Capítulo 3 - Um novo trabalho

POV - Jade

Meu dinheiro tava acabando, então eu com certeza precisava de um emprego. Mesmo que minha faculdade já estivesse paga, e eu tivesse guardado o suficiente pro meu apartamento, tinha pouco sobrando. Eu ter comprado as coisas da Victoria gastou boa parte do que eu tinha.

Eu tinha encontrado um anúncio de um trabalho pra assistente de laboratório. Era uma nota bem estranha, dizendo que o trabalho era longo e o pagamento era péssimo, mas possíveis ótimas recompensas. Então eu liguei para o número, mas apenas um robô me respondeu. Informei meu nome, número e e-mail, e disse que estava interessada no trabalho de assistente.

Recebi um e-mail de resposta 2 horas depois.

"Venha hoje às 12 horas da tarde no meu laboratório para uma entrevista. É numa fábrica velha no extremo leste de Londres. Rua 320 Black Church."

Olhando para o relógio, percebi que eu tinha que sair naquele instante pra chegar a tempo. Eu não tinha nem tempo pra me trocar pra uma roupa mais apresentável. Eu estava vestindo uma leggings preta, uma saia xadrez e blusa verde.

"...Bom. Você não me deu tempo pra me trocar. Vai ver isso aqui mesmo." Murmurei enquanto pegava minhas chaves e saia de casa. Cheguei no metrô em tempo recorde. Por sorte, consegui chegar no endereço 5 minutos antes. O prédio parecia muito velho, e realmente tinha cara de ter sido uma pequena fábrica. A vizinhança tinha várias fábricas antigas que parecem ter sido transformadas em sótãos e pequenas empresas. A frente parecia ter sido remodelada em algum momento e algumas vitrines foram colocadas. Tinha uma lavanderia a seco e um restaurante chinês nas únicas 2 que pareciam estar ocupadas no momento. A rua 320 Black Church era no final e eu notei na mesma hora que o vidro estava pintado. Mas na porta, em escrita apagada, lia "Atlas: Discos e Fitas".

Comecei a ter um mal pressentimento sobre esse trabalho, e chequei minha jaqueta pra ter certeza que minhas tesouras estavam comigo. Bater na porta não adiantou, então tentei abrir. Não estava trancado. Entrei.

A sala da frente era obviamente uma loja de discos há um certo tempo. Vi um balcão e prateleiras vazias que antes tinham CDs. Mas além disso, também tinham caixas que pareciam ter partes eletrônicas. Outras caixas tinham papéis e livros sobre coisas técnicas. O lugar todo estava uma bagunça e completamente caótico. Num dos cantos tinha uma mesa que estava coberta de papéis.

Antes de eu poder fazer qualquer coisa, um homem com cara de uns 40 anos apareceu do nada da porta dos fundos. Na porta tinha escrito "Não entre". O cabelo dele era bagunçado e ele se vestia como um hippie.

Segurando algo em sua mão, ele chegou pra mim com uma feição empolgada. "Diga-me, o que é isto?!" E notei na mesma hora. Ele era americano.

Dei uma olhada rápida no objeto que estava na mão dele. "Err... Parece uma chave de soquete que tá meio derretida."

Ele bufou e olhou pra coisa com uma cara estranha. "Pensei nisso também. Pelo menos não derreteu completamente dessa vez."

Ele então pegou um coco do bolso (que?) e tomou um gole enquanto me estudava. "Vestida em roupas góticas, me julgando com o olhar. Você gosta de ficção científica?"

Balancei a cabeça. "Só quando as pessoas morrem."

"Você é uma pessoa paciente?"

"Não."

"Deixe-me adivinhar! Você ama filmes de terror e todo e qualquer tipo de coisa mórbida."

"Sim."

"Você é uma estudante?"

"Sim."

"Qual curso? Por favor me diga que não é física, matemática ou história."

Essa era a entrevista mais bizarra que eu já tive. Ele não parecia perigoso, só estranho. "Major em Teatro e menor em Composição Literária."

Ele então chegou mais perto e me deu olhar suspeito. "Stephen Hawking não te mandou aqui, né? Ele está sempre me espionando."

Procurei mentalmente sobre quem era esse cara e veio um branco. "Quem é Stephen Hawking?"

"Qual seu nome?"

"Jade. Jade West."

Ele então sorriu e estendeu a mão." Bom, Jade, está contratada! O pagamento é de 300 libras a cada duas semanas. As condições de trabalho são caóticas, eu posso te chamar em horas esquisitas e você vai ter que fazer coisas esquisitas. Mas, graças a um acordo, refeições inclusas. Cortesia do restaurante chinês aqui perto. Agora, tenho duas regras!"

"Quais são?"

"A porta dos fundos tem um corredor. Você vai achar os banheiros lá. Mas no fim desse corredor tem outra porta. E lá tem uns equipamentos muito perigosos. Até eu dizer contrário, não entre. A segunda regra é que você não pode discutir sobre o que vê e o que faz aqui. Capiche?"

Vou me arrepender disso. "Claro..." Eu concordei, apertando sua mão.

Ele me entregou um maço de dinheiro. "Maravilha! Sua primeira tarefa é me conseguir uma nova chave de soquete, já que a minha última derreteu. Quando voltar, preciso que você procure uma coisa naquelas caixas pra mim."

"Procurar o que?"

"Um livro chamado 'Equações Lineares da Física de Partículas', de D. Schneider."

Foi então que eu percebi que tinham pelo menos 20 caixas espalhadas pela sala. No quê que eu fui me meter? "Uma chave de soquete chegando..."

Nos despedimos e eu saí. Usei meu celular pra achar uma loja de construção e comecei a andar. No meio da caminhada, percebi uma coisa. Essa parte de Londres é onde Jack, o Estripador perseguia as vítimas.

"Tão legal. Preciso arranjar um tempo pra ver os lugares dos assassinatos."

Voltei mais ou menos uma depois de sair, com a nova chave em mãos. Sikowitz não estava nos banheiros ou na sala da frente, então eu bati na porta de trás.

Ela de repente abriu um pouco e um olho apareceu na brecha. "Você foi seguida? Talvez por um cavalheiro idoso em uma cadeira de rodas. Ele não se mexe e fala em uma voz mecânica."

Balancei a cabeça devagar e mostrei a chave. Mas que diabos. "Não, mas eu tenho sua chave."

A porta abriu um pouco mais. Sikowitz então estendeu a mão e pegou das minhas mãos. "Obrigado. Me avise quando encontrar o livro." Com isso, ele fechou a porta com força.

Passei as próximas duas horas procurando por aquele livro. Ele tinha caixas com partes eletrônicas, artigos técnicos e livros de ciência. Mas também percebi que a maioria dos livros eram de física, e vários pareciam ter algo a ver com buracos de minhoca.

Eu já ouvi falar de buracos de minhoca. Parece que eles eram pra ser uns buraquinhos no espaço que te levam de ponto A para ponto B, evitando passar por milhões de quilômetros, como seria o normal. E era isso que eu sabia. Eventualmente achei o livro e entreguei pro Sikowitz. Ele passava quase o tempo todo no laboratório, saindo só às vezes pra ver como eu estava indo. De vez em quando eu ouvia ele fazendo barulho na sala dos fundos, e uma ou duas vezes as luzes diminuíram quando eu ouvia um zumbido alto.

Ele então me colocou pra fazer registro de dados. Ele tinha um caderno cheio de números e me fez digitá-los numa planilha. Terminei tudo por volta das 7:30 da noite. Ele me entregou comida chinesa e me dispensou por hoje, pedindo pra que eu voltasse em dois dias.

Eu poderia ter perguntado pra ele sobre os experimentos, mas imaginei que paranoico como é, ele não ia me dizer nada. Enquanto eu pegava o trem pra casa, minha mente mais uma vez foi para o passado. Para Victoria.

Uma mulher morta há anos cujo rosto me assombra. Quanto mais eu vejo aquele rosto, mas eu quero conhecê-la. Então, quando cheguei em casa, sentei na minha cama e li o primeiro diário. Senti a inquietação e empolgação de finalmente saber como ela era.

3 de Junho de 1862

Hoje é meu aniversário. Eu faço 12 anos hoje. Estou tão empolgada. Mãe e pai, como presente, me deram um diário. Eles devem ter me ouvido falar sobre como Grace Parkington tinha um, e eu queria também. Eu queria um para que eu pudesse escrever sobre minhas aventuras. Minha amiga, Cat, e eu fomos caminhar perto do rio no parque. Eu vi um cisne e seus filhotes nadando por trás. Eu amo o parque. É meu lugar predileto.

O primeiro capítulo não era muito emocionante, mas, pelo número de livros, deu pra perceber que Victoria conseguia manter seus diários. Eu tinha expectativas deles ficarem mais e mais emocionantes.

Eu logo descobri que tinham algumas brechas entre os capítulos. Victoria não escrevia todos os dias, mas ainda era bem frequente. Também tinham uns espaços de tempo entre os livros. Imagino que alguns dos diários tenham sido perdidos. Até o final da noite, consegui chegar até os seus 14 anos, e aprendi bastante coisa.

O nome dela era Victoria Vega Walker. Ela nasceu em Londres, Inglaterra, em 3 de Junho de 1850. Ela era a caçula do Major David Walker do Exército Britânico e de sua esposa espanhola, Maria Vega. David Walker nasceu em uma família de nobreza menor, cuja fortuna já se esvaiu. Com muito pouco sobrando em sua propriedade, o pai de David conseguiu juntar o suficiente para comprar-lhe uma comissão como Tenente no 24º Regimento. Tive que pesquisar na internet, mas aprendi que, no Exército Britânico, era comum que famílias ricas comprassem comissões de oficiais para seus filhos.

Pelo que eu li, David Walker serviu na Índia e foi condecorado por bravura na Segunda Guerra Anglo-Sikh na Índia nos anos de 1840. David, pelo jeito, se tornou um ótimo oficial que ganhou o respeito de seus homens e superiores. Foi na Índia que ele conheceu e se apaixonou por Maria Vega, a filha de um próspero comerciante espanhol.

Em 1859, eles tiveram sua primeira criança, uma filha chamada Catarina. Mas percebi que, por motivos não ditos, ela raramente era referida pelo nome inteiro. Ela era sempre chamada simplesmente como Trina. Em 1849, David foi transferido para um regimento estacionado em Londres, onde Victoria nasceu.

David serviu ao exército por mais 3 anos até se aposentar com a posição de Major. Depois disso, ele se instalou na cidade próxima, Herford, onde ele abriu uma taverna, sendo também um comerciante. Victoria disse que sua mãe queria se estabelecer e não ficar viajando pelo mundo, como o pai fez com ela. Como filha de mercador, a mãe de Victoria já morou em várias partes do globo.

Ele logo se tornou um respeitado membro da comunidade, e com seu histórico militar e familiar foi aceito como um igual das famílias de classe alta da área, os Valentine e os Oliver. O tempo passava normalmente, até a mãe de Victoria morrer de cólera em 1863. Ela ficou muito triste com a perda da mãe.

Mas, além dos fatos básicos dos pais de Victoria, também aprendi que ela era uma pessoa animada e feliz, que pensava bastante nos outros. Ela amava passar tempo no parque, cavalgar em seu cavalo quando podia, e amava cantar. Mas cantar no coral da igreja era sua única chance pra isso. Sua irmã, Trina, é um pouco mais egoísta e egocêntrica, e atormentava Victoria de vez em quando.

Sua melhor amiga era Katherine Valentine, filha de uma família rica da cidade. Aparentemente, o estranho irmão dela quase sempre chamava ela de Cat, então o apelido ficou.

Eu percebi uma coisa curiosa enquanto eu lia. Quando Trina passou pela puberdade, o interesse dela em garotos ficou óbvio. O interesse de Victoria em garotos, no entanto, parecia faltar. Notei uma outra coisa. Quando ela descrevia mulheres, ela normalmente dizia mais detalhes do que sobre homens. Era como se ela não prestasse muita atenção neles.

Isso me fez pensar se não tínhamos mais em comum do que eu imaginava. Mas rapidamente me acautelei para não ler muito nas divagações de uma garota de 14 anos.

Besteiras à parte, me senti puxada cada vez mais a fundo.