eventualmente, haveria de presumir que eles procuravam algo que lhes faltava

Almas.

Onde está a alma de uma pessoa? Ninguém sabe. Mas está dentro do corpo da pessoa.

Se o devorasses, talvez a conseguisses encontrar e torna-la tua.

Era deveras belo.

O conceito de bonecas bizarras era belo.

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Uma pessoa morta não pode morrer. Mas pode matar. Isso era interessante.

Quão irónico seria se a Rainha fosse um dia derrubada pelas mesmas bonecas que instigara a criação.

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Se Vincent morresse um dia, iria trazê-lo de volta.

Estar deprimido não se trata de estar triste o tempo todo.

Embora Vincent trouxesse a paz e felicidade pelas quais Undertaker ansiava, algo fora permanentemente danificado. Undertaker começou a acreditar que não poderia sofrer mais do que já sofrera; em vez de ser libertado por este pensamento, mergulhou num estado de dor permanente. Uma depressão enlutada da qual nunca recuperaria. Era como se estivesse sempre prestes a afogar-se, mal à tona de água, quando de repente conseguia respirar de novo. E então no momento seguinte submergia novamente.

Começou a rir em vez disso. Tornou-se totalmente uma personagem alegre, um exterior longe do vazio, da tristeza e do medo que o consumiam por dentro. Quanto mais fundo se afogava sob aquelas ondas, com mais força se ria; Quanto mais repetia as experiências com as suas Bizarre Dolls, mais se relembrava porque as começara. Aqueles que olhassem com atenção veriam o quão frágil aquela mentira era; aqueles que se importavam ao ponto de ver não o queriam magoar desfazendo aquele último paradoxo. Felicidade e tristeza entrelaçadas.

Quão triste seria, se o riso desaparecesse deste mundo.

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Vincent formou um grupo de informadores a que chamou de Evil Noblemen. Às vezes chamados de Aristocratas do Mal.

Fosse qual fosse a versão do título, Undertaker achava hilariante que ele fosse considerado um nobre, um aristocrata. Parecia-se com uma simples e derradeira prova de aceitação de que fazia parte da família Phantomhive. Ele era a família de Vincent e Francis.

Eles eram a sua família.

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Enquanto membro da família, observou-os como observara Claudia, como Vincent e Francis se tornaram jovens adultos e se apaixonaram pelos seus respectivos cônjuges. Francis escolhera um homem engraçado e amável como seu noivo que o fazia lembrar um jovem Cedric. Pareciam ser tão opostos quanto Claudia e Cedric haviam sido, e isso era um casal maravilhoso. Por seu lado, Vincent revelara-se ser um quebra corações sem remédio, completamente alheio ao facto que a irmã da mulher maravilhosa por quem se apaixonara estava igualmente enamorada dele. Duas mulheres apaixonadas pelo mesmo homem.

- O amor é algo maravilhoso, mas também pode provocar horríveis desastres - disse-lhe Vincent uma vez. Palavras verdadeiras, mas sombrias.

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1872

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Vincent superou as expectativas e esperanças de Claudia no seu papel de Cão de Guarda. Ajudou a salvar o seu povo e o seu país inúmeras vezes. Era um fiel súbdito. Apenas não um cego e vazio.

A popularidade da Rainha Victoria caíra no decurso de alguns anos. Isto era de pouco ou nenhum interesse a Undertaker, mas a mudança de maré que trouxe interessou-o. Descobriu, após o ocorrido, que a Rainha sofrera um ataque de um jovem à porta do próprio Palácio de Buckingham. O incidente fora, claro, extremamente mediático, e traumático para a Rainha - uma versão dos factos que foi rapidamente substituída por uma que relatava a preserverança da Boa Rainha. John Brown apreendera o atacante e a Rainha escapara absolutamente incólume salvo um susto de morte. O incidente depressa se revelou, na verdade, bastante favorável para a Rainha, e a sua popularidade recuperou como que por magia.

Fora tudo orquestrado por Vincent. Sem conhecimento prévio da Rainha.

Vincent limitara-se a explicar calma e alegremente que o evento perderia autenticidade se a Rainha ou John Brown soubessem de antemão. Era difícil fingir o nível de stress requerido para causar a reacção certa no público. Tudo fora planeado até ao ínfimo detalhe. O atacante escolhido estava relacionado com um membro do parlamento irlandês, o que daria motivações políticas ao ataque, favorecendo e enaltecendo a Rainha e o poder de Inglaterra. A pistola do jovem estava descarregada. Toda a situação fora imensamente pública, no mais surreal e importante dos locais, e os seus relatos nos jornais foram os mais fidedignos até à data. O incidente engrandeceria a resiliência da Rainha e recuperaria a confiança e apoio do povo na sua governante poderosa e sem pavor.

Todos estes factos eram inegáveis. Um método pouco ortodoxo, mas eficaz.

Vincent era um cãozinho leal, protector, implacável, mas maroto.

Pouco depois de partilhar a conversa que tivera com a Rainha, Vincent sentou-se atrás da sua secretária, um ar de realização emanando dele.

- O que acontecerá ao rapaz?

- Que rapaz?

- O que usastes como atacante.

Vincent encolheu os ombros. - A última coisa que soube é que planeavam doze meses de prisão e chicotadas.

Danos colaterais que não eram considerados importantes.

- Em tempos dei um conselho à vossa mãe - disse. Vincent voltou os olhos para uma carta selada e procedeu a abri-la com um abre-cartas. O olhar de Undertaker franziu-se perante a mesma falta de interesse demonstrado por esta simples acção. Demasiado do temperamento de Claudia fora herdado pelo seu filho. - Dou-vos o mesmo agora.

- Qual é?

- Quando se tornam demasiado poderosos, deixam de compreender a importância de coisas que não podem ser recuperadas.

- Por favor, não sejais melodramático. Umas vergastadas e uns meses longe do sol são muito diferentes de uma execução. Além disso, o rapaz tinha de facto intenção. Só não sabia que a arma não estava carregada.

- Essa não é a minha questão - insistiu ele. Vincent ainda se entretinha com a carta em vez de olhar para Undertaker. - Existem coisas que não podem ser substituídas depois de serem quebradas.

- O meu avô impediu quatro tentativas de assassinato da Rainha. A minha mãe impediu mais duas. Tinha de superar os seus legados. De entre sete vezes, esta foi a que mais assustou a Rainha. Devo impedir mais uma tentativa de assassinato, ou vou desiludir a Mãe.

- Vincent...

- Além disso, todos os atacantes viveram muitos anos. Como vedes, podeis ficar descansado. Nada neles ficou permanentemente quebrado.

Antes de permitir que Undertaker continuasse a insistir, Vincent rodou o envelope entre os dedos para lho mostrar.

- John Brown entregou-me uma carta.

Era engraçado como o mundo funcionava.

- O que achais do mordomo?

- Hm? - Vincent voltou-se, demasiado concentrado em remover a carta do envelope para ouvir a pergunta Undertaker.

- John Brown. O pequeno mordomo da Rainha.

- Um tipo interessante.

- De facto é~

- Lembra-me bastante de vós.

Undertaker sorriu. - Certamente a semelhança não será na cor da roupa, imagino~?

Vincent imitou o seu sorriso. - Não, certamente que não. E vocês têm auras completamente diferentes. Referia-me mais ao facto de não envelhecerem.

De facto. Esse era um pequeno detalhe peculiar a acrescentar ao pequeno mordomo peculiar.

- A Rainha tem o seu conselheiro, eu tenho o meu. Diria que estamos em pé de igualdade, não?

Os seus olhos moveram-se rápida mas atentamente pela nota na sua mão. Os lábios curvaram-se num sorriso satisfeito, frio.

- A Rainha congratula-me pelos resultados inegavelmente positivos dos meus esforços. Não poderia ser mais afortunada do que ter tal Cão de Guarda que age pelo bem estar de Sua Majestade e pela continuação da glória de Inglaterra.

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1875

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"O bem estar de Sua Majestade e a continuação da glória de Inglaterra" não incluía sobrepor-se à vida pessoal de Vincent.

Pouco depois do seu lindo casamento, Rachel Phantomhive engravidou. Isto, no entanto, afectou a terrivelmente a sua saúde, e as vidas de mãe e filho ficaram em perigo. Vincent focou-se exclusivamente no bem estar da sua esposa. Undertaker sabia de fonte segura que ele ignorara várias ordens da Rainha em prol de acompanhar a convalescença de Rachel, até ao dia, já perto do fim do ano, quando a difícil gravidez chegou ao fim.

Vincent e Rachel foram abençoados não com um, mas com dois rapazes.

- A Rainha felicitou a sorte de dois rapazes saudáveis, escrevendo uma nova história alegre neste dia triste - disse-lhe Vincent quando Undertaker visitou a mansão a primeira vez após o parto. Até as boas notícias da recuperação de Rachel e o nascimento dos gémeos tinham de ser assombradas pela presença da mulher. Apesar disso, o olhar de puro deslumbre e orgulho no rosto de Vincent conseguiu aplacar o desagrado de Undertaker. - Sabíeis? Príncipe Albert morreu a 14 de Dezembro. Um dia pesaroso para ela.

- Imagino - disse Undertaker distraidamente. Talvez devesse estar interessado nessa pequena coincidência; uma pequena ironia. Talvez o devesse ter alertado.

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Por coincidência, três anos mais tarde, também a filha da Rainha Victoria, a Princesa Alice, morreria neste dia.

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1880

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- Não me consigo conter. Tenho de contar a alguém.

- Hm~? - Undertaker levantou a cabeça depois de terem discutido a informação que entregara a Vincent acerca do caso mais recente. A obsessão militar da Rainha estava de novo nos pícaros com o estado conflituoso mundial de Inglaterra. A sua paranóia encontrara ameaças viáveis e palpáveis e estava dedicada a fortalecer as suas defesas. Pelo preço de algumas vítimas que acabavam sob os cuidados dele na funerária.

Toda esta temática desagradável foi aligeirada pelo riso de Vincent.

- O Diederich. Ele... foi absolutamente hilariante. Convocou uma reunião com uma comitiva alemã em Windsor, mas revelou-se afinal que um deles era um antigo inimigo do pai. Uma daquelas querelas do estilo ancestral, só que esta pareceu tratar-se de um assunto privado, secreto, de que ele não tinha bem conhecimento. Portanto, ingenuamente, convocou o homem, que fez o esforço de fazer toda a viagem da Alemanha aqui apenas com um objectivo em mente. Conseguíeis adivinhar?

- Pobre Diederich~

- Que posso eu dizer? Ficou branco como a cal quando o homem puxou de uma pistola e tentou resolver a velha desavença. Escusado será dizer, o Diederich deve-me agora um grande favor. E sabe-lo. Já baptizou o acontecimento de "O Incidente de Windsor".

- "Incidente de Windsor"? - Undertaker começou a rir. - O pequeno Diederich está condenado. Nunca ireis esquecer isto.

Vincent soltou uma risada.

- Claro que irei. Quando ele me retribuir o favor. Tecnicamente, ele referiu que só sofreu tal ameaça por minha culpa para começar, mas não se vai conseguir safar desta. Por favor não menciones com ele ou com mais ninguém. Gostaria de reservar o prazer de ser o único com o privilégio de ter visto o embaraço do Diederich. Assim serei o único que o poderá usar como trunfo no futuro.

Riu-se com Vincent. No entanto, a imagem cómica de Diederich sendo persuadido contra sua vontade para retribuir um favor a Vincent no futuro não ofuscou um pequeno detalhe na declaração.

- O que fazíeis com uma comitiva alemã em Windsor, Vincent?

O sorriso de Vincent não diminuiu nem suavizou.

- Expandir os meus horizontes.

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1882

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Os gémeos Phantomhive eram adoráveis. As suas feições não eram reminiscentes de um jovem Vincent, mas sim uma jovem Claudia. As suas personalidades, no entanto, não eram de ninguém excepto suas.

Cópias idênticas um do outro. Undertaker adorava brincar com eles, e chegara mesmo mais do que uma vez a exceder as tarefas dos criados e cuidara deles como ama desde bebés.

Na altura em que tinham sete anos, as suas personalidades distintas já se tinham assente em completos opostos. Apesar de fingir que os confundia, Undertaker sabia bastante bem como distinguir os filhos de Vincent.

Eram únicos. Não eram bem como nenhum outro Phantomhives antes deles. Um vivaz, alegre e entusiasta. O outro ponderado, cauteloso, controlado. Um ansioso por proteger e apoiar, escondendo a sua própria necessidade de ser protegido e resguardado. O outro precisando de protecção e cuidado, escondendo a sua própria ânsia de superação e aprendizagem.

Eram um conjunto completo divido em duas metades, sempre unidos no seu cerne. Como céu e estrelas.

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1885

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Dezembro

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- Passa-se alguma coisa, Vincent?"

Ele sorriu. Sorria sempre.

- Creio que sim, Undertaker. Mas veremos.

Undertaker olhou para ele sob a franja.

- O que queres dizer?

- Houve alguns desenvolvimentos acerca do meu envolvimento no incidente de Windsor. Está a tornar-se deveras divertido, na verdade. Não é nada com que vos deveis preocupar. Eu próprio ainda estou... a analisar o que virá disto.

O incidente de Windsor.

O terrível fim do ano.

Os dois formavam um paralelo que provocou um gelo na boca do estômago de Undertaker.

- Diederich saberá de tudo - garantiu Vincent, sorrindo. - Estará mais do que relutante em aceitá-lo, mas caso preciseis de algo, sabeis que ele estará disponível para vos ajudar. Já prometeu tomar conta dos meninos há alguns anos.

- Se estais a tentar ser misterioso para criar suspense, Vincent, não está a funcionar.

Vincent soltou uma risada seca.

- Perdão, perdão. Afinal, estamos numa época festiva. O aniversário dos meninos está tão próximo. Vireis à festa, certamente? Ficaríamos encantados, e tenho a certeza que os rapazes também. A chegada dos convidados está marcada a partir das seis da tarde, portanto podereis aparecer quando quiserdes.

- Claro que vou. Dez anos~ estão a começar a crescer.

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Foi então que Undertaker não podia, nunca, deixar de ser culpar.

Por entre negação, raiva, negociação e depressão, nunca conseguiu atingir aceitação.

Podia culpar Tanaka pelo juramento a que o homem o forçara.

Podia culpar a Rainha e o seu mordomo.

Podia culpar as mortes predeterminadas.

No final, a culpa era só sua.

Deveria lá ter estado.

Deveria ter sabido.

Deveria tê-lo pressentido, deveria tê-lo parado.

Deveria ter sabido.

Eu devia ter sabido.

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Da última vez, o alvo fora apenas Claudia. Os servos caídos foram meros danos colaterais - o seu objectivo fora Claudia.

Desta vez foram todos. Todos.

Desta vez não se importaram com tentativas. Queimaram tudo. A mansão estava a arder, os corpos estavam a arder.

Desta vez não foram dois criados. Foram todos. Nem todos já tinham carbonizado, os seus corpos afogados em poças de sangue, os seus Cinematic Records acessíveis, mas não os podia ver agora. O fedor a fumo, tecidos e carne queimada substituíra o oxigénio.

Não viu o cadáver de nenhum convidado.

Não viu rasto das crianças.

Não viu Vincent. Ele estava...

Não.

NÃO!

Se eu tivesse aqui estado...

Não posso passar por isto. Não por isto. Outra vez não.

Negação, raiva, negociação e depressão. Inúteis.

O seu mundo estava a morrer de novo, pela última vez, e ele não podia fazer nada a não ser vê-lo desmoronar.

Undertaker correu pelos corredores da mansão que conhecia de cor, a imagem de corpos incontáveis cravando cada vez mais fundo que isto era o fim. Não havia nada que pudesse fazer, nada que pudesse mudar. Neste dia, logo neste, felicidade tornara-se em tragédia.

Uma pequena coincidência; uma pequena ironia.

Tropeçou em Tanaka na sua subida pela mansão. O mordomo jazia numa poça de sangue. Ainda estava a uma distância segura das chamas; o seu corpo ainda preservava o Cinematic Record. Estava prestes a invocar a sua Death Scythe quando viu o corpo do velho mover-se, estremecendo numa tentativa incansável de lutar pela vida. Cerrou as mãos em torno dos ombros do homem e voltou o seu corpo para cima. O seu primeiro pensamento foi cerrar o punho em torno da garganta do velho e asfixiar o resto da vida que lhe restava.

- Undertaker... - arquejou o velho mordomo, sangue vertendo dos seus lábios.

- O que aconteceu?!

- Lord Ciel... foi... o Jovem Mestre... vivos. Estão vivos...

Nem teve tempo de pensar nas razões por que matariam todos excepto os meninos.

- Onde estão eles?

- Levados... por favor, Undertaker...

Largou o mordomo ferido e moribundo. O amontoado de emoções destruídas estava a inundar todos os seus sentidos: queria matar o mordomo por voltar a falhar, queria matar-se a si próprio, queria gritar e arrancar os olhos, queria que Vincent estivesse bem, queria trazer Vincent de novo à vida como sempre desejara um dia fazer, queria que os meninos estivessem seguros, queria acreditar que isto era tudo um pesadelo que acabaria agora.

No lugar de escapar e correr atrás das crianças, tinha de ver. Se no seu cérebro restasse uma fracção de lucidez, teria abatido Tanaka e visto as memórias do homem; teria sabido as respostas aos seus medos e encontraria o raio de esperança que eram as crianças, seguindo de imediato atrás dos culpados e perseguindo-os. Mas tinha de ver Vincent.

Tinha de saber se Vincent estava bem. Mesmo que soubesse que era tarde demais.

A luz queimada e amarelada do candeeiro a gás brilhando na escuridão das suas memórias passadas encontrou o paralelo no presente, um inferno de chamas que consumiu e destruiu tudo o que ele tinha.

Tinham os dois desaparecido. Claudia. Vincent.

Desta vez, nem tinha um corpo para lamentar, para segurar.

Desta vez, tinham-lhe roubado até a chance de o segurar nos braços.

Desta vez tinham por fim destruído todas as suas esperanças.

Desta vez foi demais.

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continua

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Nota: "Death is a choice that I rejected" é uma referência à fan song 'Rapture Rising' que é excelente. E escusado será dizer, 'They're all dead, they just don't know it yet' é uma referência directa do filme The Crow..

A referência ao incidente de 1872 é real, eu só lhe dei o toque-Kuro. Também começo a achar que o incidente de Windsor mencionado no canon vai acabar por ser uma coisa idiota e não dramática, mas decidi usá-lo porque sim.

Este capítulo é excessivamente grande e há demasiada coisa nele. Tentei "embeleza-lo" com o simbolismo de cada um dos 3 pontos

simbolizar um estádio do luto. O Undertaker nunca ultrapassou a depressão e alcançou aceitação.

Mas meh, é uma desculpa para o capítulo estar demasiado sobrecarregado.

Estamos quase no fim.