Se algo não fizer sentido culpe o vinho que tomei enquanto escrevia.
Cap III - Conversa
O contive para a reunião a pegou de surpresa e em nenhum momento Laura imaginou que teria aquela conversa. Que um dia, ela seria convidada para compor uma equipe que lidaria com os aspectos sociais de uma campanha política. Muito menos que Richard Adar seria a pessoa a considerar seus esforços.
Claro que ela não era suficientemente ingênua para pensar que era apenas isso, que era apenas negócios. A forma como ele se comportou, os sorrisos, os elogios e aquela mão se arrastando por sua perna, tudo isso era o jeito nada velado de Adar demonstrar o que queria. Novamente estava sob a atenção deste homem que era obstinado como o inferno. Evitou pensar nisso, porque a fazia se sentir como um objeto aos olhos do homem mais Influente da Cidade de Caprica. Respirando fundo ela apoiou as costas nas placas de metal do elevador. Seus dedos cavando o tecido macio de seu blazer ao arrancar o adesivo de visitante que ainda estava colado ali.
O papel autoadesivo grudou em seus dedos à medida que ela os movia, tornando-o uma esfera quase perfeita. O som do elevador ao chegar no térreo a fez deixar a caixa de metal. Lançou o pequeno pedaço de papel no lixo e seguiu com uma dor de cabeça pontiaguda que começava na lateral de sua cabeça e irradiava para a base de seu crânio. Podia sentir as veias em suas têmporas pulsando cada vez mais e o pescoço se tornando rígido.
Ela conhecia bem os sintomas, conviveu com isso durante seus anos como estudante universitária. Estresse.
Adar, nos poucos minutos em que conversaram, minou toda a energia que a noite passada acumulou em seu corpo, ele tinha uma facilidade ridícula de levar o melhor de Laura com poucas palavras. O cretino era sedutor, bonito, inteligente, mas a personalidade expansiva dele o tornava uma opção quase inválida. Ele faria o tipo de Laura se não fosse o egocentrismo que exalava, a forma como fazia tudo girar ao seu redor. E definitivamente ela não era o tipo de mulher que orbitava alguém.
Depois de alguns minutos caminhando, sentou-se perto de um lago artificial, ela afundou os cotovelos em suas pernas, a cabeça apoiada em ambas as mãos. Uma cascata de fios ruivos cobriu sua visão como uma cortina que se fecha durante a pausa de um espetáculo. O som de água corrente sempre fez maravilhas com ela, na verdade Laura amava os sons da natureza, havia uma beleza excelsa que a deixava leve.
Tendo escolhido um canto mais isolado ela podia ouvir os sons, absorver a beleza que havia nisso. Água a fluir, pássaros chilreando, folhas a farfalhar com o vento. Ela se concentrou nestas coisas e lentamente a dor foi cedendo, fazendo seus músculos se relaxar e ela tornou a erguer a cabeça. Havia algumas pessoas curiosas a olhando, como se tentassem decidir se deveriam ou não a abordar, questionar se estava tudo bem. Não estava, mas eventualmente ficaria. Deu um pequeno sorriso, removendo os óculos por um breve momento que usou para colocar uma suave pressão em seu nariz.
Não deixaria Adar levar a melhor, ela teria que erguer paredes, criar estratégias de defesa para se esquivar da maneira mais eficiente. Recolocou os óculos e ficou de pé, ajeitando os cabelos antes de seguir o caminho até seu segundo compromisso do dia.
Novamente em um elevador, ela esperava a caixa de metal subir muito lentamente. Este era um prédio antigo cujo proprietário mantinha um discurso de que deveriam preservar coisas como este elevador pantográfico. Laura nunca gostou muito de conseguir ver todos os cabos e engrenagens, menos ainda ouvir os barulhos que faziam sobre sua cabeça. Tudo isso a levava a se questionar sobre a rotina de manutenção do prédio. A porta se encolheu à direita antes de ele sequer ter chegado ao quinto andar. Olhando para cima ela avistou que havia alguém esperando, quando o elevador se alinhou com o andar, uma mulher entrou com sua filha, ambas alheias a todo o problema que o meio de locomoção parecia exibir. Com um bom dia Laura deixou a caixa metálica decidida que faria o caminho de volta pelas escadas. Era um mistério para ela porque Christie ainda morava naquele prédio antigo. Bateu a porta com os nós dos dedos e esperou.
- Bom dia! - a mulher loira ofereceu sorridente como sempre ao abrir a porta.
- Bom pra quem?
- Oh, pensei que ainda estaria de bom humor depois do jantar de ontem.
Com um longo suspiro Laura se sentou no sofá moderno e fechou os olhos apreciando o conforto. O apartamento de Christine tinha um contraste gigantesco com o exterior do prédio, da porta para fora tudo parecia sair de um museu da arquitetura, aqui, havia tudo o que tinha de mais moderno.
- Não me diga que não rolou nenhuma química com Adama.
- Bill é ótimo, o problema é outro.
- Bill é? - Christine se sentou ao lado de Laura e a cutucou com o cotovelo. - Me conte, como foi o jantar.
A carranca de Laura se transformou em um sorriso satisfeito ao relembrar como foi a noite. Virando de lado ela olhou nos olhos castanhos de sua amiga.
- Antes me diga, de conhece um Major da Frota Colonial?
- Militares precisam passar por alguns exames de rotina a cada seis meses. Algo haver com passar muito tempo em gravidade simulada e coisas assim. Faz mais ou menos uns cinco anos que sou a médica responsável por esse Major.
Laura estava atenta, ela gostava de dar às pessoas chances de se explicar antes que ela pudesse levantar alguns pontos.
- Ele não é um homem de longas conversas como a maioria. Sempre educado, sempre com um livro de mistério nas mãos.
- Hm..
- Eu cheguei a mencionar essa minha amiga que ama mistérios, mas como ele era casado sequer esboçou interesse na época. O que eu julgo ser um excelente sinal.
E de fato era. Militares tinham essa fama de desapego. Eles passavam muito tempo dentro de uma Battlestar e quando desciam ao planeta, tudo era sobre sedução e casos sem importância. Era de senso comum que um Militar era bom para sexo casual, porém péssimo para um relacionamento a longo prazo.
O que havia a atraído em Bill não era a possibilidade de um relacionamento. Laura queria algo fácil, em termos que ela poderia lidar e um homem que passava tanto tempo preso em uma aeronave muito quilômetros acima de suas cabeças, era uma possibilidade. Porém ela não tinha nenhum interesse em dividir. E saber que o Major Adama era um homem de princípios facilitava um pouco mais as coisas.
- Então você me joga para ele, como um pedaço de carne a um cão faminto, assim que ele se divorcia?
- Oh querida, faz quase dois anos que ele assinou os papéis e ele parecia um pouco deprimido na nossa última consulta.
- E agora você cuida da vida amorosa de seus pacientes também?
- Eu pensei que você soubesse a minha especialidade.
Laura riu da pequena analogia sobre Christie cuidar de corações.
- Agora você me diz, como foi ontem?
Um longo suspiro veio e Laura deixou seu corpo relaxar completamente. Olhos fechados ela mordeu o lábio inferior passando a língua por sua extensão. De olhos fechados ela perdeu o olhar cuidadoso que a amiga lançou. Christine fez uma extensa pesquisa sobre Adama, em suas consultas após o divórcio, ela o analisava e questionava sobre coisas bobas, reconhecimento de terreno para esse derradeiro dia onde ela sugeriu um encontro para eles. Eram dois corações complicados que precisavam de um alento. Eles pareciam se encaixar.
- Ele é uma pessoa incrível, tivemos um excelente jantar.
- Laura…
- O que?
- Excelente? Só isso?
- Nós nos beijamos e isso foi o ponto alto da noite. Nada mais.
Christine se levantou do sofá, passando as mãos em suas coxas. Ela não ia pressionar Laura, isso não era boa ideia. A mulher preferia ser livre em todos os sentidos, já havia forçado muito com aquele encontro às cegas. Ao menos ela tinha feito um acerto. E se isso fosse para o bem, ela daria o incentivo necessário.
- Ele vai à minha casa hoje, preparar um jantar.
- Hmm, parece promissor. Mas me diga, se não foi o encontro de ontem que a deixou irritada, o que foi então?
- Richard.
Laura viu a confusão tingir as feições de sua amiga. Richard Adar não surgia em uma conversa entre elas há muito tempo. Mas quando ela fez a ligação sua expressão mudou completamente e ela voltou a se sentar.
- Richard Adar? O Prefeito Richard Adar?
- Em pessoa. - O tom de voz de Laura deixava claro o desconforto. - Eu cheguei a comentar que me telefonaram do escritório dele, que ele queria marcar uma hora para uma reunião comigo.
- Sim, eu me lembro disso. Você disse que não tinha interesse em ouvir o que ele tinha a dizer, o que te fez mudar de opinião?
- Ele sempre venceu-me no cansaço. E eu estava começando a ficar irritada com minha caixa de mensagens cheia.
Christine riu com um humor ácido, Adar conseguia a maioria das coisas com insistência. Ele sempre foi um homem paciente que sabia usar o tempo e a retórica a seu favor. Foi assim que ele levou Laura na época em que fizeram uma matéria juntos em Delphi.
- Pensei que ele havia mudado depois do casamento, faz algum tempo que não surge um boato acerca de jantares com belas assessoras.
- Ele está jogando Christie. Tudo faz parte de um jogo de poder para ele. Agora ele está mirando alto e abafar esses casos é importante para a campanha.
- Não me diga. Ele vai se candidatar a Presidente? - Christine viu Laura mover a cabeça em afirmativa. - E o que ele quer com você?
- Consegue adivinhar?
- Tirando a parte do sexo sigiloso não.
Laura revirou os olhos e ficando de pé ela removeu seu blazer o colocando sobre o braço do sofá. Andou até a janela e se sentou no beiral ficando de costas para a saída de incêndio. Ela rolou a língua dentro de sua bochecha antes de falar novamente.
- Ele me quer na campanha. Diz que faríamos ótimas fotos juntos.
Eles continuaram a conversar, em dado momento a conversa foi para a cozinha onde elas cuidaram juntas do almoço. Vinho em suas taças e o assunto logo estava de volta a um tema mais interessante, Adama. Com o botão de desinibição pressionado pelo álcool Laura contou um pouco sobre o que ela achava do Major de belos olhos azuis. E mulheres tendem a ser tão descritivas quanto homens, a diferença é que elas sempre sabiam onde e quando isso era oportuno.
Christie era sua amiga, a melhor delas por ter sido a única que ficou e a ajudou no momento de trevas. Então não havia muito filtro quando elas começavam a conversar sobre sexo, exceto que elas nunca entravam em detalhes descritivos.
- Você não respondeu a minha pergunta.
- Qual delas?
- Adama vai conhecer sua cama?
Laura levou a taça aos lábios e seus olhos ficaram vagos por um momento. Ela não tinha muita certeza sobre William Adama ser a pessoa que poderia lidar com seus fantasmas, mas o que era certo era esse desejo que sentia sempre que pensava na forma como eles se beijaram.
- Talvez, não depende apenas do que eu gostaria.
- Ohh, Laura Roslin assume que gostaria de levar o Major gostoso para a cama.
- Se ele for tão bom nestes assuntos quanto é em beijar… - ela riu de tudo aquilo. - Não enche minha taça, chega de vinho para mim.
Quando voltou para a casa mais tarde naquele dia Laura já havia se recuperado do efeito do álcool, mas não depois de Christie lhe fazer contar com detalhes o encontro da noite passada. Agora ela precisava colocar a cabeça em um lugar diferente ou iria objetificar Adama e isso era uma coisa muito mesquinha. Ela acreditava que respeito era uma via de mão dupla. Dar e receber. E embora Adama estivesse flutuando em sua mente desde que acordou, aquela decisão era algo que tomariam juntos.
Escolheu uma roupa mais confortável para a noite, uma calça de alfaiataria de cintura alta em um tom escuro de verde, uma blusa branca de gola canoa que deixava seus ombros à mostra e sapatos de verniz de salto quadrado. Elegante e confortável. Girando o pulso ela observou o relógio, faltava pouco mais de meia hora até o horário combinado e ela ainda não havia se decidido como deixar o cabelo.
- Deuses isso é ridículo. - ela puxou duas mechas laterais e as prendeu atrás com um elegante grampo dourado.
Era um arranjo rápido, mas um que ela gostava, deixava seu rosto mais longilíneo e a aparência de ter alguns anos a menos. Não que tivesse algum problema com sua idade, houve sim um momento que isso a incomodou, mas dado tudo o que passou o que era a idade se não experiência de vida? De pé olhando para si mesma refletida no espelho ela suspirou, uma mão indo as costelas fazendo a suave pressão que a relaxava um pouco. Chegou a pensar em tomar um pouco de vinho, mas isso só a faria ficar em um estado falso de relaxamento. Se eles iam ter mais destes encontros, e ela esperava que sim, precisava aprender a lidar com essa coisa que surgia ao redor do umbigo sempre que pensava naquele homem.
Entre divagações a campainha tocou e ela se pegou dando um largo sorriso ao ir até a porta. Ele estava alguns minutos adiantado, não era ruim, de verdade era o oposto disso. Ao abrir ela viu um enorme arranjo de flores e um rapaz com uniforme de uma floricultura parado em sua soleira. Laura ergueu uma sobrancelha, era um horário estranho para entregas.
- Pois não?
- Senhorita Roslin, entrega. - ofereceu a prancheta onde ela deveria assinar e após pegá-la de volta ele entregou o elegante jarro com várias rosas de jardim vermelhas.
O aroma invadiu o sistema de Laura a fazendo sorrir um agradecimento enquanto fechava a porta com o pé, sua mão cavando entre as flores para alcançar o pequeno cartão.
'Espero que pense com carinho sobre minha proposta. Sinto sua falta, quero você Laura.'
Revirou os olhos ao ver as iniciais escritas em uma caligrafia fina e elegante. R.A. O jogo estava em curso e Adar estava preparando o terreno, espalhando suas peças, tramando jogadas ofensivas e defensivas. E tudo o que Laura desejava era ser deixada em paz.
A campainha tocou e ela revirou os olhos, se fosse Adar ali ela tomaria uma decisão forte, ele precisava entender os limites que ela havia imposto para eles. Ao abrir a porta, porém um sorriso cresceu em seu rosto.
- Bill. - sua voz soltou uma nota de alívio.
- Estava esperando outra pessoa?
- Não exatamente. Por favor entre. - deu um passo para o lado, oferecendo passagem e fechou a porta assim que ele passou.
Laura sentiu o cheiro leve de colônia pós barba e deu um pequeno sorriso se permitindo analisar esse homem em sua residência. Ela gostava das roupas mais casuais nele, uma calça jeans, camisa social com os primeiros botões abertos revelando uma camisa de gola careca abaixo, mas o que o dava um ar selvagem era o casaco de couro gasto que ele havia escolhido. E quando ele virou e a olhou, mãos nos bolsos e um sorriso meio enviesado, Laura não resistiu. Dando passos firmes ela fechou a distância entre eles, uma mão indo do peito ao pescoço enquanto na ponta dos pés pegou a boca dele em um beijo.
Por um segundo ela pensou que havia feito um movimento precipitado, mas ele logo levou as mãos a sua cintura a puxando para dentro de seu espaço pessoal colando os corpos e exigindo passagem de sua língua. Eles se entregaram a um beijo intenso, as mãos explorando, puxando um ao outro como se já não estivessem perto suficiente, mas o ar lhes faltou ao pulmão e Laura apoiou a testa no peito de Bil que vibrava com um riso leve.
- Você parece antecipar meus movimentos, talvez eu precise ser um pouco mais espontâneo se quiser te surpreender Laura.
- Talvez sim.
Foi uma surpresa, porque ele próprio estava se decidindo como deveria a abordar, o beijo era algo que ele queria. Algo que ele passou algumas horas do dia pensando sobre. Mas depois de um casamento onde cada coisa que ele fazia irritava sua mulher a um nível alarmante, Bill perdeu a habilidade de ler a ocasião. Segurou o queixo dela e deu um beijo suave, apenas lábios se tocando por um momento.
- Devo confessar que eu tive dúvidas quando a Dra Miller me incentivou a ter um encontro com uma amiga.
- Continue.
- Ela sempre falou sobre essa amiga, sempre elogiando e sempre mantendo tudo muito vago. E um dia ela simplesmente disse. "Você e Laura deveriam jantar qualquer dia."
- Soa como Christie pra mim. Mas se tinha tanta dúvida porque aceitou?
- Saul. Ele disse que se eu não arrumasse um encontro legítimo, ele pagaria uma moça para me dar 'um final feliz'
Laura fez uma careta e em seguida caiu na gargalhada. Ao ouvir aquele som delicioso, Bill achava curioso a forma como se sentia à vontade ao lado dela. Essa mulher era mesmo uma raridade.
- Que tipo de pessoa paga uma prostituta para um amigo?
- Uma pessoa caridosa? - ele riu junto dela, a mão dele indo a cintura dela, a mantendo bem perto. - Mas confesso que qualquer coisa é melhor que lidar com uma profissional deste setor. Parece meio desesperado, meio degradante pagar por sexo.
Se ele estava dizendo isso apenas para parecer um cara legal, Laura não sabia, mas ela via alguma sinceridade nos olhos azuis dele e isso a fez dar um último beijo nos lábios dele antes de se afastar.
- Talvez você realmente não deva pagar por isso Bill. - ela deu um sorriso que enfatizava o duplo sentido. - O que faremos para o jantar?
- Gosta da culinária Tauron? - preferiu mudar de assunto e deixar o comentário dela no ar.
- Hmm, gosto do que dizem ser a culinária Tauron, nunca estive lá então…
- Roslin, hoje é seu dia de sorte.
No próximo teremos Laura e Bill cozinhando e conversando.
Espero que estejam gostando.
E eu agradeço cada comentário que recebi. Cada um me inspira a abrir o documento e escrever mais.
