CASTELOS NO AR

NOTAS INICIAIS

Resolvi antecipar esse capítulo. Ele fecha o segundo ato dessa história e abre o ato final, é um complemento do capítulo anterior. É um capítulo com romance e algumas reviravoltas...

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"Todo mundo sabe que a principal regra para dividir um apartamento é não dormir com o colega de quarto."

Teto pra dois, Beth O'Leary, 2019.

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Helena chegou em seu quarto, mas não conseguiu dormir de imediato. Estava preocupada com a missão de Damian e Jason, os dois atuais donos do seu coração. Não tinha como ter notícias dos dois, pois não tinha mais celular e sabia que ir até seu pai para perguntar qualquer coisa não era uma opção.

Rolou por horas na cama e só conseguiu dormir quando o sol já estava nascendo. Cansada, acabou perdendo a hora e quando acordou novamente, o sol já estava alto e ela arrumou-se e desceu rápido à procura de Alfred para saber notícias dos rapazes.

- Ah, senhorita, finalmente apareceu. – o mordomo falou despreocupado ao vê-la adentrar a cozinha.

- Alfred, onde estão Damian e Jason? Eles voltaram bem? Conseguiram achar a mãe dele?

- Mestre Damian chegou pela manhã e ainda deve estar dormindo. Mestre Jason deve estar no apartamento dele. Eles estão bem. A senhorita pode perguntar detalhes da noite anterior ao seu pai, eles está lhe aguardando para o almoço.

Helena estava agora tranquila por saber que os dois rapazes estavam bem, mas não ficou feliz em ter que almoçar com seu pai.

- Al, será que não posso comer aqui mesmo? Ou no quarto?

- Infelizmente não, senhorita. Mestre Bruce pediu para informá-la que a senhorita deverá sentar-se à mesa para fazer as refeições com a família.

À contragosto, Helena foi até a sala de jantar. Ao entrar na sala, ela se deparou com seu pai que lia em um tablet, sentado à cabeceira da mesa. Dick e Tim conversavam, sentados ao lado direito de Bruce.

- Boa tarde. – ela falou ao entrar fazendo todos a olharem.

- Seja bem-vinda, Helena. - Bruce falou tranquilo. - Que bom que se juntou a nós.

- Eu não tinha alternativa. – falou com desgosto. - Damian conseguiu encontrar a mãe dele? – indagou enquanto sentava-se no lugar mais afastado da grande mesa.

- Sim.

- E então?

- Será melhor que seu irmão mesmo lhe conte.

- Por que o senhor não me conta?

- Porque foi um pedido do seu irmão. – Bruce disse calmo, voltando a leitura no tablet.

Helena não disse mais nada. Dick e Tim voltaram a conversar aos sussurros enquanto a garota permaneceu sentada na outra extremidade da grande mesa.

- Nossa, isso aqui parece um velório.

Todos olharam para a mulher que adentrara a sala. Selina vestia camiseta, casaco e jeans pretos e fez Helena se lembrar de como a mãe era quando mais jovem.

Bruce a cumprimentou e levantou-se para puxar uma cadeira ao seu lado esquerdo para a mulher sentar-se.

- Parece que viram um fantasma, queridinhos. – ela brincou com Dick e Tim que estavam a sua frente na mesa e a olhavam atônitos.

- O que você está fazendo aqui? – Helena indagou de onde estava.

- Ah, você está aí? – disse ao observar a filha sentada sozinha na outra extremidade da mesa. – Eu sou uma convidada. E por que você não vem sentar-se perto de nós? Alguém aqui tem alguma doença contagiosa e eu não estou sabendo?

- Você está morando aqui? – Helena perguntou ignorando o sarcasmo da mãe.

- Ela está morando aqui? – Dick indagou para Bruce, quase ao mesmo tempo.

- Selina é minha convidada aqui na mansão até resolvermos a sua situação, Helena. – Bruce explicou.

- Besteira... – Helena resmungou. – Vocês devem estar transando de novo.

- Se estivermos não é da sua conta. – Selina cortou ríspida. – E modere sua língua, tem crianças na mesa. – falou se referindo a Tim que assistia com interesse a cena.

- Façam o que quiserem, eu não falarei mais nada. – Helena resmungou.

- Finalmente uma boa notícia... – Dick sussurrou aliviado.

- O que você disse? – Helena o olhou furiosa.

- Basta! – Bruce cortou. – Vamos comer como pessoas civilizadas. Eu não quero mais ouvir uma palavra. De nenhum de vocês. – ele olhou severo de Helena para Dick e Tim.

Almoçaram em silêncio. Os rapazes saíram rápido, após finalizarem a refeição. Helena também se levantou para sair quando terminou, mas Bruce a seguiu e a deteve antes que ela deixasse a sala de jantar.

- Helena, espere. – ele falou entregando uma caixa para a garota. - Isso é pra você.

- Não quero nada do senhor. – ela disse sem tocar no pacote que seu pai lhe oferecia.

- Você vai precisar disso. Eu insisto. – Bruce foi enfático. – Por favor...

Um "por favor" de seu pai era algo que Helena nunca tinha ouvido e talvez só por isso ela pegou a caixa. Ao abri-la, viu que se tratava de um celular de última geração, do tipo que ela nunca tivera antes.

- Soube que perdeu o seu. – ele explicou.

- Eu não sabia que se podia usar celular na prisão...

- Você sabe que não está presa aqui. E além do mais, você vai precisar do celular, pra se comunicar com Jason.

Helena arregalou os olhos em espanto.

- Jason? O que tem o Jason? – ela indagou nervosa.

- Seu treinamento externo com ele hoje à noite. – Bruce lembrou. – Você vai encontrar o cronograma do seu treinamento na agenda. Tim já o configurou o celular para você, tem todos os contatos da família também.

Helena ia responder que sabia que naquele aparelho deveria ter softwares espiões e localizadores, mas ela não o fez.

- Ok, - respondeu por fim. – Obrigada.

Ela saiu rápido e Bruce voltou a mesa onde Selina ainda estava.

- Ela não gritou com você dessa vez... isso já é um progresso. – disse animada.

- Ela ficou nervosa quando mencionei Jason. – Bruce comentou desconfiado. – O que será que aconteceu entre eles?

- Eles devem ter discutido, Helena briga com todo mundo. Não deve ser nada demais. – Selina desconversou, ela imaginava o que devia estar se passando entre sua filha e o garoto ressuscitado, mas como não sabia como Bruce reagiria aquilo, resolveu tirar aquela ideia da cabeça dele. – Mas você acha que é mesmo uma boa ideia deixá-la sair de casa? – ela mudou o rumo da conversa.

- Ela precisa de um voto de confiança. Helena não é mais aquela criança que nós trancamos aqui há dez anos. É melhor que ela saia sob a nossa a supervisão, do que roube um carro qualquer dia e saia se arriscando por aí. Ela é bem capaz disso...

- Claro que é, é minha filha. – Selina falou quase orgulhosa. – Acho que você está certo. Foi por tanto tentar protegê-la que a colocamos em perigo.

- Você acha que eu estou certo? Estou ouvindo isso com tanta frequência que você só pode estar me enganando... ou zombando de mim... – ele falou sério.

- Não estou. – Selina o olhou tomando um gole da taça de água. – Eu estive pensando... Todas essas crianças que passam por aqui... você deu oportunidade a todos para aprender e lutar. E Helena foi tratada por nós como uma Rapunzel, guardada na torre esperando ser salva. Ela se parece comigo e com você, então isso deve deixá-la muito irada. Nós erramos, Bruce. Está na hora de consertar.

- Obrigada por ficar, Selina. – Bruce falou com sinceridade. – É mais fácil decifrar Helena com você por perto. – ele disse colocando sua mão sobre a dela.

- Eu ficarei enquanto você e Helena precisarem. – Selina respondeu retirando sua mão do contato com Bruce. - Agora me conte tudo o que seus garotos descobriram sobre a sua ex.

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Helena estava ansiosa.

Ela lia pela terceira vez a mensagem que recebera no início da noite.

Me encontre na entrada da mansão a meia noite. Traga seu uniforme. J.

Estava há quinze minutos sentada em um dos degraus de pedra da entrada da mansão. Era uma noite fria de outono, e ela já estava pensando em voltar para o calor da casa quando viu a moto de Jason chegando.

- Você está atrasado. – ela disse tentando parecer indiferente quando ele parou a moto ao seu lado.

- Você trouxe o uniforme? – ele indagou inexpressivo.

- Está aqui. - ela falou mostrando a bolsa a tiracolo.

- Suba.

Helena obedeceu e subiu na motocicleta. Jason estava indiferente e isso a incomodou. Ela esperava uma recepção mais calorosa depois do que se passara entre eles, ele não contou nada sobre a noite anterior, embora ela já soubesse, pois Damian lhe contara mais cedo.

Eles não conversaram durante todo o trajeto até a cidade em silêncio. Jason não falou, então Helena resolveu também não dizer nada.

Chegaram ao prédio, estacionaram e pegaram o elevador ainda calados.

Foi somente quando entraram no apartamento escuro e a porta foi fechada que Helena sentiu-se puxada e pressionada contra a parede. Jason a beijou quase deixando-a sem ar, pressionando seus lábios contra os dela.

- Eu estava com saudades... – ele sussurrou, concentrando em beijar-lhe o pescoço, as mãos dele percorrendo os quadris dela.

- Achei que não estivesse... – ela disse de olhos fechados, sentindo-se arrepiar inteira quando ele mordeu próximo a orelha dela.

- Estão nos observando... a família... para sua segurança... – ele explicou enquanto a beijava no colo e sua mão explorava as costas de Helena, achando o fecho do sutiã dela e abrindo-o com perícia. – Mas aqui eles não podem nos ver.

Ela não respondeu. Livrou-se do casaco e da camiseta e gemeu quando a língua dele chegara a seus seios libertos. Eles tinham pouco tempo. Tudo aconteceu ali mesmo, de pé, as costas de Helena encostadas na parede, a perna dela apoiada sobre a mesinha.

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Helena vestiu o uniforme meia hora mais tarde e seguiu com Jason pelos telhados de Gotham como fizeram na noite em que ela chegara na cidade e ele lhe apresentara os principais bairros. Ele se fez um bom professor e aceitou com seriedade a função. Era quase tão exigente quando Damian e tão meticuloso quando Bárbara e Tim. Helena aprendeu os melhores modos de se movimentar entre os prédios, bons lugares para se esconder (nesses lugares Jason aproveitava para lhe roubar longos beijos), bons lugares para atirar (no caso dela, flechas), além de decorar uma longa lista dos lugares mais seguros e dos mais perigosos.

Jason a deixou na mansão pouco antes de amanhecer.

- Amanhã no mesmo horário? – ela perguntou quando desceu da moto, entregando a ele o capacete.

- Com certeza.

- Foi uma noite fantástica. – ela disse se aproximando dele.

- Foi. E eu te beijaria, mas todos os olhares da família devem estar sobre nós agora.

- Que bom que ainda temos seu apartamento...

- Nosso apartamento. – ele disse olhando-a e colocando o capacete em seguida. – Bom dia, princesa.

- Bom dia, grandão. – ela respondeu afastando-se.

Helena só entrou em casa quando a moto de Jason já saía dos terrenos da mansão. Fazia tempo que não se sentia tão feliz, mal conseguia parar de sorrir. Mas, seu sorriso murchou de imediato quando ela entrou no hall. Sua mãe a esperava. Selina tinha os braços cruzados e uma cara de poucos amigos.

- O treinamento foi bom? – perguntou muito séria.

- Sim. – Helena limitou-se a dizer.

- Por que passaram tanto tempo no apartamento do garoto?

- Eu tinha que trocar de roupa e Jason estava me mostrando as armas dele. – ela desconversou sem encarar mãe.

- Ah, ele estava mostrando as armas dele? – Selina encarou a filha. – Amanhã você vai sair de casa com seu uniforme, use um sobretudo até chegar à cidade. Assim vocês não perdem tempo indo até o apartamento dele. Seu pai e eu não achamos seguro. – ela disse saindo rumo a cozinha. - A não ser que você queira ver as armas dele novamente...

Helena revirou os olhos. Por essa, ela não esperava. Se sua mãe achava que ia afastá-la de Jason com suas ameaças veladas e proibições, estava muito enganada. Ela não ia deixar de fazer o que queria com Jason, pelo contrário...

Ela ia dobrar a aposta.

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E foi assim que na noite seguinte, Jason, dessa vez pontual, pegou Helena na mansão. Eles foram para a cidade e tiveram uma noite muito disciplinada de treinamentos, cobrindo outra parte da cidade em que não estiveram no dia anterior e escalando prédios cada vez mais altos.

Helena falou para Jason da proibição de irem até o apartamento dele. O que não os impediu de trocar beijos furtivos em becos escuros.

E quando Jason foi deixá-la na mansão ainda na madrugada, Helena despediu-se dele dizendo que o esperava em seu quarto.

Ele entrou pela porta da sacada dez minutos mais tarde.

Ela o esperava, nua.

- Desse jeito, você acaba comigo, princesa. – ele disse antes de beijá-la.

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Foi a melhor semana que Helena tivera em muito tempo.

Ela estava mais ágil, mas forte e mais segura. Já conseguia ver resultados de seu treinamento. Também estava empolgada com a liberdade que tinha ao usar o traje de caçadora e poder explorar a cidade. E por fim, havia Jason.

Todas as noites, após o treinamento, ele subia até seu quarto, entrava escondido pela porta da sacada e eles se amavam e descansavam juntos. Helena sempre se sentira segura ao dormir no mesmo apartamento que ele, mas nada se comparava a tê-lo ao seu lado, o braço dele sobre seus quadris, a respiração dele próxima a seu ouvido.

E embora ela temesse que sua mãe iria perturbá-la, isso não aconteceu. De qualquer forma, Helena procurava evitá-la. Tinha certeza de que sua mãe sabia o que ela estava fazendo, e ela até tinha um certo prazer em provocá-la ao trazer Jason para seu quarto.

O que Helena não sabia é que Selina ficara responsável por vigiar o treinamento todas as noites, como parte das atividades que dividira com Bruce. E apesar de saber tudo o que a filha estava fazendo, ela conseguiu esconder de Bruce e do resto da família sobre a presença de Jason no quarto de Helena, Selina contou com a ajuda essencial de Alfred para isso.

Alheia aos esforços da mãe e do mordomo, e além do treinamento e do romance, Helena tinha feito até alguns avanços na terapia. Ela ainda não conseguia falar muito, mas ela escutou a Dra. Thompkins, que aquela semana abordara o relacionamento de Helena com Nico. A doutora explicou para a garota que o relacionamento com Nico foi um relacionamento abusivo e que Helena não tinha culpa pelo que passou.

A garota refletiu muito sobre isso. E concluiu que realmente não era culpa sua. Mas ela chegou à conclusão sobre quem eram os culpados.

Talvez a Dra. Thompkins não concordaria com ela, se soubesse.

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Era noite de sábado, a última noite de treinamento de Helena com Jason, de acordo com o cronograma estabelecido por Dick.

Eles estavam deitados lado a lado, descansando no telhado da torre Wayne, o prédio mais alto da cidade. O céu estava limpo aquela noite e era possível ver algumas estrelas, mesmo com a luzes da cidade iluminando o céu.

- É incrível, não é? – Helena falava olhando para o céu. – As estrelas... elas sempre me fascinaram.

- É. – Jason concordou, ele também olhava o céu, mas pensava em outras coisas, além de estrelas. – Mas tem coisas mais incríveis...

- O que, por exemplo?

- Nós. - Ele tomou coragem para dizer. - Este momento. É perfeito... O tempo podia parar.

- Mas ele não para... – Helena disse melancólica ao lembrar que aquela semana chegara ao fim.

- Sim, e uma tragédia sempre acontece em seguida...

- Ei, não seja tão pessimista...

- Na minha vida sempre foi assim. – Jason apoiou a cabeça com as mãos. - É como se a minha vida fosse escrita por roteiristas que não tivessem permissão de me deixar tocar na felicidade. Toda vez que eu chego perto dela, eu sou lançado pra longe...

- Felicidade? Isso quer dizer que você está feliz agora?

- Estou. E isso dá medo. Helena... – ele virou a cabeça na direção dela. – Isso é real, não é?

- É claro que é real. Eu vou te mostrar, me dê sua mão.

Ele estendeu a mão e Helena juntou a dela, entrelaçando seus dedos com os dele.

- Pronto, agora você está tocando a felicidade.

- Então você é a felicidade? Que convencida! – ele brincou.

- Não, - Ela sorriu. – Eu não sou a felicidade, eu estou tocando nela também.

Eles sorriram um para o outro, e deitados de mãos dadas, eles voltaram a olhar o céu noturno de Gotham.

Cada um com sua própria felicidade.

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Quando Helena chegou para o almoço no dia seguinte, apenas Selina estava lá.

- Finalmente apareceu... – Selina disse irônica. - As noites devem estar bem cansativas... Você sumiu das refeições a semana toda...

Helena não respondeu. Sentou-se em frente a Selina, pois era o único outro lugar onde a mesa estava posta.

- Você está fazendo isso de propósito pra me confrontar, não é? – Selina não conseguiu segurar a raiva.

- Eu não sei do que a senhora está falando. – ela fez-se desentendida.

- Senhorita Helena, - Alfred falou ao entrar. – Devo preparar somente a sua refeição ou o mestre Jason irá se juntar a senhorita?

Helena ficou pálida.

- Ele já foi, Al. – falou com a voz baixa.

- Entendo...– o mordomo disse se retirando. - Irei servi-las em breve.

Selina encarou a filha. Sentia-se irritada pela garota confrontá-la. Ela e Alfred passaram a semana inteira fazendo malabarismos para evitar mais uma crise envolvendo Bruce e Helena, e tudo porque a garota tinha tido a petulância de lhe desobedecer e ainda trazer o maldito garoto para dentro de casa. Todas as noites.

Estava possessa.

Ela concordava com Bruce que deveriam dar liberdade a Helena, mas ela não concordava com o envolvimento da filha com aquele garoto problemático que tinha fama de ser violento e descontrolado. Naquele momento, o sentido de mãe superprotetora se sobrepôs a sua razão. E foi por isso que ela resolveu confrontar a filha.

- Pra sua informação, seu pai não sabe de nada. – recomeçou. - Eu fiquei encarregada de vigiar você essa semana. Não contei para ele da sua pequena aventura...

- E se ele souber? Qual o problema? – Helena confrontou a mãe mais uma vez. - Eu não tenho direito nem de escolher os meus namorados? – ela sabia que Jason não era seu namorado, mas naquele momento percebeu que gostaria que ele fosse.

- Minha querida, nós sabemos que você não é muito esperta quando se trata de escolher homens... – Selina falou em seu tom mais sarcástico, a raiva vencendo.

Helena levantou-se furiosa.

- Por que será, Selina? A senhora acha que eu entrei em um relacionamento abusivo por que eu quis? EU ERA INGÊNUA! EU FUI MANIPULADA! – ela indagou lembrando-se do que a dra. Thompkins lhe dissera. - EU NÃO TIVE MÃE PRA ME ACONSELHAR E ME ORIENTAR! EU NÃO TIVE PAI PRA ME PROTEGER! EU NÃO TIVE UMA REDE DE APOIO! Eu não soube reconhecer as bandeiras vermelhas PORQUE NINGUÉM NUNCA ME FALOU SOBRE ELAS! Eu tive que aprender errando, mas eu aprendi a lição... E agora eu sei muito bem reconhecer os sinais, e eu sei exatamente onde estou me metendo. E não graças a você ou ao Wayne, graças as minhas cicatrizes!

Ela não esperou Selina responder e dirigiu-se para a saída da sala de jantar, voltou-se antes de sair e olhou para a mãe que ainda estava sentada à mesa.

- E eu vou continuar com Jason. VOCÊS GOSTEM OU NÃO!

A garota saiu deixando Selina sozinha. Ela ainda estava sentada a mesa, tinha a cabeça apoiada nas mãos que estavam entrelaçadas.

Helena nem precisava esperar a mãe responder, por que Selina não ia fazer isso. As palavras de Helena haviam lhe atingido em cheio.

Porque estavam cheias de verdade.

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Bruce estivera muito ocupado aquela semana patrulhando as ruas e coletando pistas sobre Marcondes com a ajuda de Dick, Bárbara e Damian. E ele estava cada dia mais preocupado.

Os mafiosos de Gotham estavam morrendo como moscas.

Embora isso fosse algo comum quando o Coringa estava em liberdade, não era esse o caso. O Coringa estava muito bem aprisionado no Arkham. Era por isso que, aquela noite, o morcego estava no telhado do departamento de polícia de Gotham e conversava com o comissário, o velho amigo usara o sinal para chamá-lo ali.

- Alguém está tentando ganhar território em Gotham. – o comissário disse apreensivo. – Eles o chamam de "O estrangeiro". Os Falcone são os únicos que resistem, todas as outras famílias e gangues foram quase dizimadas nas últimas semanas. E quem quer seja, parece ter muito poder. E muito dinheiro também. Ele está comprando todos os capangas e mercenários da cidade. Todos estão se juntando a ele. Você sabe de algo sobre isso?

- Por que eu saberia? – o morcego indagou sério, embora ele soubesse.

- Porque ele parece muito interessado em um amigo seu. – o comissário falou no tom de insinuação que sempre usava quando parecia saber a identidade do morcego. - Os capangas que conseguimos capturar são unânimes em dizer que o estrangeiro tem um alvo: Bruce Wayne. Parece que Bruce roubou algo desse cara... e ele quer pegar de volta. Nem que tenha que fazer a cidade como refém pra isso...

- Ele não vai ter o que quer... eu vou resolver tudo isso. – o morcego disse afastando-se do comissário, desaparecendo na escuridão.

Gordon continuou sem respostas.

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Bruce estava de volta a mansão. Arrancou o capuz e ainda com o traje do morcego, ele subiu as escadas da mansão, tinha um lugar específico em sua mente, foi até lá e bateu na porta.

- O que é? – Selina falou irritada quando abriu a porta, mas parou ao ver Bruce. – O que aconteceu?

- Precisamos conversar.

- Precisa ser agora? Eu não estou no meu melhor momento... – ela falou mostrando a garrafa de vinho pela metade que trazia na mão.

Ele a olhou com aquele olhar desolado que Selina conhecia bem. Derrotada por aquele olhar, ela suspirou, abriu espaço e fez um gesto com a mão mostrando o quarto.

- Entre.

Bruce entrou e ela fechou a porta.

- Deixe-me ajudar você com isso... – ela falou ajudando-o a tirar a parte de cima do traje, com a perícia de quem já o tinha feito muitas vezes antes.

Quando ela terminou, Bruce sentou-se na cama.

- Eu só não lhe ofereço isso aqui, porque você é o senhor certinho. – Selina sentou-se ao lado dele e tomou mais um grande gole. – Embora isso ajude demais a esquecer a dor...

- A dor vai voltar amanhã, mais forte e acompanhada de ressaca.

- Você sempre o mesmo estraga prazeres... – ela desdenhou. - Mas o que você tem? Se veio me procurar, deve ser coisa muito séria...

- Ainda não lhe contei o que vem acontecendo nos últimos dias... Queria ter certeza.

- E o que está acontecendo? – ela indagou tensa.

- Marcondes está ganhando território em Gotham. Quer dizer, um criminoso chamado "o estrangeiro" está, mas sei que é ele. Ele está convocando todos os mercenários da cidade, está pagando muito bem. E ele quer algo que Bruce Wayne tomou dele.

- Ele não vai se aproximar da minha filha novamente! E eu tô falando bem sério! – Selina levantou-se rápido, falando transtornada. Lembrava-se do que Helena lhe dissera mais cedo. - Eu estou disposta a tudo, Bruce! Matar ou morrer! Aquele cretino não vai encostar na minha filha novamente... Ele vai ter que passar por mim primeiro. – Emocionada, ela se desequilibrou e sentou-se no chão acarpetado. As lágrimas volumosas molhando a face, a garrafa de vinho em sua mão.

- Selina... – Bruce disse aproximando-se e ajudando-a a se levantar, trazendo-a para seu colo. – O que aconteceu?

- Helena... – Selina disse ao apoiar a cabeça no peito dele. - Ela me confrontou hoje...

- Ela faz isso o tempo todo. Por que você está assim? – perguntou preocupado. - Eu só te vi assim há muito tempo, quando você viu aquele vídeo...

- Aquele vídeo nem era real, mas o que Marcondes fez com Helena foi real. E ela sabe, ela jogou na minha cara que eu sou culpada, que nós dois somos culpados. Que deixamos ela a própria sorte... a mercê daquele homem horrível. – Selina escondeu o rosto no ombro de Bruce e chorou.

- Ela não está errada. – Bruce falou olhando para longe.

Ele pegou a garrafa que Selina segurava e tomou um grande gole.

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Naquela mesma noite, uma ou duas horas mais tarde, Jason escutou o som da mensagem que chegara ao celular. Ele levantou-se rápido e pegou o aparelho que estava no bolso de seu casaco que estava jogado no chão do quarto de Helena.

- O que tem de tão importante aí, pra você ir olhar tão rápido? – Helena levantou as sobrancelhas, ela o olhava da cama, sonolenta.

- Não sabia que era ciumenta. – ele brincou ao mesmo tempo que procurava suas roupas pelo chão e começou a vesti-las. – É mensagem do Bruce. Eu tinha colocado um toque específico pras mensagens dele...

- O que ele quer com você a essa hora da madrugada? – ela disse apreensiva.

- E você acha que ele ia me dizer, princesa? – ele indagou terminando de se vestir. – Mas é melhor eu ir logo, ele está aqui na mansão.

- Não sei por que você tem que ir assim que ele chama...

- Se eu não for, ele vai me procurar. E ele vai me achar.

- Você volta? – ela mordeu o lábio e o olhou com aquele olhar de súplica que ele não resistia.

- Farei o possível.

Ele beijou os lábios de Helena e saiu pela sacada.

Helena teve um pressentimento. A voz de Jason veio a sua mente "e uma tragédia sempre acontece em seguida..."

Ela dissera tantas coisas a sua mãe aquela tarde, e se Selina tivesse contado ao seu pai sobre ela e Jason?

Ela preocupou-se com o conflito que podia acontecer entre Jason e seu pai. Levantou-se no escuro e procurou suas roupas pelo chão.

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Jason entrou pela sacada da biblioteca apenas cinco minutos após sair do quarto de Helena. Bruce lhe esperava. Estava de pé em frente a lareira, não usava mais o traje do morcego. Ele tinha as mãos nos bolsos e olhava pensativo para o fogo.

- Estou aqui. - Jason anunciou sua chegada e Bruce virou-se para olhá-lo.

- Ótimo.

- Então você sabe. – Jason disse caminhando até Bruce. Na mensagem que ele recebera, Bruce informara que sabia que ele estava com Helena.

- Sei.

- Selina lhe contou, não foi?

- Não. Selina e Alfred tem escondido isso de mim. – ele disse ainda olhando o fogo. - Eles devem achar que isso evitaria um conflito com Helena. Ou com você.

- Bem, e então? – Jason indagou um pouco nervoso, temendo o veredito.

- O que?

- O que você vai fazer? Não vai dizer nada sobre isso? Achei que eu acabaria com alguns ossos quebrados...

- Não tenho nada pra dizer e não vou quebrar nenhum osso seu. Embora eu não possa dizer o mesmo quanto a Selina ou Damian...

- Então você não se importa que eu esteja dormindo com a sua filha?

Bruce observou o rapaz.

- Você e eu já temos a mesma altura...

- Você não me respondeu.

- Eu não me importo, Jason. Helena é livre pra fazer as escolhas dela. E você é meu filho. Eu conheço você muito bem. É um bom homem.

- Isso sim é uma surpresa...

- Eu não desaprovo que você esteja com Helena. – Bruce falou pensando no motivo pelo qual chamara o rapaz ali. - Mas eu preciso que você me ajude a proteger ela.

- Eu estou ajudando.

- Eu sei, mas preciso de outro tipo de ajuda. Tem algo grande acontecendo em Gotham. E Marcondes está por trás disso. Mas ele não conseguiria atingir a máfia dessa cidade sozinho. Tália...

- Tália disse a Damian que estava saindo disso tudo.

- Ela também me disse que me amava... – Bruce olhava para o fogo. – minutos antes de tentar me matar.

- Você acha que ela mentiu?

- Acho que ela sabe muito mais do que disse a Damian, - ele olhou para Jason. - e sim, talvez tenha mentido.

- E o que você pensa em fazer?

- Quero que você vá comigo atrás dela.

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Jason subiu as escadas com pressa.

O antigo Bruce jamais lhe daria alguns minutos antes de uma missão para se despedir de uma garota, mas talvez as coisas fossem diferentes quando a garota era filha dele. Enquanto caminhava para o quarto de Helena, ele pensava no tipo de desculpa que daria para sumir por um dia ou dois. Odiava mentir para ela. Preocupado, ele não percebeu quando quase esbarrou em alguém.

- Quanta pressa heim, garoto? – Selina disse sarcástica, pondo-se no caminho de Jason. – Pra onde está indo?

- Você sabe muito bem pra onde estou indo. – Jason disse irritado, não tinha tempo pra discussões, mas então ele parou ao observar a mulher. – Você está bêbada?

Selina estava. Bruce havia deixado ela na cama, após ajudá-la a tomar banho e se vestir, mas ela não conseguira dormir e levantou-se em busca de outra garrafa de vinho.

- Isso não é da sua conta, garoto. – disse com a voz engrolada. - E eu vou lhe dizer só uma coisa: se afaste da minha filha!

- E por que eu faria isso? – ele disse impaciente.

- Eu conheço seu tipo, pirralho. – Selina apontou-lhe o dedo indicador. - Eu sei que você é um mercenário.

- Pelo menos eu não sou um ladrão. – Jason a alfinetou.

- Você acha que me afeta por dizer isso? A verdade não me afeta. Eu sei o que eu sou. Eu sou uma ladra. – ela agora apontava pra si própria. - Mas eu nunca fui uma aproveitadora... Nunca explorei ninguém por dinheiro...

- O que você quer dizer com isso? – Jason parou, sentindo-se afetado.

- Bruce é tão esperto, mas é um cego quando se trata de vocês... – Selina o confrontou. - Você não passa de um aproveitador, garoto.

Jason não respondeu, a mulher não estava em seu estado normal e ele não queria armar um circo. Tentou controlar-se e ignorar Selina, mas ela colocou-se na frente dele não o deixando seguir.

- Eu sei o que você está fazendo com Helena. E eu não vou deixar você se aproveitar dela!

- Eu não estou me aproveitando dela! – ela abriu os braços, exasperado.

- Não está? NÃO ESTÁ? – Selina gritou. - Você recebeu muito dinheiro pra aceitar ela no seu no apartamento! Depois você recebeu muito dinheiro para manter ela lá e para vigiá-la! Você ganhou uma fortuna para se aproximar da minha filha. VOCÊ VAI NEGAR ISSO?

- Não, eu não nego. – Jason a encarou. Sua paciência tinha acabado. – Bruce me pagou e me pagou muito bem! E sabe, Selina? eu não me arrependo! Eu não me arrependo de nada do que eu fiz!

Jason esperou que Selina o rebatesse, mas a mulher nada disse. Ela olhava fixamente para um ponto atrás dele e o rapaz levou milésimos de segundo para entender.

Ele virou-se para o outro lado para encontrar Helena lhe encarava muito séria.

- Então é isso? Isso tudo é um negócio entre você e o Wayne? – ela olhou de Jason para Selina. - Vocês todos me enojam.

A garota deu as costas pra eles, mas Jason tocou-lhe no ombro, buscando detê-la.

- Helena...

- NÃO ME TOQUE. – Ela gritou e voltou-se para ele, olhando-o com uma fúria perigosa que lhe lembrou Bruce. – Não me toque nunca mais!

- Helena, por favor, você não entendeu...

- O que eu tenho que entender? Que você se aproximou de mim por dinheiro? Você não é muito diferente de Marcondes, sabia? Ele também foi pago pra me seduzir.

- Não foi isso que aconteceu... eu não sou como ele!

- Ele foi mandado por Tália, você foi pago pelo meu pai. A única diferença que eu vejo é a fonte do dinheiro...

- Helena, me escuta...

- EU NÃO VOU ESCUTAR VOCÊ! EU NÃO QUERO FALAR COM VOCÊ! EU NÃO QUERO VER VOCÊ! ESQUEÇA QUE UM DIA VOCÊ ENCOSTOU EM MIM! – ela se afastou, seus olhos cheios de lágrimas. – Encontre outra fonte de lucro, Jason. Eu não vou mais ser o negócio de ninguém...

Ela deu-lhe as costas e saiu andando rápido pelo corredor.

- HELENA! – Jason gritou e ameaçou segui-la, mas foi detido.

- Deixe-a ir. – ele ouviu a voz de Bruce que havia chegado e abraçava Selina. – Ela não vai lhe ouvir agora. Ela passou anos sem querer nos ouvir...

- Ela ainda não nos ouve... – Selina disse olhando o corredor escuro onde a filha desaparecera, recostada no peito de Bruce.

- Vocês são os responsáveis por isso...– Jason disse saindo na direção contrária de Helena. - Vocês dois são os culpados disso tudo!

Ele desceu as escadas, caminhando rumo a caverna. Uma dor que ele não conhecia se instalava em seu peito. Ele estava apavorado, porque sabia que Helena era como uma concha que se fechava quando estava machucada. Uma concha que se fechava em si mesma e não permitia qualquer aproximação. Quando os pais a magoaram, ela se fechou para eles durante dez anos. E nunca os perdoara.

Ele temeu. E se ela se fechasse como fizera com os pais?

E se ela nunca o perdoasse?

Jason ainda não sabia como lidar com aquilo.

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NOTAS FINAIS

O nome adotado por Nico, "o estrangeiro", é uma referência que quis fazer ao livro "o estrangeiro" de Albert Camus.

"Teto pra dois" é um dos livros que eu li esse ano e que me deu ideias para essa história, é sobre dois colegas de apartamento que se apaixonam.