- Bom, Lana, chegamos no Labmed, mas não conseguimos entrar com o pedaço de granito que tava estancando seu sangue. Foi tirar a peça e, nem por telecinesia, a Jean deu conta de parar seu sangramento e a degradação tecidual das tuas pernas. Ela não entendia por que isso tava acontecendo e isso me deixou muito cabreiro! Fui correndo na frente, pedi pro Hank separar todo estoque de sangue sintético disponível e preparamos o caminho pra tentar, ao menos, não te deixar morrer. Não tínhamos certeza se te traríamos de volta, sabe? Os danos teciduais eram tantos e parecia quase certo de que a amputação fosse a única resposta que quando o Bobby perguntou por que eu não doava meu sangue pra você eu quase dei um beijo na boca daquele picolé! O Hank me olhou com um "mas é claro" e eu pensei "como fui burro!", peguei a primeira maca que tava do meu lado, já fui espetando um acesso em mim mesmo enquanto o Hank preparava o seu e iniciamos a transfusão... Claro, a gente não pensou em todos os potenciais problemas que poderiam ter ocorrido, especialmente por você já ter recebido uma transfusão quando criança, poderia ter alguma rejeição! Além do quê, parece que meu sangue tipo "E" não é tão bom depois que sai da minha corrente sanguínea, mas fato é que estávamos perdendo você, parte por parte, e não queríamos correr o risco de racionalizar demais e perder a chance de um milagre.

- Foi isso que aconteceu, Logan? Seu sangue foi um milagre pra mim? – ele respondeu continuando a narrar:

- Logo que seu corpo o recebeu, você teve dois ataques epiléticos, eu já tava dando adeus mentalmente e te xingando por termos conversando sobre como sua vida seria curta. Era uma bosta você ser tão sabichona assim, tanto nos seus malditos cálculos como no seu tempo de vida. Mas depois desse primeiro choque, a sua perda sanguínea parou e seus tecidos, aproveitando meu fator de cura, começaram a regenerar. Eu e o Hank não imaginávamos que a velocidade seria a mesma do meu corpo, ver a ação do meu sangue em outro corpo me deixou tão orgulhoso, como se eu não fosse somente uma máquina feita pra matar os inimigos da convivência pacífica, mas também um ser capaz de dar salvação. Quem sabe o que o Hank não podia fazer com meu sangue depois que analisássemos com mais calma? Ele já coletou amostras e foi fazer vários testes. Mas voltou com uma cara de desolação, citando Shakespeare ou algum outro escritor. Segundo ele, em nenhum dos testes o resultado foi o mesmo que contigo. Ele disse uma vez tirado, meu sangue altera suas propriedades em contato com outras culturas celulares e não faz nada muito diferente do sangue sintético que usamos. Segundo ele, o fato de sermos tão opostos pode ter sido o motivo do sucesso. Mas que nem ele sabia explicar cientificamente o fato. "Há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar". Depois de seis horas, suas funções estavam restabelecidas e o azulão te tirou do coma induzido, desejando que a perda sanguínea antes da transfusão não tivesse afetado seu cérebro de alguma forma... Acho que tu pode narrar a partir daqui, né?

Acenei positivamente e continuei:

- Abri os olhos, sem sentir dor nenhuma, com uma energia e vitalidade nunca antes sentida e vi você sentado no sofá do meu lado, tirando um cochilo tão gostoso, não ousei interromper. Mas eu tinha sede e, ao virar a mão na direção do armarinho ao meu lado fiz algum barulho que o despertou. Você perguntou como eu estava e, estranhamente, respondi: fantástica, mas com muita sede. Você se levantou, me pareceu um pouco zonzo e pegou uma garrafinha naquele mesmo armário, não sem antes perguntar pro Fera se eu podia beber água. Devagar, ele respondeu; menos de um gole por vez e aí você desapareceu com a minha garrafa de água e só voltou quando encontrou um canudinho naquele caos. Enquanto fazia isso, eu prestei atenção à quantidade de sangue na sala, aos equipos e bolsas de sangue jogados pelo chão e pude perceber o quanto vocês lutaram por mim. Até aquele momento, eu não sabia sobre a transfusão "a fresco", mas quando eu consegui me sentar sozinha na maca para me preparar pra tomar a água e me dei conta da perfeição das minhas pernas eu soube que algo muito diferente tinha acontecido. Imaginei ser a tecnologia S'hiar a responsável por aquele milagre, toquei minhas pernas, chorando e agradeci ao Hank do fundo do meu coração; a resposta dele me emudeceu: "Não é a mim que deve agradecer, Lana. Foi graças a uma ideia do Bobby e à anuência do Logan que realizamos a transfusão com o sangue dele, se não fosse isso, mesmo com toda nossa tecnologia, eu não teria sido capaz de te trazer inteira de volta... Suas pernas estavam esmigalhadas, minha cara."

- E, incrivelmente, seus olhos brilharam e você disse: Bobby?! Cê fez de propósito, né?

Eu ri, sarcasticamente:

- Claro que fiz de propósito. Voltar da morte vendo sua cara de desolação não tem preço, Logan! Você mantém uma distância tão segura entre nós que não me atrevo a romper, sabe? Mas naquela hora, quando meus olhos estavam marejados, eu queria muito ter abraçado você!

E não esperando por nenhuma resposta dele, fiz o que queria ter feito alguns minutos atrás, cuidadosamente, movi minhas pernas para fora da maca, encostei os pés no chão e, diante dele, o abracei, voltando a chorar copiosamente. O canadense não retribuiu meu abraço prontamente. Senti a energia das suas mãos sem saber onde tocar em mim, indo primeiro para minha cabeça e, em seguida, para meus ombros e costas.

- Obrigada, Logan! Você salvou minha vida! Ninguém nunca fez algo tão grande assim por mim antes. – eu fiquei agradecendo baixinho, sabendo que pelos sentidos superaguçados dele nenhuma palavra escapava. Ficamos assim por vários minutos, até meu choro cessar e eu ser capaz de dar um passo para trás, levantando meu rosto e olhando-o nos olhos. Percebi uma leve umidade nos cílios inferiores dele e quando me olhou, fui inundada pela mais genuína sensação de gratidão. A perda dos sentidos naquelas safiras azuis não foi comparável a nada que tenha sentido antes, novamente, perdi a capacidade de respirar, mas dessa vez isso não me incomodou, meu coração ficou lento e uma serenidade me invadiu, mas isso durou pouco, o suficiente para eu entender o motivo do que veio depois, quando ele piscou um pouco mais lentamente e, com a voz característica de trovão, soltou:

- Onde cê tava com a cabeça pra ir no olho do furacão, Lana?! Cê podia ter morrido, sua cabeça dura!

Nada disso me desequilibrou. Soltei:

- Não consegui delegar funções, você entende... Quando eu me dei conta da loucura que fiz, já estava lá. Aí era tarde demais, sabe? Agi por impulso, acho que você entende...

- Her... Claro, se tem uma coisa que entendo é ação por impulso. Mesmo assim, guria! Cê tava do lado do maior telepata da Terra e fez uma dessas?

- O que você quer, hein? Um pedido de desculpas? Eu não tenho como desfazer o que fiz, Logan. Eu precisava provar pra mim mesma que era capaz. Mas pelo desfecho, está claro que eu não sou, né? Então – respondi ainda calma, como alguém se analisando de fora -, desculpa, tá? Nunca precisei jogar num time pra sair vencendo, sempre consegui isso pela força dos meus argumentos e pelo meu esforço próprio. Achei que essa situação pudesse ser igual. Desculpa.

- Tá, morena... Não é pra tanto também. Com o uniforme ideal, um plano na cabeça e um treinamento de autodefesa é possível fazer um pouco mais do que só ficar no banco de reservas. – ele comenta, percebendo o quanto exagerou na sua preocupação.

- Ah, não! Eu vou fazer questão de ficar sentada no banco das próximas vezes, sabe? E eu espero não ter nenhum cálculo acertado por muitos anos... Esse aí demorou oito anos e meio, então, que o próximo tenha pelo menos isso, amém? – imito um cruz-credo. – Mas, curiosamente, agora eu só quero sair um pouco dessa enfermaria! Quero ver o poente que ajudamos a existir, sabe? Estou tão cheia de energia que seria capaz de comer muitos pães sírios com salada!

Logan ri e questiona Hank se eu posso sair da enfermaria, mas eu não espero a resposta. Mesmo estando com um avental hospitalar, dou meus primeiros passos, certa de não ter mais nada quebrado ou minimamente fora do lugar em minhas pernas. A recuperação foi perfeita, realmente, como um milagre! Quando ambos se viram para dizer que estava liberada, eu já estou quase na porta e Logan, com uma corrida curta, me alcança rapidamente, segurando minha mão:

- Hei! Pra quê a pressa?

- Ué, se eu perder esse poente nunca mais vou ver outro como o de hoje, não é? Precisamos ir logo, vai!

Sorrindo de lado, de um jeito tão charmoso – como eu nunca tinha notado? – ele vai na minha frente, fazendo a porta abrir automaticamente e vamos conversando trivialidades até a colina, onde ele tira a jaqueta que usava para eu me sentar sobre ela. Só então me dou conta do quanto meus fundilhos estão a mostra e coro! Isso tira risos dele, mas me deixa numa situação muito desconfortável. Durante minha adolescência, fui levada a acreditar que qualquer intercurso com o sexo oposto me faria sangrar até a morte, pelo rompimento do hímen. Como eu sempre fui muito curiosa, apesar de ter demorado pra ir atrás deste conceito antes, descobri que esse medo da minha mãe era infundado, pois metade das mulheres não sangra na primeira relação sexual... Mas como eu ia saber se fazia parte desses 50%, né? E, com isso, fui postergando minha vida amorosa, fui deixando de me ver como material sentimental e acabei bloqueando totalmente essas ideias da mente, afundando nos estudos e nos cálculos para preencher o vazio dessa parte da minha existência. Percebendo meu silêncio, o canadense solta:

- Cê tá bem, Lana? Eu mexi nalgum nervo? Não me deixa no escuro por aqui...

- É. Isso não é justo, né? Esperar as pessoas suporem as coisas, ou adivinharem.

- Ah! De mim cê não vai conseguir nada, minha mutação tá longe de envolver a mente, ainda mais a feminina... Desculpa... – ele diz isso, sem olhar diretamente pra mim. Estava acompanhando algumas aves, provavelmente cegonhas, voando em "v"... Eu as observo algum tempo antes de comentar:

- Não tem um jeito fácil de dizer isso, sabe? Mas eu preciso saber de uma coisa antes de contar meu lado: suas provocações têm algum fundo daquela psicologia reversa de merda que você falou lá atrás? Sempre que busca me afastar é porque me quer por perto, Logan? – e meus olhos castanhos o encaram com toda a sinceridade possível. Fazendo um suspense, ele demora alguns segundos pra virar e me encarar de volta. Respira fundo, molha os lábios antes de soltar:

- Olha, sou um cara complicado, como já deve ter dado pra notar, Lana. Mas eu mais gosto de você por perto do que longe sim... Eu só não sei o quanto isso pode durar, sabe? Até eu sentir alguma pressão e fugir. Eu já disse que tenho essa tendência, né?

- Sim, e essa sinceridade é um ponto muito positivo em você. Se alguém criar expectativas é por conta e risco. Você nunca escondeu os sentimentos pela Jean, mesmo nos conhecendo tão pouco; também deu sinais de não ser apegado a nada e nem a ninguém, ao mesmo tempo que considera essas pessoas e esse lugar o seu lar, eu sinto como se ele também pudesse estar do outro lado da Terra, sabe?

- Olha, é um palpite muito bom. Tenho minhas histórias no Japão e em Madripoor. É isso mesmo, acho que por ser quase imortal, eu não me prendo a nada, porque sei que vou perder tudo a que me apegar, eventualmente... – e soltou um longo suspiro.

Os matizes do poente ainda estavam lá, apesar de o astro rei não aparecer mais. Ficamos olhando pra essas cores por alguns minutos, antes de eu perguntar:

- E se eu aceitasse e pudesse ser desapegada? Sabe, por conta da minha mutação, eu acabei fugindo dos relacionamentos com medo de me machucar – e ele levantou uma sobrancelha, interessado que eu continuasse -, sabe? Na primeira vez...

- Ah! Isso... Não, então eu não sou a pessoa ideal pra você, sabe?

- Como assim? Essa escolha não é sua...

- Olha, acho que as palavras "virgem" e "desapegada" não conseguem estar na mesma frase. Cê ia querer um canalha tirando sua virgindade e desaparecendo depois? Por que eu posso, muito bem, ser esse cara, sabe? E tu ia lembrar de mim pro resto da vida. É isso que tu ia querer?

- Deixa eu entender: você está presumindo que eu, como virgem, desejo o mesmo homem ao meu lado, todos os dias? Como uma princesinha sonhando com o príncipe encantado? Ah! Qualé?!

- Tu quase acabou de descrever o Scott e eu sou o oposto dele, Lana!

- Exato! O oposto dele, o meu oposto; meu pai dizia que os opostos se atraem e complementam, sabe? Eu não acho que você seria um canalha enquanto estivesse tirando minha virgindade, né? Seria depois, se desaparecesse; mas daí, eu já teria a experiência com "o melhor naquilo que faz" pra me lembrar pra sempre...

- Cê sabe que essa frase não termina bem, né? Já que "o que eu faço não é legal"... E você é uma mulher legal! Que merece um cara legal, saca? Mesmo que meus hormônios estejam gritando pra aceitar tua proposta de desencanada, os meus outros sentidos acham muita sacanagem fazer isso contigo...

- E isso só me faz ter mais certeza de querer que você seja o primeiro, Logan! Imagina, antes mesmo de qualquer coisa, você já se achando não merecedor, pode me proporcionar algo mágico, tão mágico quanto ter salvado minha vida. Você sabe que vou me lembrar disso pra sempre, né? Sua imagem já está impregnada em mim, eu poderia até dizer nas minhas veias, sem prejuízo de passar por mentirosa, hein?

Ele riu leve, deitou-se na grama e eu me deitei do lado dele, sentido o frio da noite nos fundilhos. Ele oferece o braço pra eu apoiar a cabeça e quando olho o céu e o vejo coalhado de estrelas meu foco já se altera para os números, quase automaticamente. Preciso sacudir a cabeça para parar de ser "nerd" e aproveitar o momento.

- Que foi isso? Tá tudo bem?

- Claro! Eu não consigo olhar pro céu sem começar a moldar uma porrada de equações na minha mente, sabe, coisa de "nerd" – e falamos juntos a palavra que mais me define.

- Olha, guria, depois que tu abrir essa outra porta, vamos dizer, dos fundos – e rimos – pode ser que a tua concentração pras equações nunca mais seja a mesma. Isso não te preocupa?

- Logan, você devia saber que eu não sou um homem, né? Os homens têm essa dificuldade de realizar duas tarefas ao mesmo tempo, bom... Eu acho que isso não afetaria tanto assim minhas capacidades matemáticas. Mas ficar pensando se isso vai ou não influenciar é o mesmo que não ter investido nessa área até agora por medo de algo que pode não acontecer.

- Ei! A gente não pensa em sexo 24x7, tá?... Eu não tô aqui, deitado contigo na grama, de boas?

- Por que eu ainda não te provoquei, né? Eu também estou de boas...

- Então a gente pode combinar o seguinte: quando tu tiver certeza daquilo que quer, tenta me provocar e vamos ver se eu respondo, gatinha... – e voltou a olhar o céu, sabendo, não sei como, que a provocação não viria naquela noite.

As duas semanas seguintes passaram muito rápido. Os X-Men precisavam sair quase três vezes na semana para alguma intervenção próxima. Com isso, foquei nos estudos e nos cálculos. Às sextas-feiras tínhamos aula de defesa pessoal com a professora Kitty Pride que, orgulhosamente, dizia ter aprendido tudo com o Wolverine. Outra grande fã do canadense era a Jubileu, ela o defendia mesmo quando tudo era contra ele. Até quando o Scott o acusava de ferir sem necessidade. Percebi também o carinho da Ororo por ele e, apesar da sua certeza, percebi como Jean sempre flertava com ele, na ausência de Scott. Ele estava cercado das mulheres mais poderosas do planeta e, eu tinha uma teoria muito boa de que até a Mulher Maravilha devia jogar um charme pra ele! Quais chances eu tinha? Pra ele não devia ter sido nada difícil me negar naquela noite na colina... Isso foi me afastando lentamente dele e, quando completei um mês na escola e fui chamada pelo Professor em sua sala, não tive dúvidas de não me pertencer àquele lugar. Eu notei que ele foi capaz de sentir minha dor, mas não pediu explicações, talvez porque nem eu mesma as tivesse naquele momento. Essa não era eu, nunca me senti derrotada diante da vida, mas estar entre aqueles seres incríveis fazia eu me sentir tão pequena, quando eu retomava mentalmente meu diálogo na colina tinha vergonha de mim. Fui para o quarto fazer a mala e quando estava quase no final, ouvi baterem na porta:

- Pode entrar.

Me surpreendi ao ver Jean Grey:

- Desculpe, não pude deixar de ouvir seu grito de dor e como você está indo embora, acho que é a melhor hora pra conversarmos, Lana...

- Claro, Jean. Quer se sentar? – e ofereci a cadeira da penteadeira pra ela, enquanto eu me sentei na cama.

- O que você fez naquele campo de batalha, Lana, está longe de ser algo "pequeno"... Ainda mais se pensarmos nas dificuldades da sua mutação. – e meus lábios fizeram um ricto – Eu nunca tive tanto orgulho de auxiliar alguém do que naquele momento, pois você estava jogando com todas as apostas contra! E eu nunca vi o Logan tão absorto e preocupado com ninguém assim antes. Ele se importa com você e as preocupações dele são legítimas, porque ele não pensa como nós, meros mortais, sabe? Sempre que ele percebe estar interessado em alguém ele se autossabota. Por que você acha que ele alega gostar tanto de mim? Porque ele sabe que é platônico, Lana! Eu posso flertar com ele, mas sempre vou preferir o Scott. Agora, quer algo que assusta? Ser o primeiro de alguém tão mais jovem que ele! Deixar uma marca dessas, sabendo que ele vai demorar muito para envelhecer e você vai, assim como eu, provavelmente, morrer bem antes dele. Você pode guardar certas lembranças por um tempo, ele, contudo, vai guardar aquele momento pra sempre, Lana!

- Convenhamos, é um modo muito poético de descrever um covarde, não?! – e ambas rimos.

- Sim, eu disse que o maior sentimento é o medo... Mas, estamos sempre lidando com o imponderável aqui, não é mesmo? Ele não tem como saber o que estar com você vai suscitar até estar e vice-versa... Eu soube como o sangue dele se comportou diferente depois que entrou em seu corpo, não foi? Então, quem pode garantir que a experiência amorosa não seria um divisor de águas?

- Não, Jean... Eu não quero ter essa esperança, porque não foi isso que eu propus pra ele. Disse que aceitava ser desapegada e, mesmo assim, ele me rejeitou naquela colina... Disse pra eu provocá-lo quando tivesse certeza do que queria. Acontece que minha certeza nunca mudou, mas percebi os motivos da recusa, quanto mais fui ficando aqui e conhecendo vocês. Esse lugar não me pertence, nenhum lugar que coloque você pra baixo te pertence. E é assim que me sinto aqui, alguém aquém de todos e que nunca vai ter chance com ele. Então, agradeço por sua tentativa. Eu me conheço, sei que meus sentimentos não mudaram e que, se ele quisesse, eu daria meu melhor para ser "descolada", afinal, eu já o sinto dentro de mim, nas minhas veias, bombeando tanta energia e bem-estar que até me faz mal!

- Entendo, Lana... Discordo das suas conclusões e entendo que ambos estão assustados com as consequências de algo assim, mas respeito sua decisão de partir. Desejo muito sucesso em sua jornada, viu? Acho que o Professor já deve ter comentado, mas eu reitero que sempre terá um quarto para você aqui. Sempre! – e se levantou, dando um adeus com a mão.

Fiz a mala, passei na sala do professor e tive um convite de continuar sendo consultora dos X-Men, aceitei com gratidão. Ele também me avisou sobre um prédio no subúrbio da cidade, da família dele e eu poderia morar lá, como viu o quanto gostava de motos, me emprestou uma muito estilosa, com vários "x" embutidos e uma cor preto fosca. Prendi a mala desajeitadamente no passageiro da moto e sai, sem olhar para trás. Quanto mais distante ficava da mansão, mais minha autoconfiança voltava. Estar ali era, com certeza, tóxico para mim...

O endereço me levou a um bairro bem tranquilo, em um prédio de quatro andares. Notei a moto de Logan estacionada e parei a minha ao lado. Quando abri a porta ele estava no pequeno hall, sentado no degrau, mexendo no celular. Guardou rapidamente e se levantou, meio sem jeito. Tive que começar a falar:

- Olá, Logan. Bom te ver aqui, também foge pra cá quando não está suportando a multidão do instituto?

- Foi isso que cê fez, morena? Fugiu?

- Bom, na verdade, não. Eu ia sair sem saber para onde voltar, ia tentar o Texas novamente, mas então o Professor Xavier disse que o instituto tem uma bolsa para consultores e nós entramos num acordo. – acompanhando a mudança na fisionomia do canadense, percebi uma coisa. – Peraí, essa bolsa não existe? – ele negou com a cabeça.

- Nop... Ele inventou essa pra te dar alguma segurança mas, ao mesmo tempo, não te perder... Cê disse que não tava suportando a multidão?

- Eu disse isso de você, Logan...

- É, mas pode ter um espelho aí nessa frase. Cê saiu do instituto por que, Lana?

- Porque eu nunca me senti tão oprimida em um lugar antes! No começo, quase pude considerar minha casa, tinha uma familiaridade tão estranha e assustadora, mas no dia seguinte já passei a ter pensamentos estranhos, de depreciação, de tristeza. Bom, não dava pra continuar assim. Essa não sou eu. Sou decidida e ativa, então, sim. Se for pensar por esse lado, eu fugi. Feliz?

Ele se empertigou, como se tivesse sido atacado por várias formigas e soltou:

- Claro que não tô feliz! Tava esperando alguma provocação da tua parte, sabe? – e tentou um sorriso que ficou parecendo uma careta.

Essa frase me assustou um pouco... Será que a Jean era fofoqueira? Se fosse, não ia retirar nada do que disse pra ela. E, com o meu silêncio, o mutante resolve falar, confirmando minhas suspeitas:

- E que papo mais Jane Austen foi esse dos seus sentimentos não terem mudado, hein?

- Fofoqueira! – soltei, entre dentes, enquanto fazia cara de espanto por ele citar a Jane Austen.

- Na verdade, eu ouvi suas próprias palavras, porque a Jean me conectou telepaticamente contigo antes de entrar no quarto. Eu disse que não era uma boa ideia, mas ela insistiu e eu, por curiosidade, deixei... E não ache tão estranho, eu nasci alguns anos depois do lançamento de "Orgulho e Preconceito" e era um livro muito popular. – tentando se desculpar. Sacudi a cabeça e soltei:

- Que partes, exatamente, você "ouviu"?

- Bom, tinha um sentimento de inferioridade muito grande. Eu vi a imagem da Jean, da Ororo e até da Diana, imponentes, fortes e você se representando sempre franzina e pálida, algo que você não é, ao menos, não pra quem te conhece um pouco... E depois ouvi toda a conversa.

- Então está aqui porque te chamei de covarde?

- He, claro que não! Eu sei que não sou... E sinto muito se te fiz pensar que não tava a fim de você. É complicado... Mas se você topar aquele envolvimento sem compromisso, estou dentro!

Aposto que ele queria ver meus olhos brilharem, meus braços se abrirem e eu correr pro abraço, depois fazermos sexo loucamente. Mas, ao invés disso, eu soltei:

- Não, Logan. – e ele emudeceu – Durante o caminho consegui pensar claramente e não vou menosprezar o que eu sinto por você pra que se encaixe na sua realidade. Ou você aceita tentar, de modo sério, algum envolvimento com esse seu oposto, ou eu vou atrás de alguém que queira. E espero que seu eu encontrar algum assassino em série você se sinta muito mal por isso!

Calamos, ele algumas vezes ensaiava algum começo de fala, mas tudo morria antes de sair da boca. Eu não sei como ele conseguia manter aquilo por tanto tempo, mas acabei falando:

- Eu não tô pedindo exclusividade, porque entendi há tempos o quanto o animal humano é praticamente incapaz disso... Sendo descendentes dos símios, temos muito em comum com eles e a maioria não pratica a monogamia. Mas o que eu quero é você escolhendo, de repente, passar a noite, sabe? Que nos inicie pensando em voltar, em dividir alguns sonhos ou esperanças, como quando vimos o poente. Agora é minha vez de falar: pensa a respeito e, se achar que pode se dispor, de verdade, a fazer isso, é só me provocar. – e sorri pra ele, com a meta de subir as escadas até o segundo andar, onde o Professor me deixou ficar.

Mas ao passar do lado do canadense e subir mais um degrau, ele segurou minha mala e se ofereceu pra me ajudar, se aquilo não era uma provocação, não sei o que mais podia ser. Aceitei e meu corpo tremeu levemente enquanto subia o segundo lance de escadas. A porta ficava bem em frente, um número dois gótico, mas antes de começar a subir aqueles degraus, ouvi Logan apoiando minha mala no chão e pensei: é agora que ele vai descer correndo aquelas escadas e eu nunca mais o verei. Mas não me arrependo de ter imposto minhas regras! Soltei um suspiro e me virei para pegar a malinha do chão, mas o canadense ainda estava do lado dela, me olhando de um jeito diferente, que eu ainda não conhecia:

- Cê tá certa, guria. Não tem como a gente saber se uma coisa vai dar certo se já começar errado e eu tava sendo precavido pra não gerar falsas esperanças, saca? – agitei positivamente a cabeça enquanto pensava "antes tarde do que nunca!". – Mas cê não merece. Cê merece mesmo alguém que esteja 100% contigo e, aos trancos e barrancos, eu posso ser esse alguém. Tu topa mesmo? Vai deixar esse carcaju entrar na tua vida?

- Como eu disse, cabeça de vento, meus sentimentos quase não mudaram...

- Quase?

- É. Eles amadureceram um pouco mais, sabe? E se você se acha complicado, é porque não me conhece ainda... Sou extremamente lenta pras coisas de romance, namoro, amor e sexo.

- Eu notei, tu não entendeu minha indireta do carcaju "entrando" na tua vida... – e ele riu gostoso. Fiquei rubra!

- Ah, Logan! Não sei se você vai ter tanta paciência assim...

- Ei, vou sim, Lana! Tudo no seu tempo. Isso é algo que eu posso me dar ao luxo e, como você não teve essa parte da tua vida, eu posso ir um pouco devagar... Se você quiser...

Eu parei pra pensar, até coloquei a mão direita sob o queixo. Podia notar os olhos dele pedindo que eu não quisesse e, sinceramente, quantas etapas eu pudesse pular eu ia achar muito bom! Subi dois degraus e me virei pra responder:

- Sabe de uma coisa: eu não quero toda a melação de um namoro não! Já tenho mais de trinta anos, Logan! Vem cá, vem, carcaju! – e abri os braços, jogando a cabeça pra trás e rindo.

Foi simultâneo, enquanto minha cabeça pendia para trás, senti um ventinho em minha direção e ele subiu o rosto, da minha barriga até ficar cara a cara comigo, inspirando fortemente enquanto me abraçava e beijava o pescoço. Os pelos dele faziam cócegas e eu continuei a rir, mesmo depois de retribuir o abraço. Levei um enorme susto quando ele me pegou no colo e venceu os degraus tão rápido, parando em frente da porta e me descendo. Abri a porta sem saber o que me esperava, mas se me pedir pra descrever, eu não faço ideia! Voltei a virar o corpo para ele, que de novo me deu aquele olhar desconhecido, seria luxúria? Desejo? E ele então me pegou no colo novamente, enquanto me beijava a boca urgentemente. Percebi que ainda conseguia ficar sem ar por mais tempo que o normal. Será que os componentes do sangue dele durariam como se fossem meus? Por quanto tempo? Dias? Ou meses? Certamente, para aquele momento, eu ia precisar do fator de cura dele e, esse pensamento, me fez parar de tentar responder ao beijo, fazendo-o me encarar:

- Que foi? Rápido demais? – me colocou no chão e percebi que já estávamos no quarto, acariciou meus cabelos.

- Desculpa! Não, está perfeito, sério!

- Ei, um penny pelo seu pensamento, guria... Eu não sô telepata, me ajuda, vai?

- Certo! – e expliquei para ele minhas dúvidas se ainda teria o fator de cura ou sangraria sem parar e transformaria aquele momento num filme de horror.

- Já sei, vê se é aceitável minha proposta: faço um esforço, tomo uma ducha fria e amanhã a gente vai falar com o Hank, pra ele saber se ainda existe fator de cura em você, que me diz? Ele tinha pedido pra eu te dar esse recado mesmo. Todo mês ele quer te ver e hoje faz um mês desde a sua transfusão, né?

- Faria isso?... Mesmo?

- Ué, claro! Pode ser que eu tenha mentido sobre a ducha fria e faça mais um cinco contra um, mas como eu vou resolver, não importa, né? Afinal, você me deu bastante material pra isso! – e riu alto, enquanto ia pro banheiro.

- Ah! Logan! Não precisa me contar todos os detalhes, pelamor! – falei, sem gritar, sabendo que ele ouviria.

Então prestei atenção ao loft onde estava. Tudo muito sóbrio e impessoal, mas nada faltava. Os pisos, tirando a cozinha americana, eram de madeira escura e as estruturas todas de metal escuro. Os tijolos estavam aparentes e os móveis eram claros, contrastando com a construção. Curiosamente, fui até a geladeira e ela estava repleta de itens frescos. O Professor pensava em tudo mesmo! Ouvi o chuveiro sendo ligado e comecei a fazer um café à francesa e quando já estava com minha xícara nas mãos ouvi os passos dele descendo a escada:

- Que café cheiroso! – ele sentenciou.

Eu ia dizer que tinha uma xícara quentinha esperando por ele, mas não consegui articular nenhuma palavra quando o vi só de toalha, secando o cabelo com uma de rosto e, novamente, parei de respirar. Precisava parar de fazer isso... Mas o que era aquilo, pelos deuses?! Fiquei pensando se ele fez de propósito, pra me dar material pra passar a noite com fantasias, ou se ele era simplesmente perfeito assim? Caracas!

- Respira, Lana! – ele comentou, enrubescendo levemente e apoiando a toalha menor no corrimão enquanto se servia de um copo de café e fazia sons do quanto estava gostoso.

Minha respiração "pegou no tranco" e eu tossi instintivamente, fazendo-o me abraçar, com o peito desnudo e bater levemente nas minhas costas. Senti meu pescoço pegar fogo e, quando ia tentar dar um passo pra longe dele, ele pegou minhas mãos, que eram pequenas perto das dele, e as colocou em seu peito:

- Acho melhor cê tocar, aproveita que não precisa pagar nada, hein? – rindo da minha falta de intimidade.

Os músculos eram rijos e os pelos, um pouco mais grossos que os da barba, estavam eriçados; já que ele queria fazer isso, aproveitei e desci minhas mãos até o abdômen "trincado" dele e não abusei, ele não merecia, vai... Quando ouvi um gemido mais desejoso, movi minhas mãos para as costas e encostei minha cabeça quase em seu ombro nu. Poderia jurar que senti um leve tremor dele, mas resolvi guardar essa sensação pra mim mesma. Ele encostou o queixo na minha cabeça e me abraçou novamente. Não sei onde os braços dele estavam antes, mas agora, acariciavam meus cabelos e uma parte do meu rosto. Ficamos assim por um tempo. Ele respirava em longos haustos e senti se mover quando minhas bochechas estavam menos quentes, parece ter esperado minha temperatura baixar, já que a dele era sempre um pouco mais quente, devido ao metabolismo acelerado.

- Tem um restaurante aqui perto muito bom para jantar, aceita?

Por mim, podia ficar dias abraçada assim, me "alimentando" dele, mas acenei positivamente com a cabeça, ainda incapaz de falar, pela adrenalina do momento. Outro gole de café ajudou minha boca seca:

- Vou me trocar. Que estilo de roupa preciso vestir pro restaurante?

- Me surpreenda, já que eu sempre posso mudar de planos quanto ao lugar, gata.