1
Mensa Snape não parava de olhar para aquela figura horrenda que lhe observava, fazendo comentários sarcásticos dentro da sua mente.
Você nunca vai conseguir superar aquele seu relacionamento. Aceite que é uma mulher horrenda, e que tem medo de tudo e todos… incluindo esse espelhinho medíocre que segura.
Até agora não entendeu o porquê da sua mãe ter lhe dado um espelho quebrado enrolado sob um pano velho e encardido. Poderia ter alguma conexão com o que ela sentia em relação a sua aparência. Após correr em linha reta e quase cair em uma fenda da fita, encontrou uma área grande, como um estacionamento e ao meio dela estava um poste com um gravador preso e protegido por um monte de espelhos quebrados.
Mensa olhou para o espelho quebrado, passando a mão sob a enorme cicatriz que aquele feitiço lhe deixou. Fechou os olhos e abriu-os de novo, apontando agora o mesmo pedaço para onde estava a Desonesta.
— Não… eu não posso deixar que esse medo irracional me domine. — ela apontou o reflexo para a Desonesta que lhe deu um olhar de deboche.
Mas Mensa não conseguiu se entristecer com aquelas palavras. Na verdade, estava rindo. A enorme cicatriz fez uma curva com o seu sorriso que fez ficar com um tanto mais de relevo. Mensa adorou aquilo. Se sentiu única por tê-la.
"O que é tão divertido, Mensa Snape"?, perguntou a Desonesta na cabeça dela, enquanto corria e tentava desviar das enormes esferas de químicos.
"Estou empolgada, Desonesta… para poder chutar essa sua bunda".
A Desonesta deu outra risada, que fez a cabeça de Mensa tilintar.
"Acho que sua oportunidade vai passar… eu sou a Morte, garota. De mim, ninguém escapa… e a sua mãe também não irá".
"Ah, é? Então veremos…"
Mensa se escondeu em um barracão muito parecido com o que tinha perto do supermercado de Cokeworth, e avançou correndo para a área vista antes. A Desonesta tentou lançar mais esferas para lhe impedir, mas ela rebateu todas com poderosos feitiços cortantes. Ao chegar, todo o local estava protegido pelas mesmas fitas policiais. Mensa ligou o um com o dois e pegou o pedaço de espelho para cortá-las.
Pegou a fita roxa que estava em suas mãos e inseriu no gravador, apertando o botão. Não tinha acontecido nada exteriormente, mas no interno de Mensa, veio a auto aceitação de quem ela é.
— Essa minha marca… eu não tenho culpa por tê-la… fui fazer uma missão para o Gringotes de escavar antigas tumbas egípcias e acabei tocando em um espelho amaldiçoado. Desde então, quando ganhei minha cicatriz, fiquei com trauma de espelhos… eles pareciam me ferir ao olhar. E tudo piorou quando eu conheci o pai do meu bebê. Ele só me maltratava e quando descobriu a gravidez, deu um jeito de dar no pé. Mas sabe… eu não ligo mais. Se for para arranjar alguma pessoa, ela vai me amar pelo jeito que sou.
A sua cabeça doeu ainda mais. A Desonesta estava com ódio, só que ao mesmo tempo com muita dor. Será que deu certo? Era só colocar aquelas fitas e acabou? Simples assim? Não tinha nada de especial?
Olhou para cima e a figura gigante parecia ter tossido algo colorido.
Parece que deu certo. Colocar aquelas fitas em seus respectivos gravadores trazia dor à figura. Então era isto. Mensa precisa encontrar sua mãe e seus irmãos para dizer a eles — se é que já não sabem.
— Altair… é tudo por você, meu filho. A mamãe te ama muito. Em breve, vamos resgatar o vovô e seremos felizes de novo.
Mensa desceu pela rampa e foi procurar seus irmãos.
2
A situação de Draco não era das melhores. Ele tentava desviar de todos os ataques, mas eles, de alguma maneira, lhe atingiam e seu terno preto já estava cheio daquelas coisas que lhe deixavam atordoado. Achou que tivesse escutado a Desonesta gritar, mas não tinha tanta certeza. Aquele lugar era estranho e escuro… odiava a escuridão. Queria luz.
É ainda mais tolo que seus irmãos mais novos, Draco. Sabe por que seu "papai de coração" sofre? Por sua causa. Se tivesse aceitado a oferta daquele homem ao invés de querer matá-lo, estaria muito mais feliz. Você sempre teve a escolha, mas nunca a fez. O sofrimento é ainda muito pouco.
Draco não queria mais escutar aquela voz…
Até que algo apareceu na sua frente. Um contêiner vazio, com um monte de bonecos em cima, apontando para que ele pulasse e passasse até lá. Era o seu único caminho. Não havia nada ali. Como aquele lugar não tinha gravidade — ou ela não era tão boa assim —, a única solução foi saltar e passar por ele.
Do outro lado, estava um pedaço da fita quebrada, mas flutuando em cima de um pedestal, estava uma manequim acenando para que ele pulasse. No crachá, o nome "Samanta" estava bem estampado. Draco teve uma ideia engraçada e resolveu colocá-la em prática. Saltou na direção do manequim, e com a mão esquerda, deu-lhe um tapão que fez um estalo considerável. Não sabia explicar, mas sentiu que ela também lhe deu outro.
Chegando, encontrou muitos barcos atracados, lama e sombras das quais ele não conseguia passar. Contêineres de todos os tipos e tamanhos serviam-lhe de esconderijo para se proteger das esferas de poder que a Desonesta lhe jogara.
Enquanto isso, a Desonesta continuava a lhe atormentar.
Você está, literalmente, tentando lutar contra si mesmo, Draco Malfoy. Será que aquele Estupefaça que o seu pai lhe lançou não foi o suficiente para que perca a total vontade de continuar?
Por que ela estava o atormentando? Só queria ficar em paz para continuar.
Draco pegou aquele sinalizador estranho que estava em suas mãos, e saiu de trás do contêiner, atirando nas sombras, que se dissiparam. Agora ele entendeu tudo, e como poderia fazer para superar o seu medo do escuro.
— Meu pai biológico foi muito mal comigo… desde sempre… só me ensinou coisas ruins durante toda a minha vida, e por isso… tive tanto medo do escuro. Mas isso acabou. Eu não terei mais medo de nada.
Draco disparou na imagem da Desonesta e depois, correu por toda a extensão, atirando com o sinalizador nas sombras. E no meio disto, estava achando muito divertido passar por todas aquelas armadilhas… até que sem querer pisou em uma poça de óleo e foi escorrendo para baixo. Só que isso, não deixou de ser divertido. Limpou um pouco os sapatos e voltou a correr.
"Parece que você está passando por alguma dificuldade, Draco".
"Você é que pensa. Estou me divertindo como nunca antes".
"Não se brinca com a Morte, você sabia"?
"Sim, mas você não é a Morte, então nada do que diz ou faz, irá me afetar".
Draco deu um salto, usando a falta de gravidade ao seu favor e chegou em um poste protegido por cercas e com uma grande sombra lhe fazendo ronda. Atirou, ainda no ar, o último tiro do seu sinalizador. A sombra desapareceu e ele pode pegar a fita amarela e colocá-la no gravador.
— No fim das contas, a minha mãe fez muito bem em ter trocado as almas dos dois. O Snape sempre foi mais meu pai do que o de sangue jamais foi.
Draco sentiu que a Desonesta havia gritado. O que ele fez causou dor a ela. Será que foi o mesmo grito que escutou antes? Essa coisa estava sendo derrotada, então?
Torcia muito para que fosse realidade, mas até que esse momento chegasse, iria procurar os seus irmãos e a sua mãe.
3
Narcisa sentia que a Desonesta estava caindo, significando que eles conseguiram superar os seus medos. Agora faltava muito pouco para que ela fosse derrotada. Aquilo não era a Morte, mas estava fingindo ser para jogar toda a culpa nela. Desde seus filhos até seu marido.
Enquanto corria para os portões da fábrica que tinham na fita de Tobias, Severo continuava inerte como antes com a criatura segurando-lhe com as grandes mãos como se fosse um troféu. Explodiu a porta e entrou em um lugar cheio de trens, trilhos e mais daquelas portas. Narcisa conseguiu fazer um feitiço expulsório, que jogou uma das esferas para o portão, que se arrebentou.
Você não irá escapar da morte, Narcisa. O que você fez foi um crime contra o Universo e eu vim cobrar o que restou… assim como Tobias Snape, que foi-se deixado pela raiva e vingança contra o próprio filho.
Só queria poder fazer essa desgraçada calar a maldita boca. Será que é demais?
A Desonesta não parava de falar na sua cabeça só para irritá-la. Isso já estava ficando completamente insustentável!
"Se você pensa que, fazer a parte do Tobias está o livrando de alguma culpa que ele sente por ter entregado o próprio filho, então é mais burra do que eu pensei".
"Pois sabe o que eu penso, Desonesta? Acho que essa situação não está ocorrendo como planejou. Você está morrendo… sentindo dores. Me rebaixa por eu lutar pelo bem da minha família, só que a verdade, que está bem no fundo do seu coração, te consome por dentro."
"A única verdade nessa história toda, é que eu serei a pá de cal do seu caixão".
Narcisa parou de dar atenção para aquela insana e voltou a correr pelos trilhos, e jogar feitiços explosivos a fim de destruir as portas. Escalou com calma um vagão de trem, e pulou sobre outro, ficando em cima de quatro vagões. Por fim, estava chegando ao poste com o gravador, que inclusive, estava abaixo de um semáforo para trens. Pegou a fita vermelha e colocou-o, apertando o botão.
"Não mexa nisso, seu lixo insignificante".
— Tobias era mesmo um homem mau, Desonesta. Tão ruim e sádico que, mesmo após a sua morte, não se arrependeu pelos seus crimes. A raiva e o desejo de vingança o consumiu de dentro para fora, e é este mesmo sentimento que vai te consumir… principalmente a inveja. Essa é a verdade que lhe falei. Você sente inveja por não ter a mesma família que a minha, e agora… está tentando bancar a Morte para me assustar. Só que você não é ela.
A Desonesta deu um grito dentro de sua mente que fez sua cabeça entrar em colapso. Tal dor era tão forte que chegava em seu cérebro e o fazia balançar. Era isto! A Desonesta estava morrendo, e isso ficou muito claro quando viu sua aparência e a força que fazia para manter Severo ali.
— Vou te salvar, meu amor. Apenas falta Menandro para que todo esse pesadelo acabe.
Narcisa saiu de lá, dando um salto tão alto do que a própria imaginação.
4
Menandro já tinha conseguido desativar dois mini satélites com o seu transmissor, e precisava desativar mais dois para chegar ao portão. Se escondendo em árvores e carros militares, fazia de tudo para não ser atingido por aquelas esferas malucas. A Desonesta estava perdendo suas forças e logo o seu pai estaria a salvo. Logo ele, que duvidava que tudo aquilo não era real.
Mas a Desonesta não desistia. Ela atormentava os seus pensamentos.
"Seu papai não merece nada, Menandro Snape. Ele nunca acreditou que tudo isso fosse real… achava que você era um idiota. Aliás, ele ainda acha isso".
— MENTIRA! — gritou, sem falar mentalmente — MEU PAI ME AMA.
Correu até o terceiro satélite, sendo jogado para trás e caindo após a bomba de químicos estourar ao seu lado. Menandro se levantou, mesmo sujo e cansado, correndo por debaixo de um pinheiro e desativando o último satélite. O portão se abriu, e agora era correr, como se a vida dependesse disso. Por dentro daquele grande galpão, havia o tão esperado poste com o gravador, e tudo que precisou fazer era pegar a fita verde e colocá-lo dentro e apertar o botão.
— É verdade… estou muito magoado com o meu pai… com todos na verdade, mas acredito que eles estão sendo sinceros em me desejar desculpas. Até porque… também omiti muitas coisas, como o bunker, você e claro… sobre a Teardrop.
— NÃO! NÃO REPITA MAIS ESTE NOME!
Houve uma forte explosão, e Menandro foi jogado para além dos muros do galpão, pairando sob um outro pedaço da fita quebrada. Ao olhar ao redor, seus pedaços formavam uma ponte que dava direto para a Desonesta. Ele fora ajudado por Mensa e Draco, que também estavam lá, junto com Narcisa que correu para dar um abraço conjunto nos três filhos, além de derramar lágrimas.
— Todos estão bem? — perguntou Narcisa e eles fizeram sim — Ótimo, ótimo. Ela está fraca, significa que ganhamos. Só que ainda falta eu fazer uma coisa, e desta vez, preciso que vocês não interfiram.
Os três se olharam indignados.
— O que?! A senhora vai se sacrificar?! — perguntou Draco.
— Mãe… por favor… não faz isso. — disse Mensa — A gente pode te ajudar…
— É verdade, mãe. A senhora não precisa fazer tudo sozinha. Iremos lá e acabaremos com toda essa palhaçada, e teremos o pai de volta. — disse Menandro.
— Não! Já disse que não quero interferência de ninguém! Compreenderam? A Desonesta ficou perdida porque não contou que estaríamos juntos, mas agora quem precisa acertar as contas com ela sou eu.
Mensa e Menandro tentaram impedir, mas Draco colocou seu braço na frente deles e fez a negação. Narcisa caminhou até a ponte feita com os pedaços da fita e foi correndo até a Desonesta, desviando de todo tipo de armadilha. A voz dela ficava mais forte à medida que chegava mais perto, como um tilintar infernal.
"Depois de tudo... Narcisa ainda continua de pé..."
"Você me subestimou. Eu não te culpo por isso, Desonesta. A dúvida faz parte da minha natureza".
"Do que está falando"?
"Não esconda... você sabe muito bem do que estamos falando... pode ser a nossa despedida, já que vamos morrer juntas". — Narcisa acabou batendo em uma das caixas daqueles químicos e quase foi jogada da ponte, mas recuperou o fôlego e voltou a correr.
"Eu sempre fiz parte da sua vida, Narcisa. Te conheço como a palma da minha mão, e não brinco quando digo que sou a Morte, pois eu sou. A morte de sua consciência. Mesmo nos seus melhores momentos, você sempre viveu a minha sombra, e de tudo que eu sou".
Narcisa lhe respondeu, em um tom frio:
"Eu fingi até hoje o que você era, pois não queria confrontar o meu lado, mas agora sei que estou lidando com a minha própria personalidade. Eu e você Desonesta, somos a mesma pessoa. Não era a Severo que a Devious queria, mas a mim. Minha energia mágica era o que faltava para que a Pílula da Desonesta fosse completa, e sabe como descobri isso? Tomando o seu próprio veneno. É como em Matrix... quando o Morpheus oferece ao Neo o poder de escolha. (Nunca pensei que poderia fazer uma referência desse tamanho... obrigada Menandro, querido) Eu não queria que fosse verdade, mas agora eu aceitei tudo. Você é a minha pílula vermelha. Eu te aceito, Desonesta. Aceito minhas culpas, meus medos, minhas inseguranças... eu aceito, e continuo a minha vida".
A Desonesta riu mais. Narcisa não se importou.
"E acha que me substituir vai ajudar na sua situação? Acabou Narcisa... acabou".
Foi difícil de aceitar... ela mesma não acreditou que fosse real, ou aquilo tudo era apenas ela. Então... por que acreditar que é real? E será mesmo que Severo estava ali preso? Tudo depende de sua mente, a força de vontade necessária para se libertar. E isto assusta o seu eu interior, sua mente sombria. Deu um salto e andou em pleno ar, justamente onde estava o corpo da Desonesta.
O seu objetivo desde o início, bem próximo: o gravador para a sua fita cassete, e não a de Severo.
— O que?! Saia de perto deste gravador... estou te avisando, Narcisa. Eu matarei o seu marido e tudo que você ama.
Narcisa não escutou. Não se importou. Não era mais controlada por nada e nem por ninguém.
— Você não pode simplesmente me gravar! Eu não permito.
Narcisa colocou a fita no gravador e apertou o botão.
— Infelizmente, para nós, o tempo acabou. Se quiser um dia, fazer a coisa certa... é só falar comigo. Só que desta vez, sem usar meu marido ou meus filhos como massa de manobra.
Narcisa ouviu os gritos da Desonesta e seu desespero em ser destruída daquela maneira. Aquela fita era dela, e por isso, nada mais importava. Saltou na direção da luz que se formou no corpo do ser, pegando Severo e o carregando enquanto a explosão invadia toda a dimensão.
Tudo passou, e Narcisa acordou em outro lugar. Seus olhos estavam cansados e doíam bastante. Ao abri-los o céu estranho de sua fita ainda estava pairando, mas a companhia de seus três filhos que a encaravam com preocupação, lhe deu esperança.
— Mãe! A senhora está viva! — gritou Menandro, ao lhe dar um forte abraço.
— E-eu disse que daria tudo certo. — ele ajudou-a a se levantar, e Narcisa viu melhor onde estava. Ainda na fita, mas agora o céu estava mais limpo e não tinha tantos pedaços e pedras flutuando. As explosões abaixo também deram trégua e agora tudo estava em paz.
Draco e Mensa vieram em seguida, e seguravam entre os braços, Severo que continuava desacordado. Narcisa mal se importou com as dores que sentia no corpo e lhe deu um forte abraço, seguido de um leve beijo no rosto dele. Depois de tanto tempo... anos de separação... seu marido estava de volta.
A família, enfim, estava completa.
— A saída... — disse Mensa.
Os quatro olharam à esquerda, onde estava uma portinha muito parecida com o que tinha no escritório da casa da Rua da Fiação. Algo caía próximo da primeira e Narcisa se aproximou para ver o que era. A tiara roxa com plumas da Desonesta. Foi a única coisa que sobrou dela, por fim. E a bruxa reconhecia aquela tiara, pois foi do mesmo estilo que usou no seu casamento com Severo — só não era daquela cor, mas sim verde esmeralda.
Narcisa caminhou primeiro, e abriu a porta e passou primeiro, seguido de seus filhos. Onde eles pararam não era o escritório e tão pouco parecia Cokeworth, mas sim uma ilha.
— Eu já estive aqui antes... é a fita de Severo. — caminhou um pouco mais pelas pontes de madeira formadas como se fossem um píer e chegou a um poste, igual ao que tinha na primeira fita que havia entrado e encontrou o gravador — Está tudo bem, meus filhos. Podemos avançar. Sinto que aqui, é a nossa última parada.
E aproveitando, Narcisa apertou o botão daquele gravador para escutar, talvez, as últimas considerações de Severo.
— Depois de uma grande reviravolta, descobri toda a verdade. Não era eu quem eles estavam atrás, mas sim de minha esposa Narcisa. Aos poucos, tudo vai ficando mais claro e as minhas decisões de protegê-la e ficar escondido por todos estes anos foi o mais certo a se fazer. Não queria causar essa dor nela... mas foi a única solução.
Os filhos entreolharam para a mãe. Narcisa não respondeu, mas também ninguém quis falar sobre isso. Apenas seguiram o caminho pelas pedras, chegando ao próximo poste com o gravador que ficava em uma curva. Toda a história começava a se esclarecer e ficar límpida e cristalina.
— Para mim, a vida nunca mais será a mesma. Já não era, e agora com o assunto da fábrica, não será ainda mais. O fato, é que a minha esposa corre perigo e eu não posso sair por aí como se nada estivesse acontecendo, mas ela e os meus filhos em primeiro lugar. Enquanto isso, irei investigando mais sobre as coisas que estão ocorrendo.
A gravação acabou e eles seguiram a seguindo o tempo todo, atravessando mais uma ponte e chegando a um outro poste com gravador.
— A Desonesta é uma versão distorcida da minha esposa, que tem um ego super inflado, que pensa ser a Morte para buscá-la após ter feito o Tenebris Alma para me salvar. Não abençoo a Cissa por isso, apesar de ser agradecido e por também ter conhecido e criado os meus filhos, mas preferia mil vezes morrer do que ela ter a própria alma corrompida. Enfim, a Desonesta pensa ser alguém para tentar intimidar minha esposa a se "arrepender" pelo feitiço, mas como sei que a minha amada é tão cabeça dura quanto eu e não vai arredar o pé, precisarei protegê-los.
E sim. Ela não desistiria disso tudo. Nem hoje e nem nunca.
Por fim, chegaram ao último poste, e lá, estava a porta da saída. Narcisa apertou o botão do gravador.
— Quero deixar isso registrado: a Devious vai pagar pelo que ela fez, seja na natureza, com os moradores de Cokeworth, , com a Cissa, com Mensa, com Draco, com Menandro, com Dione, com Teardrop... menos com o meu pai. Ele mereceu morrer, por ter me traído daquele jeito. Não me importo em sofrer as consequências, mas o filho da puta não sabia que isto prejudicaria a minha esposa e meus filhos. Eu não irei perdoá-los. Eu estou bem, e com a mente sã.
Estas foram as últimas palavras de Severo após eles passarem pela porta e voltarem para a casa da Rua da Fiação.
5
Ao chegarem na casa, Narcisa fez questão de tirar aquelas roupas maltrapilhas de Severo e colocá-lo na banheira para um bom banho. Teve de fazer Aquamenti porque a água do local continuava contaminada. Lavou todo o seu corpo, principalmente as feridas, e o colocou deitado na cama do quarto que lhe pertencia. Narcisa ficou ali, sentada e esperando que ele acordasse.
Draco havia voltado para a sua casa, mas Mensa e Menandro permaneceram, como se estivessem preocupados demais com a mãe. Desde que eles voltaram — já havia feito dias — ela não saiu de perto dele em nenhum momento, e quando ia dormir, pedia para os filhos revisarem. Mensa quase não ficou, por estar ocupada demais cuidando do pequeno Altair. Menandro foi o que mais permaneceu.
Em um dia qualquer, Severo continuava na mesma e Narcisa trouxe algumas coisas que pudessem acordá-lo. Não era exatamente um estado de coma — isso ela verificou — mas de algo mais profundo. Demorou alguns dias para fazer, e houve grande parte dos recursos indisponíveis. Fez uma mistura com ervas e colocou embaixo do nariz.
Aos poucos Severo começara a abrir os olhos, mas logo os fechou devido a luminosidade. Voltou a abri-los só que com mais evidência. Narcisa colocou o frasco na mesa de cabeceira ao lado e deu um sorriso ao vê-lo acordado e bem.
— O-onde eu estou?
— Em casa, Severo. — sem perder tempo, olhou para o lado e levou um susto — Bem, na verdade, isso aqui não é a nossa casa, mas serve até se recuperar.
— Cissa? O que está acontecendo? Como eu vim parar aqui?
— Eu te salvei, Severo. As fitas... não se lembra?
— Acho que... lembro-me do bunker... aquela coisa... — Severo ameaçou se levantar e Narcisa o empurrou de volta.
— Descanse, homem. A partir de agora, deixe-me cuidar de você. Poxa, Severo... você se esforçou tanto para esconder a verdade de mim, que a Desonesta era na verdade, um alterego querendo vingança pelo Tenebris Alma. Por favor...
Severo voltou a deitar na cama, mas mesmo assim, estava um tanto perdido. Seu cérebro era um verdadeiro tufão de memórias mal resolvidas. Enquanto isso, Narcisa lhe deu uma xícara de chá, mas ela estava um tanto... estranha. O que foi o líquido que o fez despertar? Tentou se levantar para ver o que era, mas Narcisa o empurrou de novo.
— Acalme-se, querido. Já disse que está tudo bem.
Então que ouviu-se um grito. O rosto de Narcisa estava cheio de tatuagens tribais e seus olhos vermelhos como sangue e as unhas grandes e afiadas. A Desonesta se aproximou com ódio e tudo se perdeu perante a escuridão.
6
Narcisa acordou aos berros, suando muito e tossindo, como se algo estivesse preso na sua garganta.
— Cissa, o que aconteceu? — gritou Severo ao seu lado.
Narcisa olhou ao redor e estava em outro lugar. Não mais na casa da Rua da Fiação, mas sim no quarto do apartamento onde viviam na Ilha de Man. Olhou para o lado, e viu Severo bem, sem nenhum ferimento no rosto e usando seu famigerado camisolão cinza. Ela também estava de camisola, de cor turquesa. Só que isso nada importava, dando um forte abraço no marido.
— Severo... — sua voz estava embargada e lamuriosa — Pelos Deuses... você está bem, meu amor.
— Sim, eu estou... — Severo a abraçou de volta, sem entender nada do que aconteceu — ... teve pesadelo?
— Tive... foi horrível. Estávamos na sua casa em Cokeworth, e então... a Desonesta... ela tinha tomado o meu corpo e...
Severo deu um forte abraço na esposa.
— Foi apenas um pesadelo ruim, Cissa... não precisa se preocupar... tudo foi apenas um sonho...
O que? Será que tudo que viveu era mesmo um sonho? Não era possível... isso não poderia ser real. Aquilo tudo era real e não aceitava o contrário. Parecia um daqueles casos em que o sonho é tão vivido que se torna algo que faz parte da própria vida.
Mas será que foi mesmo tudo um sonho?
— Vou buscar um copo d'água.
Severo se levantou da cama e foi até a cozinha. Mas será mesmo que tudo foi um sonho? As fitas... A Desonesta... não pode ter sido só a merda de um sonho. Narcisa respirou por alguns segundos e Severo já havia retornado com o copo.
— Se acalme, meu amor. Foi só um pesadelo. — Narcisa pegou o copo e bebeu a água rapidamente — Acho que exagerei nos temperos do jantar.
— Não foi o jantar. É que... você não se lembra de nada do que vivemos? Ou melhor... das suas descobertas em Cokeworth?
— Cokeworth? Não apareço lá faz anos. Acho que foi ainda em 2019 ou 2018, enfim, não vou me lembrar. Mas por que essa pergunta?
— Nada... acho que estou só pensando alto. Melhor voltarmos a dormir.
— Eu queria poder fazer alguma coisa para te acalmar... — Severo encostou no rosto dela e fez pequenos círculos com o polegar bem próximo do olho — Está tão assustada... o pesadelo deve ter sido horrível.
Narcisa lhe deu um sorriso, e depois, colocou o copo de água perto de uma mesinha de cabeceira. E deixou-se entregar pelo abraço apertado de seu marido. Se foi sonho ou não, agora isso não tinha mais importância. Sua família, o amor de sua vida tinha, enfim retornado.
Já Severo Snape, não reagiu quando abriu os seus olhos e as cores negras haviam sido substituídas por uma coloração de turquesa, rosa e roxo.
