TEMPESTADE

"Um dia perguntei a mim mesma se era possível que uma pessoa morta voltasse à terra. Fazer a pergunta e dar-lhe resposta era a mesma coisa. Lavei o meu espírito de semelhante tolice, e hoje era capaz de entrar, de noite, num cemitério... E daí talvez não: os corpos que ali dormem têm direito de não ouvir mais um só rumor de vida."

Helena, Machado de Assis, 1876

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Jason havia saído há algum tempo.

O dia já clareava lá fora e ele não voltara. O rapaz saiu batendo a porta após revelar para Helena que havia sido vítima do Coringa.

- Como eu não juntei os fatos? – Helena murmurou censurando-se enquanto olhava a tela do celular.

Ela via a foto do garoto, o filho adotivo de Bruce Wayne que morrera em um acidente de avião em uma viagem à Ásia. Uma notícia de cinco anos atrás que fora muito menos noticiada que o normal. "J. Peter Wayne" era como o garoto era nomeado na notícia, e não havia dúvidas, o garoto da foto era seu colega de apartamento.

Helena ligou para Alfred, mesmo sabendo que era muito cedo.

- Eu sei sobre Jason. – Ela falou quando o mordomo atendeu. – Por que não me contou? O que aconteceu com ele? Se ele está morto, por que ele agora é meu colega de apartamento?

- Senhorita Helena se a senhorita parar de fazer perguntas, talvez eu possa começar a lhe dar respostas.

Alfred contou tudo sobre a morte de Jason, o poço de Lázaro e o retorno do rapaz a Gotham como Capuz vermelho. Quando Helena desligou quase uma hora mais tarde, o sol já ia alto lá fora e Jason não retornara.

Apesar da longa noite anterior, Helena demorou para pegar no sono. Ela sentia muita raiva. Muito mais raiva do que sentia antes de saber sobre Jason.

A história do Robin assassinado não aplacou o coração da jovem e não a fez compreender que seus pais a deixaram para protegê-la do mesmo destino.

Para Helena, o que acontecera a Jason era só mais um dos erros de um pai desnaturado.

Apenas mais um motivo para ela odiar Bruce Wayne.

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Quando Helena acordou o sol já tinha se posto e Jason não dormia no velho sofá. Ela acostumara-se a acordar e vê-lo esparramado ali, então, lembrou dos fatos da noite anterior e sentiu-se culpada. Passou um café forte e se perguntou quando ele voltaria. Sabia que precisava desculpar-se, afinal Jason tinha sido paciente e generoso com ela desde que se conheceram.

O rapaz nunca pedira nada em troca por acolhê-la e sempre fora respeitoso, comportando-se como um perfeito cavalheiro, tão cavalheiro que ela desconfiava que havia influência de Alfred. O mordomo devia ter educado todos os filhos de Bruce, assim como fizera com ela. Mas sobre Jason, a questão era a seguinte: Helena conhecera homens demais em seus anos sozinha para saber que aquela não era a regra. Ela precisava desculpar-se com o rapaz.

Mas Jason não aparecera até as vinte duas horas e ela tinha que ir trabalhar na Batburger. Arrumou-se, pôs sua peruca loira e sua fantasia de Arlequina, cobrindo-se com um sobretudo para sair na rua. Fez seu turno como de costume, a madrugada de domingo costumava ser calma, exceto pelas pessoas bêbadas que chegavam após saírem das baladas. O movimento sempre era maior no final do turno. Mas aquele dia o turno estava particularmente calmo.

Faltava pouco para seu turno terminar quando um único cliente entrou na lanchonete. Era sua última chance de arrancar uma boa gorjeta de algum bêbado de final de noite. Ela rebolou, performando sua personagem ao chegar à mesa do cliente, pronta para anotar o pedido.

- O que você gostaria hoje, pudinzinho? – indagou com a voz aguda.

O rapaz levantou o rosto e seus olhos azuis a acertaram.

- A voz da Harley não é assim... – ele falou divertido, abrindo um sorriso. – é muito mais aguda...

- O que você quer? – Helena indagou séria ao reconhecer Dick Grayson. – Se não for pedir nada pode dar o fora, tenho trabalho a fazer...

- Seu turno termina em cinco minutos...

- É, e então eu vou pra casa.

- Gostaria de falar com você. Prometo que não vou ser um pé no saco, como Jason deve ter lhe dito. Só cinco minutos, eu prometo. – ele disse se levantando e jogando uma nota de cinquenta sobre a mesa. – Pelo atendimento. Eu vou estar no estacionamento

Helena acompanhou o rapaz com olhar até que ele saísse da lanchonete. Seus olhos faiscavam.

- Idiota presunçoso. – ela resmungou enquanto pegava o dinheiro e guardava no bolso do short azul.

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Vinte minutos mais tarde, Helena saía pelo estacionamento vazio da lanchonete. Ainda usava a peruca loira e sua fantasia estava coberta por um sobretudo. Ela avistou o rapaz que lhe esperava recostado em sua motocicleta.

Helena fechou o casaco, aquela época do ano já estava esfriando e o vento a fez arrepiar um pouco. O dia ainda não amanhecera e ela gostaria de já estar no seu apartamento aquecido. Talvez Jason já estivesse lá...

Dick abriu um grande sorriso quando a viu se aproximar, e ela o olhou com desagrado.

- Achei que você ia fugir pela porta dos fundos... – falou quando ela chegou a sua frente.

- Eu não tenho por que fugir de você.

- Eu sei. – ele fechou o sorriso, tornando-se sério. - Mas acho que ontem não foi a melhor forma de nos conhecermos.

- Não vejo necessidade de nos conhecermos. – Helena disse ríspida.

- Bem, eu achei... – ele começou cauteloso. - Nós temos o mesmo pai. E ele não é o pai mais comum do mundo...

Helena apontou o dedo no peito de Dick.

- VOCÊ. TEM. UM. PAI. – ela falou e afastou-se, cruzando os braços e olhando pro chão. – Eu só tenho um cara que me abandonou. Duas vezes. – e olhou novamente para Dick.

- Você sabe que as coisas não foram bem assim... Alfred me contou tudo...

Ela riu com sarcasmo e amargura.

- Você acha que sabe alguma coisa, não é? Você, o "garoto prodígio", o filho que ele escolheu pra estar ao lado dele, o primogênito... O que você acha que sabe sobre mim? VOCÊ NÃO SABE NADA!

- Você não gosta de mim... – Dick disse surpreso com sua descoberta.

- Você não significa nada pra mim... – Helena disse entredentes. - e me deixa em paz, tá? Eu não quero contato com ele, nem com Selina e não quero contato com você. Eu não preciso de vocês. Nunca precisei. SUMA DA MINHA VIDA!

A garota afastou-se de Dick a passos rápidos e ele não fez esforço para detê-la. Ele ainda ficou algum tempo recostado em sua moto pensando e constatou que aquela garota estava muito furiosa e muito machucada.

E ele sabia, por experiência própria, que aquela não era uma boa combinação.

/

Helena voltou ao seu apartamento ainda irritada por seu encontro com o garoto prodígio. Será que eles não poderiam deixá-la em paz? Ela pensava quando entrou batendo a porta do apartamento.

De imediato a raiva foi varrida de sua mente quando um aroma delicioso entrou por suas narinas. Ela prestou atenção ao movimento na pequena cozinha do outro lado do estúdio.

Jason estava lá. Vestia apenas uma calça de moletom e fritava bacon no fogão. Havia café na cafeteira e ovos mexidos em um prato sobre a mesa, que estava preparada para duas pessoas. Helena se aproximou devagar, seu estômago acordando com aqueles aromas, estava faminta. Jason pareceu não a notar ali.

Ela ficou ali de pé, observando-o.

- Me desculpe pela outra noite. – disse quando Jason virou-se segurando a frigideira de bacon, finalmente notando-a. - Eu não imaginava que...

- Esquece. Já passou. – ele disse animado colocando o bacon em um prato e voltando até a cafeteira, onde encheu duas canecas de café e depois colocou uma delas sobre a mesa na direção de Helena. – Não vamos mais falar sobre isso...

- Mas eu... – Helena recomeçou. Precisava dizer que entendia, precisava dizer que sabia o quanto ele devia ter sofrido.

- Vamos apenas tomar café da manhã. – ele falou como um pedido, enquanto sentava-se à mesa. – Por favor.

Helena tirou o casaco e sentou-se, pegando a xícara de café. Estava forte como ela gostava. Eles comeram em silêncio por algum tempo.

- Tenho boas notícias. – Jason falou animado após comer seu bacon com ovos. – Ouvi que Marcondes chega essa noite a Gotham.

- Essa é uma boa notícia? O cara está vindo me matar... – Helena riu, agora já relaxada por estar bem com Jason. A discussão com Dick já longe de suas memórias.

- Não é só isso. Meus contatos disseram que ele quer expandir seus negócios na região.

- Mas vocês disseram que ele não tem espaço aqui... aqui já tem uma máfia que comanda as drogas, as armas...

- Parece que ele está interessado em outros negócios... ele está fazendo acordos com as gangues daqui... ele quer entrar nos negócios que são sua especialidade. Jogos ilegais e...

- Prostituição. – Helena interrompeu.

- Exatamente. – Jason confirmou. – Vai acontecer alguma coisa hoje à noite no porto de Gotham, vai chegar algum tipo de carregamento. Podemos pegar o filho da mãe.

- É perfeito. – Helena disse um pouco emocionada e pegou a mão do rapaz. – Obrigada, Jay.

- De nada. – Jason respondeu levantando-se rápido e andando para trás do balcão da cozinha, começando a lavar a louça. – É melhor você ir descansar. Esteja pronta a meia noite.

Helena comeu um último pedaço de bacon, terminou o café e levantou-se. Iria tomar banho e cair na cama. Sentia-se bem pela primeira vez desde que voltara da mansão Wayne.

Se pegasse Nero Marcondes, ela estaria livre. Livre da perseguição do mafioso, livre do controle de seus pais...

Livre de Gotham.

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Quando saiu do banheiro, já vestida, Helena viu que Jason arrumava os travesseiros e cobertas no velho sofá verde musgo.

Ela respirou fundo, tomando uma decisão.

- Já chega disso. – Falou ao aproximar-se, fazendo Jason parar o que fazia e olhá-la. – Eu não posso mais permitir que durma aí.

- Já conversamos sobre isso...

- Olha, a gente pode comprar um sofá-cama, eu já economizei alguma grana...

- Eu não quero seu dinheiro. – Jason disse sentindo-se culpado, lembrando da pequena fortuna que Bruce depositava em sua conta todos os meses desde que Helena fora morar ali. – Eu posso comprar um sofá-cama. E eu vou comprar... um dia...

- Quando? – Helena o desafiou.

- Quando eu tiver tempo... – ele desconversou.

- Certo, eu conto com isso. – ela disse ameaçadora indo até sua cama. Deitou-se enquanto escutava Jason terminar de remexer nas cobertas e travesseiros.

Helena conseguia relaxar e dormir tranquila no apartamento, principalmente quando sabia que Jason estava logo ali no velho sofá. Ela sabia que vinha sentindo alguns sentimentos conflitantes pelo rapaz, sentimentos nos quais ela procurava não pensar muito, mas o certo é que Jason lhe passava confiança e segurança.

Algo que a garota jamais tivera ao lado de seu único ex-namorado. E antes de adormecer, ela lembrou dele depois de muito tempo.

Nico Marcondes ainda assombrava seus pesadelos.

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A Caçadora e o Capuz Vermelho chegaram ao porto de Gotham por volta da meia noite. Estavam há cerca de uma hora sobre um contêiner fazendo vigília, mas nenhuma movimentação suspeita surgira. Havia uma tempestade prevista para aquela noite e muitos raios podiam ser vistos no horizonte, mas a tempestade iminente não demoveu os dois vigilantes que continuavam atentos a qualquer movimento, embora o porto estivesse quieto como um cemitério.

- Tem certeza de que esse é o lugar? – Helena indagou quebrando o silêncio que compartilhavam desde que chegaram.

- Absoluta. – Capuz vermelho respondeu sem tirar os olhos da área que vigiavam. – Meus informantes me deram informações precisas.

- Tem certeza de que ele não sabe de nada? – Helena externou a pergunta que vinha se fazendo desde que saíra de casa. – Se ele souber que estamos agindo sem o consentimento dele, ele pode nos pegar.

- Tudo que eu faço é sem o consentimento dele. – Capuz vermelho disse indo até a Caçadora. – Não se preocupe, eu sei como me esconder do radar do morcego.

- Obrigada de novo, grandão. – Ela riu e olhou nos olhos dele. – Eu não imagino o que seria de mim até agora sem você...

Jason não respondeu, apenas retribuiu o olhar de Helena. Os dois mantiveram o olhar por um longo momento, suas mãos quase se tocando.

Um barulho alto de passos chamou a atenção dos dois. A Caçadora e Capuz vermelho olharam para aquele labirinto de caminhos do porto para ver os homens que se encontravam lá embaixo. Homens grandes, armados e usando coletes, se encontravam com homens de terno que estavam ao lado de um contêiner fechado. Eles também portavam armas.

- Qual deles é o Nero Marcondes? – Jason indagou após entregar um binóculo de visão noturna para Helena.

- Ele não está lá. – Helena respondeu ao olhar cada um dos homens de ternos. Sentiu-se um pouco decepcionada. – Mas aquele lá, o mais alto. – ela falou entregando o binóculo de volta para Jason. – Com certeza é um dos homens de confiança dele. Eu acho que... não, não pode ser...

- Eles estão fechando algum negócio, provavelmente a carga está naquele contêiner. – Jason disse enquanto olhava com o binóculo. – Ei! Aonde você vai?

Quando o Capuz vermelho olhou era tarde demais. A Caçadora já atirara uma flecha em um dos homens de terno e já pulara do contêiner em direção a eles. Uma chuva de tiros começou a ser ouvida.

- Eu não acredito! – o Capuz vermelho disse irritado antes de puxar sua arma e atirar de volta, pulando em direção ao grupo.

Entre tiros, flechas e uma intensa luta corporal, em poucos minutos restavam dois membros da gangue desacordados e o homem de terno que fora flechado no ombro, ele também estava desacordado. Os demais partiram em disparada achando que haviam caído em uma emboscada do morcego.

- Que bagunça! – Capuz vermelho falou enquanto sentia a pulsação dos homens desacordados. – Eu prometi ao morcego que não mataria mais ninguém em Gotham... Ele vai encher meu saco agora...

- Eles não estão mortos. – Helena disse enquanto tentava estourar o cadeado do contêiner. - Você pode me ajudar aqui?

- A carga? Você tá interessada na carga? – o Capuz disse sem acreditar, estava mais interessado em interrogar aqueles homens quando acordassem, mas seguiu para ajudar a Caçadora, e estourou o cadeado com um tiro.

No momento seguinte, ele entendeu o desespero de Helena. Cinco... seis... sete vultos começaram a sair do contêiner...

Garotas.

O capuz viu garotas maltratadas e machucadas, porém podia-se ver que eram jovens e bonitas. Elas cercaram a Caçadora e começaram a falar em idiomas que Jason já ouvira no passado. A Caçadora começou a falar com elas em um desses idiomas e elas pareceram se acalmar-se um pouco e depois de um tempo, algumas foram até a Caçadora e a abraçaram enquanto choravam.

- O que está acontecendo? – ele indagou ao se aproximar da Caçadora, fazendo algumas garotas recuarem assustadas.

- Sabe aquela ideia de não envolver ele nisso tudo? Não vai rolar.

- Como assim?

- Eu preciso que você chame o morcego.

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Nos quinze minutos seguintes, o Capuz vermelho amarrou os três membros da gangue que estavam ali e o capanga de Nero Marcondes que levara uma flechada. Ele os levou para dentro do contêiner e quando ele saiu para entrar em contato com o morcego, deixou Helena sozinha com os criminosos desacordados.

Ela sabia que precisa ser rápida. O morcego estaria ali em minutos após o Capuz vermelho chamá-lo.

- Ei, acorde, seu bastardo! – ela disse ríspida enquanto dava tapas no rosto do homem desacordado.

Ele abriu os olhos devagar, como um bêbado, tentando entender a situação, mas quando seus olhos focaram na Caçadora, ele abriu um sorriso debochado.

- Você de novo, putinha... Marcondes vai acabar com você. Ele vai te esfolar viva quando te encontrar...

- Sou eu quem quer encontrá-lo.

- Ele está em Metrópolis. – o homem falou ainda rindo. – No cassino secreto do Luthor. Pode ir lá atrás dele... é só usar a ficha dourada que eu sei que você tem.

- Por que você está me dizendo isso tão fácil? – Helena desconfiou, esperava mais dificuldade no interrogatório.

- Por que seus amiguinhos escoteiros vão me entregar para a polícia, e eu sei que vou sair rápido da cadeia... então, eu vou poder presenciar quando Marcondes arrancar sua cabeça...

- Isso é o que vamos ver. – Helena disse dando um soco no homem e se afastando em seguida. – Aproveite a estadia na cadeia.

Ela saiu do contêiner deixando o homem com outros que agora haviam acordado também. Quando fechou a porta, ainda podia-se ouvir seus gritos abafados.

- Eles falaram alguma coisa?

- Só o que eu já sabia, que Nero quer me esfolar viva e arrancar minha cabeça. – Helena desconversou. – Ele virá?

Jason apenas assentiu com a cabeça.

Então Helena olhou para as garotas resgatadas do contêiner que permaneciam sentadas em um canto, elas olhavam com desconfiança para o Capuz Vermelho que tinha ainda sua arma na mão. A Caçadora caminhou até as garotas e passou a conversar com elas nas línguas que conhecia. Havia garotas de vários países ali. O Capuz vermelho evitava encará-las e ainda não entendia o estranho pedido da Caçadora.

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Ele chegou pousando em frente ao contêiner, fazendo com que as garotas recuassem assustadas quando sua presença alta e imponente se materializou.

Mas ele não veio sozinho. No instante seguinte se materializaram ao lado dele, Asa noturna, Bat Girl e... Mulher-gato?

Ele ignorou o Capuz Vermelho e dirigiu-se para a Caçadora, que estava à frente das garotas.

- Está tudo bem, eles vieram ajudar. – Ela disse para as garotas, encarando o Morcego em seguida. - Nero Marcondes trouxe-as para as gangues de Gotham. Acho que, como um tipo de presente de boas-vindas. – A caçadora colocou-se à frente e começou a falar para a comitiva. – Garotas. Asia, Europa, América do sul... enganadas... tiveram o passaporte roubado... Elas precisam de ajuda...

- Não deveriam ter agido sozinhos. – o Morcego falou passando pela Caçadora e abrindo o contêiner para verificar os prisioneiros.

O Capuz vermelho o seguiu.

- Eles não vão falar. – O Capuz Vermelho disse ao se aproximar do Morcego. – Helena já tentou...

- Eles não precisam. – O Morcego respondeu sério. – Eu sei muito bem o que aconteceu. – disse olhando em volta. - Leve-a daqui. – Ele disse de uma forma que só o Capuz Vermelho escutasse. – Esse lugar não é seguro pra ela.

- Ela não vai sair.

- Dê um jeito. – o morcego falou enquanto observava o homem de terno com a flecha no ombro, encarando-o. – Nós cuidamos de tudo por aqui.

Em outros tempos, o Capuz vermelho teria contestado as ordens do Morcego, mas naquele momento, seu instinto lhe inclinou a sair do contêiner para procurar a Caçadora. Ela estava com a Batgirl, falando sobre a situação das garotas.

- Nós precisamos ir. – Ele falou para a Caçadora.

- Não! – ela disse prontamente. – Precisamos cuidar das garotas.

- Eles cuidarão delas. Vamos.

- Você precisa ir. – Helena ouviu a voz do Asa Noturna.

- Mas e elas? Não vou deixá-las.

- Caçadora, – ela ouviu a voz da Bat girl. – Eu cuidarei delas, pode ficar tranquila. A polícia vai chegar a qualquer momento, não podem vê-los aqui...

- Vá, garota. Não cause ainda mais problemas pra essas pobres garotas... – Selina, que estava agachada conversando com uma das meninas, levantou-se e falou séria para a filha.

- Você nem deveria estar aqui... – Helena falou baixinho de forma que só sua mãe ouvisse, estavam frente a frente. – Não chamei você...

- Seu pai me chamou. – Selina sussurrou encarando a filha. – Nós dois estaremos presentes em tudo que envolver você. É o nosso acordo.

- Interessante... eu sou um "acordo"...

- Vá embora, Helena. – Selina murmurou de forma que só a garota escutasse, sirenes de polícia já eram ouvidas ao longe.

A Caçadora afastou-se. Voltou-se para as garotas e disse algumas palavras enquanto apresentava a Batgirl para elas.

- Cuide delas. – Helena pediu a Bárbara antes de se afastar, partindo pela noite junto com o Capuz Vermelho.

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Quando chegaram ao telhado do prédio deles, o céu tornara-se mais escuro, riscado por centenas raios e os ventos se tornavam mais fortes a cada instante. A tempestade prevista estava chegando.

Helena e Jason não conversaram no caminho pelos telhados até o prédio.

- É melhor entrarmos, a tempestade já chegou. - Jason falou sentindo as primeiras gotas caírem sobre eles, mas Helena não saiu do lugar. Estava sentada em uma mureta, parecendo muito perdida em seus pensamentos.

- Helena, - Jason se aproximou. – Vamos entrar antes que a gente fique encharcado.

- Você viu como eles me trataram?

- Eles são assim mesmo. – Jason disse sentando-se ao lado da garota. – E foi você que escolheu chamá-los.

- As garotas precisavam de ajuda... eu não posso fazer nada por elas, mas sei que eles podem.

- Sim, foi a decisão mais sensata.

- Eu achei que resolveríamos isso hoje à noite. – ela disse quase às lágrimas. - Achei que prenderíamos Marcondes... Achei que eu estaria livre...

- A culpa foi minha. – Jason disse sentindo-se culpado. – Eu te dei uma informação errada e falsas expectativas.

- Não! Você foi ótimo, Jay. – Helena voltou-se pra ele. – Graças a você, a gente salvou todas aquelas garotas! Eu devia saber que não seria tão fácil pegar o Marcondes.

- Nesse ponto, você está correta.

Helena e Jason levantaram o olhar para encontrar o Morcego que estava na frente deles. A Mulher-gato estava ao lado dele.

- O que vocês estão fazendo aqui?

- Você foi imprudente. De novo. – o morcego continuou sem responder à pergunta de Helena, aproximando-se alguns passos. – Ignorou nossos avisos...

- Eu chamei vocês, não chamei?

- Só porque as coisas foram maiores do que você imaginava... – Selina falou dando um passo à frente de seu companheiro. – Você poderia ter morrido... poderia ter causado a morte de todas aquelas garotas.

- De hoje em diante, você está proibida de procurar Nero Marcondes nessa cidade. – o morcego falou em tom de ordem. – E você. – ele olhou para Jason. – Está proibido de ajudá-la.

- O senhor acha que pode chegar aqui dando ordens na gente? – Helena indagou aproximando-se do pai.

- Sim.

- O senhor continua o mesmo... o senhor...

Mas o morcego não dava mais atenção a filha, ele viu o sinal refletido no céu e deu-lhe as costas, saindo sem se despedir.

- Nós estamos tentando mantê-la viva, garota. Pare de ser tão estúpida. – Selina falou antes de dar as costas e também ir embora.

- Eles parecem estar perdendo a paciência... – Jason falou ao lado de Helena. – Vamos entrar, já tô molhado até os ossos.

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Helena, sentindo-se derrotada, acompanhou Jason em silêncio e eles desceram pela escada de incêndio até o décimo andar, entrando no apartamento pela janela. O lugar estava frio e escuro.

A garota olhava para a vidraça da grande janela enquanto os grossos pingos a alvejavam, vendo a tempestade que acelerava lá fora. Escutou Jason que andava pelo apartamento, e sabia que ele havia ligado o aquecedor e algumas luzes. Sentiu vontade que ele saísse, queria ficar sozinha. Era tudo mais fácil quando estava sozinha.

Ela deve ter passado muito tempo ali porque ouviu o chuveiro ligar e desligar. Pouco depois sentiu um cheiro muito bom, mas só saiu do torpor em que se encontrava quando ouviu um barulho anormal no apartamento, aquilo era uma TV?

Virou-se para ver que a TV, que ficava recostada eternamente em uma mesinha no canto da parede, estava ligada em frente a cama. Jason, que agora usava regata e uma calça de moletom, acabava de desligar o microondas de onde tirava um pacote de pipoca que despejou em um balde. Ele pegou duas cervejas na geladeira e levou junto com a pipoca até a cama.

- Você não vem? – perguntou já deitado na cama enquanto usava o controle remoto para passear pelos canais de TV.

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Meia hora mais tarde, Helena estava deitada ao lado de Jason, comendo pipoca e bebendo cerveja. Ela tomara um banho e trocara o uniforme por um pijama confortável de flanela. A tempestade se intensificara lá fora e ela teve certeza de que Jason não sairia mais aquela noite.

Ela aceitou que "se não pode vencê-los, junte-se a eles", ao ver que o rapaz invadira sua cama. Assim, não restou alternativa para Helena, a não ser sair de seu estado de torpor e autocomiseração e fazer companhia a seu colega de apartamento enquanto viam TV. Ela pensava sobre o que o capanga de Marcondes dissera, mas sabia que aquela noite estava perdida para ir atrás disso.

- Essa sua televisão é pré-histórica. – Helena reclamou enquanto Jason batia na televisão para que as listras que passavam na tela se normalizassem. – Sabia que existe um aparelho chamado smart TV hoje em dia?

- Eu já tenho um Smartphone. – ele sorriu depois de fazer a televisão funcionar e voltar para o lado de Helena. - Eu gosto de ver TV assim, me lembra de uma época mais simples.

Helena aceitou o argumento, ela sentiu seu humor melhorar sensivelmente. Não sabia se fora a pipoca, a cerveja, ou o esforço que Jason parecia estar fazendo para animá-la. Ele passou por vários canais enquanto procuravam algo razoável para assistir, acabaram parando em um canal onde havia um filme começando e concordaram em deixar ali.

O filme era "Proposta indecente" e Jason pareceu animado ao ver Demi Moore no auge de sua beleza. O casal logo descobriu que o filme tinha muitas cenas eróticas, o que fez pairar um silêncio constrangedor entre os dois durante essas cenas que pareciam durar uma eternidade. Jason mantinha uma distância de cerca de quinze centímetros de Helena e o único contato físico entre os dois acontecia quando passavam o balde de pipoca.

- Você até parece com ela... – Jason comentou pensativo quando o filme estava terminando. Ele tomara três latinhas de cerveja e sentia-se menos tenso do que estivera durante o filme.

- Por favor, essa atriz é linda, mas não me diga que eu pareço ela logo nesse filme em que ela dorme com esse bilionário...

- O que? Esse cara te lembra o Bruce? – Jason interrompeu. - Esse cara não tem nada do Bruce! Se bem que esse cara tem um Alfred também... - completou pensativo. - Mas o Bruce nunca ia pagar uma mulher pra dormir com ele... Talvez a sua mãe e, somente se ela pedisse a grana..., Mas acho que a Selina não dormiria com alguém por dinheiro. – ele brincou.

Helena que estava relaxada, fechou o semblante novamente.

- Eu disse alguma coisa de errado?

- Não... é que esse do filme não me lembra meu pai... Mas me lembrou outra pessoa...

- Sério? Quantos bilionários você conhece?

Helena não sorriu com a gracinha de Jason. Ela tomou um gole de sua cerveja.

- Jason, você conhece Lex Luthor?

Ele conhecia. E o sorriso também saiu de sua face. Jason trabalhara para Luthor em seus tempos de mercenário, quando andava fora dos limites estabelecidos pelo morcego. Ele não gostava de Luthor, mas ele não contaria isso a Helena naquele momento, então apenas acenou de forma afirmativa.

- Minha mãe já trabalhou para ele.

- Isso não é incomum, muita gente do submundo trabalha pra ele... – Jason disse lembrando de si mesmo.

- Nessa época, ele era meio que obcecado por ela. E ela dormiu com Luthor. – ela revelou sem emoção. - Por dinheiro.

- Bem... Essa é uma surpresa, - Jason não pareceu impressionado. – Embora não faça sentido algum.

- Por quê? – Helena indagou com curiosidade genuína.

- Porque... Olha, eu entendo o Luthor ter ficado obcecado pela sua mãe. O cara é doido e ela é... Uau. Eu também entendo sua mãe trabalhar pra ele, o cara contrata os melhores dos melhores. Mas por que Selina dormiria com ele por dinheiro? Ele por acaso deu a ela um milhão de dólares como o cara do filme fez? Eu conheço pouco da sua mãe, mas pelo pouco que conheço, sei que ela não precisa disso. Se a Mulher-gato quer uma coisa, ela rouba. E se ela quisesse um cara rico, ela estaria com Bruce. Foi ela quem deu o fora nele...

- Eu estava doente. – Helena revelou sentindo-se envergonhada por quase acusar a mãe. – Eu precisava de uma cirurgia de urgência.

- Eu ainda não entendo. Por que ela não chamou o Bruce?

- Ela não sabia onde ele estava. Ele a deixou pra viajar pelo mundo!

- Tá, mas e o Al? Ele sempre esteve aqui, e ele sempre resolve tudo... – Jason concluiu tomando mais um gole de cerveja.

- Antigamente, minha mãe e Alfred não se davam bem. – Helena lembrou. - Ela temia que os advogados do Wayne me levassem embora...

- Então, sua mãe preferiu dormir com aquele careca lunático a arriscar perder você, e ainda assim você a odeia? – Jason indagou incrédulo. – Você devia ter conhecido a minha mãe...

-Olha, eu tenho meus motivos. – Helena insistiu. - Ela cedeu ao Wayne. Ela aceitou me abandonar naquela escola.

- Você não acha que ela fez isso justamente por que faria qualquer coisa por você? Ela dormiu com aquele careca doido, isso não é pouco.

- Até você vai defender eles agora? – Helena irritou-se. – Você fala mal dos escoteiros do Wayne, mas parece que é só mais um deles.

- Olha, eu só tô tentando entender. – Jason defendeu-se, parecendo ofendido. – Não sei se você observou, mas é só isso que eu tenho feito desde que você chegou aqui. Não vai lhe fazer mal ser um pouco agradecida de vez em quando, garota.

O rapaz levantou-se e levou o pote de pipocas vazio até a cozinha, ela ficou na cama, observando-o.

Jason estava chateado por causa dela de novo. Helena perguntou-se por que não conseguia ser uma garota normal, perguntou-se por que, ao invés de agradecê-lo por tudo que fizera por ela, só conseguira afastá-lo mais uma vez. Ela precisava consertar isso.

Quando Jason terminou de lavar o pote e virou-se, Helena estava recostada no balcão da cozinha.

- Me desculpe. – ela falou encarando-o. – Eu sei que posso ser muito... egoísta e imatura... Você só tem me ajudado e eu só te dou patadas...

- Tudo bem. Eu também não sou a melhor pessoa do mundo...

- Você tem sido a melhor pessoa do mundo pra mim. – Helena continuou levando uma mão ao peito dele, para detê-lo. – Você cuida de mim, você me aguenta, me sustenta no seu apartamento e nunca pediu nada em troca.

Jason sentiu uma pontada de culpa. Ele sabia que aquilo não era verdade. Bruce o estava pagando e muito bem.

- Você é uma boa companhia. – ele desconversou, um tanto nervoso por estarem pressionados no espaço estreito entre o balcão da cozinha e a pia. – E você tem deixado esse lugar mais legal. Agora eu tenho um espelho no closet, um vaso de rosas na janela e sabonete de marca no banheiro. E eu tenho comida de verdade todo dia.

Helena abriu um sorriso imenso e seus olhos azuis o encaravam.

- Fazemos uma boa parceria, não é? – ela se aproximou mais um pouco, deixando-os próximos demais. Tão próximos que ele podia sentir o tecido do pijama dela roçando em sua camiseta.

Jason engoliu em seco.

- Acho que fazemos. – Ele falou dando meia volta e afastando-se dela, saindo na direção contrária. - Boa noite, Helena.

Ele cruzou o estúdio em passos rápidos até seu sofá verde musgo e deitou-se em seguida.

Um pouco decepcionada, Helena caminhou até sua própria cama. A garota ainda sentia um pouco do frio na barriga que sentiu quando se aproximou de Jason, por um instante ela achou... ela desejou que...

Sentindo-se muito confusa em relação a isso e um pouco decepcionada, a garota dormiu ouvindo a chuva que ainda chicoteava as janelas do apartamento. Mal sabia que seu colega de apartamento demorara muito a cair no sono.

NOTAS FINAIS

A ideia das garotas no container é uma referência ao curta Catwoman: showcase de 2011, aqui quem salva as garotas é Helena, mas é o que sua mãe faria. O filme "Proposta indecente" eu assisti na Netflix na época em que estava escrevendo esse capítulo, eu gosto muito dos filmes da Demi Moore, e ela está lindíssima e muito sexy nesse filme.