Tinha um único vestido na minha mala. Fundo preto, florido, alguns dedos acima do joelho, justo no busto e plissado na cintura, sem exageros. Resolvi usá-lo, com um coque baixo e as laterais dos cabelos soltos e cacheados. Tinha um sapatinho de salto baixo pra combinar com ele e coloquei um colar, também o único que tinha, dado por minha mãe em meus dezoito anos, uma pérola solitária... Acabou sendo, até agora a epítome da minha vida. Maquiei os olhos e passei um batom, estava pronta. Antes de descer as escadas, dei uma espiada na sala e o vi sentado no sofá, compenetrado em algum pensamento, vestindo uma calça social preta, uma camisa de manga comprida branca, sem gravata e sem sapatos, dei risada e acabei chamando a atenção dele que se levantou e veio para a frente da escada, num claro convite pra eu descer e foi o que fiz. Enquanto descia os degraus, os olhos dele faiscavam e um sincero sorriso se abria, esticou a mão esquerda e eu aceitei o contato:
- Caramba, Lana! Cê tá ainda mais linda! E eu achando que isso não era possível...
Essa última frase foi falada bem baixo, mais pra ele mesmo, mas eu estava perto o suficiente pra ouvir e sorri.
- Só posso dizer que você não está nada mal também, hein? Fica muito bem de social, sabia?
- Ah! É o único conjunto que tenho e, sinceramente, acabo usando muito em enterros. – seu semblante entristeceu, iluminando-se em seguida – Mas achei melhor dar uma chance pra esse terno, pra ele participar de alguma coisa feliz. – e estendeu o braço para que enlaçasse minha mão nele.
- Engraçado, esse é o único vestido que tenho também, e teve o mesmo uso da última vez... Acho que ambos estamos dando novas oportunidades pras nossas "roupas", não? – e caminhamos para a porta, depois dele colocar um sapato social.
Era interessante notar como o toque dele, apesar de todas as cenas de ação e de luta que tenho na mente dos X-Men e conhecendo a rotina pesada deles, era suave, quase delicado, assim que saímos pela porta fomos caminhando numa direção apontada por ele e, pela primeira vez, notei as pessoas me olhando diferente, como se eu, realmente, existisse! Essa percepção me constrangeu... Eu existia antes, era um ser tangível! Por que agora estavam olhando pra mim? E o universo resolveu responder, fazendo um casal de adolescentes parar na nossa frente e pedir uma selfie com o Logan, pedindo pra ele ejetar uma das trincas!
"Ah! Ok! Estavam olhando, mas não para mim, senão pro mais selvagem dos X-Men e querendo entender quem era sua companhia. Faz sentido, com a fama dele eu posso conviver."
Suspirei de alívio e isso chamou a atenção dele, que me fez um carinho na cintura, chamando minha atenção:
- Tudo bem? Desculpa por esses tietes...
- Sim, está tudo ótimo. Eu nunca tinha saído com uma celebridade antes, é engraçado ver o comportamento das pessoas, sabe?
- Eu nunca vou me acostumar, mas o Charlie disse que faria bem pra imagem dos X-Men se eu tentar ser um pouco acessível, então eu aceito fotos e autógrafos... – dando de ombros.
Dobramos a esquina, depois de alguns quarteirões andando e demos de encontro com o Sol, ainda algumas horas antes do ocaso e sorrimos. O astro rei parecia uma constante em nossos momentos mais próximos e a ternura dos seus raios refazia meu espírito. Logan diminuiu a marcha e paramos diante de um restaurante árabe, o que não pude deixar de achar bem incomum.
- Eu fiquei pensando em qual dos restaurantes bons do bairro eu poderia te levar e não teve outra, esse aqui faz o melhor pão sírio da região!
Arregalei os olhos, ele tinha tido o cuidado de lembrar de algumas das minhas refeições no instituto e me trouxe onde, ele achava, eu teria mais facilidade em encontrar algo para comer! Que consideração inesperada. Isso me fez soltar uma interjeição, seguida da zombaria:
- Oh, mas eu tinha quase certeza de que íamos para alguma churrascaria brasileira, Logan! Eu também prestei atenção aos seus pratos e sempre tem muita carne envolvida...
Rindo de lado ele não escondeu:
- Olha, até passou pela minha cabeça, mas nossas roupas não combinariam com um ambiente desses. – e, diante da minha indignação, ele completou: E eu acredito que você seja vegetariana, né? Então, aqui vamos ter o melhor dos dois mundos. Eu fico com os pratos de carne e você saboreia as inúmeras saladas, o tabule, o mjadra, o homus, enfim. E eu vou de kibe, kafta, kebab e vamos parar de falar que está me dando água na boca, vem!
Metade daqueles nomes eu não conhecia, comia muito desse pão no instituto porque era o mais acessível e que me possibilitava escolher recheios sempre diferentes. Ele pegou na minha mão e entramos, sendo cordialmente recepcionados por algo dito em árabe que Logan traduziu como "bem-vindos" e ele respondeu em árabe, depois lançando que era "obrigado". O atendente já o conhecia, em um inglês arrastado, cumprimentou-o e perguntou se para começar seria o de sempre:
- Não, Hassan. Dessa vez eu quero o cardápio, por favor. Temos uma vegetariana aqui e pode ser que demore pra fazermos nosso pedido.
- Sem problemas, vou trazer nosso falafel de aperitivo enquanto escolhem, sim?
E saiu, sem esperar resposta, voltando com um prato cheio de bolinhos fritos de grão de bico e os cardápios, explicando ter uma sessão vegetariana no final dele. Meus olhos brilharam e, conversando com Logan, fomos explorando a cozinha árabe enquanto nos conhecíamos melhor. Fazia duas horas que estávamos por lá, Logan pergunta por algumas pessoas, Hassan desconversa e eu percebo que o canadense não está mais tão focado em mim; acho curioso o modo como ele consegue se preocupar tanto com os outros, cada vez mais, culpava a televisão por não conhecermos direito as pessoas! A imagem que fazem delas, nem sempre corresponde à realidade... E aquele mutante na minha frente, definitivamente, era mostrado de modo quase surreal na tevê. Termino a noite com uma salada fatuche e assim que a provo, fico muda!
- Que foi, guria?! Tudo bem? Tá com uma cara engraçada...
- Meu Deus, Logan, essa é a coisa mais deliciosa que já provei! Você acabou de criar uma viciada em salada fatuche... – e tampei minha boca com a mão, para mastigar com todo prazer e sentir os gostos tão discrepantes.
Ele riu, acariciou minha mão mas voltou a ficar focado.
- Quer que eu vá para casa? Percebi estar preocupado com alguma coisa, né? Estou te distraindo e, quem sabe, até atrapalhando...
- Quer saber, cê tá certa! Eu vou te levar pra casa porque nada disso aqui é problema meu... – falou, levantando um pouquinho a voz.
Achei estranho, mas concordei e depois dele pagar a conta e caminhamos até a quadra seguinte, ele me disse, sussurrando:
- Acho que o restaurante tá sendo roubado, Lana... O Hassan fez alguns movimentos e deu algumas dicas que eu não posso ignorar... Ele usou palavras com duplo sentido, sempre com essa dica. Quando perguntei dos pais dele, a tristeza foi tanta que quase esqueço de tudo e vou atrás de quem tenha machucado eles, mas eu não podia fazer isso...
- ... Por que eu estava lá?! Logan, volta agora e vai salvar seus amigos!
- Não, fica de boas, eu só preciso parar um pouco aqui pra falar com a Jean e confirmar minhas dúvidas, tá?
Paramos numa praça, dela ainda era possível ver o restaurante, mas sem sermos facilmente vistos. Ele pediu pra Jean me incluir na conversa e confirmou, os pais estavam sendo mantidos como reféns nos fundos, enquanto os filhos continuavam a atender os clientes até a hora que escurecesse. Logan pediu à ruiva para paralisar os meliantes por alguns minutos, porque ele estava indo pro restaurante pra acabar com isso, sem machucar nenhum cliente, muito menos os pais deles. Jean respondeu não ter tanto controle assim, mas ia conversar com Charles, e ele topou. Tudo aconteceu muito rápido. Ele me pediu pra ficar ali, saiu correndo e depois de alguns minutos já estava saindo do restaurante, exatamente quando carros da polícia chegavam no lugar. Ele trazia uma sacolinha e a cara de vitorioso. Continuei sentada, aqueles raios de sol fugidios estavam começando a aparecer e Logan esticou o braço:
- Vamos ver esse Sol de outro lugar, vem?
Aceitei, olhando curiosa para a sacolinha:
- Eles fizeram questão de dar uma salada fatuche pra você.
Revirei os olhos de descrédito:
- Ah! Mas eu duvido! Você é que escolheu trazer essa delícia, né? Pensando em mim. Aposto que eles ofereceram kebab de graça, até o fim dos tempos!
Ele riu, deu de ombros. Nossas mãos dadas falaram por nós o resto do caminho. Não precisávamos conversar, apenas saber que o outro estava ali, emanando aquela quentura...
Subimos o mesmo prédio onde estava morando, mas continuamos até a cobertura e, lá, encontrei dois sofás de três lugares sob um grande gazebo. Logan acertou os sofás para ficarmos com o pôr do sol em nossa frente e trouxe um carretel de madeira gigante que fazia as vezes de mesa. Abriu a sacola, me deu os talheres descartáveis e pegou um par pra ele também.
- Depois de tanta carne que eu comi, preciso de uma coisa leve pra passar a noite...
Dei muita risada, aquela saladinha não faria diferença. Ele tinha comido quase meio boi em vários tipos de pratos, mas valia a intenção, não é? Aproveitei uma distração dele e o fato da mesa estar mais para o lado como desculpa para sentar em seu colo e comer a salada junto com ele. Ouvi um rosnado de satisfação que me deixou tão feliz:
- Taí, é oficial. Se eu não tiver numa missão, tu pode me fazer de banquinho quantas vezes quiser, Lana. – sorri e esfreguei nossos narizes, ainda ruborizando leve. Ele não me deixou afastar, apoiou a mão direita no meu rosto e me deu um longo e tranquilo beijo, terminando com a testa encostada na minha clavícula. Mesmo sabendo da unicidade dos poentes, aquela tarde, não me atrevi a abrir os olhos, temendo as últimas horas não passassem de mera ilusão.
Sinto a mão dele carinhando a minha, me convidando a deitar a cabeça em seu peito e, ajeitando minhas mãos sobre ele, anui, sendo abraçada e cheirada:
- Posso soltar seu coque?
Só aceno positivamente com a cabeça e entro em uma espécie de transe enquanto ele solta o cabelo e o alisa em sua mão, beija minha testa, meu nariz e, finalmente, chega em minha boca, conseguindo beijar de uma forma totalmente diferente das anteriores, dessa vez, um tanto intranquilo, apressado, fazendo minha respiração e coração acelerar até eu bater no peito dele, pedindo para parar, porque senti estarmos perdendo aquele parco controle. Sinto-o jogar o peso do corpo contra o sofá, puxando o ar e batendo com a mão para eu sair do colo dele e sentar ao seu lado:
- Me dá um minuto, gata... – e o vejo pegar uma almofada e colocar sobre o colo, não sem antes de eu perceber o aumento de volume da região.
- Me desculpa... Eu sei que não ajudei dessa vez, Logan... – e parei alguns centímetros antes de encostar minhas mãos no braço dele. Com certeza, tocar não era uma opção agora. Ele confirmou, pedindo pra eu esperar com a mão e com o olhar.
Eu parecia bem, mas por dentro, quase conseguia sentir meu sangue "ferver", se isso fosse possível. Inconscientemente, soltei um gemido que nem eu sabia ser capaz de dar e senti o sangue bombear para as minhas partes íntimas e elas pulsarem, como se quisessem algo há muito esquecido ou, no meu caso, nunca lembrado. Corei na hora e imaginei a torrente hormonal que eu devia estar lançando direto pras narinas do Logan:
- Vou facilitar pra nós dois e ir tomar um banho gelado, ok?
Ele me olhou ainda tentando, sei lá, imaginar alguma cena de guerra onde não tivesse nada excitante, ia tentar dizer alguma coisa, mas no final concordou com a cabeça e eu saí correndo, adorando saber não estar morta da cintura pra baixo, mesmo sem exercitar a área a vida inteira!
O banho realmente ajudou e quando sai, já de pijama de coraçãozinho e que, basicamente, não mostrava nenhuma parte do meu corpo, o encontrei deitado na cama, de samba canção, com os braços cruzados sob a cabeça. Ele se virou e comentou:
- Não tenho do que me envergonhar, mas tinha pensado em algo totalmente diferente praquela parte da noite... Só queria passar um tempo contigo, de boas, mas meu corpo responde de modo meio extremo a você e, em nome dele, eu pediria desculpas, se eu me envergonhasse, claro.
Sorri de lado, entendia o que ele queria dizer, gostaria de comentar também sobre não me sentir mais morta, mas achei desnecessário. Nem tudo precisamos dizer para aqueles que gostamos. E ele continuou:
- Sabe, essa coisa de ducha fria é mais pra homem mesmo. Tu podia ter mandado ver lá, chegado ao êxtase que, com certeza, eu te acompanhava, morena!
Corei inteira e desci pra cozinha, sempre gostava de tomar um copo de água antes de dormir, enquanto faço isso, como todos os dias anteriores, agradeço por tudo que passou e peço para conseguir descansar um pouco, de toda aquela novidade!
Subi as escadas e ele está na mesma posição, me obrigando a perguntar:
- Você acha que é seguro dormirmos juntos, né? Porque eu não estou conseguindo responder muito por mim e só dependo de você pra nos manter na linha por essa noite, sabe?
- Claro, Lana! Tu não precisa me lembrar o que tá em jogo aqui. Tranquilo. Qualquer coisa eu vou pro sofá? – e bateu com a mão esquerda no colchão, onde me deitei e fui abraçada por ele.
A sensação de segurança foi tamanha! Essa noite entrou como uma das que melhor dormi, acordando realmente descansada, perto das 6h, com um cheiro gostoso de café e, não tão gostoso, de bacon.
- Nem senti você levantar, Logan. Bom dia! – falei lá do quarto, enquanto ia fazer minha higiene matinal.
- Apesar dos ossos de adamantium eu também tenho um lado ninja, gata. Se eu quiser, você não me ouve saindo, ou chegando. Bom dia. – enquanto cantarolava alguma música de Bud Holly.
Comemos um reforçado café da manhã, Logan me avisou já ter ligado pro Hank e que os testes seriam rápidos:
- O que, dependendo das respostas, vai nos deixar com o dia bem ocupado, hein? – acabei soltando, genuinamente interessada em continuar o que quase fizemos ontem.
- Quem é você e onde tá a Lana que eu conheci? – ele comentou, rindo, enquanto levantava uma sobrancelha pra mim e dava partida na moto.
E, realmente, os testes foram rápidos. Hank fez uma anamnese perfeita e ficou sabendo de tudo, até aquela manhã. Retirou sangue arterial e venoso, me passou numa espécie de escâner corporal e, durante esses procedimentos, comentou:
- É impressionante, minha cara, como sua presença altera o estado do nosso amigo em comum. Ele sempre tendeu mais a ser antissocial e resmungão e, durante sua estadia aqui, foi mudando lentamente, até ser capaz de perceber, ele mesmo, o quanto sua ausência seria um atraso para ele. É o que eu sempre digo: ninguém pode dizer conhecer outra pessoa até que ela não tenha amado, matado ou ganho poder... No caso dele, todos aqui já conheciam os dois últimos, mas está sendo um privilégio conhecer esse lado amoroso dele.
- Não exagera, Hank. Amor é uma palavra muito forte pra gente brincar, vai?... – rebati.
- Diz isso pois não o conheceu antes, Lana. "O amor que se procura é bom, mas o que não se procura é melhor" como diria Shakespeare, minha cara... Nós o conhecemos e sabemos o quanto ele já o procurou, o quanto já o perdeu e a desesperança dele em si. Vê-lo receoso de cultivar a pequena flama, percebê-lo buscando subterfúgios para não ceder ao que sentia e, ainda assim, curioso sobre o motivo que o inflamava, e inflama, eu só posso dizer que estou muito feliz por vocês.
Ri do modo como ele expunha seus pontos de vista. Sempre tão polido e tão poético. E ele estava certo, não sabia como Logan era antes de me conhecer, mas tenho certeza de que uma paixão equilibrada pode, sim, virar amor e, então, não me atrevi a discordar dele ou a diminuir o que o canadense sentia por mim, pois cada pessoa é um universo em si mesmo e não temos como saber o que lhes vai n'alma. Enquanto assim refletia, Hank foi até o computador e finalizou os testes, abrindo um sorrisão de mostrar seus caninos super afiados:
- Com a tecnologia que temos consegui extrapolar um pouco a duração dos componentes de cura presentes no sangue do Wolverine em seu corpo e posso, com segurança, deixá-los tranquilos pelos próximos três meses! A simbiose entre o sangue dele e seu corpo é incrível! As células agem como se fossem suas e, por isso, serão, na pior das hipóteses, residentes por 120 dias da transfusão, o que os deixa ainda com três meses de vantagem e a mim, com tempo para pensar em como ajudar nessa situação, Lana.
Tudo o que ele disse me deixou super feliz! Dei um abraço apertado naquele homem, sentindo os pelos super macios dele contra meu rosto e braços. Seja por eu estar liberada pra estar com o Logan, seja por ele tentar pensar em um jeito de me ajudar, eu não tinha palavras:
- Nem sei o que dizer, Hank! Só de você cogitar pensar numa solução já me enche de esperança! Obrigada!
Ele ficou todo encabulado e, depois de um tempinho, me encarou e disse:
- Está fazendo o quê ainda aqui comigo, Lana? Não devia estar indo ao encontro do Logan?
Eu sorri e, naquele momento, vários pisca-alertas vermelhos soaram, junto com uma sirene e a voz do Professor Xavier em todas as nossas mentes:
"Minhas crianças, estamos sendo invadidos pelos Amigos da Humanidade e eles têm um modelo antigo de Sentinela com eles! Precisamos nos defender! Venham a mim, meus X-Men!"
Olhei com pavor para o mutante do meu lado, ele bateu com a mão na testa e pulou rapidamente para perto da porta, avisando:
- Minha cara, o Labmed, agora, é o lugar mais seguro desta mansão! Eu vou sair e deixar você trancada aqui dentro, está bem? As paredes são reforçadas e você vai ter um pequeno exército te defendendo. – e juntando a palavra à ação, ele deu ordem à IA do Labmed para me proteger a todo custo dos invasores e saiu, sem me dar tempo de responder.
- Mas que merda! – e corri para um canto da imensa sala branca, entre uma maca e os computadores e fiquei agachada lá. Eu não podia fazer muito e não me sentia tranquila em incomodar o Charles com alguma pergunta idiota, mas só o fato de ter pensado nisso o fez aparecer em minha mente:
"Não existem perguntas idiotas, Lana, quando estamos preocupados com aqueles que nos importamos. Estamos em vantagem numérica e capazes de vencer essa seita. Fique tranquila, o Logan logo estará contigo."
Agradeci mentalmente e comecei a rezar. Não era possível lutar, mas podia não atrapalhar e, orando, me mantinha calma.
Ouvi vários ruídos perturbadores. Ordens gritadas, entre sons de explosões! Imaginei que ninguém, em sã consciência, invadiria o Instituto sem ter bons motivos para acreditar que venceria... E quando um tremor invadiu meu corpo, vi fogo no corredor do Labmed, advindo de uma explosão que arrancou o teto daquela parte e, infelizmente, consegui ver de perto um Sentinela, em toda a sua magnitude! Ele já estava sem uma mão e tinha várias partes do rosto faltando, mas a outra mão ainda fazia um estrago, lançando chamas brancas contra vários mutantes, contra meus amigos! Me levantei, inconscientemente e, ao fazer isso, estranhamente, chamei a atenção da sucata ambulante que apontou a mão em minha direção e abriu fogo.
Fechei os olhos, sem sentir nem mesmo o calor chegar até mim e, quando os abri, vi um escudo, provavelmente de alguma energia extraterrestre, me protegendo do ataque. Não sei como o Logan chegou lá, mas percebi quando aterrissou em cima do ombro do gigante, já de uniforme amarelo e azul, com várias partes rasgadas e, com vários golpes de fúria, começou a cortar a cabeça do gigante com as garras. Apesar da distância, era possível ver a força que fazia e imaginar os rosnados que dava a cada estocada. Fiquei imóvel, de boca aberta, vendo-o arrancar a cabeça do Sentinela e, enquanto o corpo caía, uivar em cima do ombro dele, sem saber como aterrissou depois, pois estava fora do meu campo de visão.
Demorou duas horas até a invasão ser totalmente rechaçada. Eu ainda conseguia ouvir palavras de ordem, principalmente aquelas envolvendo como amarrar e onde prender os Amigos da Humanidade, para que eles fossem entregues à polícia. Levantei e não precisei ficar muito tempo na espera, Logan apareceu na porta do Labmed, com o tronco nu, metade da máscara cobrindo o rosto e uma das pernas com uma ferida incrivelmente profunda, ainda em processo de regeneração. Diante da minha cara de terror, ele se olhou na porta de vidro e arrancou a máscara, tentou sorrir e colocou a mão na tranca da porta, fazendo-a abrir.
Corri até ele, abracei-o e dei um passo para trás, olhando a perna:
- Você devia se deitar, pra ajudar seu corpo a sarar, Logan. Vem...
E o ajudei a deitar na maca mais próxima:
- Você precisa de alguma coisa? – perguntei, nitidamente preocupada.
Ele tomou fôlego, segurou minha mão:
- Só de tempo, guria. Preciso deixar meu corpo regenerar, saca? Fica aqui do meu lado, agora tá tudo sob controle...
Aceitei a oferta dos olhos dele para sentar-me no sofá ao lado e o posicionei, para ficar de frente para ele. Ajudei-o a levantar o espaldar da maca e ficamos assim, aguardando, sem palavras. É incrível ver os tecidos se regenerando diante dos olhos! De dentro para fora, com um osso de metal no meio dos músculos da coxa. Fiquei pensando o quanto isso doía, o quanto ele se lembrava de cada dor dessas e, se esse ferimento era visível, imagine quantos ferimentos internos ele precisava lidar naquele momento, sem que o mais potente sedativo existente no mundo fosse suficiente para ajudar por mais de alguns minutos... Instintivamente, apertei e acariciei a mão dele. Todo meu ser emanava compaixão, mas a cara dele se fechou, ele cortou o laço entre nossas mãos e disse, ainda sem estar com sua voz plena:
- Eu não preciso do teu dó, Lana!... Se for pra ficar com essa cara, melhor sair...
Mudei minha cara pra indignada e fiquei pensando se aquele canadense em particular não tinha tido contato com o sentimento de compaixão... Então, voltei a ficar com a expressão neutra:
- Assim tá melhor. - ele retrucou e voltou a fechar os olhos.
Hank e Jean entraram com alguns humanos feridos e os prenderam às macas para dar os primeiros-socorros; isso me distraiu por um tempo, enquanto eu ruminava as calamidades que o Logan passou, até antes de ser Wolverine, e o quanto isso ainda marcava sua personalidade. O quanto ele precisava ser visto como forte, invencível, mesmo se isso afastasse aqueles que se importam com ele. Eu entendia o quanto da frase estava também temperada pela dor, não tem como uma lesão daquelas não doer! Mas o fato dele preferir minha saída a estar ali, preocupada com ele, me feriu. Eu não podia ajudar, não tinha uma mutação mirabolante que o tirasse daquele estado, tudo que podia fazer era ter empatia pela dor dele e isso não bastava. Meu âmago não bastava pra ele...
Levantei-me, precisava ver como estava a escola. Aquela sensação de depressão em estar lá não existia naquele momento, prova de ser criada por algum mutante telepata... Acabei saindo da construção, destruída em partes e indo para a área gramada onde o corpo do Sentinela caiu. Somente os pés dele era mais altos que eu! E ele tinha atirado pra me matar! Dei um soco em sua lataria e machuquei os nós dos meus dedos, depois dei uns chutes nele, tomando cuidado para não destruir meu pé:
- Desgraçado! Monte de lata velha! Você ia me matar! – gritava durante os chutes.
- Pode sossegar, criança... Ele não fará mal a mais ninguém... – a voz tranquila de Ororo apareceu, atrás de mim.
Eu a encarei e ela notou a necessidade de compaixão, eu vi nos olhos dela o mesmo brilho endereçado ao homem que gosto e, nesse momento, toda adrenalina se resumiu em lágrimas! A abracei com força, tendo meu abraço retribuído e fiquei ali, chorando até o ataque amainar. Enxuguei meus olhos, aceitei um lenço dela e assoei o nariz:
- Qual o problema, Lana?
- Você quer mesmo saber? Estou me sentindo a pessoa mais egoísta dessa terra!
- Ah, criança, não pense assim, porque todos nós temos nosso quinhão de egoísmo... É o Logan?
- Sim! Eu quero saber qual o problema dele?! Eu vi como ele derrotou o Sentinela...
- Pra te salvar, sabe disso, não?
Fiz cara de "não tinha pensado nisso" e retomei minhas lamúrias:
- Ele chegou todo machucado no Labmed, encontramos uma maca pra ele se deitar e, no auge da minha empatia por ele, enquanto pensava o quanto aqueles ferimentos deviam doer, enviei o meu melhor sentimento de compaixão pra ele, Ororo. E sabe o que ele fez?
- Te deu uma bronca daquelas? – ela respondeu, rindo em seguida, enquanto negava com a cabeça – Você ainda não percebeu? Ele tem um orgulho gigantesco, Lana! Sofreu muito na vida toda e não permite que sintam pena dele! Ah, criança... Não faça algo tão pequeno assim ser capaz de destruir o relacionamento ainda incipiente de vocês... Pense em como esse assunto seria encarado de modo diferente se tivesse ocorrido com outra pessoa.
- Como você está fazendo agora? Rindo depois de abrir minha alma? Não é nas pequenas coisas que podemos encontrar respostas de como a vida será? Afinal, depois de algum tempo juntos, elas podem ser só o que reste...
- Não me entenda mal. Não quis desmerecer sua narrativa... Mas conhecendo o Logan te aviso, se o orgulho é algo que te incomoda, reveja seus desejos, porque ele é extremamente orgulhoso e, a meu ver, com razão. Porque poucos estariam vivos depois de tudo que ele passou. Pense nisso, Lana. E não se engane, ninguém mostra seu verdadeiro eu durante os momentos da corte e, as pequenas coisas, podem mesmo ser a única coisa que reste no final, mas aumentadas aos nossos olhos, porque ficamos idealizando o outro, ao invés de compreender o quanto diferente ele era de nós.
Acenei positivamente com a cabeça, agradeci verbalmente e comecei o caminho para dentro da mansão, com ela ao meu lado. Ela tinha me dado muito pra pensar!...
Virei para ir ao corredor do Labmed e não precisei continuar minha caminhada. Logan estava bem perto:
- Ond'é que cê tava, morena?!
O encarei. Ele estava preocupado de modo legítimo ou como se eu fosse uma posse dele? Eu não sabia nada sobre aquele homem e, no entanto, só o fato de o ver e de ouvir a voz dele causava aquele frenesi orgânico. Eu não podia ignorar isso também. Essa química, se eu ficasse analisando demais, poderia extinguir-se.
- Fui ver os estragos. Ficar perto do Sentinela que tentou me matar e, espero, não tenha ferido nenhum dos nossos... – com a expressão bem blasé.
Ele me encarou de volta, diminuiu um dos olhos e lançou:
- Cê tá falando de um jeito, mas seu corpo tá doido pra vir me abraçar. Quer conversar sobre isso?
- Quer saber, quero sim! – soltei, alterada. – Eu não sei que expressão facial posso ter na sua frente, sabe? Desculpa, mas sentir compaixão por aqueles que gosto não devia ser um crime, Logan! – meu corpo tremia, eu queria chorar e, então, percebi o quanto Ororo estava certa, isso parecia tão pequeno, mas porque me incomodava tanto?! Peguei fôlego e continuei: E eu sei o quanto isso parece pequeno pra você, e até pra mim, agora que falei em voz alta, mas são os meus sentimentos, sabe? – e fiz bico de choro, sem conseguir aguentar mais.
- Ei, ei! Calma aí, Lana... – ele se aproximou, eu o deixei me abraçar. – Não é pequeno, você bem disse, são seus sentimentos. Cê tinha acabado de enfrentar um atentado contra sua vida e isso não é pouca coisa, hein? A gente vai precisar aprender a lidar com isso, saca? Porque não saber receber olhares de dó dos outros também é uma questão minha, morena... É mais forte que eu, a ponto de me fazer ser grosso com quem não merece. Eu podia dar a desculpa da dor, mas não sei se sem ela eu teria feito diferente.
Meu choro foi passando, eu o abracei de volta, usei o lenço que a Ororo me deu pra aliviar as vias aéreas:
- Está me dizendo que se quiser ficar com você preciso estar preparada pra ser tratada como lixo, de vez em quando, só porque não sei onde e como pisar, porque não tive a sua vivência?... Isso é injusto, Logan...
Ele ficou quieto uns minutos:
- É, colocando nesses termos, fica totalmente injusto mesmo... Mas eu poderia vir com uma solução telepática pra nós, o que acha?
Dei de ombros. Mas no fundo fiquei empolgada com ele querendo resolver essas pequenas diferenças. A gente podia ser opostos só na mutação, não em todo o estilo de vida, né? Onde eu tentava me expressar, mas corria o risco de ser rechaçada pelas grosserias dele.
- Se você topar, fazemos uma sessão com o Charlie. Eu exponho os pontos que me agridem, você expõe os seus, aqueles que estão escondidos lá na mente e, quando soubermos onde estamos pisando, fica mais fácil a convivência, né?
- Mas essa solução é uma faca de dois gumes... Se algum de nós se cansar do outro, basta apertar o botão do "fim do mundo" e acabou!
- Eu tô disposto a expor todas as minhas fraquezas pra você, Lana. Como você vai usar isso, depende da sua consciência... Eu não me preocupo de não ter controle sobre elas, depois disso. Cê devia fazer o mesmo. Algumas vezes, a graça da vida tá em não passarmos tudo pela lógica, sabe? Racionalizar demais tira o brilho da vida e leva tudo a um patamar de "certo" ou "errado", quando estar com outra pessoa é muito mais o que se faz nas entrelinhas dessas palavras. Mas eu entendo tua ressalva e aceito me expor, sem precisar saber quais são as suas. Alguém de nós precisa dar o "salto da fé" e, como eu sou mais velho, - e deu um sorriso, se vangloriando – eu posso ser essa pessoa.
Encarei sem acreditar na frase dele:
- Psicologia reversa, hein?! Não esperava isso vindo de você, Logan! – e o beijei. Eu precisava caminhar, precisava sair daquela situação autoimposta e, ao invés de aceitar os termos dele, soltei:
- Se você prometer me contar quando eu pisar em alguma granada sentimental sua, antes dela explodir assim, eu prometo também contar as minhas, sem intermediários, aí sim, como dois adultos querendo um relacionamento sério. Quem é a mais evoluída entre nós, hein? – ri de volta, estufando o peito.
- Eu nunca tive dúvidas de que era você, morena... – e me desconcertou com aquela resposta. – Vem comigo, eu preciso tomar um banho e trocar de roupa, aí vamos pra casa, pode ser? – e estendeu a mão esquerda dele pra mim.
Fiquei esperando, esticada na cama do quarto dele, enquanto ele cantarolava algum country brega no chuveiro. Ororo podia ter razão se, nas crises futuras, eu tentasse ser outra pessoa expondo os problemas para mim, se ainda assim aquilo tivesse importância, então era hora de confrontar o causador e conversar. Fato era que, deixar algo assim esfriar parecia demonstrar o quanto era menor. Ele saiu do banho vestindo uma regata branca, uma calça jeans com uma fivela de cavalo e botas country...
- Só falta o chapéu, cowboy! – e percebi que na cômoda do lado havia um, peguei e joguei para ele.
- Eu não queria perguntar antes, mas agora vai ser crucial pra saber se levo ou não o chapéu: qual foi o resultado dos teus testes, gata?! Tô sem saber até agora...
