Notas do Autor


Disclaimer: Todas as personagens do universo Harry Potter, assim como as demais referências a ele, não pertencem ao autor desse texto, escrito sem nenhum interesse lucrativo, mas à JK Rowling.


Capítulo 04


As cartas começaram a chegar cerca de duas semanas após a entrevista coletiva que anunciou a chegada de Snape. Não era que eu não fosse acostumada a receber ameaças, eu era, passei por isso no quarto ano, quando Rita Skeeter publicou um artigo insinuando que eu estava brincando com os sentimentos de Victor Krum e Harry Potter. Então, desde que minha escolha de profissão desagradou os insatisfeitos bruxos que perderam seus poderes, eu recebia pelo menos vinte delas por mês e já estava habituada com o conteúdo. Mas, agora, elas têm um novo teor. Esperei mais duas semanas até resolver fazer algo a respeito.

― ... idiotas. ― Eu olhei para Minerva com as sobrancelhas levantadas. ― São todos uns idiotas. ― Ela murmurou.

Ela levantou a mão no ar, me incentivando a continuar a leitura em voz alta da correspondência que tinha chegado na noite anterior.

"Era óbvio que você e o traidor iriam se juntar, ambos são escórias que sempre quiseram o poder supremo que o Lorde das Trevas possuía. Se quiser viver, sugiro que tome muito cuidado, vocês irão se arrepender de terem roubado nossa magia."

Minerva sentou na sua cadeira, narinas praticamente soltando fumaça de tanta raiva.

― Por Godric, Hermione! Me desculpe por isso. ― Ela piscou algumas vezes. ― Vamos trazer um dos aurores para arranjar uma estratégia de rastrear essas cartas. Estou pessoalmente ofendida com esses ultrajes.

― Me desculpe também, Minerva. Detesto incomodá-la com esse lixo, mas não sei se há algo que devo fazer, ou se devo continuar a ignorar as mensagens.

Ela acenou com uma mão para mim, enquanto apontava com a varinha para o telefone antigo e magicamente modificado que ficava em sua mesa.

― Não pense duas vezes, querida... Séptima? Pode subir ao meu escritório? Estou com a Hermione e ela está recebendo mais algumas das cartas ameaçadoras, dessa vez incluindo Severus e não tenho certeza de qual o melhor caminho a tomar.

Um segundo depois, telefone empurrado de lado, Minerva levantou as duas linhas finas de sobrancelhas para mim.

― Séptima estará aqui em um segundo. — Anunciou.

Eu assenti com a cabeça. ― Certo.

― Como vão os Potters? E as crianças? ― Minerva me lançou um sorriso tranquilizador e notei de imediato a sua tentativa de mudança de assunto, para um tópico mais leve.

― Estão todos bem. E as crianças são encantadoras. ― Um sorriso acompanhou essa minha resposta, lembrando-me do quanto os filhos de Ginny e Harry são especiais para mim.

— E você? Pensando em tirar algum tempo fora, para ter algumas? ― A bruxa mais velha me perguntou.

Olhei para ela. Então pisquei, antes de encará-la mais um pouco, chocada demais para falar. Que loucura é essa? Ela me encarou séria, antes de esboçar um sorriso divertido.

― Eu estou brincando com você, querida. ― Minerva justificou.

― Eu realmente pensei que você estivesse falando sério. ― Respondi, soltando lentamente todo o ar que tinha prendido.

Merlin! Eu realmente surtei por um minuto inteiro. Eu não tinha um encontro a... Um ano? E eu não tive sexo em...? Um longo, longo tempo. Não que eu não quisesse, porque queria, mas é complicado. Muito complicado.

Ela bufou. ― Estou só brincando, Hermione, você ainda é muito jovem.

Fui salva dessa conversa quando alguém bateu na porta e Minerva pediu que entrasse. Séptima Vector espiou pela porta.

― Olá, Hermione, Minerva.

A porta bateu contra a parede e um segundo depois, avistei a cabeça que apareceu acima dela, e o meu coração estúpido e traidor lembrou-se de como era ter dezessete anos, ao pular várias batidas desenfreadas. Meu cérebro, aparentemente o único órgão lógico no meu corpo, disse a todos os outros órgãos que se acalmassem e vestissem minha pose de mulher adulta. Respirei fundo para me equilibrar e consegui sorrir para as duas pessoas que entraram no escritório e foram para as cadeiras ao lado da minha. Engoli em seco antes de falar.

― Olá professora Vector, professor Snape.

Minhas bochechas esquentaram. Droga! Se recomponha, mulher!

― Hermione, ― Vector falou quando tomou o assento próximo ao meu, dando uma olhada por sobre o próprio ombro para o homem atrás de si. ― Eu pedi ao professor Snape para vir.

Num piscar de olhos, ao mesmo tempo que meus ossos congelaram, o bruxo de cabelos longos me encarou, embora ainda em silêncio. Forcei meus joelhos, completamente trêmulos, a se erguerem e plantei meus pés solidamente no chão, empurrando uma mão surpreendentemente firme na direção da que ele estendeu para mim. Senti um choque percorrer meu corpo inteiro quando ele a apertou. Uma mão grande, quente e masculina cobriu a minha por inteiro, e precisei encher meus pulmões com outra firme respiração para conseguir não estremecer com o roçar de sua pele na minha. Ele me soltou rápido, o que fez meu interior se rebelar em protesto.

Voltei a me sentar, praticamente desabando sobre a cadeira, ao mesmo tempo em que tentava manter minha dignidade intacta. Agradeci a Merlin quando Vector começou a falar.

― Pode me falar um pouco sobre as cartas que tem recebido?

Me acomodei com o olhar sobre a mulher ao meu lado e acenei. Eu resumi as cartas que tinha recebido. Insultos, destinados a mim e ao trio de ouro — mesmo que os outros dois membros não tenham mais magia; avisos odiosos para que eu devolvesse a magia que todos os nascidos trouxas roubaram; mensagens me chamando de prostituta de mestiços, incluindo Snape; e um monte de outras porcarias que me estressavam muito.

Foi fácil ver o quanto Vector ficou incomodada com o conteúdo das cartas quando ela assentiu bruscamente com a cabeça.

― Ok. Já anotei.

― Você ainda fala com aqueles estúpidos? ― Ouvi a voz sedosa de Snape rosnar a pergunta.

Era a primeira vez que ele se dirigia a mim desde que chegou de volta a Hogwarts e já havia um insulto na sua frase? Ódio puro e frio embotou meus sentidos. Aqueles estúpidos? Quem ele pensa que é para insultar assim duas das pessoas que eu mais amo na vida?

"Aqueles estúpidos" são os garotos que caçaram as horcruxes e mataram o mais perigoso bruxo das trevas dos últimos tempos. Ron era o garoto que perdeu um irmão para a guerra; o mesmo garoto que me segurou enquanto eu chorava inconsolável porque condenei meus pais a uma vida sem mim. E Harry… Harry era o menino que perdeu tudo, que nunca teve uma família, que não pôde crescer em um lar saudável, que foi tratado como um lixo pelos familiares enquanto os bruxos de sangue puro viviam suas vidas como se um bruxo lunático, psicótico e sem nariz não estivesse caçando outros magos apenas por puro preconceito. Harry foi quem literalmente morreu para que fôssemos livres, e que, como pagamento, ainda perdeu seus dons mágicos. Ele era a mesma pessoa que estava agora exultante por que esse bastardo do Snape estava de volta ao mundo mágico. O garoto que sobreviveu é a pessoa que tem o coração mais puro que conheço. E Ron, ele pode ser um idiota reclamão, mas os dois foram aqueles que me salvaram de um Trago Montanhês quando ambos tinham apenas onze anos de idade, e foi lá, bem naquela noite de hallowen, que eu fiz minha escolha. E eu os escolheria para sempre.

A indignação queimou em minha garganta como um uísque de fogo e meu rosto esquentou com a raiva que não consegui reprimir. Meus lábios estavam formando a letra "b" para enunciar "babaca", quando eu me lembrei de Minerva nos avisando, semanas atrás, durante a nossa primeira reunião, que se ela ouvisse alguém o chamando de qualquer coisa que não fosse "professor Snape", estaria fora de Hogwarts.

Desviei meu olhar para Vector, que parecia alheia ao clima pesado da sala e anotava furiosamente algo em seu pergaminho. Eu precisava desesperadamente me acalmar, ou não responderia por mim. Meus lábios selaram-se e minhas narinas se alargaram.

― Eles não são imbecis, são os meus melhores amigos. ― o respondi com ódio exalando em cada uma de minhas palavras. Meu olho esquerdo estava começando a se contrair.

De dez pés afastados, ele estreitou os olhos negros em minha direção.

― Do que mais você chamaria alguém... —

Meu olho ficou a toda velocidade contorcendo-se, e antes de pensar duas vezes, eu o cortei.

― Isso vindo de alguém que voluntariamente virou um comensal da morte e foi servir a um sádico, simplesmente por que uma mulher não lhe quis. Como você se define, então?

Ele estreitou os olhos ainda mais, preparando-se para me retaliar. E eu sei o quanto Severus Snape sabe ser implacável e cruel. Senti isso na pele durante toda a minha vida escolar em Hogwarts. Sua voz estava sedosamente fria quando ele falou novamente:

― Ah, Granger, é encantador que finalmente tenha explanado a arrogância nata do seu triozinho famoso. Diga-me, o que mais você, uma sabe-tudo insuportável, sabe sobre as minhas incursões como um comensal da morte?

― Posso enumerar várias, Snape, por onde você quer que eu comece? ― Sibilei de volta.

― As histórias sobre mim são públicas, e agradeço ao líder do seu triozinho por isso. Que tal começarmos com uma história sua? Conte-me, Golden Girl, qual foi o sentimento que a fez prender uma mulher em uma garrafa, apenas por tê-la lhe irritado? Certamente me parece uma história digna de um dos membros do trio dourado. — A voz barítono permanecia dura, imbatível.

Minha garganta entope instantaneamente e os espasmos na minha pálpebra ficam ainda piores, quando as palavras dele saem. Eu o provoquei e mereci sua resposta, tinha insinuado que ele era um imbecil, era óbvio que ele reagiria me insultando de volta. Mas comparar minhas ações com as dele? Eu nunca seria tão egoísta quanto ele, jamais escolheria voluntariamente lutar do lado errado daquela guerra. Essa insinuação era ridícula. O ódio latente dentro de mim não me deixou sequer cogitar não reagir. Eu estava preparada para fazê-lo engolir sua insinuação estúpida, quando Vector soltou uma risada baixa, uma que tinha "estranho" escrito por toda parte.

― Tenho certeza que podemos evitar essa animosidade amistosa entre vocês dois, ok? ― Ela não esperou por uma resposta de qualquer um de nós antes de virar para Minerva, que nos encarava com desgosto. ― Eu tenho uma ideia, e não vejo por que não funcionaria para acalmar um pouco as coisas. Severus também tem recebido algumas correspondências semelhantes, mas conversamos casualmente sobre isso e achávamos que as coisas se acalmariam eventualmente. Agora que confirmamos que elas não vão, vamos proceder assim: Hermione, lançaremos a sua parte da coletiva de imprensa que temos há algumas semanas.

Foi como ser atropelada por uma avalanche. Meu queixo caiu e o meu coração parou por alguns segundos. Qualquer ódio que estava dentro de mim foi esmagado pelo medo frio que desceu pela minha espinha. Engasguei alto e Minerva precisou me oferecer um pouco de água depois que a minha tosse acalmou. Vector me atirou um olhar de pena. Ela tinha estado lá e viu o papelão que eu fiz de mim mesma.

― Eu me certificarei que seja editado. Contratamos alguns videomakers trouxas que são especialistas. Eles virão filmar alguns outros trechos, e tenho certeza de que eles podem capturar algumas imagens de vocês dois se dando bem. ― Ela terminou a explanação com um sorriso, como se não tivesse jorrado para fora uma das piores ideias que ouvi.

― Séptima. ― Disse Snape, sua voz estranhamente calma. ― Considerando o quanto acabamos de nos elogiar, essa é uma ideia esplêndida. ― Ironia pingando em sua voz.

Minerva o olhou.

― Você tem uma ideia melhor, Severus? — O tom da voz de Minerva carregava um pequeno aviso.

― Muitas, embora eu duvide que sejam apropriadas qualquer uma das formas com que me imagino interagido com a senhorita Granger. ― Ele rosnou.

― Então guarde-as para você. ― A diretora estalou de volta com seu tom autoritário de quem não aceitaria discussões sobre o assunto.

Ele a encarou com as sobrancelhas enrugadas e lábios comprimidos, de uma maneira que sugeria que ele estava retendo qualquer coisa que quisesse dizer, segundos depois, passou a encarar a parede, como se nenhuma de nós fosse merecedora de um único olhar seu. Roí meus pensamentos por um minuto, olhando para ele, sentado a 1,5 metros de distância. Mordi o lábio, descartando as palavras de maldição que deram um loop na minha cabeça, mas eu estava preocupada demais com a ideia de Vector de expor voluntariamente a minha fatídica entrevista.

Um arrepio passou pelas minhas pernas e subiu até o comprimento da minha coluna. Eu fiz um ruído com a minha garganta, chamando a atenção das minhas duas professoras.

― Professora Vector, essa entrevista... ― Tentei reunir palavras que não me fizessem parecer arrogante, como Snape tinha acabado de me acusar, eu só queria fazê-la entender a minha relutância. ― Talvez não seja a melhor ideia, não acha?

Minerva nem sequer tentou silenciar seu riso.

― Vai ficar tudo bem, Hermione. Não deixaremos usarem qualquer uma das partes que está preocupada. Eu prometo. — A diretora respondeu-me.

Meu silêncio representava exatamente isso: preocupação e desconfiança.

Vector reafirmou o que a diretora de Hogwarts disse:

― Eu prometo. Vai ficar bom, confie em mim, Hermione. Vocês dois estão sendo acusados de um complô para roubar a magia, então integraremos imagens de vocês trabalhando como uma equipe em busca da "cura" que eles tanto almejam. Problema resolvido para os dois.

Eu olhei para Snape, mas seus olhos continuavam pregados na parede atrás de Minerva. Ele estava de volta a sua impassividade gelada de todos os dias, embora, se a fúria latente que ele emanava pudesse matar, deixaria todos naquela sala reduzidos a cinzas.

― Tudo bem. ― Respondi, mesmo com uma parte enorme da minha consciência me chamando de idiota por não lutar com mais força.

O sorriso que Vector me deu em resposta era largo e brilhante e, mesmo no auge da minha própria agonia, me vi sorrindo de volta para ela. Idiota, idiota, idiota.

― Severus, você concorda também? ― Foi Minerva quem o perguntou.

Eventualmente ele assentiu. Seu rosto ainda estava estampando uma carranca, mas ele não lhe disse nada, nem mesmo uma frase sarcástica, coisa que eu apostaria a minha vida, que ele faria anos atrás. Eu não tinha certeza se fiquei decepcionada ou não.

― Vamos ter isso tudo rapidamente resolvido, Hermione. Não precisa se preocupar. ― Vector adicionou.

E essa era uma frase terrível, para uma pessoa ansiosa como eu.


oOoOoOo


Eu não tinha dormido nem uma hora inteira, quando o meu telefone tocou. Por uns segundos, considerei não atender. Porque, realmente, quem diabos iria ligar quase à meia-noite, no meio da semana? Era de conhecimento comum que eu dormia relativamente cedo. Meu dia era lotado demais, com muitas obrigações, para que eu me arriscasse a dormir após as vinte e três horas em um dia útil.

O nome de Neville piscou através da tela e eu estreitei meus olhos sonolentos. Ele dificilmente bebia, então, sim, poderia ser uma emergência.

― Mione? — A voz de Neville soou baixa.

O garoto que cresceu junto comigo na torre da grifinória, continuava meu amigo atualmente. Ele também é uma das pessoas que mais amo, e o considero um irmão. Neville tinha planos de se tornar medibruxo quando terminasse Hogwarts, seu desejo, era conseguir pesquisar um tratamento revolucionário que curasse seus pais. Ele ficou deprimido um tempo quando perdeu sua magia, o que esmagou suas esperanças. Mas eu me lancei sobre ele e disse que eu mesma estaria naquele hospital, que ele podia pesquisar tudo o que quisesse como meu assistente, e que juntos, nós encontraríamos um jeito. Ele acreditou em mim, como ele sempre acreditou em tudo o que ensinei a ele quando éramos alunos. Neville era um assistente perfeito para a minha vida de horários loucos e viagens de campo. Bocejei antes de conseguir responder:

― Oi, Neville, tudo bem?

― Hermione! ― Ele sussurrou, soando um pouco bêbado, enquanto os sons de vozes altas preenchiam o plano de fundo, tornando-se muito difícil de ouvir o que ele dizia.

― Ei, sim, sou eu. O que está acontecendo? — Minha voz soou preocupada.

Neville quase nunca ficava bêbado. Houve mais sons de fundo, pessoas rindo, e algo que poderia ter sido copos tinindo juntos.

― Não sei o que fazer.

Imediatamente sentei na cama e joguei minhas pernas sobre a borda. Neville não sabia o que fazer? Meus instintos diziam que ele não estava me ligando para falar nada sobre o hospital ou sobre os pacientes sob nosso cuidado.

― Está tudo bem. Você está bem? O que precisa?

― Oh? Eu? Estou bem. Sinto muito. Eu estava realmente ligando porque... Espere um segundo, eu estou indo para o banheiro rapidinho… ― De repente, o ruído de fundo foi cortado completamente e a voz dele tornou-se clara ao longo da linha. ― Ei, ele está aqui.

Esfregando em meus olhos com a palma da minha mão, eu bocejei novamente.

― Quem está onde? ― Perguntei e em seguida, lembrei algo importante. ― Você não deveria estar na cama? — O plantão dele era de doze horas, e iniciava-se às 8 da manhã.

― Amanhã é aquela folga de meio período a que temos direito. — Relembrou-me.

― Ah, certo. ― Suspirei cansada. Se ele está bem, o que ele quer, me ligando tão tarde?

― Estou no Cabeça de Javali, vim dar uma força à Hannah. Ouça, Snape está aqui. Bem aqui. Hannah o interceptou há algum tempo, mas eu acho que ele está dormindo. O bar foi alugado para uma comemoração trouxa então, acho que Hannah e eu somos os únicos aqui que o conhecemos. ― Ele respirou fundo, continuando. ― Isso é uma droga, Mione. Qualquer outra pessoa tiraria uma foto dele para vender ao Profeta, mas isso é um bocado indecente. Ele não é a cara de Hogwarts agora? Imagine se alguém o reconhecer.

Eu poderia imaginar. E me encolhi um pouco quando imaginei uma professora Vector furiosa, tendo que apagar mais um escândalo se saísse em algum jornal ou revista que o nosso novo orientador, que deveria estar em busca de uma solução para o mundo mágico, estava desmaiado bêbado em um bar. Seria um desastre.

― Eu achei que você saberia o que fazer. ― Neville finalmente terminou.

Que confusão! Uma pequena parte de mim não queria se envolver. Snape não era meu amigo e não era como se ele tivesse sido particularmente amigável ou gentil, de qualquer maneira. Mas o ponto era que ele era um membro de Hogwarts, e essa parte de mim foi a que lutou entre ser uma vadia e dizer que ele não era problema meu, e a que me fez fazer a coisa certa. Meus pais me criaram bem, e ficariam horrorizados comigo se eu fosse uma idiota. Soltei um pequeno gemido e me levantei com um suspiro, já procurando por um par de calças.

― Não tem nenhum bruxo que possa aparatar, por aí?

Por favor, Merlin! Por favor!

― Todos são trouxas aqui hoje, Mione. E amanhã à tarde você tem aquela cirurgia marcada, poupe suas reservas.

Era uma forma gentil de Neville me dizer que eu também não deveria aparatar, mesmo que meu nível mágico fosse suficiente. Nenhum de nós sabia ao certo se nossos dons eram tão ilimitados quanto pareciam, então sempre poupávamos nossas reservas mágicas quando tínhamos um grande evento no dia seguinte.

O meu evento era uma cirurgia de transplante de órgãos vitais, programada para amanhã. O paciente estava infectado com varíola de dragão e todos seus órgãos internos estavam comprometidos. Eu teria que abri-lo e curá-lo com magia, fazendo cada órgão crescer novamente, a partir das células troncos doadas pelo bebê que ele e a mulher geraram na esperança dessa cura. Depois, eu devia amadurecê-los até a idade atual do paciente, cinquenta e sete anos. Era um grande "evento".

Definitivamente, eu não deveria aparatar. Puxando as calças para cima, segurando o celular entre o ombro e a orelha, suspirei.

― Estarei aí em meia hora. — Avisei.

Empurrei meu telefone para o bolso do meu casaco com um suspiro cansado e um pouco frustrado. Tentei falar com minhas duas professoras mais próximas, mas nem Vector, nem Minerva atenderam meu telefonema. Sim, o que eu esperava? Era quase uma da manhã, e aparentemente eu era a única idiota que deixaria sua cama no meio da noite.


oOoOoOo


As luzes amarelas e quentes de dentro do Cabeça de Javali me fizeram suspirar de novo. O que diabos eu estava fazendo? O homem com quem eu havia discutido horas atrás estava sentado ali dentro, bêbado e, possivelmente, à beira de fazer papel de idiota, ou até mesmo de algo pior acontecer com ele, se as pessoas percebessem quem ele era. Vector afirmou que ele também recebia as mesmas cartas ameaçadoras que eu. Era óbvio que se ele fosse reconhecido, as pessoas não iriam ajudá-lo. Não era como elas trabalhavam, não nesse novo mundo louco em que vivíamos.

Eu já podia prever todo o inferno que viria a partir disso. Severus era um herói, mas também ainda era o homem que matou Dumbledore, o repórter de dias atrás deixou isso claro. Ele nunca perderia esse estigma. O que era totalmente injusto. Então, não me restava outra opção, a não ser ajudá-lo. Merda!

Suspirei, não pensando sobre o fato que eu estava em um moletom cinza e um casaco velho manchado, que eu tinha jogado por cima da camisa folgada que normalmente durmo. Neville devia ter mantido um olho para fora do bar, esperando pelo meu carro, porque ele estava na porta assim que estacionei, me esperando. Em uma camiseta e calças de brim, ele era a versão trouxa do homem com quem eu passava quase todas as minhas tardes.

― Aqui. ― Disse ele, acenando-me em direção a uma estante na parte de trás.

A figura debruçada sobre a mesa era inconfundível, pelo menos para mim. O cabelo negro e fino era o mesmo que eu tinha visto em pessoa durante as últimas semanas. Era definitivamente Snape. O fato dele estar em roupas trouxas era uma pequena bênção, eu acho.

― Me desculpe, Hermione. ― Disse Neville por cima do ombro.

― Não, está tudo bem. Você fez a coisa certa me chamando.

Bem, eu ainda não estava totalmente convencida que isso era verdade, mas, se fosse Cho me chamando porque precisava de uma carona depois de beber demais, teria atendido ela sem pensar duas vezes. Inferno, se qualquer um dos outros alunos se sentisse desesperado o suficiente para me chamar pedindo uma carona, eu estaria lá. Éramos uma equipe. Isso é o que você faz quando está em uma, afinal, quando você está em um grupo onde as pessoas detêm rancor um contra os outros, é muito mais difícil a convivência.

― Sério, Neville, tudo bem. — O acalmei.

Eu olhei para Snape e tentei adivinhar quanto ele pesava. Se eu pudesse levitá-lo, seria ótimo, mas a realidade da cirurgia do dia seguinte não me deixava essa opção.

Segurei seu braço e bati no local. Nada. Em seguida, apertei o braço dele. Nada.

― Ei, acorda. ― Eu disse, o sacudindo um pouco mais. Ainda nada. Olhei para Neville em socorro. ― Me ajuda a carregá-lo para o carro.

Neville sequer piscou; ele apenas balançou a cabeça. Por um momento me perguntei se a conta foi paga ou não, e então decidi que Snape poderia resolver isso pela manhã, quando estivesse sóbrio.

― Pronto? — Perguntei, reunindo minhas forças em meus braços.

Neville e eu o arrastamos do assento e ele chegou ao final do banco. De cócoras no chão, coloquei seu braço sobre meus ombros. Por cima da cabeça dele, assisti Neville fazer a mesma coisa. Não estávamos no hospital, mas nós dois sempre acabávamos arrastando alguém entre nós, impressionante.

― Pronto? — Me preparei para usar mais das forças dos meus braços.

Na contagem de três, nós o levantamos. Bem, Neville e eu nos levantamos, e Merlin! Eu estava acostumada a ter paciente para remover, mas quase nunca elas eram um peso morto, e quase sempre eu estava usando magia no hospital. Eu suspirei e ouvi Neville soltar um leve grunhido, mas, de alguma forma, conseguimos dar meia-volta e lentamente fazer nosso caminho em direção à porta. Eu ignorei as pessoas que estavam nos observando com expressões interessadas e desaprovadoras ao mesmo tempo.

Minha porta do passageiro traseira foi aberta por Neville e nós lentamente o colocamos no assento, deixando-o cair para o lado. Bom o suficiente. Esfreguei minha sobrancelha com a palma da minha mão, fechando a porta com meu quadril ao mesmo tempo.

― Eu tentei falar com Minerva, mas ela não me atendeu, então não tenho certeza se devo levá-lo de volta para o castelo, ou levá-lo a outro lugar.

Neville me deu um olhar que dizia 'você quem sabe'.

― Você vai ficar com ele? — Perguntou.

Ficar com ele? Olhei para o banco de trás e dei de ombros.

― Não sei. Você acha que eu deveria? — Perguntei em um tom incerto.

Neville levantou os ombros também, olhando para dentro do carro.

― Se fosse qualquer outra pessoa, eu diria sim, mas é o Snape. Se fosse você me ligando para que eu o socorresse, eu fingiria que a ligação caiu, afinal, ele é um homem adulto que não deveria ficar bêbado por aí. — Confessou.

Eu entendi seu ponto. Neville me dizia todos os dias que não era uma pessoa tão boa quanto eu, o que eu sempre discordava veementemente. Mas nessa situação, eu o entendia completamente, Neville e Snape tinham um passado. Como Snape e eu também tínhamos. A diferença entre nós, é que Snape e eu temos um "presente" agora, então não posso me dar ao luxo de deixá-lo expor o programa de treinamentos e pesquisas de Hogwarts.

― Vou decidir durante o percurso, eu acho. ― Respondi resignada.

― Você precisa de ajuda?

Eu sei que Neville sempre vem ajudar Hannah quando o bar tem trabalho demais. Não posso pedir que ele vá além do que já fez.

― Não se preocupe, Neville, eu posso levá-lo a algum lugar.

― Você me liga se precisar? ― Ele perguntou.

― Ligo. Mas acredito que não vou. Vejo você amanhã, ok?

Ele sorriu, dando um passo para trás.

― Ok!

― Boa noite. ― Me despedi dele antes de entrar no meu carro, podendo vê-lo voltar para dentro do bar.

Um único ronco áspero no banco de trás me lembrou da "preciosidade" que eu tinha lá. Que diabos eu ia fazer com ele? Levá-lo para o castelo? Assim? Não, o caminho era longo demais do estacionamento fora dos portões até as masmorras… Aliás, onde diabos eram os aposentos de Snape? Eu nem sei se ele morava realmente em Hogwarts.

Levá-lo para o meu ponto de apoio em Hogsmeade? Não levei cinco segundos para decidir que era uma ideia de merda. Ele não era meu amigo, seria estranho demais para ele acordar no sofá do apartamento da aluna que ele odiava e que tinha discutido com ele pouco mais de doze horas atrás.

Pensei por alguns segundos até decidir levá-lo para um dos hotéis no vilarejo trouxa que ficava a quinze minutos de distância de Hogsmeade. Dirigi pelas ruas escuras e demorei mais outros quinze minutos para fazer o check-in.

Passei alguns minutos batendo em seu rosto na esperança de reanimá-lo, o que se mostrou inútil. Rosnei um palavrão antes de colocar o seu braço ao longo dos meus ombros e o meu próprio braço ao redor de sua cintura.

― Vamos! ― Implorei ao homem inconsciente.

Quase morri de ter que carregar todo o seu peso, mas, por algum milagre, o quarto atribuído a ele estava perto do elevador. Deixei-o deslizar lentamente todo o comprimento da parede do meu lado para sentar-se no chão. Abri a porta e a mantive aberta com a parte de trás do meu pé, e coloquei meus braços sob a suas axilas para arrastá-lo pelo quarto até a cama. Três impulsos difíceis depois, consegui colocá-lo na cama. Abri uma de suas pálpebras para certificar-me se suas pupilas estavam normais e verifiquei sua respiração. O assisti por trinta minutos, sentada na cadeira ao lado da cama, meus instintos curandeiros gritando para que eu não o deixasse sozinho. Eu tinha visto pacientes entorpecidos demais para não saber dos riscos de uma pessoa nesse estado, como por exemplo, vomitar e sufocar no próprio vômito.

Mas a ideia de ficar com ele não parecia ser boa. Não sabia como Snape reagiria pela manhã e, francamente, uma parte de mim não queria descobrir. Respirando fundo, procurei por um bloco de notas, geralmente fornecido em hotéis, e comecei a escrever um bilhete. Rabisquei uma mensagem que era mais do que eu esperava, puxei algumas libras trouxas que tinha comigo e coloquei a nota e o dinheiro na mesinha de cabeceira ao lado dele.

Minha mão estava na maçaneta da porta quando olhei para trás, para a poltrona.

Com um suspiro resignado eu tomei minha decisão: não voltaria para o castelo hoje à noite. Se eu fosse embora, ficaria preocupada a noite toda. Obviamente, eu só tinha uma escolha: ficar no quarto de hotel pelo menos por algumas horas e depois dar o fora dali, antes que ele soubesse que eu estava lá. Minha consciência disse que era a coisa certa a fazer, mas meu instinto me disse para dar o fora.

Ela venceu.


Notas Finais


Interações! Finalmente, né? O que vocês acharam desses dois?

E quem curtiu que o assistente da Hermione é o Neville? Uma curiosidade sobre mim: eu amo o Neville! Ele jamais ficaria de fora dessa história. Bjs.