De volta pra casa

"Nem desistir, nem tentar

agora tanto faz

Estamos indo de volta pra casa"

(Legião Urbana, Por enquanto: Legião Urbana, 1985)

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Ela não percebeu que estava sendo observada.

Caminhou pelas ruas protegendo-se da chuva fina que caía, segurando o guarda-chuva pequeno com uma mão e o saco de papel pardo com as compras em outro. Voltava do trabalho na lanchonete e quase esquecera que não tinha mais comida em casa, por isso, tinha saído de seu caminho habitual para ir em um mercado próximo.

Os sapatos incomodavam seus pés cansados e seu sobretudo preto já estava molhado dos respingos das poças em que ela pisava.

Só mais um quarteirão e ela estaria em casa, quer dizer, chegaria ao lugar que era sua casa naquela semana. Tiraria os pés daqueles sapatos horríveis, colocaria a lasanha congelada no microondas e abriria o vinho que trazia em sua sacola. Uma noite relaxante era tudo que ela mais precisava. Uma noite para decidir o que faria de sua vida.

No entanto, ela percebeu que não ia ter essa noite tranquila quando viu dois homens grandes no beco. Percebeu de imediato que eles a haviam encontrado de novo.

- Helena Bertinelli… - um deles falou colocando-se na frente dela. - Nosso chefe mandou um recado…

Helena teve um pequeno vislumbre do metal saindo do bolso do casaco do homem, e antes mesmo de ver a arma, ela já tinha jogado as compras neles e corria na direção contrária. Dois tiros passaram dos lados e ela estava agradecida pelo beco estar escuro suficiente para eles não lhe acertarem, mas viu sua sorte acabar quando percebeu que correra para um braço do beco onde não havia saída.

Ela estava sem seu uniforme, estava desarmada e virou-se para encarar seus perseguidores. Helena viu novamente o brilho do metal da arma que um deles apontara e olhou no entorno, não tinha como se esconder. Estava totalmente exposta. Fechou os olhos, imaginando os tiros que viriam.

Mas eles não vieram.

Algo zuniu no ar e arrancou a arma do primeiro homem, e enquanto os dois estavam atordoados olhando em volta, Helena viu quando dois vultos se lançaram do escuro e derrubaram seus dois perseguidores que nem tiveram chance de lutar. Em questão de segundos estavam no chão.

Então eles pararam e elas os viu. Dois homens, um mais alto, encapuzado e o outro, um adolescente mascarado. Eles olhavam os homens desmaiados e viraram-se para encará-la. Foi quando ela reconheceu o uniforme.

- Você é o… - Helena falou apontando Damian.

- Robin. - o garoto confirmou aproximando-se de Helena.

- O que você faz aqui? – ela indagou mais irritada que surpresa.

- Aparentemente, salvando sua vida. - o homem maior falou, aproximando-se. Sua voz era rouca, porém leve e tinha um toque de divertimento. Mesmo sob o capuz, ela sentiu que ele a examinava da cabeça aos pés.

- Ele mandou vocês? - Helena perguntou desconfiada, fechando seu semblante.

- Não foi o Batman quem nos mandou. – o Robin respondeu. - Ele não sabe que estamos aqui.

- Alfred nos mandou. - o rapaz encapuzado acrescentou.

- Eu disse a ele que não precisava de ajuda. - Helena falou irritada.

- É sério que você não precisava? – o encapuzado indagou irônico enquanto chutava um dos homens desacordados. - Você parecia bem encrencada agora há pouco...

- Eu consigo me virar. - Helena falou arrogante para o rapaz mais velho. – Estava há um segundo de desarmá-los.

- Você quase foi morta. - o encapuzado riu irônico.

Helena revirou os olhos. Ela mudou seu foco para o rapaz menor que agora a olhava enquanto tinha os braços cruzados contra o peito.

- Você é o Damian, não é? - ela perguntou sem esconder o interesse.

- Sim, eu sou. - o garoto disse orgulhoso.

- Você sabe que… - ela vacilou procurando as palavras. - Que somos irmãos? Não sabe?

- Sim, e que bom que já tiramos isso do caminho.

Helena sorriu paro garoto. Uma emoção confusa e genuína estava se instalando em seu peito.

- Sabe, eu queria te conhecer desde que soube de você… - Helena falou levando uma mão ao ombro do irmão. - mas eu não sabia como. Alfred me contou tudo sobre você…

- Ih, deve ter falado muito mal… - Jason zombou.

- E você quem é? - Helena indagou já irritada com o rapaz encapuzado. - Não é outro irmão perdido, né? Eu bem sei que meu pai começou cedo…

- Eu sou Jason. - ele falou tirando o capuz e estendendo a mão para a Helena. - Eu já fui um Robin. Meio que somos família também…

O rapaz tinha um sorriso charmoso, porém Helena reconhecia um sorriso de malandro quando via um. Ela apertou a mão dele e eles se encararam por um momento.

- Er… vocês querem vir até o meu apartamento? - ela perguntou soltando a mão de Jason, um pouco rápido demais. - Eu perdi meu jantar, mas podemos pedir alguma coisa e conversar.

- Nós apareceremos lá daqui a pouco. Precisamos entregar esses dois aí pra polícia, a ficha deles é imensa. - Damian falou já se afastando.

- Ei, eu não disse onde morava...

- A gente encontra você. – Jason falou já sumindo com o Robin enquanto carregavam os criminosos desacordados.

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Cerca de uma hora depois, Helena estava em seu apartamento, e já tinha aberto a garrafa de vinho que, milagrosamente, escapara intacta da luta no beco. Ela acabara de receber a comida japonesa que pedira para ela e para seus convidados, que ainda não haviam chegado. Olhava em torno no apartamento minúsculo, refletindo que teria que se mudar de novo, dessa vez haviam chegado perto demais.

Ela arrumou a comida na mesa e quase derrubou a taça de vinho no chão quando se virou e viu os dois rapazes postados em sua sala.

- Nesse país, nós usamos portas, sabiam? - indagou se recompondo do susto e observando a janela aberta atrás dos dois. - Comprei jantar pra gente.

- Eu já gosto de você, garota – Jason piscou e sorriu pra ela enquanto se aproximava da mesa e pegava um caixinha de macarrão. Damian permaneceu parado no mesmo lugar.

- Comprei pra você também. - Helena convidou.

- Nós não temos tempo pra isso. - O menino disse sério. - Você está muito exposta nesse apartamento. Temos que sair daqui agora.

- Primeiro, esse apartamento é seguro. - Ela mentiu deliberadamente enquanto ia até a mesa e pegava uma caixinha de comida e hashis. - Segundo, eu estou faminta e essa é minha principal preocupação nesse momento. - disse indo até Damian. Naquele momento, ele a achou idêntica a Selina. O tipo de mulher para qual não se podia dizer não. Então, ele pegou a comida e os hashis que ela lhe oferecia.

Helena pegou sua própria comida e foi para o sofá da sala onde Jason já estava acomodado enquanto jantava.

Damian os acompanhou.

- Então, o que Alfred quer mandando vocês aqui? - Helena perguntou enquanto tomava um gole da taça de vinho e comia seu yakisoba.

- Ele quer que você venha conosco. Ele disse que você não está segura. - Damian respondeu prontamente.

- Eu já disse a ele que não vou voltar pra Gotham.

- Nós sabemos que você não tem pra onde ir. – Damian foi direto. - Nero Marcondes quer sua cabeça. E Alfred disse que você não tem nenhum laço aqui. Você não tem amigos, não tem namorado e obviamente não tem família. Alfred também contou que todos os mercenários desse país estão atrás de você. Ah, ele disse também que você não tem dinheiro algum.

- Você tá bem fodida, heim garota? - Jason falou de seu canto no sofá. Ele já tinha se servido da sua própria taça de vinho.

- Ele também disse que você não estaria segura em nenhum lugar que não fosse…

- Gotham. - Helena interrompeu o irmão.

Ela sabia. Helena sabia que estava em um beco sem saída. E Alfred deixara bem claro que Gotham era o lugar mais seguro para ela fugir.

Quanta ironia.

- Bem, acho que chegamos a um veredito então. - Jason falou colocando sua caixinha vazia sobre a mesa. - E já está irritante isso de vocês completarem as frases um do outro. É coisa de irmão?

Helena suspirou sem dar atenção ao rapaz mais velho, ela ainda olhava o irmão.

- Damian, ele não sabe mesmo que vocês estão aqui?

O garoto apenas balançou a cabeça em negativo.

- O que faz vocês acharem que ele vai me aceitar em Gotham?

- Ele vai não vai se opor a protegermos você. – Damian refletiu. - E além do mais, ele não é o dono da cidade.

- Meio que ele é, né? - Jason comentou sarcástico. - mas quando eu voltei, ele não pôde fazer nada além de ter que me aturar.

- Ele te mandou pra longe também? - Helena indagou interessada.

- É uma longa história. Vamos nos focar no nosso objetivo. - Damian cortou. - Helena, venha conosco. Você pode reconstruir sua vida em Gotham. Você estará a salvo da máfia. Você vai ter Alfred e você vai ter a mim... Você sabe que é a sua melhor opção.

É, ela sabia.

- Tudo bem. – Helena concordou depois de um instante de silêncio. - Eu vou com você. Mas eu não quero ver ele, nem ela… Eu não perdoei os dois e não quero eles na minha vida.

Helena pareceu abalada naquele momento, seu olhar ficou longe, como se olhasse para o passado. Sem pensar muito e indo contra toda a sua natureza, Damian se sentou ao lado da irmã e colocou a mão sobre a dela. Helena então abraçou o garoto e chorou no ombro dele. Desajeitado, Damian abraçou a irmã de volta.

Jason afastou-se, de repente, muito interessado em olhar a cidade pela janela do apartamento.

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Uma hora mais tarde os três entravam em um carro enviado por Alfred que os levaria ao aeroporto. Helena preparara uma pequena bagagem e nem olhara para trás quando deixava o minúsculo apartamento provisório. Não olhava pra vida que deixara pra trás.

Uma vida que não era dela.

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- Ah, isso é que vida! - Damian disse animado quando se espreguiçou na poltrona confortável do jato particular e já a inclinava na posição de dormir, quando o sinal luminoso se apagou, alguns minutos após decolarem.

Helena ocupava uma poltrona em frente a do irmão, estava embolada como um gatinho e dormira antes mesmo da decolagem.

Jason chegou ao lado da poltrona de Damian espreguiçou-se, viu que o garoto olhava Helena dormir.

- Até que não foi tão difícil, não é? - falou olhando a garota. - Achei que ela ia dar mais trabalho, afinal é sua irmã…

- Sim, foi fácil... fácil demais. - Damian sussurrou ainda olhando a irmã. - Acho que ela está muito cansada e... muito sozinha.

- E como você acha que vai ser quando ele descobrir? Ele não gosta de ser enganado...

- Eu não sei, mas eu não vou deixá-lo magoá-la. - Damian disse decidido.

O garoto estava sentindo emoções novas, emoções que nunca sentira na vida. Ele se identificava com Helena, sentia que finalmente encontrara uma igual. Ele estava fascinado pela ideia de ter uma irmã e sentira uma forte conexão com garota assim que a encontrara. Ela era uma deslocada como ele, e ele estava disposto a recebê-la em sua vida e cuidar dela.

Nem que para isso, fosse preciso enfrentar seu pai.

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Helena acordou em algum momento do voo noturno.

As luzes da cabine estavam apagadas e ela olhou Damian que dormia a sono alto na poltrona a sua frente. Após colocar um cobertor sobre o irmão, ela viu que havia luzes acesas atrás de uma cortina e resolveu levantar-se.

Quando passou pela cortina, viu que a luz acesa era de uma área de convivência onde havia um pequeno bar. Jason estava lá, bebia e conversava intimamente com uma comissária que enchia seu copo.

- Aproveitando o serviço de bordo? - Helena perguntou ao aproximar-se, recebendo um olhar atravessado da comissária que, provavelmente, preferia estar só na companhia do rapaz. Helena fez um fez sinal para que a moça lhe servisse a mesma bebida que Jason tomava.

- Não é todo dia que eu voo em um jatinho particular de luxo. - Jason respondeu levantando o copo na direção dela.

- Você deveria estar acostumado, já que viveu com meu pai… - Helena disse antes de tomar um gole de sua própria bebida que a comissária servira antes de se afastar.

- Eu era jovem demais pra aproveitar essas coisas, e estávamos sempre ocupados… - Jason explicou olhando longe. - E depois, eu fui embora cedo demais…

- Você saiu ou ele lhe mandou pra longe como fez comigo? - Helena indagou curiosa.

- Eu meio que tive de ir..., mas Bruce não teve culpa quanto a isso. - Jason desconversou. - E você, Dorothy? O que pensa em fazer quando chegar a cidade das esmeraldas?

Helena riu.

- Sei lá, talvez arranjar um emprego, um apartamento e... sobreviver. - ela disse enquanto olhava seu copo. - Eu não sei direito o que eu quero, mas sei muito bem o que eu não quero. - ela olhou para Jason e havia decisão no seu olhar. - Eu não quero depender de ninguém e eu não quero ser controlada. Principalmente pelo meu pai…

- Boa sorte com isso. - Jason zombou. - O Bruce vai sempre querer controlar todos nós, ele ainda tenta me controlar…

- Você não parece alguém que pode ser controlado. - Helena comentou enquanto brincava com o copo. - Damian do mesmo jeito…

- Damian é o inferno. - o rapaz concordou. - Mas ele gostou de você. O que é muito estranho porque ele não gosta de ninguém.

- Eu também gostei dele logo de cara. - Helena disse animada. - Talvez seja porque nunca tive um irmão.

- Alfred deve ter lhe dito que você tem vários irmãos... a maioria escoteiros entediantes… Damian e eu somos os transgressores da família… - disse orgulhoso.

- Então você é mesmo da família? - Helena provocou inclinando-se para próximo dele e, por um instante, Jason pode ver vestígios de uma certa gata ali.

- Meio que sim… - ele respondeu um pouco desconcertado pela proximidade e, para seu alívio, ela pareceu se afastar.

- Eu não sei como vou fazer em Gotham. - ela confessou voltando ao seu estado anterior. - Eu não quero depender do meu pai, mas eu vou chegar em lá sem nada. Não tenho casa, nem emprego, nem dinheiro. Eu vou ter que recomeçar uma nova vida. Do zero. Você imagina como é isso?

- Você não imagina o quanto... - Jason respondeu enigmático e naquele momento ele se viu em Helena. Sentiu o ímpeto de tranquilizá-la, então ele virou-se agora ficando frente a frente com ela. – Olha, você tem a gente. Se você precisar de alguma coisa, qualquer coisa, você pode me procurar. Alfred sabe onde me achar. Pode contar comigo, eu sei como é ter que começar uma vida nova…

Helena, já um pouco ébria pela segunda dose de Whisky, abriu um sorriso imenso para Jason e o abraçou. O rapaz foi pego de surpresa.

- Obrigada. - ela disse sincera abraçando-o, levaram alguns instantes para se separar. Jason gostou do cheiro dos cabelos dela.

Quando terminaram o abraço, os dois permaneceram em silêncio. A atmosfera pareceu mudar. Jason sentiu-se inquieto, sem saber onde colocar as mãos enquanto Helena começou a encarar seu copo. A comissária retornou ao bar, mas Helena não aceitou outra bebida e resolveu voltar para a cabine.

Quando Helena saiu, Jason tomou mais uma dose, mas não voltou a paquerar a comissária.

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E enquanto Helena, Damian e Jason seguiam no avião para Gotham, muito longe dali, na órbita terrestre, o pai deles recebia uma chamada enquanto estava em vigília na sede da Liga da justiça.

Bruce ficou bem surpreso com aquela ligação, Selina não lhe ligava fazia muito tempo.

Ele apertou o botão que atendia a chamada e o belo rosto da mulher apareceu na tela.

E ela estava furiosa.

- POR QUE VOCÊ MENTIU PRA MIM?

- Eu não lembro de mentir pra você. – O Batman respondeu com sua estoicidade característica.

- AH, NÃO? E POR QUE VOCÊ ESTÁ TRAZENDO HELENA PRA GOTHAM?

As palavras dela ressoavam fazendo as paredes estremecerem um pouco, mas o cruzado encapuzado pareceu não se abalar.

- Eu não estou fazendo isso.

- Ah, não está? - Selina ironizou. - Então me explique isso!

Bruce viu em outra tela o arquivo que Selina havia mandado por mensagem. Eram várias fotos. Elas mostravam Helena embarcando em um avião, e atrás dela estavam nada mais, nada menos que seu filho Damian... Jason?

- E então? - Selina perguntou ante ao silêncio do homem.

- Onde você conseguiu isso? - ele indagou analisando as imagens.

- Meu informante mandou. E sim, eu mandei alguém vigiar minha filha, antes que você fale qualquer coisa.

- Achei que tínhamos combinado não nos envolver na vida de Helena. Ela nos fez prometer isso.

- Sim, mas isso foi até um dos maiores mafiosos do mundo colocar a cabeça dela a prêmio. Ou vai me dizer que você não está sabendo que Nero Marcondes quer ver nossa filha morta?

- Não. - Bruce respondeu escondendo sua surpresa.

- Você é inacreditável! - Selina disse enfurecida. - Então por que ela está com os seus rapazes? E por que ela está vindo pra Gotham? Bruce, nós a perdemos pra mantê-la longe daqui!

- Eu não estou trazendo Helena pra Gotham. – disse estoico. - E eu não mandei Damian e Jason atrás dela.

- Então você não sabe mesmo de nada? - Selina indagou incrédula. - VOCÊ SABE TUDO QUE ACONTECE NESSE MALDITO PLANETA E NÃO SABE NADA DA VIDA DA SUA FILHA?

- Diferente de você, eu cumpri o desejo de Helena. Eu não estava monitorando a vida dela. – concluiu. - Mas eu sei quem estava. Eu mandarei notícias.

- É bom que mande. - Selina falou brava antes de desligar.

Bruce estava furioso. Não era todo dia que ele ficava totalmente por fora do que estava acontecendo.

Alfred teria muito o que explicar.