Esclarecimento: Só reiterando que esta história não me pertence, ela é uma adaptação do livro de mesmo nome, de Ally Blake, que foi publicado na série de romances "Modern Sexy", da editora Harlequin Books.


Capítulo 3

Draco estava sentado em um canto silencioso do Echoes, bebendo um uísque escocês e alongando os músculos tensos de seus ombros. O dia havia sido longo e frustrante. O tipo do dia que parecia validar seus piores pessimismos: que ninguém merecia confiança, que na vida era cada um por si. Ele estalou o pescoço. O único motivo pelo qual ele estava sentado, e não prostrado em uma mesa de massagem, era o telefonema de cinco minutos para Ginny, que ele havia achado tempo para fazer no meio da manhã. Saber que, no fim do dia, ele estaria perto o suficiente dela para tocar aquela pele macia, aquele cabelo sedoso, aqueles braços mornos, havia deixado o resto tolerável.

Uma lufada de ar entrou pelo bar, trazendo consigo o cheiro da rua. Seus olhos foram até a porta. Um grupo de homens de vinte e poucos anos, trajando ternos cinzentos, entrava fazendo barulho.

Seus dedos se fecharam com mais força em torno do copo, e um músculo em sua bochecha pulou, enquanto ele tentava encontrar força de vontade, algo que normalmente possuía de sobra. Sua habilidade de se afastar emocionalmente de ações e decisões era necessária à posição que ele ocupava. Se pusessem alguém mais brando no controle, os cofres da fundação estariam vazios em uma semana.

Outra lufada de ar agitou de leve seu cabelo, e seus olhos saltaram para a porta mais uma vez. Mais homens, mais ternos cinza.

Força de vontade ? Que força de vontade ? Com sua capacidade de dividir tudo em compartimentos, o telefonema da manhã deveria ter sido o suficiente para deixar seus pensamentos a respeito dela em pausa até a noite.

Mas havia sido outra coisa, algo mais do que apenas pele macia e cabelo sedoso, que o tinha tão preso em tensão sexual, que, se por acaso ela se atrasasse por mais cinco minutos, o copo estaria em sério perigo de ser estilhaçado em suas mãos.

A porta se abriu. Ele sentiu a brisa, ouviu o tráfego, olhou o movimento leve do guardanapo ao lado de seu copo. Soltou os dedos, um a um, do copo, agora morno, e só então olhou na direção da porta.

E lá estava ela, trajando calça preta e justa, blusa branca de babados e jaqueta combinando, tão macia e cintilante quanto neve recém-caída. Suas mãos seguravam uma bolsinha de miçangas minúscula e seu cabelo estava preso, com alguns fios macios escapando de um coque baixo. Brincos prateados brilhavam em suas orelhas.

Grandes olhos castanhos esquadrinharam o salão. Ele estivera completamente preparado para que a lembrança dela ou, mais especificamente, a química explosiva entre eles tivesse sido um pouco exagerada devido aos seus hormônios eufóricos.

Ele a havia conhecido em um ambiente com pouquíssima iluminação, fora para seu apartamento nas mesmas condições, incendiara os lençóis, e ela havia ficado perfeitamente contente em deixá-lo partir quando o Sol ainda estava aquecendo o outro lado do planeta. Fora ótimo. Valia a pena repetir. Mas teria sido o suficiente para que ele sentisse essa onda de calor só de olhar para ela ?

Ginny lambeu os lábios e se contorceu um pouco, quando não pôde vê-lo. Então jogou os quadris para um lado, desafiadora, quando pareceu lhe ocorrer que ele poderia não estar lá.

Justamente quando os cantos de sua boca começaram a se virar para baixo, os olhos dela finalmente encontraram os dele, animados e totalmente corruptores. Enquanto um sorriso secreto chegou a seus lábios, o fogo em seus olhos se acalmou, transformando-se em um calor acolhedor, arremessando-o de volta para o quanto ela havia sido luminosa em seus braços.

Sua memória não o traíra. Ela era realmente estonteante. Quanto à química entre eles, ela estava do outro lado do salão, uma coleção de espécimes da fauna urbana entre eles, cada um tentando puxar para si toda a energia do lugar e, no entanto, a pele dele se contraiu como se as unhas dela estivessem arranhando o seu peito nu.

Enquanto ela caminhava em sua direção, ele se sentiu levantando-se do banco como se alguma força etérea os estivesse atraindo.

- Oi - disse ela, sem fôlego.

A mão de Draco foi até a cintura de Ginny enquanto ela se inclinava para ele, o tecido da jaqueta cedendo de leve, levando-o a pensar imediatamente na pele quente e macia embaixo dela. Seu perfume chegou ao nariz dele, fresco e doce, enquanto os lábios dele tocavam de leve o rosto que ela lhe oferecia.

O desejo quase irresistível de passar a mão em torno de sua cintura fina e tocar-lhe o pescoço de leve com os dentes o consumiu.

- Sinto muito, muito mesmo pelo atraso - seu traseiro aterrissou no banco ao lado do dele com um baque surdo - Estamos loucamente ocupados no trabalho, com o lançamento do Z9 se aproximando.

Ela olhou-lhe como se ele devesse ter ficado impressionado, mas ele não tinha a menor idéia do que ela estava falando.

- O Z9 ? O novo modelo esporte em produção para a Pegasus Motors ? Eu trabalho no departamento de relações públicas deles e fiquei responsável pelo grande lançamento dentro de poucos meses, lembra ? - sua boca se retorceu, mas seus olhos continuaram presos aos dele - Nós nunca chegamos a falar disso, chegamos ?

- Não - disse ele, com uma voz tão gutural que teria deixado um pirata orgulhoso - Mas então presumo que o Z9 seja um carro.

Ela riu, jogou a bolsa em cima do balcão e sinalizou para o barman que queria um coquetel.

- Não é só "um carro". Trata-se de uma obra de arte. Poesia em movimento. Eu já vi homens adultos babarem só de olhar para ele, e isso aconteceu entre engenheiros que o projetaram.

- Você tem uma foto ?

Ela balançou a cabeça.

- Ah, não. Você vai ter que esperar pela grande revelação, como todo mundo.

Então, ela fechou a boca subitamente e girou lentamente o banco até que um de seus joelhos tocou o dele. Quando os olhos de Ginny ficaram mais escuros e ela prendeu o fôlego por um instante, Draco soube que ela havia sentido um choque de eletricidade subir por sua perna, assim como ele.

Ela disse:

- Você está rindo de mim, não é ?

- Certamente.

- E por quê ?

- Poesia em movimento ? É um carro.

Um canto de sua boca adorável se ergueu, enquanto seus olhos se estreitaram.

- Você era engraçadinho assim no sábado ? Tenho quase certeza de que eu não o teria levado para casa, se fosse.

Ela terminou a frase com um dar de ombros e um pequeno sorriso, seus olhos passando por ele de leve antes de se desviarem. O empertigamento subseqüente de seus ombros era o mesmo que dizer: "Estou tentando não imaginar você nu". Não, imaginar não.

Lembrar.

E ali estava o que mais o fizera se lembrar dela: a sinceridade.

A forma pela qual ela não havia escondido sua atração por ele, nem por um segundo.

O jeito com que ela o havia convidado para ir à casa dela simplesmente porque tivera vontade. A maneira com que havia se entregado a ele na cama com uma desinibição que ele invejara. Tudo aquilo tinha parecido verdadeiro. Até mesmo ele, o rei dos cínicos, se viu acreditando. Ou talvez, naquele dia, ele simplesmente quisesse acreditar. Ele passara a manhã toda despedindo um cara que havia, sistematicamente, durante muitos meses, tratado o dinheiro da fundação como se fosse dele. Um homem que ele havia contratado. Que ele havia verificado. A quem tinha respeitado, de quem gostara. E se ainda existia alguma coisa capaz de arranhar sua armadura bem polida, era a amarga indignação de ter sido feito de bobo. Se seus parentes ineptos tinham lhe ensinado algo na vida, era que ele nunca queria ser pego de surpresa daquele jeito novamente.

Por isso, ter alguém que o olhasse nos olhos e lhe dissesse a verdade era como agitar um copo d'água na frente de um homem que tivesse acabado de perceber que estava sozinho no deserto.

Olhando para o perfil dela, seu cabelo levemente desalinhado, os cílios negros e espessos, seus lábios rosados e macios, ele se arriscou.

- Com fome ?

Ao ouvir sua própria cantada de duas noites antes, ela piscou. Rapidamente. Suas narinas tremeram e as bochechas ficaram vermelhas. Desejo e dúvida entraram em guerra em seus olhos inocentes. Mas, quando ele sorriu, as pupilas dela se dilataram e ele mal podia ver o círculo de cor em torno delas.

Percebendo que não seria muito difícil, ele disse:

- Eu sei que você falou em drinques, mas eu não almocei e poderia comer alguma coisa.

Ela disfarçou um sorriso.

- Eu estava tentando ser fria e casual, caso você não tenha notado.

- Eu notei. Você fez um esforço elogiável.

Ela olhou para o restaurante e disse:

- Dane-se. Estou faminta. Vamos comer.

- Bom. Porque eu me adiantei e reservei uma mesa.

Os olhos dela, agora brilhantes, voltaram a ele.

- Você é seguro de si !

- Apenas o suficiente. E faminto o suficiente para, se você tivesse dito que não, poder deixá-la aqui e ir comer sozinho.

As sobrancelhas dela se ergueram em choque, um instante antes de ela cair na gargalhada.

- Você sabe fazer uma garota se sentir especial !

Draco chamou o maître, e então se virou novamente para ela e disse:

- Acho que nós sabemos que conheço outras maneiras de fazer isso.

O rubor em suas bochechas se espalhou pelo pescoço, invadindo até suas clavículas. Ele ficou louco de vontade de sentir o calor de sua pele, com o sangue tão próximo da superfície. Queria nunca ter falado em jantar e ter feito outra pergunta em vez disso. Mas a essa altura o maître já estava lá, e Ginny havia pegado sua bolsa minúscula e descido do banco.

Ele pôs a mão em suas costas e eles caminharam por entre o número crescente de pessoas, na direção de uma pequena mesa em um canto pouco iluminado do restaurante; a pele dela parecendo queimar sua mão, mesmo que as muitas camadas cruéis de tecido entre elas tornassem isso fisicamente impossível.

Depois de cinco minutos observando Ginny comer a bruschetta, pegando os pedacinhos de tomate de cima do pão e colocando na boca, e depois lentamente lambendo o azeite das pontas dos dedos, Draco percebeu que ia precisar se focar em outra coisa, ou eles não conseguiriam passar das entradas. Diabos, ele não teria se importado se não passassem, mas ela parecera tão animada com a sobremesa.

- Então, conte-me sobre você - disse ele, com a garganta tensa.

Ginny franziu a testa para ele, como se ele tivesse dito algo ofensivo, e então ergueu os ombros e disse:

- Sou exatamente o que pareço ser.

- É mesmo ? - Draco se inclinou para a frente, apreciando muito o jeito como ela prendia o fôlego toda vez que ele o fazia - Então acho que você é filha única. Criada em uma fazenda de cabras. Capitã do time de lacrosse feminino do colégio, até ser suspensa por fraudar a bola.

Ela passou a língua pelo lábio inferior, o que fez com que ele perdesse a linha de pensamento por um segundo, mas se recuperou habilmente.

- Mas afinal, felizmente, você acabou se formando. Do contrário, teria perdido todas aquelas guerras de travesseiro com suas colegas de universidade, com todas vocês usando lingerie.

Os olhos dela cintilaram deliciosamente, enquanto lambia um pedacinho perdido de orégano que ficara em seu dedo.

- Acabou ?

- Meus poderes de dedução chegaram ao limite. Mas se eu tiver deixado passar algum dos melhores momentos, ou os detalhes sórdidos e suculentos dos piores, agora é a hora de me contar.

Ela ficou quieta, seus olhos dançando, uma ruguinha surgindo entre suas sobrancelhas.

- Você quer mesmo saber ?

- Foi você quem pediu o suflê, lembre-se disso - disse ele e recostou-se na cadeira, dando-lhe espaço - Temos tempo.

Quando ele esperou que ela preenchesse o silêncio, ela lentamente soltou o ar dos pulmões, feito um balão murchando, e disse:

- Tudo bem. Filha única, sim. Mas nunca joguei lacrosse. A coisa mais atlética que eu fazia durante o colégio era dançar na frente do espelho com meu secador de cabelo. E... eu cresci na Costa Central e nunca vi uma cabra ao vivo - ela olhou atentamente para as próprias unhas - Minha mãe ainda mora lá. Mesmo lugar. Mesma casa. Se nós não tivéssemos os joelhos convergentes, acho que nenhuma das duas acreditaria que somos parentes de verdade.

Ela balançou a cabeça, e então sentou-se em cima das mãos, como se fosse com elas que estivesse irritada.

- E seu pai ? - perguntou Draco, surpreendendo a si mesmo por estar interessado, quando um instante antes era só conversa.

Ela o olhou sem expressão.

- Ele não tinha joelhos convergentes.

O silêncio dele continuou.

Ginny mexeu os ombros, e revirou os olhos também, antes de dizer:

- Mamãe sempre disse que eu tinha os cotovelos do meu pai, e sua coragem. Acho que me pareço muito com ele, na verdade. Ele era o completo oposto dela. Todo fogo e animação. Não conseguia ficar quieto, mesmo que alguém se sentasse em cima dele. Viajava o tempo todo. Na verdade, era um piloto profissional de rally. E muito bom. Fez o Rally Dakar algumas vezes, morreu trabalhando quando eu tinha onze anos.

A velocidade com que ela falou tudo isso e o leve e triste dar de ombros no final disseram mais sobre o relacionamento dela com o pai do que suas palavras. Eles tinham sido próximos. Ela ainda sentia sua falta. Era totalmente o oposto do relacionamento que ele tinha tido com os próprios pais.

- E as guerras de travesseiros ? - perguntou Draco, sua voz ainda mais grave do que o habitual.

Ela lentamente olhou para ele, através de seus longos cílios, e a volta da centelha em seus olhos varreu qualquer outro pensamento da mente dele.

- Bem, elas eram muito mais divertidas do que você pode imaginar. Sua vez.

Draco ainda estava tentando imaginar Ginny pulando na cama, de roupas de baixo, quando se ouviu dizer:

- Cresci aqui, ainda vivo aqui. E meus pais já se foram.

Já se foram. Parecia tão impessoal. Tão diferente da forma muito pessoal pela qual a morte deles havia virado seus valores do avesso e sua vida de ponta-cabeça.

- Sinto muito. Eu...

- Não sinta. Já faz muito tempo. Eu tenho uma irmã mais nova, Alexandra. Uma encrenqueira semi-aposentada. Naquela noite, na verdade, o motivo de eu estar na boate era o aniversário dela. Não lhe ocorreu que fazer trinta anos poderia combinar com algo mais civilizado.

Ginny riu.

- Por que será que eu tenho a sensação de que iria gostar dela ?

Draco balançou a cabeça.

- Estou bastante horrorizado com a idéia do que poderia acontecer se eu juntasse vocês duas no mesmo lugar e na mesma hora.

- Melhor não, então - disse Ginny, erguendo as sobrancelhas para indicar que conhecer a família dele era a última coisa que queria fazer.

- Melhor não - concordou ele, voltando a relaxar, pensando que iria realmente apreciá-la.

- E você cuida dos negócios da família ? - perguntou ela.

E fácil assim, o plexo solar de Draco, perfeitamente tranqüilo até então, se contraiu como se ela tivesse repentinamente brandido uma chave inglesa contra ele, de forma ameaçadora. Seus pés ficaram tensos sobre o chão de tábua corrida e seus dedos se contraíram até parecerem ter ficado incapazes de se endireitar de novo algum dia.

Sua reação deveria ter sido menos exagerada, ele sabia. Sua posição teria que vir à tona mais cedo ou mais tarde.

Ela sempre vinha.

Sua família, a fundação e a fortuna deles eram intrinsecamente ligadas, na mente do público. Junto com um bico de viúva e um segundo dedo do pé mais longo que o dedão, isso vinha com o sobrenome Malfoy. Só que dessa vez ele aparentemente estivera torcendo para que fosse mais tarde.

Mas depois do dia que ele tivera e da surra que seus instintos de autopreservação, normalmente agudos, haviam levado, eles agora pareciam ter sido novamente afiados a ponto de poder cortar vidro.

Ginny era uma garota inteligente. Ela claramente notou sua óbvia falta de reação.

- Minha colega de apartamento, Luna, e a internet não deixam ninguém ter segredos. Ela gosta de se certificar que eu não saia para beber com assassinos armados de machado.

Draco tomou um grande gole de água.

- A internet me aprovou ?

- O suficiente para satisfazer Luna. O que, para ser honesta, não é muito.

Inesperadamente, ele riu, a tensão em seu peito diminuindo um pouco. Ele pousou o copo, olhou profundamente nos olhos dela e não viu nada além de interesse genuíno. No que ele fazia, claro. Em quem ele era, certamente. Mas principalmente nele. A faísca de desejo da outra noite não havia se apagado. Ela estava ali, para o mundo inteiro ver.

- Eu sou o presidente da Fundação Malfoy - reconheceu ele.

- Isso a internet já disse. O que significa, exatamente ? - com os cotovelos sobre a mesa, ela descansou o queixo na palma da mão e enfiou outro pedaço de pão ensopado de azeite na boca.

Os olhos de Draco permaneceram colados ali enquanto ele dizia:

- Basicamente eu cuido da parte de investimento dos recursos da fundação. Finanças eram a minha profissão antes... antes que eu assumisse o cargo.

Ela fez uma careta, ficando vesga por um instante.

- Investimentos são um mistério para mim Se o mercado de ações não é só uma maneira para os espertos criarem dinheiro do nada, então não sei o que é.

Outro sorriso tomou conta do rosto dele, surpreendendo-o novamente.

- Eu gosto porque é limpo. Segue padrões, se você souber como fazer a leitura correta. Se fosse possível eliminar o fator humano, seria perfeito.

- Você gosta mais de números que de gente ?

- Números são previsíveis, constantes. Pessoas, pela minha experiência, não são nem uma coisa nem outra.

- Engraçado - disse ela - Isso é o que eu mais gosto nas pessoas. Cada pessoa que você conhece tem o potencial de criar uma aventura nova e excitante.

Ela lambeu lentamente uma semente de tomate do indicador, e os olhos dele se fixaram em sua boca. Pouco a pouco, ele sentiu a tensão que o acometera se esvair completamente. Era necessário, se ele quisesse abrir espaço para a sensação muito mais agradável que lhe trazia a visão dela passando os dentes pela ponta do dedo.

Ela estalou os dedos para Draco, e ele se retraiu, por reflexo.

- Então é por isso que você tem um número não identificado ! Quando você ligou hoje de manhã e não apareceu nenhum número no identificador de chamadas, pensei que fosse alguém de um telemarketing. Sorte sua que eu estava distraída o suficiente para atender assim mesmo.

- Sorte minha - seus olhos se encontraram e ele sentiu algo puro e físico os atraindo.

- Mas e se eu quisesse falar com você ? - perguntou ela.

- Você teria que ligar para a fundação e deixar um recado com o assistente do meu assistente.

- O assistente do seu assistente ? Uau. Você é um matador.

- Você não imagina o quanto.

O garçom chegou com as entradas, uma pilha de lindos lagostins luzidios, cobertos de alho pungente.

Quando o garçom se afastou, Draco olhou para Ginny, que o observava, o garfo girando entre seus dedos, um pequeno sorriso em seu rosto fazendo com que ele pensasse que ela estava tentando ler sua mente.

Até que ela disse:

- Você realmente não me pesquisou na internet antes de ligar para mim hoje de manhã ?

Ele balançou a cabeça em negativa.

- Pena - disse ela, espetando um lagostim com força - Procure o suficiente e encontrará fotos que vão arrepiar os seus cabelos.

Uma hora mais tarde, suas sobremesas estavam reduzidas a migalhas. Draco tinha tomado seu expresso de um gole só, e agora seus pés batiam no chão, prontos para saltar para a ação no instante em que ele lhes desse o sinal.

Tendo sido forçado a vê-la gemer alegremente a cada garfada do filé e lamber a colher a cada bocado da sobremesa, seu corpo estava tão tenso com o desejo que ele precisava ranger os dentes para se segurar.

E agora, considerando o jeito com que Ginny olhava para o chocolate com menta equilibrado na borda do pires dele, Draco nunca sentira tanta inveja de algo comestível em toda a sua vida.

- Quer ? - perguntou ele, recorrendo a monossílabos.

Ela olhou para cima, culpada por ter sido flagrada.

- O quê ? Isso ? Não... eu não consigo comer mais - os olhos dela voltaram ao pires. - Ah, dê-me logo isso aí, está bem ?

Ele empurrou a xícara para o lado dela da mesa. Ela quase quicou na cadeira enquanto lentamente virava o pires, e então pegou o chocolate fino como papel na ponta do dedo, trouxe-o até o nível dos olhos, pareceu fazer uma pequena prece de agradecimento, fechou os olhos e o pôs sobre a língua.

Como se finalmente tivesse sido solta da coleira, a mente dele disparou, enlouquecida. Na casa dela ? Na dele ? Qual ficava mais perto ? A colega dela estaria em casa ? Havia uma colega de apartamento, certo ? Na casa dele, então.

Será que a cama estava feita ? Quem se importava ? Do jeito que seu sangue fervia, eles teriam sorte se chegassem até a cama.

- Pronto ? - perguntou Draco, o homem das cavernas profundamente escondido dentro dele estava agora praticamente no controle.

Ginny afastou a franja da testa, lambeu um pedacinho de chocolate do lábio e o olhou nos olhos. Ela se recostou na cadeira e, ao ver aquele olhar determinado nos olhos dela, a libido dele realmente choramingou.

- Antes... antes que terminemos aqui, eu tenho uma confissão a fazer - anunciou ela.

Droga ! Por que agora ? Por que isso ? Eles haviam chegado tão perto ! Ele considerou a hipótese de driblá-la até mais tarde, até depois, mas se conhecia bem demais para saber que ela havia tocado seu calcanhar de Aquiles e que não saber seria pior para ele do que saber.

- Vá em frente, então - disse ele.

- Certo. Aí vai - Ginny fechou os olhos com força, prendeu a respiração e disse: - Eu estava em um encontro na noite em que nos conhecemos.

Um encontro. Um encontro ? O conceito quicava dentro de sua cabeça, sem fazer sentido. Ela não o havia perseguido. Ou secretamente feito um furo em seu preservativo. Ou usado soro da verdade para tentar tirar dele as senhas bancárias da empresa.

Que diabos, será que ele estava tão acostumado a acreditar que as pessoas só pensavam em si mesmas que realmente considerara alguma dessas opções a sério ?

O que importava era que alguém lhe jogara um osso, um raio brilhante de honestidade onde ele havia esperado maquinações, e ele seria um cretino sem coração se não o aceitasse.

Ele riu até sua barriga doer.

- Isso foi realmente difícil de admitir, e agora você está rindo de mim ! - ela o fuzilava acusadoramente com os olhos, como se tivesse sido ele que tivesse feito algo inapropriado.

- O que você esperava que eu fizesse ?

- Não tenho certeza. Que me mandasse embora, em nome da fraternidade masculina.

Ele gesticulou com o cartão de crédito para um garçom que passava, pedindo a conta.

- Eu conheço o pobre coitado ? Ele é meu parente próximo ?

- Não tenho certeza. Luna não procurou por isso na internet. Você tem algum parente que vende pranchas de surf em Torquay ?

Ele lhe lançou um olhar atravessado.

O sorriso de Ginny era perigosamente sedutor quando ela deu de ombros, sem remorsos.

- Acredite, isso era um dos seus pontos de venda.

Draco ignorou a pontada de ciúme e disse:

- Caso você não tenha percebido ainda, eu sou um homem. O conceito de vencer outro homem em alguma coisa é sempre bom. Você me escolheu. Eu venci. Esta noite minha hombridade reina soberana.

Quando ela riu, suas bochechas ficaram rosadas e seus olhos brilharam.

- Você devia se envergonhar !

- Não fui eu quem dispensou um encontro por uma aventura de uma noite.

A mão dele avançou pela mesa até que seu mindinho encontrou o dela. A voz de Ginny estava rouca quando ela disse:

- Então você acha que sou uma assanhada.

- Completamente. E por isso serei eternamente grato.

Gracinhas em segundo plano, um calor estava se formando entre os dois.

Ela ficou muito quieta, mas seus lindos olhos não se desviavam dele. Eram da cor de uísque escocês. De folhas de outono.

Diabos, ela o estava transformando em um poeta.

- Draco... - disse ela, e então se interrompeu.

- Mais confissões ? - perguntou ele, sem se importar se houvesse.

Um sorriso veio e se foi.

- Está mais para letras miúdas. Eu... eu não estou procurando por nada sério no momento.

Draco congelou, surpreso, para dizer o mínimo, até perceber que não era um passa-fora. Era a providência divina. Ele a queria. Deus, como ele a queria. Mas só até certo ponto.

Ele disse:

- Será que é uma boa hora para eu mandar um torpedo para meus amigos dizendo a eles que encontrei a mulher perfeita, ou isso seria muita presunção ?

- Vá em frente - disse ela, recostando-se na cadeira, um sorriso enigmático brincando em seus lábios - Eu não tenho nenhum outro compromisso agora.

- Ah, mas eu acho que tem sim - sem tirar os olhos dela, ele empurrou a cadeira e foi até o lado dela da mesa para puxar a sua.

Ginny olhou para ele, agradecendo. E mais uma vez quando ele lhe entregou sua jaqueta.

- Onde está seu carro ? - perguntou ele, enquanto saíam, rapidamente, do bar ainda cheio.

- Eu vim de táxi.

Agora ele podia sentir sua pulsação no corpo todo, até a ponta dos pés.

- Então você estava esperando que nós só precisássemos de um carro a esta altura, ou você estava planejando encher a cara ? Não estou muito certo de que alguma das duas opções vá ajudar em seus esforços de melhorar sua imagem.

- Como sua mente funciona diz mais sobre você, meu amigo, do que sobre mim. Eu tenho direito a um carro da companhia por contrato, entreguei o antigo e estou esperando o novo agora.

- Conveniente.

Ela riu. Cabeças, todas masculinas, se viraram. Ele sentiu-se envaidecido.

- Então permita-me acompanhá-la até em casa. Casualmente, é claro.

Ela ergueu uma sobrancelha sedosa.

- Casualmente ? Como é isso ? Você vai dirigir com o braço para fora da janela, ouvindo música suave ?

- E eu que achava que era você quem gostava de novas aventuras.

Ela riu, o som tenso, agitado, excitado.

- Se não for muito fora do seu caminho...

- Não é - era mais perto do que a casa dele, o que era tudo o que importava.

- Venha cá - disse ele. E não precisou dizer duas vezes. Ginny se virou para ele, enfiou os braços sob seu paletó, em volta de sua cintura, o atrito de suas mãos macias no algodão de sua camisa tornando-se quase doloroso. Ela se aninhou contra ele, e o tremor do corpo de Ginny lhe disse que não estava sozinho na necessidade de ter sua pele contra a dela tão rápido quanto possível.

O barulho de um motor interrompeu seus pensamentos. Um motor conhecido, graças a Deus. Ele lhe deu um empurrãozinho na direção do carro, sabendo que, se não o fizesse, talvez não fosse capaz de soltá-la nunca.

- Você tem um motorista ? - Ginny se inclinou para acenar através da janela de vidros escuros, a calça ficando mais justa com o movimento.

Draco desviou os olhos para o céu limpo e sem nuvens e rezou para ter forças.

- Se eu tiver que ir ao aeroporto, é mais fácil que dirigir eu mesmo.

- Aeroporto ?

- Eu estive em Sydney hoje o dia todo, em uma reunião.

Ela se endireitou, piscando.

- E por que não passou a noite lá ?

- Eu tinha planos.

- Ah. Ah ! - o calor que emanou de seus maravilhosos olhos castanhos valeu cada segundo do cansativo vôo de volta.

Ela entrou no carro e se inclinou sobre a partição, com a mão estendida.

- Ginny Weasley.

- Horace Slughorn.

Ela se sentou, passou as mãos pelo assento de couro.

- Que belo possante, sr. Slughorn.

- Obrigado, srta. Weasley. Aonde posso levá-la nesta bela noite ?

Ginny mal fez uma pausa antes de lhe dar o endereço, e então Horace Slughorn, que Deus o abençoasse, subiu o vidro entre seu assento e o banco traseiro, dando-lhes privacidade antes de fazer um balão suave e entrar no trânsito das ruas iluminadas de Melbourne.

- "Belo possante" ? - murmurou Draco, sua voz ecoando no espaço fechado e escuro.

- Mas é - disse ela, olhando para ele pelo canto dos olhos - Eu entendo disso.

Fiapos de sua franja tinham se soltado de seu penteado e agora faziam cócegas em seu rosto. Ela os pegou e prendeu atrás da orelha. O fogo da atração se acendeu em seus olhos, criando poças escuras e ferventes de desejo em suas profundezas cor de uísque.

Deslizando a mão pelo pescoço dela, ele se inclinou, beijando-a suavemente. Draco só queria marcar o território, acender a chama que iria queimar a noite toda, se a decisão coubesse a ele. Mas quando Ginny abriu a boca e passou as mãos pelo cabelo de Draco, ele estava em cima dela em meio segundo.

Cabelo tão macio, lábios macios, curvas macias, gemidos suaves.

As pernas dela o envolveram, puxando-o para mais perto, fazendo-o amaldiçoar suas roupas e as dela. Fazendo com que ele quisesse dar uma gratificação a Slughorn por não jogá-los no chão do carro a cada vez que virava uma esquina com suavidade genial. Rápido demais, o carro parou. Draco olhou para cima, franzindo a testa, para descobrir que haviam parado em frente a um prédio espaçoso e agradável.

Draco olhou para Ginny, que o olhava, com olhos cheios de desejo, um sorriso autoconfiante aquecendo seu rosto, mais fios de cabelo sedoso escapando do coque. Nunca em sua vida havia conhecido uma mulher que parecesse tão deliciosa quando estava desarrumada.

Horace Slughorn, profissional como era, evitou abrir a porta do carro para eles, deixando que Draco fizesse as honras e saltasse, ele e Ginny com pernas bambas, na calçada. Slughorn então foi discretamente encontrar mais à frente uma vaga para estacionar, deixando Draco acompanhando Ginny enquanto ela passava ondulando pelo portão da frente e entrava no prédio.

De algum modo, eles conseguiram manter as mãos longe um do outro durante o curto passeio do elevador até o andar dela. Ficar tão próximo sem tocá-la só fez aumentar o fogo.

Na porta do apartamento, ela disse:

- Luna, minha colega, não está em casa.

- Não ? - perguntou ele, tentando não sorrir.

- Ela é comissária de bordo. Viaja um bocado.

- Já gostei dela - disse Draco, logo empurrando-a para dentro, abafando com beijos qualquer outra coisa que algum dos dois pudesse querer dizer.


Bem mais tarde, quando o mundo ainda estava escuro, e os primeiros pássaros anunciavam a chegada do Sol, Draco acordou Ginny com um beijo. Ela passou a mão pelo cabelo dele e o beijou de volta.

- Ginny - disse ele, a voz rouca com a necessidade de partir e de não desenroscar o corpo quente e nu dela dos lençóis.

- Humm ?

- Onde está seu celular ?

Ela fez um gesto vago com a mão na direção da mesinha de cabeceira. Ele encontrou o telefone branco, com borboletas vermelhas dançando na parte de trás, estudou o menu, digitou alguns números e o colocou na mão dela. Apoiada em um cotovelo agora, as pálpebras pesadas de sono, ela lentamente percebeu o que ele havia feito.

- Isso é o seu número ? - perguntou ela, sentando-se mais empertigada, de modo que o lençol escorregou, revelando o topo de seu perfeito traseiro - O número do seu batfone especial ?

Ele arrastou os olhos de volta para o rosto dela.

- Eu não queria que você me confundisse com algum operador de telemarketing e deixasse de atender quando eu ligar.

O sorriso hesitante que flutuou pelo rosto dela lhe deu uma sensação muito estranha na boca do estômago.

- Eu ligarei - acrescentou ele - Casualmente, é claro.

Ela sacudiu o cabelo para tirá-lo do rosto, fazendo uma boa imitação de despreocupação. Se pelo menos ela não parecesse tão satisfeita, talvez tivesse conseguido convencer.

- Não posso impedi-lo de ligar. Mas, pelo menos, assim você saberá que, se eu não atender, é porque não quero falar com você.

Ele se pegou sorrindo.

Ginny ergueu o telefone, apontou-o para ele, e então o clique da câmera quebrou o silêncio. Os olhos dela foram do telefone para ele, seu rosto enrubescendo. Naquele momento ela pareceu tão suave e vulnerável que Draco teve que enfiar as unhas nas palmas das mãos para não pegar o rosto dela e beijá-la até que amanhecesse.

Isso foi o suficiente para que Draco desse um resoluto passo atrás. Então, batendo continência, ele foi embora. Por enquanto.


P. S.: Nos vemos no Capítulo 4.