Eu precisei fazer o Adar um pouco arrogante.
Não sei, olho pra ele e vejo essa pessoa que abusaria do poder e usaria tudo a seu alcance para conseguir as coisas que deseja.
Então é isso. Adar é pra ser o oposto de Bill em todos os sentidos que pudermos comparar.
Cap II - Convite
Parada em frente ao antigo prédio no centro da Cidade de Caprica Laura respirou fundo, ela conhecia os motivos gerais de estar ali, mas aquela dúvida a mordeu a semana toda até que ela marcasse uma reunião. Ela não era do tipo que se escondia de batalhas, ou ela não queria mais ser essa mulher. Sempre foi forte, dona de si mesma e queria tomar novamente a vida nas mãos, deixar toda agonia e dor no passado. Afinal isso nunca iria mudar o cenário e ela ainda estava ali, ela ainda respirava e precisava viver.
Com as mãos no bolso de seu blazer cinza escuro ela entrou, os saltos fazendo um pequeno som no piso bem polido. Sua movimentação atraiu alguns olhares, pessoas que passavam e um segurança que a acompanhou com os olhos até que ela parasse no balcão de recepção. Desde que o prédio sofreu um atentado a segurança se tornou ainda mais rigorosa. A segurança controlava cada pessoa que entrava e saía da instalação pública.
- Bom dia, estou aqui para uma reunião com o Prefeito Adar.
Laura ouviu o som de teclas sendo pressionadas em uma sequência admirável enquanto o jovem sequer movia os olhos do monitor. Segundos depois ele encarou Laura.
- Roslin? - com a breve confirmação ele continuou. - O Prefeito está terminando uma reunião de última hora, não deve demorar.
Ele a entregou uma etiqueta onde se lia VISITANTE, o segurança se aproximou a indicando por onde deveria ir.
- Sexto andar Senhorita Roslin, Sala 608, fim do corredor.
- Obrigada.
Havia conhecido Richard Adar anos atrás, quando estudava na Universidade de Delphi, fizeram uma aula de economia juntos e mesmo naquela época ele já tinha a ambição de se envolver com a política. Laura sempre o achou um pouco dramático, como se apenas ele pudesse consertar algumas coisas na legislação vigente. Embora de fato ele tivesse uma ou duas ideias interessantes, motivo o qual a fez aceitar tomar um café juntos.
Mas a relação deles nunca se desenvolveu tanto quanto ele queria, Adar era ambicioso e Laura tinha um plano de vida traçado que não permitia alterações. E ela seguiu este plano à risca, formar-se com excelentes notas, voltar para a Cidade de Caprica e lecionar. Depois disso tudo o que ouviu sobre o homem em questão era apenas coisas genéricas conforme ele ia escalando no poder.
Quando a eleição para Prefeito surgiu Laura sequer cogitou votar nele, assistindo um dos discursos o notou arrogante demais para gerenciar uma cidade tão antiga e tão tradicional, mas no fim ele não estragou tudo e esse era um dos motivos de ela estar ali, subindo os andares naquele elevador até encontrar o atual prefeito.
O Hall era amplo, bem decorado e havia uma placa sinalizando a disposição das salas. Foi fácil guiar-se e ela percebeu a falta de pessoas que iam e voltavam como havia no térreo, certamente todo o andar era dedicado à administração da cidade e isso o tornava mais restrito.
Logo a frente da porta dupla onde uma placa indicava ser a sala 608. Uma mulher muito jovem, de longos cabelos negros e olhos azuis a encarou com um sorriso enjoativamente doce.
- Posso ajudar?
- Tenho uma hora com o Prefeito Adar.
Laura viu o sorriso vacilar um segundo e quando ela girou em sua cadeira parecia ter dito algo como "É claro que tem". Aquilo não fez sentido e Laura decidiu apenas ignorar o fato. Suas mãos se unindo atrás de suas costas fazendo o blazer escuro abrir e exibir uma camisa branca que mesmo solta se moldava em sua forma acentuando a suave curva dos seios. A garota pegou o telefone, lançando breves olhares em direção de Laura a todo momento em que falava em voz baixa com alguém do outro lado da linha. Ao término da curta ligação a mulher morena tornou a sorrir, um pouco menos exagerado desta vez.
- O Prefeito irá recebê-la em alguns minutos.
Ignorando os olhares incisivos da jovem secretária, Laura andou até a janela, com as mãos nos bolsos de seu blazer ela deixou a paisagem da cidade tomar conta de si. Seus olhos seguiram a calçada onde muitas pessoas andavam apressadas em seus afazeres. Sua mente de repente foi assaltada por lembranças da noite anterior, o jantar com Adama, seus olhos azuis e aquela voz que deixou sua pele arrepiada em vários momentos.
Deuses, ela nunca havia se sentido assim com ninguém antes, era a primeira vez que alguém chacoalhava sua vida daquela forma. Perdida em pensamentos, Laura sequer registrou o som da porta a se abrir, uma breve conversa seguida de passos em sua direção. Foi apenas uma mão a tocar seu ombro que a fez virar o rosto para encontrar Richard Adar com seu sorriso perfeito logo atrás dela.
- Laura.
- Sr. Prefeito.
Ela educadamente saiu do espaço pessoal de Adar, assumindo uma postura completamente ética, muito diferente da maneira relaxada como o Prefeito a abordava.
- Me acompanha? - ele indicou a entrada de seu escritório. - Sirva-nos um café Senhorita Sarah.
Havia uma pequena coisa que estava irritando Laura, aquela expressão de quem estava planejando algo não deixava os olhos do Prefeito, mas preferindo dar o benefício da dúvida ela o seguiu para dentro. Portas fechadas. A sala era ampla, havia uma bandeira de Caprica ao lado de uma segunda bandeira com o símbolo das doze colônias. Uma mesa ampla e bem organizada mais ao centro, duas cadeiras e ao lado esquerdo havia uma mesa de conferência que ela supôs ser usada em reuniões mais elaboradas.
- É um prazer vê-la depois de tantos anos.
- O senhor deixou claro, várias vezes, que não iria aceitar uma negativa de seu pedido.
- Por favor, deixe a formalidade de lado.
Ela forçou um sorriso que nunca chegou a seus olhos, apenas cantos de lábios erguidos. Qualquer um que conhecesse Laura saberia o quão desconfortável ela estava ali. Ele se aproximou levando uma mão às costas dela para guiar até um sofá que Laura não havia notado ainda.
No passado, quando estudaram juntos, Adar deixou claro o interesse que tinha, ele queria Laura, e não apenas a amizade dela. E uma coisa que Richard Adar não aceitava era a derrota. Ele insistiu, lutou, argumentou todos os dias. Telefonemas, flores, convites e declarações de amor eterno. Ele não parou até ter o que queria. E quando conseguiu, logo se cansou. Não foi exatamente um choque para Laura na época, ela nunca esperou muito dele, Adar a usou sim, mas Roslin jogou exatamente o mesmo jogo na época. Ela só precisava de uma distração para os dias estressantes, uma válvula de escape para todo o estresse que as finais poderiam colocar sobre um aluno.
Por isso a julguem se ela estivesse sendo muito cautelosa ali. Ela não tinha mais vinte anos, ela não queria mais jogar aqueles jogos. Laura queria ser feliz. Ela merecia.
- Não espera que eu acredite que estou aqui porque o Prefeito sentiu falta de sua antiga colega de classe.
- Um pouco disso, um pouco daquilo. - ele se aproximou mais dela.
Tão perto ela pode ver como o tempo havia passado, ele tinha finas rugas de expressão ao redor dos olhos, assim como ela já havia notado em si própria. Quase dez anos haviam se passado desde a última vez que se encontraram. Muitas coisas mudaram na aparência de ambos, mas Adar ainda era um homem bonito.
- Você continua linda. - uma mão foi até o joelho dela, lentamente subindo em direção a coxa. Laura segurou o pulso o impedindo de ir muito além.
Seu olhar era afiado, deixando claro que ela não estava afim daquele tipo de interação. Retirou a mão de seu joelho e colocou certa distância do homem à sua frente. De pé ela o olhava com calma, analisando suas opções. E se ele não fosse quem fosse, Laura teria sido um pouco mais incisiva. Mas desafiar o Prefeito em seu 'habitat' não lhe parecia exatamente a melhor escolha. Ela tinha ouvido boatos sobre o quanto Richard Adar poderia ser vingativo se contrariado.
- Okay. - ele ergueu as mãos com um sorriso. - Negócios primeiro.
As sobrancelhas de Laura formaram um arco de curiosidade com a afirmativa. Também havia um pouco de curiosidade que a impediu de recuar novamente. Quando Adar lhe ofereceu um lugar para sentar novamente ao seu lado, ela aceitou mantendo a distância antes imposta.
- Negócios?
- Parece que tenho sua atenção, finalmente.
A porta se abriu depois de duas breves batidas e o olhar da secretária que a recebeu era de alguém que analisava a situação. Os olhos se estreitaram por trás dos óculos observando a jovem que a olhava como um cão que defende seu dono. Pobre garota, certamente era um dos caprichos de Adar.
- Obrigado Sarah, já pode se retirar. E por favor não passe nenhuma ligação, eu tenho uma reunião importante acontecendo aqui.
A inflexão que ele deu a suas palavras a irritou, qualquer um que ouvisse entenderia como Laura sendo uma amante que estava ali apenas para o entreter. Assim que a porta se fechou Laura tinha um dedo acusatório erguido em direção a Adar; os olhos verdes tão estreitos que mal podia-se distinguir o tom escuro que havia adquirido. Mas a voz veio baixa, muito lenta, deixando claro que ela não estava nada satisfeita.
- Não faça parecer como se alguma coisa estivesse acontecendo entre nós.
O sorriso que ele deu foi um desafio. Adar tinha aquela mania de interpretar as coisas da maneira que melhor o beneficiasse. Isso foi um dos motivos de Laura nunca ter levado a sério o caso que tiveram.
- Vá direto ao assunto.
Mas, como todo o resto, Richard Adar tinha seu próprio tempo. Ele serviu duas xícaras com café, uma com bastante açúcar e creme, a segunda pura. E quando ele entregou a segunda xícara a ela o sorriso pretensioso estampava seu rosto. Laura xingou mentalmente, aquele homem tinha muito conhecimento sobre ela e se ela fosse honesta ela assumiria que ainda havia uma coisa que a atraía, mas era puramente sexual, sempre o foi.
- Eu te conheço Laura, talvez melhor do que você pense.
- O tempo muda as pessoas Prefeito.
- Sim, é verdade, mas há coisas que permanecem imutáveis Laura, seu amor pela educação é uma delas, o jeito que você bebe café outra.
Pensou em fazer um comentário sobre estar sendo vigiada, mas deixou o momento passar, Richard acabaria tomando como um desafio e se não a estivesse perseguindo, acabaria fazendo exatamente isso. E se havia uma coisa que Laura prezava era sua privacidade.
Mas ele estava certo, ela ainda fazia muitas das coisas que era hábito há dez anos. Café preto sem açúcar, livros de mistério, observar a neve no inverno. Eram pequenos hábitos que ela sentia que falavam muito sobre ela e Adar lembrar-se deles a incomodava. Trocaram olhares e depois de alguns goles ele deixou a xícara de lado e voltou a olhar nos olhos verdes dela.
- Vou me candidatar a Presidente das Doze Colônias.
A falta de expressão de Laura enquanto o olhava fez Adar perder um pouco a arrogância, ele havia esperado por uma reação de surpresa, mas ela sabia que era apenas uma questão de tempo até ele decidir seguir este caminho. Esse homem era tão previsível que Laura perdeu o interesse muitos anos atrás. Para uma mulher que amava livros de mistério conseguir prever os passos de alguém era totalmente entediante. Esse homem ambicioso nunca foi um desafio para Laura, ele passou por sua vida sem deixar nenhuma impressão forte.
E de repente ela se lembrou do Major de ombros largos que conseguiu dela muito mais do que qualquer outro em apenas uma noite. A mera lembrança de Adama, Laura sorriu desviando os olhos de Adar, a xícara cobrindo parcialmente seus lábios enquanto sua mente vagava até o momento em que o ar fugiu de seus pulmões quando se beijaram.
- Essa era a reação que eu esperava. Por um momento pensei que não estivesse feliz por minha decisão.
- É claro. - mentiu, explicar lhe daria muito mais dor de cabeça do que amaciar o ego deste homem. - Mas o que eu tenho haver com isso? Digo, porque está me contando?
- Bom Laura Roslin, eu ficaria honrado em ter você ao meu lado durante a campanha.
Laura piscou várias vezes, esperando que algo acontecesse e lhe mostrasse que era apenas uma piada ruim contada em um momento inoportuno. Mas a expectativa no rosto de Richard dizia o oposto. Ele esperava uma resposta e Laura não conseguiu evitar aquela onda de risos que insistia em surgir em momentos inapropriados.
- Adar… Isso é ridículo, uma Professora escolar como suporte para sua campanha?
- Você tem excelentes ideias sobre melhorias escolares, eu poderia usar isso como base em minha campanha, ganhar a simpatia do eleitor médio. Além de que faríamos ótimas fotos juntos.
Ela continuou rindo, a xícara vazia apoiada sobre seus joelhos enquanto as risadas chacoalhavam seu corpo levemente. Quando Adar tossiu um pouco desconfortável ela se recompôs o suficiente para parar de rir.
- Eu não tenho interesse em Política. - explicou em breves palavras.
- Você seria a minha Secretária de Educação.
- Não.
- Eu me lembro de você dizer quais mudanças fariam real diferença para os professores. Estou disposto a ajudar você a tornar real estes planos.
- Se minhas opiniões são tão interessante para sua plataforma, ficaria honrada em criar uma lista e enviar para sua assessoria. Mas eu realmente não tenho interesse em entrar para o meio político. - Ficou de pé. - Se isso for tudo.
- Sei que posso te convencer, Laura. Tudo o que eu preciso é de tempo, por isso coloquei a oferta em jogo tão cedo. - levantou junto com ela, uma mão ao bolso e um sorriso fácil retornando ao rosto. - Janta comigo esta noite?
- Já tenho um compromisso.
- Amanhã então? Passo na sua casa às oito.
- Prefeito Adar. - ela sorriu. - O senhor precisa aprender a aceitar uma resposta negativa. Obrigada pelo café.
Deu um aceno curto como um último cumprimento e seguiu em direção às portas. Era totalmente enervante ter Richard Adar rondando novamente ao seu redor. Talvez pior agora que ele tinha mais influência. Ele havia lançado os dados, Laura só precisava pensar bem suas próprias jogadas a partir de agora.
Então, o que estão achando?
Devo continuar?
