Notas do Autor
Disclaimer: Todas as personagens do universo Harry Potter, assim como as demais referências a ele, não pertencem ao autor desse texto, escrito sem nenhum interesse lucrativo, mas à JK Rowling.
N/A: Esse capítulo não foi betado, qualquer erro, foi por total culpa minha.
Capítulo 12 - Sombras do Passado
Na segunda-feira seguinte, quando retornei a Hogwarts, Snape andou ao meu lado discretamente. Com os braços cruzados sobre seu peito, enquanto se preparava para nos dar ordens, ele perguntou em voz tão baixa que só eu pude ouvir:
― Seu braço?
― Continua dolorido. ― Respondi com um suspiro.
― Eu tenho um unguento que vai fazer isso ir embora mais rápido. ― Ele murmurou. ― Encontre-me depois do treinamento.
Eu quase engasguei com a minha saliva, mas de alguma forma, consegui responder.
― OK.
Mas é claro que nada com ele era fácil.
― É treino de transfiguração, então o seu amiguinho não vai poder ajudá-la hoje. Lide com isso até então.
Ah sim, o simpático bruxo que eu conheço e respeito está de volta…
― Eu vou.
Ele assentiu. ― Eu sei.
Eu esperei ouvir algo assim vindo dele por tanto tempo que levou um momento para reconhecer a chama de prazer que recebi por ele acreditar em mim. Como uma enchente, suas palavras encheram minhas veias e me fizeram esquecer a dor no meu braço. Ele nunca poderá demonstrar com uma expressão, mas o fato era que Severus Snape estava meio que preocupado comigo.
Eu amei isso.
Mas não tive muito o que comemorar, porque, como a maioria das lesões, o pior não veio até dois dias depois. A dor atingiu um valor máximo. Eu conseguia segurar minha varinha e fazer magia, mas quando precisava canalizar a magia no meu trabalho no hospital… Foda-me! Eu era uma curandeira formada, então estava completamente ciente de que manipulei a dor e joguei ao redor dela, o que na maioria das vezes dá certo. A dor crônica no meu ciático era a prova disso: adaptei minha mente anos atrás para não pensar sobre ela, e conseguia fazer tudo normalmente, mesmo que ao fim do dia eu precisasse de poções, banhos quentes e compressas frias. Mas a minha filosofia de "se eu não pensar que está doendo, não dói" funcionava bem. Então, eu tinha mergulhado meu antebraço e pulso em gelo a cada chance que tive depois do treino e apliquei o unguento de Snape como se fosse o protetor solar que usava no meu rosto: várias vezes ao dia. No trabalho, usei todos os auxiliares possíveis para evitar usar minha magia ao máximo. E cada vez que um lampejo de dor subia em meu antebraço, eu amaldiçoava o dia em que nasceu aquele grandíssimo filho da puta que me acertou no nosso jogo recreativo. Eu esperava que ele caísse de cara em uma pilha de Explosivins.
Quando a quinta feira seguinte chegou, tínhamos uma das sessões conjuntas com Beauxbaton, e antes de sair do carro eu bebi uma poção de alívio para dor junto com dois analgésicos trouxas. Eu esperava sinceramente conseguir passar através das próximas horas sem ser descoberta. Infelizmente, a minha dissimulação só durou até que estivesse no banheiro feminino. Eu estava tratando minha lesão antes de baixar a manga do meu suéter quando Cho se inclinou sobre o meu ombro.
― Que diabos aconteceu com o seu braço? ― Ela soltou um chiado para a coloração feia do meu antebraço. ― Você quebrou alguma coisa?
Eu esfreguei um pouco mais do unguento em cima dele antes de começar a embrulhá-lo com gaze tão confortavelmente apertado quanto possível.
― Parece que sim. ― Respondi sem olhá-la.
― Parece? O que você quer dizer com parece? Você não é a porra de uma curandeira? ― Ela devolveu, sendo tão grossa quanto sempre ficava quando sabia que eu estava sendo evasiva.
― Eu só… não posso pensar nisso agora, Cho. ― Minha voz saiu tão desanimada que ela se desarmou no mesmo instante.
― Eu tenho alguns frascos de alívio para dor na minha bolsa, se quiser. ― Ela ofereceu.
― Eu tomei um antes de chegar aqui, mas posso tomar outro durante o intervalo, caso fique insuportável, obrigada.
― São seus, Hermione. Pegue-os se você precisar deles. ― Ela me deu um tapa na parte de trás do ombro. ― E se esses franceses metidos lhe derem um tempo difícil hoje, deixe-me saber e vou cuidar deles para você. ― Cho piscou antes de se afastar.
Eu terminei de embalar meu braço enquanto murmurava maldições sob a minha respiração, e desci a manga do meu suéter antes que mais alguém notasse o que eu tinha feito e por quê. Infelizmente não havia quaisquer segredos na nossa equipe, pelo menos não entre mim, Cho e Dean. Dentro de cinco minutos, eu tinha Dean pairando sobre mim.
― O que aconteceu com seu braço?
― Nada. ― Eu inclinei minha cabeça para trás e encostei no abdômen dele. ― Apenas uma pequena contusão.
― Cho disse que era mais do que um pequeno hematoma. ― Ele observou.
Cho e sua boca malditamente grande. Bem, qual é mesmo a novidade?
― Considerando que eu sou a curandeira e não ela, é melhor que você acredite em mim.
Dean fez um barulho 'hmph' em sua garganta.
― Juro que está tudo bem. ― Assegurei a ele.
― Bem, cuidado com isso. E não deixe o seu lado esquerdo exposto. ― Dean respondeu, ainda preocupado com a velha lesão no meu ciático. ― E ignore esses idiotas franceses se disserem algo para você.
― Sim, baby.
Sabendo que estava sendo um pouco idiota, Dean puxou minha orelha e depois deslizou fora antes que eu tivesse uma oportunidade para retaliar. Poucos minutos depois encontrei Snape, Minerva e o resto da equipe técnica de Hogwarts na sala de reuniões do segundo andar para ouvir eles repassarem à programação que o Ministério tinha nos enviado no dia anterior. Eles revisitaram os pontos fracos da equipe francesa, bem como nossas próprias fraquezas.
Nos primeiros cinco minutos dentro do campo de quadribol, alguém tentou me atingir com um feitiço estuporante ao mesmo tempo em que me chamava agradavelmente de "vadia". Eu fiz questão de revidar tão duro, que choveu pedaços de rocha quando lancei o Bombarda Maxima na direção dele. Logo depois, a garota que eu tinha deixado de ponta a cabeça no banheiro da escola francesa, anos atrás, escorregou sua perna para eu tropeçar quando passei por ela e me fazer cair como uma idiota. Cho, cumprindo com a palavra de me proteger, lançou um Petrificus Totalus na loira que me atacou e estendeu a mão para me ajudar a levantar.
Fiz cerca de metade do tempo programado antes de começar a sentir a área machucada do meu braço apertar a cada feitiço que lançava. O nosso intervalo foi uma bênção, porque tive a oportunidade de reaplicar o unguento. Mas mal havia recomeçado a duelar quando meu pulso começou a incomodar. Fiz sinal para Cho e Dean, e eles se intercalaram em me defender pelo resto do tempo. Dezoito minutos depois, estava agradecendo a Merlin que a exibição tinha acabado, e que Hogwarts saiu vencedora.
Eu seria capaz de fazer magia amanhã? Era discutível, mas me preocuparia sobre isso quando acordasse na cama com um antebraço que agora eu achava que nunca seria o mesmo novamente. Aquele maldito balaço.
Quando consegui fazer meu caminho lentamente em direção ao portão de entrada do castelo, vários membros da equipe francesa passaram por mim. Troquei saudações e apertos de mão com alguns deles, os que não me chamaram de uma variação de vagabunda no campo mais cedo.
― Salut, Granger.
Reconheci a voz da pessoa falando atrás de mim, parei e me virei lentamente com um sorriso forçado no meu rosto.
― Olá, Chloe. ― Respondi, enquanto na minha cabeça estava realmente pensando "Olá, sua puta fodida". Ela quase me matou e causou queimaduras de terceiro grau em um elfo doméstico. Então sim, eu a odiava.
A loira alta tinha um sorriso doce no rosto, mas os olhos dela diziam tudo: o quanto ela não gostava de mim e não tinha esquecido o incidente do banheiro feminino na França. O ódio em seu olhar me chamava de vadia, da mesma forma que um dos seus colegas de equipe tinha verbalmente sussurrado o nome, quando tínhamos duelado.
― Foi bom te ver de novo. ― Ela disse em sua voz enganosamente doce e esperou um momento até que outras duas garotas da mesma equipe continuassem andando, deixando nós duas ali. ― Brincou com qualquer outro namorado de alguém ultimamente? ― Chloe perguntou no minuto que estávamos relativamente sozinhas nos jardins.
A amargura penetrou na minha garganta. Eu odiava o que tinha acontecido, mas embora tenha explicado a situação para ela, não importava. Acontece que o problema de Chloe comigo não era apenas pelo incidente de anos atrás. Ela sendo uma das melhores bruxas francesas, usou a mídia a seu favor em um episódio que me envergonhou e me senti horrível. Eu nunca a perdoaria por expor a história para a imprensa francesa, mas estabilizei meu coração e a enfrentei com o olhar.
― Cresça, Chloe.
Olhos azuis inflamaram-se com indignação.
― Você é uma garce!
A culpa doeu na minha barriga, mas eu sei o que sou. E eu não sou uma vagabunda. Eu me senti horrível na época por ter me envolvido com o namorado dela. Mas eu não sabia que ele era comprometido e hoje em dia eu tenho milhões de outras coisas para me preocupar.
― Eu já disse que lamentava umas cem vezes a você. Então, pare. Faz quase quatro anos; é hora de parar com isso.
Ela eriçou-se ainda mais. ― E não me diga o que fazer! Eu odeio esse seu sotaque horroroso!
Ácido agitou o meu peito.
― Eu sei que você odeia e acredite, eu também não sou a presidente do seu fã clube mas não sinto a necessidade de te lembrar disso toda vez que olho para você.
Com certeza ela queria uma cena. Chloe tinha o mesmo olhar na sua cara que ela tinha tido mais de três anos atrás quando se aproximou de mim durante um evento no Ministério da Magia logo após eu ter ido a um segundo encontro com o namorado dela, que fazia especialização comigo em St Mungus.
― É por isso que te odeio. Você sempre acha que você é muito melhor do que todos, a famosa garota dourada. ― Ela cuspiu no chão aos meus pés. ― Mas você não é. Pode enganar a todos com essa sua aura de anjo, mas eu sei que você é uma maldita prostituta.
― Você. ― Disse uma voz aveludada por trás de mim. ― Fora. Antes que eu chame Madame Maxime e a faça repetir o que disse.
A partir do olhar na cara de Chloe, quando os passos atrás de mim ficaram mais altos enquanto o dono da voz aproximava-se, ela sabia exatamente quem era ele. O rosto dela empalideceu, mas eu a vi tentar se recompor e não se mover.
― Agora! ― Severus Snape ordenou quando finalmente parou ao meu lado.
O ritmo em que ela se moveu disse exatamente que Chloe não estava acostumada a ter alguém dizendo a ela o que fazer. Mas Severus sequer esperou até que ela estivesse fora do alcance da voz dele, antes de me perguntar qual era o nome dela.
― Chloe de Lapin. ― Eu respondi, olhando de lado para ele.
― Nunca ouvi falar dela. ― Ele virou a cabeça para me olhar também. ― Quer me contar o que foi aquilo?
― Não realmente. ― Respondi deprimida.
Eu tinha mantido o que aconteceu entre mim e um grupo seleto de pessoas, principalmente os membros da equipe de Saint Mungus e do Ministério que presenciaram a discussão. Foi como me aproximei de Dean e Cho. Ter mais pessoas sabendo sobre uma das coisas mais idiotas que já fiz, não estava exatamente na minha lista de coisas a realizar. E embora ambos tivessem me assegurado que eu não tive culpa, eu imaginava que fosse inteligente o suficiente para não me envolver com alguém mentiroso.
― Ela a chamou de prostituta. ― Severus pontuou.
Vergonha encheu minha barriga, e senti meu rosto ficar quente de indignação.
― O que eu não sou.
― Você não precisa me dizer que não é. ― A expressão no meu rosto deve ter sido bastante insegura, porque ele me olhou nos meus olhos quando continuou. ― Conheci algumas durante a minha vida. Posso dizer isso por mim mesmo.
― Tenho certeza de que pode. ― Respondi frustrada enquanto algo queimava no meu estômago. Foi um ciúme estúpido, que eu poderia facilmente colocar a culpa na Hermione adolescente que ainda vivia dentro de mim em algum lugar. Mas o meu cérebro pragmático riu da minha hipocrisia de sentir ciúmes de Severus, quando poucos dias antes eu mesma estava transando com o meu affair búlgaro. ― Nesse caso, eu aprecio que o seu radar de vagabundas não tenha soado em torno de mim. ― Sorri fracamente, tentando não me sentir tão envergonhada por ele ter ouvido Chloe me ofender. Eu realmente só queria chegar em casa. ― Eu vou caminhando até o vilarejo.
Ele apontou para que eu seguisse e começamos a andar em silêncio. Sentindo a brisa fria ao nosso redor, minha mente relaxou o suficiente para me deixar focar na razão que eu agora tinha para continuar a fazer Severus confiar em mim. Eu precisava que ele me contasse sobre como a mãe dele foi queimada da tapeçaria da família.
― Se você tiver mais do unguento, eu poderia estar precisando… ― Eu disse suavemente.
― Tenho um lote em preparação. ― Severus respondeu.
― No castelo? ― Perguntei, apontando o dedo para trás, na direção dos portões por onde tínhamos acabado de sair.
― No meu laboratório particular. Mas não vai estar pronto até amanhã.
― Você consegue trazer para mim?
― Você mesmo pode ir buscar amanhã cedo. Não devo ser visto contrabandeando unguentos para uma orientanda.
Soltei uma risada e ele me disse o endereço quando nos despedimos na bifurcação entre a vila de Hogsmeade comercial e residencial. Concordamos que quanto mais cedo melhor, para não atrapalharmos a programação do dia, que incluía mais uma rodada internacional de magia, dessa vez contra a Castelobruxo.
― Seu braço vai ficar bom? ― Ele perguntou.
― Contanto que ninguém acerte um balaço nele novamente. ― Suspirei resignada. ― Boa noite, Severus.
Ele respondeu, inclinando a cabeça com uma indicação para eu seguir e eu acenei para ele ao me virar e descer a rua principal até o meu minúsculo apartamento. Meu coração errou uma batida quando me dei conta de que agora, além do número de telefone de Severus Snape, eu tinha o endereço dele. E Severus Snape mora exatamente no mesmo vilarejo trouxa em que a namorada de Draco Malfoy, morou.
Era seis e meia da manhã seguinte quando estacionei ao lado da calçada da casa de Severus. Eu precisava resguardar minha magia e aparatar teria usado reservas preciosas, além de comprimir a lesão da minha mão. Olhei para a casa através da minha janela do passageiro e absorvi a grande construção de dois andares. Em nenhum momento na minha vida poderia imaginar, mesmo se tivesse algum sinal de que isso fosse acontecer, de que eu e Severus seríamos amigos. Eu me perguntava se quando abordasse o assunto da família dele com ele, estragaria tudo. Bem, eu pensaria nisso quando chegasse a hora, por enquanto eu só prepararia o terreno.
Saí do carro e marchei até a porta, a casa era grande, mas não detestavelmente enorme. Bati com a aldrava e andei dois passos para trás, apertando as mãos atrás de mim enquanto esperava. Menos de um minuto depois a porta se abriu e ele apareceu, vestido com calças e camisa pretas, segurando um copo de algo verde.
― Entre. ― Ele ordenou, em pé ao lado para me deixar entrar.
Tentei ser discreta enquanto olhava ao redor para as paredes nuas de cor cinza.
― Bom dia.
― Dia. ― Ele fechou a porta atrás de nós. ― Preciso de dez minutos.
― Ok.
Eu olhei novamente para sua bebida enquanto ele passava por mim e o segui pelo corredor principal da casa. Era impossível não notar quão vazias as paredes eram, ou quando nós passamos pela porta entrando em sua sala de estar, que havia apenas um sofá de três lugares em frente a lareira. Nenhum sinal de quem era o dono da casa. A próxima porta levava a uma cozinha grande, aberta e arejada, mas que quase parecia um laboratório de poções.
― Há água, leite e chá. ― Ele disse entrando, enquanto bebia sua mistura verde sem um único vacilo.
― Estou bem, obrigada. ― Respondi distraidamente, admirando a vista do quintal da janela grande acima da pia. Não havia muito além de grama recém-cortada.
Severus escovou contra mim, quando se inclinou na pia para lavar seu copo. Inclinei-me longe da vista e dele. Não me passou despercebido o fato de que ele não estava usando magia enquanto estava em casa. Será que ele também precisava se resguardar hoje?
― Sua casa é boa. ― Ele olhou distraidamente em torno da cozinha, e acenou. ― Faz quanto tempo que se mudou?
― Dois meses. ― Severus respondeu.
Observei enquanto ele guardava o copo de vidro dentro do armário.
― Esta é uma escolha de bairro interessante. É uma boa vizinhança trouxa. ― Eu limpei minha garganta. ― Ninguém sabe quem você é por aqui?
Severus me atirou um olhar incrédulo.
― Ninguém. ― O olhar no rosto dele continuou estranho quando ele apontou para dois potes razoavelmente grandes, que eu sabia continham o unguento que ele preparou. ― Você precisa esperar mais meia hora antes de aplicá-lo. Eu acabei de terminar.
Eu sabia que ele era um ser totalmente recluso, mas pelo visto, Severus não queria nem que ninguém soubesse onde ele morava. Não era surpreendente, mas eu imaginava que ele moraria na própria Hogwarts, ou numa das vilas mágicas.
― Certo.
Segui Severus de volta a sua sala de estar quase vazia. Ele sinalizou o sofá para mim e foi se acomodar numa poltrona verde oliva no canto direito da lareira, que eu não havia notado antes.
― Então, você interage com os seus vizinhos? ― Perguntei assim que estávamos bem acomodados.
― Não saio de casa antes que eles saiam e volto antes.
― E quando faz as compras? ― Eu estava realmente curiosa sobre isso. ― Ou você faz compras por telefone?
― Eu caminho. O mercado fica a três quarteirões daqui.
A frase dele fez ligação com um ponto que eu estava curiosa sobre ele: eu tinha certeza de já ter visto Severus aparatar. Mas este era um fato que não era possível para um bruxo mestiço. Mesmo ele sendo nível sete, ainda era impossível. A própria Minerva não conseguia. Mas eu sei o que eu vi na manhã em que discutimos por causa da ideia das garotas e Justin sobre ir a um happy hour. Dei a Severus um olhar curioso, mas não cavei muito profundamente.
― Eu não entendo como você parece tão poderoso nos nossos duelos, mas não usa magia em mais nada. Escolher morar em um bairro trouxa, ir a pé ao supermercado... Essa é sua ideia para acumular reservas mágicas ou morar aqui é culpa da sua inabilidade social?
― A primeira. Já que eu realmente gosto de interagir com os idosos, que necessitam de assistência para alcançar algo nas prateleiras superiores do supermercado.
Eu sorri para ele. Severus Snape contando uma piada?
― Eu também não gosto de ser o centro das atenções.
Ele virou a cabeça para que pudesse olhar pela janela. Sua voz era tão grave, tão distante; fez-me olhar para ele mais do que o necessário.
― Já tenho o suficiente de atenção na minha vida, no mundo mágico.
E por isso ele vive neste bairro trouxa e vai a pé ao supermercado. Mesmo que isso seja algo tão solitário. Como ele sempre foi. Eu poderia ocupar esse espaço na vida dele? De ser sua amiga? Pessoalmente, eu conheço centenas de pessoas e só estou realmente próxima de, no máximo, seis. E todas elas são pessoas que conheço desde os meus onze anos. Eu olho para Snape novamente e reprimo um suspiro, me sentindo mal por ele não ter sido assim importante para mim, desde o começo.
― Já passou meia hora? ― Pergunto.
― Não.
Ficamos em silêncio depois disso, Severus continuou sua contemplação da vista da janela e eu estava perdida em minhas próprias emoções, refletindo se levar uma vida tão solitária quanto a dele, era realmente uma boa escolha.
Quinze minutos depois, apliquei o unguento enquanto Severus torcia o nariz para a coloração negra da minha pele. Agradeci pelo meu estoque abastecido da pasta milagrosa e dirigi até o castelo, até ofereci carona ao meu orientador, mas ele disse que precisava passar em outro local antes de seguir para Hogwarts via Flu.
Fui interceptada por repórteres latinos quando cheguei aos jardins. Eu já sabia que eles eram simpáticos, e um dos poucos grupos que me deixavam à vontade nas entrevistas, mas hoje eles pareciam mais eufóricos que o normal. Havia apenas cerca de seis deles e quando os olhares deles focaram em um ponto sobre o meu ombro, seguido por um bater de palmas animado, eu sabia quem eles tinham visto. Olhei para trás e avistei Severus caminhar em nossa direção. A próxima coisa que soube é que Severus Snape respondeu ao repórter do Chile em um espanhol perfeito, que sim, ele era real e não um fantasma. E sem nenhum exagero, eu quase gemi ao ouvir aquele homem falar uma língua diferente. O jeito que ele falou aquele idioma que já exalava sensualidade por si só, aumentou o sex appeal dele em pelo menos trinta por cento. Esse homem ainda me mataria um dia. Eu tinha certeza. Eu quase lamentava que ele fosse meu orientador e que eu fosse quase uma amiga para ele. Que chance eu tenho de conseguir arrastá-lo para a minha cama?
Segui para dentro do castelo e o deixei conversando com os repórteres, e o primeiro sinal de que algo estava errado foi quando avistei três aurores na borda do campo. Dois deles eu reconheci do Ministério da Magia Britânico, mas a outra pessoa era estranha. Era somente em raras ocasiões que o Ministério enviava aurores durante os treinamentos, mesmo os de exibição com outras escolas mágicas, como a de hoje.
O segundo sinal de que algo estava errado foi quando eles se aproximaram de Minerva. Foi a maneira como ela reagiu a tudo o que eles estavam dizendo que me deixou um pouco preocupada. Ela parecia irritada e possivelmente indignada. Ela acenou com a varinha para a garganta e chamou nossa atenção.
― Equipe, estamos pegando leve hoje.
Leve? Em uma apresentação com outra escola?
Apreensão agitou na minha espinha.
― Aparentemente, o Ministério precisa recolher amostras de sangue hoje. Não é nada para se preocupar. Como a maioria dos vocês sabe, estão sujeitos a testes aleatórios de contingente sanguíneo durante a temporada. Se tivermos sua cooperação podemos terminar isso rapidamente, e depois que sua amostra for retirada estarão livres pelo resto da manhã. Retomaremos amanhã com a exibição contra a escola brasileira. ― Explicou Minerva, frustração traçando suas palavras.
Testes sanguíneos aleatórios? Todos nós fazíamos exames a cada início de temporada, o que não foi nem três meses atrás. Eu sabia que se o Ministério quisesse, ele poderia nos testar, mas eu nunca tinha ouvido falar de isso acontecer. Então, sim, isso estava ficando estranho.
E ficou ainda mais quando Minerva me chamou ao seu escritório naquela tarde.
― Hermione, sente. ― Minerva disse a partir de seu lugar atrás de sua mesa. Dei a ela um sorriso desconfortável e me sentei.
A diretora de Hogwarts não te chama no escritório, no dia em que aurores estão observando a equipe e um teste aleatório de sangue é feito. Eu estava no meio de um atendimento a um caso grave de varíola de dragão quando a chamada dela chegou e tive que pedir para outro curandeiro atender o meu paciente enquanto eu ia até Hogwarts via Flu.
Havia apenas algumas poucas razões pelas quais Minerva não me disse por telefone o que ela queria: O Ministério exigiu que eu saísse da equipe de Hogwarts e viesse trabalhar para eles imediatamente e eu teria que fugir com Severus para o nosso treinamento de Magia Antiga ou o que quer que fosse esse teste sanguíneo que eles fizeram, tinham encontrado alguma anomalia em mim. Eu não conseguia nem respirar direito com nenhuma das suas possibilidades, porque, primeiro: não queria trabalhar para o Ministério. Segundo: não queria sair da equipe; mesmo que fosse para aprender Magia Antiga com Severus. E em terceiro lugar, eu com certeza já tinha traumas suficientes para uma vida inteira em relação ao meu status sanguíneo, então, não, eu não queria mais uma "anomalia" descoberta sobre ele.
Antes de sair do hospital eu consegui dizer a Neville o que estava acontecendo e o olhar de 'oh, merda' que ele me deu foi o suficiente.
― O que está acontecendo, Minerva?
Ela sorriu. ― Sempre direta ao ponto, é por isso que gosto de você, querida.
― Está me mandando embora? ― Para meu crédito, eu parecia calma, não como se estivesse prestes a explodir de ansiedade.
― Não. ― Ela cambaleou para trás com a mão no peito. ― De onde diabos isso veio?
― Você me pediu para vir ao seu escritório para conversar em privado, e tivemos aurores do Ministério e um teste esquisito de sangue…
Os olhos dela rolaram para o teto, uma mão foi na parte de trás do pescoço.
― Desculpe querida, não lembrei dos eventos de hoje. Não é por isso que quero falar com você. Não estou preocupada com o resultado de nenhum teste obscuro. Tenho certeza que eles estão bem, mas não pedi para vir por causa disso e nem pelos aurores. Eu tive uma conversa interessante com Séptima.
― Certo.. Ok. ― Respondi enquanto soltava o ar, aliviada.
― Ela me disse que recebeu uma carta estranha hoje pela manhã com o seu nome e algumas acusações bem selvagens nela.
Aquela idiota! Eu não precisava ser um gênio para saber de onde veio a tal carta. Eu controlei a raiva borbulhando dentro de mim. Primeiro eu tive Robards me tratando como uma criança, e agora Chloe estava inventando porcaria? Não acho que seja uma pessoa má, há pessoas melhores do que eu no mundo, com certeza, mas também existem outras muito piores. Como eu posso me concentrar na minha missão de salvar a magia se essas bruxas e bruxos miseráveis ficavam jogando suas porcarias em mim?
― Alguma ideia de onde algo assim vem? ― Minerva perguntou.
― Chloe. ― Eu cerrei os dentes. ― Foi ela, ninguém mais poderia fazer algo assim.
Minerva não estava surpresa. Eu disse-lhe o que aconteceu anos atrás, quando tinha voltado do evento no Ministério em que fui confrontada por Chloe e desatei a chorar na frente da minha diretora.
― Merlin. Ela ainda não superou essa bagunça?
Não podia dizer que se eu estivesse no lugar dela teria esquecido isso também, mas gostava de pensar que não iria guardar tanto rancor quanto Chloe tinha. Na verdade, eu sabia que não ia. Só um total idiota chamaria e faria falsas alegações que possam comprometer a vida e trabalho duro de alguém por causa de um homem mentiroso. Merlin, isso é, realmente, uma bagunça. Eu engoli a amargura, lembrando-me de todas as coisas boas que também já fiz com a minha vida.
― Não. ― Respondi.
Com um suspiro, Minerva balançou a cabeça.
― Nesse caso, peço desculpas por te chamar. Eu mantive meus olhos sobre ela ontem durante a exibição e não pareceu que ela estivesse fazendo algo fora do comum.
Claro que Minerva não tinha ouvido todos os nomes que Chloe tinha me chamado durante o duelo, mas que seja.
― Vou ligar para Olímpia e dizer que ela precisa mantê-la sob controle. ― Minerva completou.
― Não se preocupe, está tudo bem. Se ela fizer algo assim novamente nós pensamos nisso, mas agora você não precisa se preocupar.
As sobrancelhas de Minerva subiram em descrença, mas ela não discutiu.
― Me avise se você mudar... Sua mente.
Eu assenti com a cabeça e me levantei, pronta para sair de lá, para que pudesse pensar nos vários xingamentos que guardei para Chloe.
― Obrigado por me avisar, Minerva. Agradeço muito.
― A qualquer hora. ― Ele me olhou por longos segundos antes de falar novamente. ― Hermione, eu notei que você abandonou seus aposentos no castelo. Você sabe que pode vir até mim com qualquer assunto que seja, certo?
― Eu bem, precisava ocupar um pouco o meu apartamento ou o meu senhorio o pegaria de volta. ― Respondi apressadamente antes que ela enxergasse o medo nos meus olhos. ― E eu sei que você é maravilhosa, Minerva. Eu viria até você com qualquer porcaria que fosse.
Ela sorriu quando concluí minha frase, enxergando a verdade na minha afirmação. Fiz meu caminho para fora de seu escritório com um aceno de cabeça.
― Descanse esta noite. Preciso de sua cabeça na exibição de amanhã.
― Você terá isso. ― Respondi, fechando a porta atrás de mim.
Eu caminhei por cerca de três metros no corredor antes que uma quantidade absurda de raiva, que não pensei que fosse capaz de ter, enchesse a minha alma inteira. Eu não acredito que além de ter essa missão inumana de "salvar" o mundo mágico, rastrear bruxos queimados de tapeçarias, visitar Draco Malfoy e descer em uma tumba mal assombrada por um fantasma que não me dizia uma única frase decifrável, eu ainda teria que lidar com Chloe de Lapin inclinando-se baixo o suficiente para colocar em risco a minha carreira em Hogwarts? Aquela idiota. Eu segui indignada para casa e tentei lavar a minha raiva na banheira com uma esponja e sabonete, enquanto amaldiçoava o dia que me envolvi com o desgraçado do namorado dela.
Em pouco mais da metade da exibição do dia seguinte, aceitei o fato de que eu estava uma porcaria total e completa, duelando muito mal, por estar distraída e com raiva. Pela primeira vez na minha vida, não consegui empurrar tudo para focar no que devia. As ações maliciosas de Chloe fizeram minha cabeça querer explodir. É como se ela não tivesse feito o suficiente no passado para ter que começar com isso de novo. E Severus ter ouvido os insultos que ela proferiu, acabou mexendo um pouco com o real ressentimento que nem mesmo a minha banheira conseguiu fazer ir embora. Além de todas as outras preocupações que já abarrotavam a minha vida. Então hoje a minha cabeça e meu coração não estavam em Hogwarts. O que fazia eu me sentir ainda mais chateada por estar me apresentando como uma merda.
Quando Minerva pediu para que Justin cobrisse minha área e me mandou sair da equipe, não fiquei totalmente surpresa e nem com raiva. Eu estava mais envergonhada e conformada. Eu tinha sido substituída apenas duas vezes antes desde que integrei a equipe: quando estava com o ciático inflamado num nível absurdo e quando fraturei o tornozelo em uma corrida. Mas desta vez não havia desculpa física válida para a forma desleixada que estava agindo. Eu era bem melhor que isso. Já lidei com coisas piores com uma varinha emprestada! Que fracasso espetacular eu fui hoje. Me movi lentamente para fora do campo, evitando todo e qualquer olhar, enquanto seguia.
Quando estava indo em direção a área dos reservas a única rota disponível era uma brecha entre Severus e Minerva, e uma mão agarrou meu pulso. Considerando que Minerva não era agressiva a esse ponto, eu sabia quem era antes de sequer olhar sobre meu ombro. Aqueles olhos negros me encararam em sua posição vinte centímetros de altura acima da minha. Um sulco vincou o espaço entre suas sobrancelhas.
― O que há com você? ― Ele rosnou.
Respirei profundamente e encarei seu olhar, dando um simples encolher de ombros. ― Sinto muito. ― Murmurei. Eu não ia dar nenhuma desculpa pois não havia nenhuma além da minha cabeça fora de órbita.
Minha resposta o irritou a ponto de fazer suas narinas se alargarem.
― E isso é tudo o que você tem a dizer?
― Não há nada mais... Minha magia estava mal, e você está me substituindo. Eu entendo isso.
Severus tinha a expressão mortal em seus olhos de quando precisava arrumar a bagunça de Neville quando ele explodia caldeirões.
― Saia da minha frente agora, vou lidar com você mais tarde. ― Ele rosnou de novo, soltando meu pulso.
Mesmo que estivesse esperando que sua resposta fosse algo assim, eu ainda recuei. Mas mesmo que tenha tomado de volta um pouco das minhas palavras, meu orgulho aceitou minha culpa e marchei para a área reservada. Cotovelos nos meus joelhos, me sentei num dos bancos para assistir o resto da exibição, me xingando mentalmente por ser uma idiota.
Uma hora mais tarde, nossa equipe conseguiu superar a Castelobruxo por uma magra diferença e estávamos todos seguindo desanimados até o Salão Principal. Severus nem sequer olhou para mim quando decidiu falar, mas era óbvio que ele estava se referindo a todos os meus erros. Normalmente isso teria me colocado na borda, mas eu já tinha aceitado a realidade de que fui um fracasso hoje.
Consegui evitar falar com qualquer um enquanto estava muito furiosa comigo mesma por não conseguir ser uma boa companhia e todo mundo me deu espaço. Cheguei ao meio do caminho para o meu carro antes de encontrar Severus de pé no lado de fora enquanto ele falava com uma mulher.
― Granger!
Eu hesitei. Eu queria ouvi-lo me rasgar na frente de uma estranha? Não, definitivamente não. Mas seria óbvio demais se eu o ignorasse e continuasse caminhando em direção ao carro.
― Granger!
Bem, eu acho que tinha sido avisada. 'Eu vou lidar com você mais tarde' não era exatamente uma vaga ameaça, então eu fiz o meu caminho para onde ele estava de pé.
Levei cerca de um metro e meio mais perto para reconhecer a pessoa com quem ele estava falando. Marion, uma prima de Madame Rosmerta que já foi apontada pela mídia como um dos ex-casos dele. Num piscar de olhos eu estava furiosa, e cada passo que me levava mais perto me fazia ficar com ainda mais raiva. Ele queria fazer isso agora, na frente de um antigo caso?
― Tem certeza que não quer me encontrar hoje à noite? ― Perguntou a ruiva, ignorando minha abordagem.
Severus não olhou para ela; em vez disso, ele estava encarando o meu rosto. A resposta dele em uma palavra soou tão brutal como de costume.
― Não.
Pelo menos ele é um idiota com todo mundo. Pensei comigo.
A mulher se moveu de forma a entrar em seu campo de visão. ― Tem certeza?
Estava muito escuro para dizer se os olhos dele tinham ido de relance na direção dela ou não. ― Sim. ― Ele confirmou.
― Severus... — A mão dela foi em direção ao seu ombro, e não perdi o jeito que ele se afastou para evitar que ela o tocasse.
― Não tenho tempo. ― Ele resmungou, quando parei próximo aos dois.
Eu só olhei para ele, não exatamente tirando o olhar irritado do meu rosto. Ele estava planejando me repreender? Ele realmente acha que esse era o momento certo para fazer isso? Juntando uma boa quantidade da coragem grifinória que morava em mim, forcei um olhar calmo para enfrentá-lo, relaxei meus ombros para não demonstrar quão tensa estava, e pisquei para ele.
― Sim, professor?
Seus olhos estreitaram-se em minha direção, ao ouvir o título antigo dele. A forma que seus lábios formaram uma linha fina me deram a confirmação de que eu estava prestes a ser prensada. Ele nem se preocupou em olhar para a mulher ao lado dele, esperançosa e ainda atenta para um homem que não estava dando a mínima atenção para ela. Infelizmente sua atenção era toda para mim, e ele baixou sua voz a um rosnado irritado e quase inaudível, quando falou comigo.
― O que diabos estava acontecendo com você hoje?
Ele foi direto ao ponto, como eu esperava. Eu dei-lhe mais um encolher de ombros.
― Minha cabeça não estava lá, e peço desculpas por isso.
― É isso? ― Ele cuspiu.
― Não há nenhuma desculpa. ― Disse a ele, olhando a mulher olhar para frente e para trás entre nós. ― Eu sei fazer melhor e sinto muito.
Ele estreitou os olhos ainda mais.
― Você atuou como um trasgo.
Sério? Ele tinha de me chamar disso na frente de outra pessoa?
― Severus? ― A mulher acenou com a mão na frente do rosto dele, que virou a cabeça e olhou para ela tempo suficiente para que ela franzisse o rosto e desse um passo para trás. ― Merlin, esqueci o quão idiota você pode ser. Nem sei porque me incomodei de vir aqui. ― Ela murmurou.
O homem que guardava suas palavras como se fossem ouro, não me desapontou. Ele não disse nada. Olhou para ela por talvez mais cinco segundos e então virou a sua atenção para mim, como se ela não estivesse falando. Ele é mesmo um intragável com qualquer pessoa.
― Sua equipe merece sua atenção, e eu mereço o melhor de você. Atue como um trasgo de novo e vou dispensar você para que vire assistente de Robards. ― Ele ameaçou, alheio à mulher que balançou a cabeça quando ele falou, antes de finalmente se virar para sair. Quanto a mim, finalmente vacilei e recuei. ― Controle suas emoções e discipline sua mente! Aprenda a compartimentar sua vida! Você me entendeu? ― Ele perguntou em uma voz sombriamente nítida, que me fez ter certeza de que era o que ele fazia a cada momento da sua vida.
Meu rosto ficou quente, e sabia que estava vermelha pela humilhação. Ele tentaria me fazer trabalhar com Robards? Por atuar mal durante uma única exibição? Mais constrangimento inundou meu sistema, cuidadosamente alinhado com a minha raiva latente.
A ideia de que pensei que éramos amigos flutuou até a borda de se estilhaçar, mas meu cérebro me lembrou que nosso tempo em Hogwarts não era o mesmo tempo gasto como "amigos". Nunca tinha sido. O homem que jogou quadribol comigo e conjurou gelo para o meu braço, era uma pessoa completamente diferente da que estava de pé diante de mim naquele momento. Aprenda a compartimentar sua vida, ele acabou de me dizer isso. Severus estava me pedindo para fazer o mesmo que ele faz.
A única coisa que fiz foi acenar com a cabeça e aceitar o ultimato que ele tinha me dado. Eu não ia lembrá-lo que foi uma única atuação ruim entre tantas outras. E também não vou prometer nada, nem pedir mais desculpas. Com uma voz pela qual estava extremamente orgulhosa de quão sólida soou, o respondi:
― Sim, tudo bem, eu entendi. Mas talvez da próxima vez que você queira me chamar de trasgo, faça isso quando não estiver com uma das suas namoradas, funciona bem para você?
Quando ele fechou os olhos e começou a ranger os dentes, eu tive a certeza de que tinha dito algo muito errado.
― Você está brincando comigo? ― Ele estourou.
Eu dei um passo para trás e lhe dei o meu melhor olhar confuso, porque, sério, o que diabos ele quer de mim?
― Não. ― Respondi.
― Eu estou ameaçando liberar você para o Ministério e você está reclamando sobre quem ouviu? ― Severus soltou.
Eu senti mais do que vi, meu cabelo faiscar com sua pergunta quando minha raiva implodiu.
― Sim, estou. E não vou discutir com você sobre o fato óbvio de ter um problema com você ao ser grosso comigo na frente de outras pessoas, além de também ser um idiota com a mulher que saiu daqui. Merlin fodido! É questão de boas maneiras, você já ouviu falar sobre isso?
Severus não hesitou em passar a mãos pelos fios de cabelo dele, rosnando sua indignação.
― Eu queria poder sufocar você com as minhas próprias mãos agora!
― Por que? Eu estou apenas dizendo a você a verdade. ― Devolvi indignada.
― Porque porra, Granger, você vai mesmo sentar e me deixar tirar essa equipe de você? Assim? ― Ele rosnou.
― O que você quer que eu diga? Quer que lhe implore? Fique brava? Faça um escândalo? Eu entendi que fui um lixo hoje e você e a Minerva me substituíram. Justin é nível nove e um bruxo excepcional, não vou fazer disso um problema. É com o seu tom e escolha de onde estamos tendo esta conversa, que tenho um problema.
Ele pode ter começado a puxar uma das mechas do próprio cabelo no misto de aborrecimento e frustração que o invadiu.
― Sim, Granger. Quero que você fique brava e faça um escândalo! Se meu orientador sugerisse me chutar da equipe, eu o comeria vivo. Você é a bruxa mais poderosa de Hogwarts! ― Meu coração parou de bater ao ouvir o que ele tinha acabado de dizer. Mas ele não tinha terminado ainda. ― Você é a melhor que já vi, entre bruxos e bruxas. O que me irrita é o fato de você ser tão infantil por se pendurar em palavras inúteis na frente de uma pessoa que não importa. Cresça alguns centímetros, Granger, e lute com qualquer um que tente tirar isso de você. Inclusive eu. ― Ele insistiu.
As palavras dele aqueciam meu peito, mas mesmo assim eu ainda não o entendia. Então lembrei que esse era o homem que serviu a dois mestres manipuladores e mesmo assim conseguiu possuir o controle da sua lealdade, sendo fiel apenas ao seu amor e promessa póstuma a Lily de proteger o filho dela. Ele se juntou aos comensais da morte por ser frustrado e ganancioso, mas seu motivo para desertar foi o suficiente para ele ser fiel a ela até o fim. E nós estamos discutindo sobre duas coisas completamente diferentes. Oh meu Merlin! Respirei fundo antes de encará-lo com firmeza.
― Claro que me preocupo em ser chutada de Hogwarts, mas também me importo sobre na frente de quem você me ofende. Você acha que eu quero uma completa estranha pensando que sou algum tipo de capacho que permite que você fale comigo desse jeito? Posso até ser quando estamos no castelo em ação, mas tenho certeza de que não vou deixar você me tratar nem a metade de tão mal quanto você a tratou, Severus. ― Pela expressão dele parecia que eu estava falando uma língua completamente diferente, então me aproveitei disso. ― E quanto ao trabalho que fazemos em Hogwarts, é uma missão de equipe. Se não estou sendo magicamente melhor, não é óbvio que alguém tão bom e que esteja atuando melhor, tome o meu lugar? Não é questão de eu não lutar pelo meu lugar, mas não sinto a necessidade de lhe prometer isso. Eu vou lhe mostrar com unhas e dentes o quanto eu quero ficar aqui.
Obviamente nada do que eu lhe disse, o agradou. Mas eu o vi se controlar e respirar fundo algumas vezes. Não foi até que ele deu um suspiro contido, que ele finalmente falou novamente.
― Cuide de você... De mais ninguém, entendeu?
Pisquei. Aparentemente, ele ia ignorar a minha reclamação sobre a presença de Marion na nossa discussão. Certo.
― Ninguém vai cuidar dos seus interesses, Granger, só você. ― Ele continuou. ― E por que você concordou comigo sobre ter atuado como um trasgo, você ficará de fora da próxima exibição.
O que?
― Mas… ― Tentei começar mas ele me interrompeu.
― Não reclame. Você pode atuar desleixadamente e vou fazer um inferno da sua vida por isso, mas você nunca deve deixar ninguém tirar isso de você.
As ações de Chloe queimaram na minha barriga, uma triste lembrança do quanto fui exposta na França e eu finalmente entendi o que ele queria dizer com deixar alguém falar por mim. Eu não a desmenti quando ela disse aos repórteres que enquanto ela buscava uma cura mágica, eu me divertia com o namorado dela. Me senti tão consumida pela culpa, por ter dois encontros com um homem idiota, que simplesmente deixei a imprensa francesa ficar com a "verdade" de Chloe. Talvez o fato de não ter vazado nada para a imprensa britânica tenha contribuído com isso. Mas não justificava o fato de eu, Hermione Granger, uma lutadora nata, não ter mostrado a minha verdade.
E a verdade era que eu não sabia que ele era comprometido, muito menos com ela. E ainda assim, eu nem tinha dormido com ele. Eu apenas beijei alguém que parecia ser um cara legal, um homem que eu tinha beijado para superar meu término com Ron. Só dois encontros estúpidos que tinham levado minha imagem de ser uma boa garota, para o lixo.
Eu senti meus olhos ficarem marejados, com a mesma decepção que senti na época. Decepção comigo mesma. Funguei tentando controlar a água rastejando nos meus olhos. Fazia anos que chorei por ter me deixado ser enganada e difamada. Um mês, foi todo o tempo que me permiti ficar triste por isso. Desde então tinha trancado tudo, aceitado a realidade e seguido em frente com o meu foco de curar o mundo bruxo. Mas quando algo foi quebrado dentro de você em vários pedaços, você não consegue olhar para eles e não se sentir triste por isso.
― Você está chorando? ― Ele me questionou.
Limpando a garganta, pisquei duas vezes, abaixando meu olhar para o primeiro botão do sobretudo dele. ― Não.
Os dedos da mão dele alcançaram a minha levemente.
― Pare com isso, Granger.
Eu não levantei meu olhar para ele, mesmo que meu coração tenha acelerado tão fortemente com o pequeno roçar de sua mão.
― Eu não estou chorando.
― Eu posso ser velho, mas a minha visão ainda é perfeita. ― Ele falou num tom mais suave.
Finalmente olhei para cima e o vi olhando para mim com uma expressão perturbada no rosto. As esferas negras dele estavam muito próximas e completamente focadas nas minhas. Eu sabia que ele podia enxergar minha alma com seus talentos de legilimência se eu mantivesse o contato visual. E Severus Snape era a última pessoa do mundo na frente da qual eu gostaria de mostrar sinais de fraqueza. Mas não desviei o olhar mesmo assim. Em vez disso, esfreguei a mão sobre a minha bochecha, limpando a lágrima que tinha escorrido e continuei encarando-o.
― Você deveria visitar um curandeiro então. ― Sussurrei.
Eu consegui enxergar a mudança no brilho dos seus olhos quando ele saiu da pose de orientador de Hogwarts, para Severus, o meu 'quase amigo'. E essa percepção me fez relaxar. Severus quebrou o contato visual quando sua expressão se tornou ainda mais clara. Ele inclinou a cabeça para cima, para olhar para o céu escuro.
― Vá para casa, Hermione.
Hermione. Sim, definitivamente foi o Severus Snape, meu amigo, quem proferiu isso. Peguei levemente na mão dele e seu polegar roçou contra o dorso da palma da minha. Eu tentei não pensar na familiaridade daquela carícia quando o soltei e me virei para ir embora.
Notas Finais
Então, conversando com a melhor beta do mundo (Jayne Bueno), decidi expor também alguns detalhes pessoais da nossa protagonista, afinal, ela é muito gente como a gente. Espero que tenham curtido saber mais sobre os erros e arrependimentos dela. Amo todos vocês que acompanham e comentam essa história. Obrigada!
