Notas do Autor


Disclaimer: Todas as personagens do universo Harry Potter, assim como as demais referências a ele, não pertencem ao autor desse texto, escrito sem nenhum interesse lucrativo, mas à JK Rowling.


Capítulo 13 - A Descida


Foi preciso apenas um vislumbre no convite de Cho para algum tipo de celebração religiosa trouxa em homenagem aos familiares de Sarah, para meu interior se contorcer em culpa por estar evitando a investigação ao aposento frio onde os fundadores foram enterrados. Eu tinha fugido por dias. Parti para ocupar meu minúsculo apartamento em Hogsmeade para evitar dormir no castelo e ter mais algum sonho vívido com Regulus Black. Mas ler o convite para um ritual In memorian dos mortos naquele ataque, me trouxe um profundo sentimento de covardia.

Reunindo toda a minha coragem Grifinória, segui para os meus aposentos em Hogwarts, apontei a varinha para o quadro de Rowena Ravenclaw e desfiz o feitiço de selamento que eu lancei dias atrás.

Enquanto descia pela passagem, a minha respiração se adensava no ar gelado e eu olhava ansiosamente para os três arcos de pedra enquanto me aproximava da bifurcação. Estudei a passagem da direita, aquela que, no meu sonho, tinha me levado ao túmulo dos fundadores. Me aproximei dela e congelei ao ver que a poeira fora remexida nos degraus que desciam em direção à escuridão sombria e havia rastros de pegadas, que desciam e subiam pelo caminho.

Apertei a minha varinha com mais força e pé ante pé, comecei a descer pela escadaria. Sussurros preencheram o corredor, ecoando através das pedras das paredes. Abrandei os meus passos e murmurei o Nox enquanto me aproximava. Um patamar abaixo abria-se para um aposento à esquerda e uma luz avermelhada escoava de lá para as pedras na escadaria.

Alguém falava em murmúrios rápidos, um homem. Os pelos do meu braço se eriçaram quando a voz se tornou mais clara. Não falava nenhuma língua que eu reconhecesse; e a voz dele era gutural, áspera e parecia sugar o calor de meus ossos, até que ele arquejou, tomou fôlego e o silêncio tomou conta de tudo. Eu me abaixei no patamar e espreitei o aposento. Dentro da pequena câmara, ajoelhado diante de uma escuridão tão negra que parecia prestes a devorar o mundo, estava alguém envolto nas vestes antigas dos comensais da morte da era Voldemort.

O comensal arrastou a mão no chão diante da escuridão e o brilho avermelhado faiscou por onde os dedos dele passaram, antes de serem sugadas pelo vazio como espectros ao vento, mas deixando a mão dele pingando sangue. Não ousei respirar quando algo se mexeu na escuridão. Ouvi uma garra arranhar a pedra e um silvo, e então, aproximando-se do homem mascarado ainda de joelhos, emergiu uma mantícora. O corpo de leão da besta era inteiramente coberto de pêlos ruivos e o ferrão de escorpião moveu-se cortando o ar, em posição alerta. A cabeça humana era um pouco disforme e, quando a criatura trovejou para o homem ajoelhado, eu vi as dezenas de dentes negros e pontiagudos que preenchiam sua boca. O homem mascarado ergueu a cabeça e se levantou vagarosamente, enquanto a criatura se sentava sobre as patas diante dele e abaixava a cabeça, em um sinal claro de submissão.

Em todos os meus anos como pesquisadora e estudante de magia, eu nunca li nenhum registro sequer sobre uma mantícora ser submissa a algum bruxo, ou a algum ser humano, porque, embora sejam criaturas conscientes, as mantícoras são extremamente violentas e perigosas. Lembrando de tudo que já estudei sobre criaturas mágicas, presenciar uma cena de submissão de uma criatura desse porte, me aterrorizou.

Me dei conta de que estava tremendo quando fiz menção de me afastar e fugir para longe o mais rápido que pudesse. O medalhão de Regulus em meu bolso, pulsou, como se quisesse reforçar para mim que eu deveria correr. Com a boca seca e o sangue latejando em minhas veias, recuei um passo, mas o farfalhar das minhas vestes fez com que o comensal da morte encapuzado virasse a máscara fria dele para me olhar e ao mesmo tempo, a cabeça da Mantícora se ergueu. As narinas do monstro se alargaram para sentir o meu cheiro e eu congelei, não sei se por um feitiço ou por puro terror, mas não conseguia me mover para sair do aposento.

― Não era para ser você esta noite. ― Disse o homem, mas meus olhos se detiveram na besta, que permanecia com o rosto impassível, mas apontava seu ferrão diretamente para mim. ― Mas é uma oportunidade boa demais para ser desperdiçada.

― Quem é você? ― Foi tudo o que consegui dizer, enquanto apertava mais forte os dedos na minha varinha.

O comensal se moveu com tanta rapidez que, em um piscar de olhos, ele estava atrás de mim. Ninguém, nenhum bruxo, mesmo no auge do seu poder, era capaz de se mover tão rapidamente assim; era como se ele fosse feito apenas de sombras e vento.

― Uma pena, garota. ― Sussurrou o rosto sob a máscara. ― Eu nunca saberei como você veio parar aqui embaixo. ― A mão do comensal, coberta por uma luva negra, envolveu a maçaneta. ― Não que eu me importe. Adeus, usurpadora.

A porta se fechou com um estrondo e eu me atrapalhei com a maçaneta quando girei o objeto, porém a porta não se moveu. Estava trancada.

Bile subiu na minha garganta e eu recuei de costas ainda mais em direção à porta, enquanto os olhos implacáveis e famintos da Mantícora me encaravam. Por que ela não me atacava imediatamente?

A criatura farejou novamente e raspou o chão com as garras de uma das patas, o golpe sendo forte o bastante para arrancar lascas da pedra. Pânico me invadiu e eu perdi a capacidade de respirar. Eu morreria naquela câmara, onde ninguém me encontraria, pois ninguém sabia onde eu estava, já que desci até ali para seguir uma pista dada por um fantasma.

A mantícora afundou novamente sobre as ancas, prestes a dar o bote, e, naquele momento, a adrenalina finalmente dominou a minha mente e me fez pensar em um plano imprudente e corajoso. Quase não tive tempo de pô-lo em prática, já que, com um rugido que balançou todo o aposento, a besta correu até mim. Levou tudo de mim me manter imóvel diante da porta, observando-o galopar em minha direção e vê-lo se lançar na direção das minhas pernas. Corri de encontro a ele, murmurando um Ascendio no instante em que ele pulou para me atacar. Um estrondo retumbante ecoou pela câmara quando a criatura destruiu a porta de madeira.

Enquanto a criatura tentava se livrar das lascas de madeira que cortaram o corpo dela, rolei por cima dele e me lancei através da soleira, virei à esquerda e continuei a descida pela escadaria. Eu não teria nenhuma chance se tentasse voltar para o meu quarto, mas talvez eu conseguisse ser rápida o suficiente para chegar ao sarcófago.

A mantícora rugiu novamente, senti os degraus estremecerem sob meus pés, mas não ousei olhar para trás; concentrando-me em não cair conforme corria escada abaixo e alcançava a plataforma inferior, corri para alcançar a tumba. Graças aos deuses a porta do túmulo estava escancarada, como se alguém já estivesse ciente de que ali podia ser um refúgio esperando.

Ganhei segundos preciosos quando a mantícora derrapou, ultrapassando a entrada do túmulo foi o suficiente para os meus olhos varrerem o aposento e eu me deparar com a imagem de pedra Godric Gryffindor, que agora, tinha em suas mãos a mesma espada que me salvou em vários outros momentos. Ela brilhava à luz da lua – O metal cintilava para mim.

Quando a mantícora saltou dentro do aposento e veio em minha direção, alcancei a empunhadura fria cravejada de rubis e girei-a no ar. Só tive tempo de ver os olhos da criatura e um borrão da cauda escorpiana, antes de cortar a cabeça humana do corpo da besta. Senti uma dor lancinante do lado direito do meu corpo quando, junto com a mantícora, caí com um estrondo no chão, enquanto sangue negro jorrava do toco do pescoço dela.

Não me movi ao ver o ferrão da cauda da mantícora enterrado no meu antebraço direito, o mesmo já afetado pelo maldito balaço. Eu apenas arfava e tremia, sem soltar a mão esquerda do cabo da espada, somente quando senti o medalhão de Régulus pulsar mais uma vez, eu reagi.

Tudo que se sucedeu daquilo foi uma série de passos, que minha mente de curandeira sabia que precisava executar perfeitamente para que não desmoronasse bem ali, naquele túmulo, e nunca mais me levantasse. Primeiro, liberei meu antebraço do ferrão da criatura, o que ardeu impiedosamente. Uma feia perfuração jorrou sangue e conjurei ataduras precárias com a minha varinha para tentar estancar o sangue. Consegui ficar de pé, cambaleando, e usei minha própria camisa para limpar a lâmina da espada da Grifinória, colocando-a de volta no lugar, mirando por alguns segundos a estátua de Godric.

― Obrigada. ― Agradeci a ele, rouca.

Com a visão embaçada, deixei a tumba e cambaleei escada acima, apertando o antebraço ensanguentado no meu peito. Quando finalmente cheguei ao meu quarto, me recostei ofegante, antes de sair pelo buraco do retrato e selá-lo com o mesmo feitiço de antes.

O ferimento ainda não tinha estancado e o sangue escorria pelo meu pulso, eu conseguia ouvir o pingar no chão. Eu preciso de um curandeiro. A palma da minha mão parecia gelo. Tentei caminhar até minha mesa de cabeceira em busca do meu telefone para pedir ajuda, mas minhas pernas cederam e eu desmoronei. Minhas pálpebras ficaram pesadas e as fechei. Por que o meu coração está batendo tão devagar? Abri os olhos para vislumbrar o ferimento, mas a minha visão embaçada só me deixava enxergar um borrão rosa e vermelho. A sensação gelada, antes apenas na palma da minha mão, estava espalhando-se para todo o meu braço e pernas.

Eu estava quase no fim da minha consciência quando ouvi passos, seguidos por um rosnado. Mãos mornas seguraram meu rosto e eu estava tão gelada que esse toque quase me queimou.

― Granger! ― Era Severus. Ele sacudiu os meus ombros. ― O que aconteceu com você?

Pouco me lembro dos momentos que se seguiram. Braços fortes me ergueram e me levaram às pressas à banheira. Meu corpo inteiro queimou ao tocar a água e me debati o quanto pude, mas Severus me segurou com firmeza e cantarolou feitiços que eu estava debilitada demais para compreender. Achei ter ouvido dois "pops" de aparatação pouco antes do meu coorientador empurrar poções e o que eu tinha quase certeza ser um bezoar pela minha garganta. A luz prateada de um patrono pulsou enquanto ele me deteve na água e eu oscilava entre a minha consciência, Longbottom, foi a única palavra que eu ouvi antes de ser engolida pela escuridão.


Eu estava aquecida quando abri os olhos e conseguia sentir um cheiro de alecrim e gengibre. Emiti um pequeno gemido ao tentar me levantar da cama. O que havia acontecido? Eu só conseguia me lembrar de subir as escadas e esconder a passagem secreta atrás do retrato...

Me assustei quando toquei minhas vestes, ainda estavam úmidas, mesmo que eu estivesse envolta em calor. Ergui meu braço direito no ar e fiquei espantada e maravilhada ao perceber que estava completamente curado. O único resquício do ferimento era uma cicatriz no local onde o ferrão da mantícora tinha se enterrado. Passei um dedo por ela, traçando a curva que formava, e mexi meus dedos da mão direita para me certificar de que nenhum dano profundo tinha afetado algum tendão.

Finalmente ergui o meu olhar e notei que não estava sozinha. Severus estava sentado em uma cadeira próxima, me olhando; os lábios dele estavam franzidos em desgosto. Fiquei confusa ao perceber a desconfiança nos olhos do homem que me salvou.

― O que aconteceu? ― Perguntei.

― Estou aqui esperando-a acordar para perguntar isso a você. ― Disse ele apontando para o meu braço. ― Se eu não a tivesse encontrado, essa ferroada a teria matado em poucos minutos.

Desviei o olhar para o piso de pedra e notei que até mesmo o sangue que havia caído no chão fora limpo.

― Obrigada. ― Respondi, antes de me assustar ao olhar para o céu escuro pela janela. ― Quanto tempo…

― Só se passaram duas horas. ― Ele me cortou.

― Eu não entendo. Como você...

― Isso não é importante. ― Severus me interrompeu novamente. ― Eu quero saber como e onde você foi picada por uma mantícora, já que havia sangue no seu quarto, mas nenhum sinal dele no corredor, ou em qualquer outro lugar. Então não se dê ao trabalho de mentir para mim, Granger.

Parei por um momento, repetindo minhas conversas com Regulus: "Nenhuma criatura viva ou morta, deve pegá-la aqui". Eu não conseguia lembrar se ele tinha me proibido de contar sobre a tumba ou a minha missão e minha mente estava confusa demais para me concentrar nisso agora.

― Eu recebi ordens para não dizer nenhuma palavra. ― Respondi com um suspiro.

― Nenhuma palavra sobre o quê? ― Severus perguntou com rispidez. ― Shacklebolt? Ele dá ordens a você? ― Os lábios dele franziram ainda mais quando soltei outro suspiro resignado. ― Você não confia em mim?

― Claro que confio, Severus. ― Respondi de imediato. ― Principalmente agora que você acabou de salvar a minha vida. Só não sei o que exatamente posso contar.

― Devo lembrá-la de que posso arrancar a informação de você? ― Ele rosnou irritado.

Eu estremeci ao encará-lo porque eu sei que ele pode. Não consegui respirar rápido o suficiente, não com as imagens que eu queria esquecer passando diante dos meus olhos. Era quase como se elas quisessem que Severus usasse o poder de Legilimens dele para vê-las. Eu sabia que era o meu desespero em conseguir um aliado, quem estava tentando derramar essas imagens para o meu coorientador, mas eu ainda não sabia, com absoluta certeza, se podia contar sobre a tumba e o fantasma de Regulus Black. Fechei os meus olhos, desejando a escuridão.

― Por favor, Severus. ― Murmurei cansada.

Ele ficou em silêncio e olhou para mim com um olhar vazio. Eu precisava fazê-lo entender a necessidade que me consumia em querer dividir minha angústia com alguém.

― Eu tinha certeza de que morreria aqui no chão. E eu não escolheria morrer sangrando no chão frio, sozinha. Você, melhor do que ninguém, sabe como é a sensação. ― Assisti o reconhecimento passar pelos olhos dele, ao lembrar de como quase morreu na Casa dos Gritos e sabia que tinha conseguido mostrar o meu ponto. ― Então, realmente acha que eu não quero contar para você? Saiba que não há um momento sequer em que eu não pense em como será ter alguém comigo. Eu era parte de um trio, mas eles se foram e agora estou isolada como a bruxa mais poderosa de Hogwarts. Um poder que não me ajudou a evitar ser picada por uma mantícora. ― Limpei uma lágrima que escorreu involuntariamente pela minha bochecha e suspirei novamente. ― Eu sei que preciso de alguém. Seja para me salvar ou me irritar. E essa pessoa é você, mesmo que eu ainda não saiba nada sobre sua vida ou seus poderes, nem como vai ser o nosso aprendizado sobre a magia antiga, mas eu consigo me ver ao seu lado, lutando contra essa maldição.

Eu concluí minha fala, fitando a escuridão da janela. A quietude dos terrenos do castelo fizeram os minutos escorrerem, enquanto cada um de nós refletia sobre o que eu tinha dito. Ouvi os passos dele quando se aproximou da minha cama e o colchão cedeu quando Severus se sentou na borda dele.

Meu antigo professor de poções me encarou quando apanhou a varinha dele, murmurando um Lumus e seus dedos roçaram levemente o meu queixo, levantando meus olhos na direção da luz. Estremeci com o seu toque e uma sensação de prazer rodou no meu baixo ventre.

― Você teve sorte. ― Severus murmurou, enquanto soltava a varinha e envolvia as mãos em torno dos meus cotovelos, me ajudando a subir mais nos travesseiros.

Posso ter até esquecido de respirar com o choque e excitação que me atingiram quando o senti me segurar. Foi rápido, porque as minhas costelas doíam como o inferno e soltei um gemido em protesto.

― Jesus Cristo. ― Soltei, ao sentir o forte pulsar, quando ele me soltou na posição sentada.

― Deixe-me ver. ― Ele pediu.

― Estou bem. ― Respondi, mesmo que fosse óbvio que não estava.

― Deixe-me ver, Granger. Eu poderia ter feito isso quando você estava apagada, mas esperei que estivesse consciente.

― Eu estou bem, professor. ― Insisti.

― Você é uma péssima mentirosa. ― Disse ele. ― Remova o suéter, ou eu mesmo vou fazer isso por você.

― Uh… O quê? ― Soltei esganiçada.

Mas Severus Snape era conhecido pela sua falta de paciência com perguntas idiotas e quando não fiz o que ele me mandou, ele fez por mim. Uma mão puxou a barra desgastada do meu suéter e a próxima coisa que me dei conta, foi que ele o subiu até bem mais alto do que o meus seios, expondo todo o meu abdômen e sutiã.

Eu tentei soltar a barra de tecido da mão dele.

― O que você está fazendo? ― Minha voz soou desesperada, mas fraca demais pela mortificação e dor que eu estava sentindo.

Foi inútil. Ele tinha um aperto de morte sobre o material e seus olhos estavam completamente focados no meio do meu corpo. Acompanhei a direção do seu olhar e vi que a pele cobrindo o lado direito do meu abdômen estava inflamada e vermelha, com minúsculos grânulos de sangue pontilhados sobre ela. Felizmente, minhas costelas não estavam inchadas ou azuis. Mas amanhã... Estremeci com o pensamento, mas também com o roçar dos dedos de Severus, puxando o cós da minha calça baixo o suficiente para que a tira larga da minha calcinha fizesse uma aparição.

― Estou bem. ― Murmurei e puxei o cós de volta para cima, fora de seu controle.

Severus me olhou, meu suéter ainda agrupado em sua outra mão.

― Não imaginava que você fosse tímida, Granger.

― Eu não sou. ― Devolvi. A menos que eu esteja na frente de uma câmera.

― Você está agindo como se fosse. ― Ele respondeu, apertando a varinha bem em cima de um dos meus ossos. ― Eu achava que curandeiros sabiam como um exame é feito.

Uma parte de mim estava bem ciente de que ele estava apenas incitando-me, desafiando-me para que eu fizesse o que ele queria. Sim, eu sou uma curandeira e é inerente à minha profissão saber lidar com a nudez. Severus ver a minha nudez é que era o problema. Respirei fundo para jogar a minha insegurança de lado. Afinal, ele está apenas me examinando, nada mais.

― Bem. ― Soltando a mão dele do meu suéter, segurei as barras do tecido e o puxei sobre a minha cabeça. Que se dane. O que eram seios e algumas cicatrizes de guerra, quando eu sabia que ele tinha várias delas também?

Seus olhos pousaram sobre os meus, mas ele não disse uma palavra. Em vez disso, ele me olhou com uma expressão que eu ainda não o tinha visto me encarar, e ambas mãos dele deslizaram pela pele, revestindo minhas costelas. Mal consegui não fazer um som com o seu toque, e não tinha nada a ver com a dor. Mas era impossível para mim não perceber como suas mãos eram grandes e quentes. E ele me tocava como se eu realmente fosse algo frágil. Suas mãos deslizaram acima do meu torso e seus dedos eram tão longos que ele envolvia toda a área ao redor de onde eu estava machucada.

Severus não quebrou o contato visual comigo enquanto seus polegares pressionavam para dentro das cavidades entre as costelas e as almofadas de seus dedos descansavam sobre a pele acima do meu ferimento. Quando ele apertou mais forte, soltei um gemido em reflexo à dor que senti. Ele nem piscou ao apertar uma segunda vez, e mesmo sob a nuvem de dor, meu coração trovejou sob o meu peito e os cabelos nos meus braços se arrepiaram em resposta ao calor nas íris negras dele.

Porque ele precisa olhar para mim enquanto faz isso?

― Eu estou bem. Só um pouco machucada. ― Murmurei com uma voz levemente controlada, que não condizia com o turbilhão de emoções que preenchiam meu ser.

Os polegares dele acariciaram distraidamente a primeira linha das minhas costelas e eu estremeci quando lembrei que elas estavam localizadas poucos centímetros abaixo do inchaço do meu peito.

― Você vai ficar bem. ― Ele afirmou com confiança, como se o curandeiro na sala fosse ele, não eu.

Eu engoli, tentando me recompor.

― Você acha que posso ir para casa? ― Perguntei, quando meu olhar perpassou pelo retrato de Rowena. Felizmente, Severus não acompanhou a direção dele.

― Pedirei a Winky que aparate você até lá. Eu entendo que não possa me contar sobre nada, mas sou inteligente o suficiente para saber que o que aconteceu, partiu deste quarto. ― Ele atirou-me um olhar, desafiando-me a discordar dele.

― Certo. ― Concordei.

― A magia dos elfos é mais suave, não vai piorar sua dor. E você vai tomar duas doses de Sono Sem Sonhos assim que chegar lá. ― Ele ordenou.

― Certo. ― Repeti.

Dez minutos depois, Winky me acomodou na minha cama do apartamento em Hogsmeade e me entregou os dois frascos de poções que Severus lhe deu antes de partirmos. Antes de mergulhar no sono induzido pela poção, o olhar dele sobre mim preencheu a minha mente. Eu agradeci mentalmente por ele ter salvo a minha vida e sussurrei que eu o deixaria fazer qualquer coisa, se ele sempre me olhasse com aquela expressão, antes de ser engolida pela escuridão da poção.


Estavam batendo na porta e eu ia lançar uma maldição da morte em quem estava do outro lado dela. Talvez não a maldição da morte, mas um cruciatus, sim. O fato dos meus pés estarem se arrastando abaixo de mim após às dez da manhã, era apenas um dos exemplos do quanto eu me sentia horrível.

― Estou indo! ― Eu gritei quando a batida tornou-se ainda mais detestável. ― Professor? ― Perguntei quando destravei o bloqueio superior e, em seguida, o inferior, puxando a porta aberta em apenas uma fenda.

― Severus, é o suficiente. Deixe-me entrar. ― Ele respondeu suavemente.

Só depois que abri a porta, pensei sobre o fato de que eu só tinha rolado para fora da cama. Meu cabelo estava um pesadelo e meu rosto, definitivamente, inchado.

― Acabei de levantar. ― Expliquei fracamente, assistindo ele trancar a porta quando entrou.

― Posso ver. ― Os mesmos olhos que vi na minha mente antes de adormecer olharam para meu rosto por um segundo, se afastando um pouco mais baixo brevemente, antes de finalmente dar uma olhada na minha pequena sala de estar. ― Eu liguei para você.

― Eu larguei meu telefone aqui na sala depois que avisei a Minerva que não iria. ― Expliquei.

Mesmo com a poção, eu tinha dormido como um lixo completo. Meu lado direito machucado não me deixou encontrar uma posição confortável para dormir e eu me sentia miserável quando o meu despertador tocou às seis. Minerva não hesitou em me dizer para ficar melhor e voltar, uma vez que meu misterioso "vírus" fosse embora. Eu odiava mentir para ela, mas não havia chance de contar o que aconteceu, e eu esperava que Severus também não dissesse nada. Para amenizar a culpa, prometi à minha diretora que visitaria um curandeiro e ficaria na cama.

― Ela me avisou. ― Ele respondeu, dando mais alguns passos e examinando a minha pequena cozinha, voltando o olhar para mim, inspecionou-me da cabeça aos pés, franzindo a testa. ― Vim checar se você estava viva.

― Eu estou bem, Severus. Sinto-me como se tivesse sido atropelada pelo trem da escola, mas estou bem.

― Você perdeu o treino. Isso é um indicativo de que não está bem, Granger.

Ele tinha mesmo um excelente ponto.

― Eu tenho uma consulta médica particular ao meio-dia, só para ter certeza de que nada está quebrado.

A expressão dele escureceu enquanto andava para a cozinha.

― Tem chá ou café?

Eu apontei. ― Ambos.

Ele fez um barulho indiscriminado, quando procurou em meus armários de cozinha.

― Bem, fique à vontade. Vou tomar banho e me vestir para a consulta.

Trinta minutos depois, eu tinha tomado um banho, escovado os dentes e conseguido conter meu cabelo no que poderia ser considerado um coque, para fazer uma aparição de volta na sala de estar do meu apartamento. Severus estava sentado no sofá, bebendo café preto em uma xícara impressa com uma imagem estática de Bichento e assistindo algo na minha televisão.

― Está com fome? ― Perguntei a ele, porque eu estava sim, com muita.

― Não. ― Respondeu ele, ainda não virando do seu foco na tela.

Eu comecei a procurar por algo fácil de cozinhar na minha despensa e geladeira. Optei por algumas frutas congeladas para misturar com o leite de amêndoas e me fiz um sanduíche de patê de frango.

― Aqui. ― Eu disse, segurando um dos copos e oferecendo um pouco de smoothie para ele.

Severus o pegou sem uma palavra, colocando o vidro sobre a mesa de centro. Rigidamente, peguei um assento do lado oposto do sofá, com o prato no meu colo e me sentei lá assistindo o seriado médico passar na tela.

― Por que tem tantas gravações desta série? ― Ele perguntou, apontando minha estante de dvds.

― Porque eu gosto. ― Respondi, enquanto o via dar play em mais um dos episódios. Nem quinze minutos de programa tinham se passado quando ele virou completamente todo o seu corpo em minha direção, com uma expressão suspeita. Eu coloquei o prato no meu colo e pisquei os olhos. ― O quê, Severus?

― Você gosta dele ou da série como um todo?

Oh, sim. Neville tinha rido histericamente quando admiti o quão quente eu achava o protagonista, já levemente grisalho, e que passava de seus quarenta anos. Eu não me importei com as risadas do meu assistente, o ator é realmente atraente e a temática médica da série só ajuda.

― Ele, na maior parte. ― Eu disse, dando de ombros.

A expressão facial de Severus não mudou, mas o tom dele, sim.

― Você está brincando?

― Não. ― Respondi séria.

― Por quê? ― Ele me perguntou, como se eu tivesse dito algum absurdo.

Eu segurei o meu sanduíche no ar, diretamente sob minha boca, antes de dar uma mordida.

― Por que não?

― Você é jovem o suficiente para ser sua filha. ― Ele despachou.

Eu quase ri, mas preferi morder outro pedaço de minha comida e o assisti com cuidado, me divertindo com o quão era estranho que ele parecesse tão indignado com quem eu achava atraente.

― Primeiro, fisicamente ele não é nem remotamente parecido com o meu pai, e em segundo lugar, eu poderia me importar menos sobre a sua idade. ― Severus balançou a cabeça em descrença. ― E, ele está em boa forma.

― Ele manca. ― Severus emendou.

― Você está sendo capacitista agora, professor. ― Sua boca caiu um milímetro aberta. ― O quê?

― Você tem problemas com o seu pai?

― O que? Não! ― Respondi, surpresa com o rumo da nossa conversa. ― Meu pai era ótimo, Merlin, Severus, de onde você tirou isso?

Seus olhos se estreitaram, mas sua expressão era divertida quando algum tipo de percepção o alcançou.

― Você gosta de homens velhos. ― Ele concluiu.

Eu mordi meus lábios. Ele estava tão perto da verdade que quase me fez rir.

― Eu diria… homens maduros? ― Severus olhou para mim por tanto tempo que realmente comecei a rir. ― Pare de olhar assim para mim. Eu só acho os rapazes da minha idade muito… verdes. ― Expliquei. Ele ainda não disse uma palavra. ― Todo mundo tem um tipo. Tenho certeza que você também.

― Não sou atraído por idosos.

― Ok, tudo bem. Você não gosta de homens mais velhos ou mulheres.

Ele não se incomodou em observar o meu ponto sobre ele ser atraído por homens.

― Não tenho nenhum tipo. ― Disse lentamente.

Sim, ele tinha, e eu sabia exatamente qual era: ruiva. ― Todo mundo é atraído por certas coisas, mesmo você. ― Rebati.

Aqueles olhos negros piscaram. ― Você quer saber por quem sou atraído?

Eu estava trinta segundos atrasada para perceber que não queria saber. Afinal, eu quero mesmo ouvi-lo falar os requisitos nos quais não me encaixo? Definitivamente não. Mas não é como se pudesse voltar nesse ponto. Rangendo os dentes, concordei.

― Vá em frente, se você acha que eu sou tão esquisita. ― Desafiei.

― Eu gosto de pernas.

Pernas? ― E? ― O incitei.

Os olhos dele estreitaram apenas um pouco. ― Confiança, cabelo bonito, alguém que me faça rir.

Soltei um bufo descrente.

― Você está inventando coisas? ― Duvidei. Porque, sério, Severus Snape sorrindo?

― Há algo de errado com a minha lista? ― Ele perguntou com um brilho inflexível nos olhos.

― Alguém que te faça rir? Sinto que você vai começar a dizer "alguém que ame diabretes da cornualha" depois disso.

― Só porque não sou atraído por pessoas velhas o suficiente, não quer dizer que minha lista é inventada, Granger. ― Respondeu ele.

Isso me fez recomeçar a rir.

― Você faz parecer como se eu visitasse asilos para conseguir um encontro. ― Apontei para a tv. ― Este ator é apenas um ano mais velho que você, então pense sobre isso, Severus Snape.

Ele me olhou com uma expressão azeda. ― Você é a pessoa mais insolente que já conheci na minha vida.

Sorrindo, tirei mais um pedaço do meu sanduíche.

― Na verdade, esse é o Harry. Mas desde que ele fundou o seu fã clube particular, acho que acabei herdando o posto.

Ele sorriu levemente do meu comentário e finalmente voltou sua atenção para a televisão. Assistimos o resto do episódio em silêncio e quando terminou, me levantei, levando meu prato e os copos para a cozinha, falando com ele ao longo do caminho.

― Eu tenho que sair em trinta minutos. Se você prometer não roubar meus dvds, você pode ficar aqui e assistir mais programas trouxas.

― Eu tenho um motorista. Ele pode nos levar.

Nós? Meu prato fez um barulho quando o soltei na pia. ― Você quer vir?

― Não tenho mais nada para fazer.

Eu realmente não fazia ideia do que Severus fazia quando não estava nos treinando. Andei até o sofá novamente e me sentei, olhando para ele. Eu sabia que ele podia interpretar minha próxima pergunta como invasiva, mas que seja.

― O que exatamente você faz todo dia?

Foi uma pergunta sincera. Considerando a quantidade de bruxos que existiam hoje, todos nós desempenhamos funções obrigatórias, mas eu nunca soube onde ele se encaixava. Na verdade, até ele retornar à Hogwarts, ninguém ao menos sabia sobre ele. Exceto que ele era recluso e tinha recusado qualquer trabalho formal. Então, o que ele faz quando não está no treino? Severus manteve a sua atenção para frente, mas consegui ver que o ombro mais próximo de mim tensionou, embora sua resposta tenha sido simples.

― Nada.

― Você não tem nada para fazer? ― Repeti em descrença.

― Não. Algumas correspondências e telefonemas, nada de significativo.

― Você ainda atua como mestre em Poções?

― Sim. E como você, tenho um assistente que cuida de tudo para que eu não tenha. Já minimizei minhas obrigações recentemente.

― Você está em qual nível mágico? ― Ele me olhou, mas não respondeu. ― Pergunto apenas porque você poderia conseguir qualquer função que quisesse. ― Ofereci desajeitadamente.

― Bruxos mestiços são no máximo, nível sete. ― Ele pontuou.

― Suas demonstrações nos nossos duelos me fazem duvidar que você seja um nível sete… ― Vi a expressão dele se fechar e desisti de insistir nisso. ― Então, um hobby talvez?

A expressão dele se suavizou, mas ele apenas encolheu os ombros. Não sei por qual motivo, mas saber sobre a disponibilidade ociosa de tempo dele, me fez lembrar da noite em que fui buscá-lo no bar. Ele com certeza é solitário e se afoga em álcool de vez em quando para esquecer essa condição. De repente, várias coisas começaram a fazer sentido na minha cabeça: o porquê dele jogar quadribol não-mágico comigo, pedir-me para duelar com ele e o porquê dele estar agora aqui no meu apartamento. Eu era uma das suas únicas amigas, se é assim que posso me intitular. Este senso de obrigação em ser, talvez, a única amiga que ele tem, agitou-se em meu peito. Inclinando-me de volta contra o sofá por mais alguns minutos, fiquei com o pensamento na minha cabeça.

― Nesse caso, acho que você vai precisar de um feitiço glamour no rosto, antes de irmos embora.

― Por quê? ― Ele perguntou, arqueando uma sobrancelha.

― Porque os curandeiros normalmente são seus fãs. Por causa das suas brilhantes titulações em poções. E os repórteres vivem perseguindo você. ― Expliquei. ― Então, todo mundo mágico vai querer saber o que você estava fazendo num consultório particular comigo e a próxima capa do Profeta Diário vai estampar uma manchete dizendo que estou grávida do seu bebê.

Severus suspirou. ― Não seria a primeira vez.

Ele estava certo. Quando a guerra chegou ao fim e a magia desapareceu, algumas pessoas sugeriram que gerar crianças mágicas poderia ser a solução para desencadear a magia novamente. Não à toa, explodiram nascimentos nos dois primeiros anos da escassez mágica. Tinha sido ruim para todos. As pessoas se acharam no direito de colocar um cronograma em cada bruxo e bruxa para gerar "bebês mágicos". Eu tinha terminado meu relacionamento com Ron bem nessa época e isso se somou ao meu pesadelo particular de ser uma das bruxas com magia plena, que recusava-se a ter um bebê de um mago sangue puro para ajudá-lo com sua falta de magia. Quem não tinha um relacionamento na época ― que era o caso de Severus ― foi induzido a se aliar com alguém nessa busca por cura. Eu consigo lembrar pelo menos algumas vezes ao longo desse período que algum tablóide noticiou que ele tinha engravidado alguém, já que choviam rumores sobre bebês e relacionamentos. Foi um pesadelo, tinha sido impossível ignorar todo o drama, apesar do quanto quiséssemos.

― Esse é o preço da fama. ― Afirmei.

O olhar dele parecia perdido por um momento, como se ele estivesse se lembrando de tudo que passou também. Mas, não é como se ele fosse uma pessoa que falasse sobre a própria vida, porém, mesmo quando ele me respondeu com uma única palavra, percebi que era um assunto delicado para ele.

― Sim.

Limpei minha garganta e resolvi amenizar o clima.

― Que pena que Skeeter não acerta nada sobre você.

Houve uma pausa antes dele soltar um riso.

― Granger, realmente não sei como ainda não a amaldiçoei.

― Ao menos eu digo as coisas na sua frente e não pelas costas. E já ganhei uma boa cota de maldições naquela maldita guerra. Eu realmente vou passar essa.

Ele sorriu ao me ver estremecer levemente.


― Hermione, eu não te vejo aqui há muito tempo! ― Disse Padma Patil, agora assistente na clínica onde eu me consultava, quando lhe entreguei uma prancheta com minha papelada.

― Você faz parecer como se isso não fosse uma coisa boa, Padma. ― Eu respondi com um sorriso.

Ela piscou o olho para mim.

― Nós te chamaremos em alguns momentos.

Eu assenti com a cabeça e sorri para o casal esperando pacientemente atrás de mim. Voltei para meu lugar no canto da sala, onde Severus estava sentado próximo ao rádio sintonizado na estação de notícias bruxas. Abafei um gemido enquanto me sentava, minhas mãos segurando forte os braços da poltrona na viagem do meu tronco para baixo.

Ele estava olhando para mim, balançando a cabeça em desaprovação.

― O quê? ― Resmunguei.

Ele olhou para o meu tronco, mas voltou rapidamente o olhar para o meu rosto. ― Você está acabada.

― Vou tomar isso como um elogio, já que eu não costumo faltar a um treinamento se eu não estiver nesse estado. A última vez que faltei à aula, eu estava acamada depois que Dolohov me amaldiçoou no Departamento de Mistérios. ― Eu suspirei de dor quando terminei de me acomodar.

Severus bateu do lado do meu joelho com a palma da sua mão.

― Eu estarei de volta.

Tentei sorrir, mas parei a ação na metade ao sentir uma pontada no meu lado direito; o efeito da poção analgésica que tomei pela manhã estava passando.

― Ok.

Estendendo-se a sua altura total, ele fez seu caminho para fora da pequena área de recepção em direção ao banheiro. Puxei meu telefone da bolsa e comecei a digitar uma mensagem para Neville, deixando-o saber que vim para uma consulta e iria fazer exames muito em breve. Eu não tinha ferrado muito com ele hoje tirando o dia de folga, não havia tantos pacientes sob nosso cuidado até o fim de semana, e dois outros medibruxos se revezaram para assumir o meu turno de hoje. Sorri para a resposta dele, dizendo para que eu só fosse trabalhar até que soubesse com certeza que não estaria fazendo mais danos a mim mesma e que ele arrastaria todos os medibruxos residentes para ajudá-lo nos atendimentos da nossa ala.

― Você pode aumentar o volume?

Olhei para cima do meu telefone para ver o homem que tinha estado atrás de mim checando com sua esposa, olhando com expectativa do seu lugar do outro lado da saleta. Ele estava se referindo ao rádio.

― Claro. ― Respondi, estendendo meus dedos até o botão e distraidamente aumentando o volume. Levei um segundo para perceber qual era tópico na estação de rádio para hoje.

"... Até quando uma falsa capa de herói vai esconder coisas sobre as quais ele não quer que o público saiba? Sinceramente, não me surpreenderia se houvesse mesmo uma revogação da licença de aparatação no registro ministerial de Snape, mesmo que ninguém possa encontrar provas disso. Ele foi alçado a herói ainda que a metade da comunidade bruxa o odeie, apenas por que o ministério faz questão de esquecer que ele foi um dos mais fiéis comensais…"

Eu apertei o botão de desligar, meu coração batendo na minha garganta. Meu Deus do céu, estavam duvidando de novo da índole de Severus? Discutiam sobre ele ter uma fodida restrição para aparatação, quando ele nem devia poder aparatar, por ser um bruxo mestiço. Eles não tem nada melhor para falar? Essa gente lembra que Snape pode voar sem uma vassoura?

― Desculpe-me. Importa-se em ligar novamente? ― Perguntou o homem do outro lado da sala.

Eu estava de repente incrivelmente grata que tinha dito a Severus para ele colocar um glamour no rosto antes de sairmos. Sentindo-me ainda nervosa, neguei com a cabeça.

― Em um minuto. Me desculpe.

O estranho não podia acreditar que eu neguei, e sinceramente fiquei surpresa de ter dito também. Mas quando pensei sobre isso, eu preferia que um estranho pensasse que fui rude, do que Severus ouvindo aquela porcaria. Ele não tinha agido de forma estranha, então não acho que ele saiba que estava sendo notícia na rádio bruxa.

― Você é o fiscal da rádio ou algo assim? ― O homem perguntou com uma carranca.

Eu tentei argumentar comigo mesma que ele estava sendo um idiota porque fui eu quem comecei.

― Não. ― Respondi calmamente, olhando-o nos olhos, porque ser tímida quando você está sendo rude só piora as coisas. ― Vou colocar de volta em um segundo. ― Eu completei enquanto torcia para que se eu esperasse um minuto, as âncoras já estariam falando sobre outra coisa.

O cara olhou para mim e às vezes você não precisa realmente dizer a palavra "vadia" para disparar a mensagem para o outro lado. Obviamente, esse homem dominava esse talento.

Eu senti Severus antes que ele realmente estivesse de volta. Ele propositadamente passou na minha frente para tomar seu lugar na cadeira ao lado da minha. Levou menos de dois segundos para ele pegar as vibrações odiosas que o outro homem estava me enviando e ele inclinou-se para frente, um cotovelo apoiado sobre o joelho e metade do seu corpo virado para mim, mas sua cabeça direcionada para o estranho.

― Tenho certeza de que há outras coisas para as quais você pode olhar, senhor. ― Severus disse na sua voz letalmente suave.

― Eu estaria prestando atenção ao rádio, se sua mulher não tivesse desligado. ― Explicou o homem.

Severus não me perguntou por que o desliguei, ou por que não liguei. Ele ficou na mesma posição que estava, sua mão livre, repousando sobre o joelho dele.

― Então em vez de se preocupar com o rádio, talvez você devesse se preocupar com a própria saúde, não? Isso ainda é uma espera médica desde a última vez que verifiquei.

Oh Merlin!

― Srta. Granger, siga-me? ― Uma voz falou da porta.

Levantei-me e bati levemente no ombro de Severus enquanto ele ainda encarava o homem do outro lado da sala. Ele imediatamente levantou-se comigo. Reduzindo a minha voz para que só ele pudesse ouvir, eu sussurrei.

― Convém que você ligue para Vector. Estavam falando sobre você no programa do almoço e era sobre o outro lado. Você sabe o que quero dizer? ― Seus olhos se moveram de um dos meus para o outro antes de ele acenar em compreensão. Não sei por que fiz isso, mas estendi a mão e deu um aperto em seu pulso. ― O que qualquer outra pessoa pensa sobre você, não é grande coisa, certo?

― Srta. Granger? ― O curandeiro chamou meu nome mais uma vez.

― Estou indo. ― Dei um passo atrás. ― Deixe-me acabar logo com isso.

Mal vi o tempo gasto com os exames, principalmente porque estava distraída pensando sobre a situação com Severus. Ele não confirmou nem negou nada. Então, o que isso significa? Trinta minutos mais tarde, estava sentada em uma sala com o meu curandeiro quando ele acenou com a varinha e me mostrou as imagens das minhas costelas.

― Nada está quebrado. Viu aqui? Nem mesmo uma fratura. ― Ele confirmou e eu sorri para o curandeiro com quem me consultava sempre que queria discrição. ― Você tem alguns ossos fortes em você, senhorita Granger. ― Ele brincou enquanto rabiscava algo em meu arquivo. ― Mesmo assim recomendo que você tire uma semana por segurança… — Eu me engasguei. — ou pelo menos quatro dias, se você optar por ser teimosa e voltar. ― Ele me fitou com um sorriso. ― E vou te receitar uma poção especial. Peça à Minerva para me ligar se ela tiver dúvidas sobre seus dias de licença. Seu corpo precisa desse descanso.

Entregando o meu arquivo para seu assistente, o homem mais velho sorriu.

― Minha esposa e eu fomos à apresentação para a comunidade. ― Ele observou. ― Você realmente nos dá esperança, garota. Eu não vi ninguém ser tão boa bruxa quanto você. E você subiu ainda mais de nível, não é?

― Sim, estou no nível dez agora. ― Eu limpei minha garganta e ignorei a estranheza que senti com a menção da esperança depositada em mim. ― Obrigada por ter ido ver a nossa apresentação, a propósito. Eu provavelmente consigo dois bons lugares para a disputa com outra escola, caso vocês queiram ir novamente.

― Seria ótimo. Contra qualquer uma delas, seria ótimo. ― Hugh sorriu e eu fiz uma nota mental para lembrar de pedir a Kingsley uma liberação de assentos. ― Então, ah, como é trabalhar com Severus Snape?

As bochechas dele estavam rosadas nas maçãs, o que me fez perceber que ele provavelmente era um dos fãs africanos de Severus. Hugh tinha sido aluno da Uagadou. Fiquei de repente agradecida que Severus não me seguiu até a sala de exames. Eu só podia imaginar quanto o curandeiro iria surtar se soubesse que o renomado mestre em poções estava sentado na sua sala de espera.

― Ele é ótimo. Ele é duro, mas ele sabe o que está falando. E eu já estou meio que acostumada com ele. Fui sua aluna por seis anos na graduação em Hogwarts.

― Aposto que sim. Eu sempre quis conhecê-lo. ― O Curandeiro Hugh tinha um olhar sonhador em seus olhos.

― Eu estava nervosa ao redor dele no começo, já que agora seríamos algo mais próximos de colegas de trabalho, mas ele é como todos os outros. ― Conversei enquanto deslizava da mesa de exame o mais suavemente possível e segui em direção à porta. ― Eu vou enviar via coruja os ingressos assim que consegui-los.

O assistente dele me passou o meu arquivo e me deu instruções sobre o pagamento a ser feito com Padma. Eu o agradeci e abri a porta, encontrando Severus de pé, contra a parede bem ao lado dela.

― Você me assustou. ― Chiei e olhei para trás para certificar-me de que Hugh continuava sentado em sua mesa. Fiz um gesto em direção à saída onde minha antiga colega em Hogwarts estava. ― Vamos lá.

Fiz meu pagamento tão rapidamente quanto possível, tentando sair de lá antes do meu curandeiro ver o meu "amigo". Amigo esse que não disse uma única palavra enquanto pegávamos o elevador para a saída e ficou quieto quando nós entramos no carro. A mandíbula dele estava trincada, seus ombros ainda mais tensos, se possível, e suas mãos enroladas em punhos enquanto olhava para fora da janela durante a viagem inteira.

Engoli e olhei pela janela oposta, não sabendo o que dizer para melhorar a situação. Sinceramente, eu nem queria perguntar. Enquanto tinha quase certeza de que ele me considerava uma amiga, não me enganava em pensar que ele ia derramar seus problemas para mim. Considerando que há coisas que também não posso contar para ele, principalmente sobre a tumba e a forma como me machuquei ontem, acho que não estou em condições de ser hipócrita e perguntar.

Mas quando o carro parou na garagem que levava ao meu apartamento, hesitei. Severus ainda estava imóvel e olhando pela janela; aparentemente ele não ia descer.

― Ei. ― Chamei. Ele evitou o contato visual e não falou nada, mas sua mandíbula flexionou. ― Sua reputação é apenas o que todo mundo pensa de você, seu caráter é o que você realmente é, Severus.

Eu sabia desde o momento que ele lambeu seu lábio inferior, que ele não estava ansiando por meu apoio. Mas saber que estava prestes a obtê- lo não foi aviso suficiente.

― Se eu precisasse de bobagens inspiradoras, iria pedir.

Bem, tudo bem. Engarrafando minha irritação, tentei me colocar no seu lugar. Eu odiaria se todos os meus atos de redenção fossem postos à prova por uma única escolha errada do meu passado. Ele estava certo de estar frustrado, mas eu realmente estava apenas tentando ajudar. Respirei fundo enquanto minha mão apertava a maçaneta da porta.

― Eu só estou tentando dizer que isso não é o fim do mundo. Você vai passar por isso como você sempre passou. No final do dia, isso não é grande coisa, certo?

Severus manteve sua atenção para frente; o dedo indicador subiu para arranhar seu nariz. Eu podia sentir a arrogância que vinha dele. Bom Merlin.

― Quantos anos você tem? ― Ele perguntou em uma voz fria.

― O que importa quantos anos eu tenho? ― Respondi uniformemente. Eu não ia deixá-lo me fazer sentir insignificante só porque não tinha vivido tanto quanto ele.

― Você é apenas uma garota. Não está em posição de me dizer o que é importante e o que não é, nem como eu devo lidar com isso.

A indignação queimou minha garganta. Eu me sentei mais ereta e lhe atirei um olhar miserável, que teria sido muito mais eficaz se ele realmente estivesse na minha frente.

― Eu estou bem por você estar chateado porque estão falando sobre sua vida na rádio bruxa nacional, mas não achei que me destrataria quando tudo que estou tentando fazer é colocar isso sob uma nova perspectiva para você.

― Você não sabe de nada, Granger. É uma heroína imaculada. ― Ele murmurou.

Merlin! Esse homem é insuportável!

― Eu sei o suficiente! Você não é a única pessoa no mundo que fez alguma coisa que se arrependeu. E daí se você tem sua licença para aparatar suspensa? Foda-se, Severus. Você paga um motorista para carregá-lo para todo lugar, ou usa seus privilégios de herói e manda Robards autorizar dezenas de Chaves de Portais para você. E quanto ao ser um comensal da morte? Suas escolhas erradas já ditaram sua vida por tempo demais, então o que importa agora é o que faz consigo mesmo. Ser um cretino comigo não é o caminho para fazer isso. Mas o que eu sei? Eu sou imaculada e jovem, certo? ― Sabendo que não havia nada para fazer ou dizer, abri a porta e virei todo o meu corpo para sair da maneira mais fácil possível para minhas costelas. ― Obrigada pela carona e por ter vindo comigo. ― Eu disse antes de sair.

Nada. Ele não disse uma palavra e eu estava indignada o suficiente para apenas bater a porta do carro e seguir direto até a minha porta.

Mas qualquer raiva que senti no momento se evaporou assim que pousei o olhar sobre os degraus da minha entrada. Vestindo um terno negro sem um vinco sequer fora do lugar, uma pasta na mão e um olhar curioso, talvez por ter me visto acabado de discutir com o nosso professor em comum de tantos anos atrás, estava Draco. Enrolado entre suas pernas, escondendo-se timidamente de mim, havia um garotinho, com o mesmo cabelo loiro platinado e os mesmos olhos cinzas, que eram as características marcantes de qualquer Malfoy.


Notas Finais


Primeiramente, preciso me desculpar imensamente pelo sumiço das duas últimas semanas. Perdoem uma trabalhadora do comércio que mal teve tempo de se alimentar em dezembro. Minha carga de trabalho triplicou neste mês e atrapalhou toda a minha vida. Depois veio a estréia de No Way Home (sim, sou fissurada no universo Marvel), Natal e a festa do meu filhote (que fez onze anos e se vestiu de Harry Potter), então não consegui terminar a revisão final para envio para a betagem a tempo de cumprir os prazos. Prometo que agora estou de volta à programação normal.

Segundo ponto: eu usei de licença poética para sugerir que quando essa história se passa, a série House já existe e Hermione é uma super fã, tal qual, eu mesma.

Terceiro: escrevi uma oneshot para o desafio natalino do grupo Severo Snape Fanfiction, ela se chama "Semelhanças" e está aqui no meu perfil. Quero saber o que acharam da história também.

Beijos, gente, e até ano que vem! (Não podia perder a piada)