A propriedade da família Roxton era encantadora. O cenário perfeito para uma infância idílica. Campos verdejantes se estendiam até onde a visão de Marguerite consegui alcançar, flores silvestres completavam o cenário bucólico. Tudo ali era inspirador, a começar pelo proprietário. Marguerite tentava afastar de seus pensamentos a atração eminente e involuntária com sentia por Lorde Roxton desde o instante que seus olhos pousaram sobre ele. "Isso é absurdo. Apaixonar-se pelo pai de sua filha não está em sua agenda" dizia a si mesma.

Quando o utilitário conduzido pelo nobre cruzou o grande portal de entrada, ela notou escupido em pedra o brasão da família. Marguerite também pôde avistar no final de um longo Boulevard de Bougainville escandalosamente florido, uma construção austera em estilo georgiano provavelmente datada do século XVII. O lugar todo exalava a tradição e a aristocracia britânica.

John parou o carro em frente a entrada principal da bela mansão. Antes que Marguerite pudesse abrir a porta lateral lá estava ele, gentil e cortês, estendendo-lhe a mão e ajudando-a a saltar do alto carro. O toque das mão dele nas suas provocou um eletrizante misto de sensações prazerosas que a fez impotente frente a um sorriso espontâneo que surgiu em seus lábios. O homem retribuiu tal gesto e fagulhas de um brilho majestoso emanaram dos olhos dele, Marguerite teve certeza de que nunca viu tanta bondade no olhar de uma pessoa.

Em movimentos rápidos o pai soltou os cintos que atavam Abbie a cadeirinha de segurança no banco de trás e a pegou no colo. Era evidente, pela destreza com que a carregava nos braços que tal atitude lhe era frequente. A menina por sua vez adorava o carinho do pai aninhando em seu peito e contando entusiasmada todos os doces que comeria durante o chá. Marguerite era uma expectadora fascinada por tão linda relação de paternidade. Mesmo com na ausência da esposa, John conseguia fazer a vida da filha feliz, provavelmente soterrando sua própria dor e se dedicando sem reservas a Abbie.

A constatação de tal fato abrandou de certa forma algumas angústias em seu coração. Se por um lado estava tranquila sobre o amor e carinho que a filha havia recebido nestes quase cinco anos de vida, por outro lado, sentiu-se suja por estar infiltrada de maneira tão dissimulada naquele lar. Talvez fosse melhor afastar-se já que Abbie estava bem e feliz em uma família que a amava, mas sabia que não seria capaz de fazer isto. Não podia simplesmente ignorar que sua filha existia e que não estaria por perto para vê-la crescer. Tampouco poderia revelar sua verdadeira identidade e correr o risco de ser afastada da vida deles para sempre. "Vida deles?" desde quando se importava em estar perto de John Roxton? Ela o conhecia a menos de uma hora e ainda sim sentia-se tão ligada a ele a ponto de sofrer com a ideia de que a desprezasse se soubesse quem era e qual seu objetivo ali.

O chá será servido no jardim… me acompanhe._o som grave e gentil da sua voz interrompeu seus pensamentos.

Obrigada._sorriu e o acompanhou até o radiante e amplo jardim.

A refeição foi muito agradável, como tudo que envolvia John e Abigail. A menina era curiosa e astuta, além de muito criativa, Marguerite imaginou se tinha sido herdado dela o interesse pelas histórias e contos de fadas. Assim que se sentiu satisfeita, Abbie pediu permissão ao pai para brincar com Bartolomeu, um adorável e brincalhão beagle que corria sem parar com a menina pela grama muito bem aparada.

Você ainda não nos contou o que a trouxe a Avebury?_ Roxton tentou iniciar uma conversa após o constrangedor silêncio que se instalou entre eles depois que Abbie se afastou da mesa.

Marguerite engoliu seco. Procurou desesperadamente por uma justificativa concisa para vagar pelos campos de Wiltshire em um sábado a tarde. Levou a xícara de chá aos lábios na esperança de ganhar mais alguns segundos e uma explicação mais robusta.

Inspiração._disse por fim. Foi a primeira coisa que lhe veio a cabeça e que encaixava perfeitamente ao lugar em que estavam.

Inspiração?_repetiu ele franzindo o cenho, mas com um meio sorriso em seus lábios.

Sim._assertou ela cada vez mais confiante de que sua explicação faria sentido._Eu escrevo histórias infantis e as ilustro, meu editor recentemente cobrou-me um conto nacionalista, inspirado no interior da Inglaterra, e, não consigo pensar em outro lugar para encontrar inspiração para tais elementos.

O sorriso do nobre se tornou mais largo antes dele também levar a sua xícara a boca. O gosto cítrico das notas de laranja sobressaiam-se ao gosto do amargo do chá e era atenuado pelo pouco de leite que costumava acrescentar a bebida, toda a mistura estava um pouco mais saboroso naquela tarde. John imagina o porque disso, ou melhor, o por quem….

Isso significa que pretende ficar na cidade por algum tempo?_uma pontada de entusiamos o atingiu. Seu coração parecia bater descompassado e ele tentava ao máximo demonstrar casualidade na voz. Não tinha certeza que estava obtendo sucesso nisso.

A princípio sim._ respondeu enquanto dizia para si mesma que isso era uma meia verdade e o fato de não contar uma total mentira a John fazia sentir-se melhor._tenho tido dificuldade em escrever desde meu último título "A girafa Mafalda"._admitiu a ele. Na verdade nos últimos cinco anos tinha se mantido basicamente com as reservas de seus sucessos passados e com alguns freelancers na ilustração de histórias de outros autores. Desde o acidente sua vontade e criatividade pareciam ter morrido junto com seus bebês e seu casamento. Se não fosse pelo apoio de Malone, seu amigo, editor e advogado, nem mesmo teria conseguido os pequenos trabalhos.

Lorde Roxton a olhou surpreso. Não pode evitar o sorriso alegre e a expressão maravilhada quando exclamou.

Inacreditável!

Contagiada pela emoção dele, Marguerite também sorriu enquanto perguntava.

O que?_ergueu a sobrancelha curiosa, mas ainda sorrindo.

O gesto foi espontâneo e extremamente comum, todavia, lembrou-lhe muito a sua filha. Abigail costumava ter a mesma expressão quando questionava algo. "Bobagem, John… você está encantado com a beleza desta mulher e começa a ver coisas onde não tem", afastou tal observação de seus pensamentos.

Você não vai acreditar!_respondeu ele com entusiamo_ "A girafa Mafalda" é o livro favorito de Abbie. Perdi as contas de quantas vezes já li a história para ela.

As lágrimas inundaram os olhos da autora imediatamente quando a revelação foi captada por sua audição e processada pelas sinapses incontroláveis em seu cérebro. Sua filha gostava de sua história, isto era quase mágico ou destino. Marguerite de alguma forma esteve presente no desenvolvimento de Abbie mesmo que indiretamente.

Roxton notou a fragilidade de sua convidada e rapidamente tentou se retratar.

Marguerite, eu sinto muito. Disse algo errado?_inclinou-se para tomar a mão dela entre as suas._Não era minha intenção magoá-la.

Não… você não o fez._tranquilizou-o._esta história é muito importante para mim._confessou ela_ foi o último livro genuinamente meu, antes de..._ela fechou os olhos abafando as emoções._antes da minha vida mudar para sempre._reduziu as explicações em uma oração subjetiva. Não estava preparada para tratar de assuntos tão íntimos e delicados. Sua relação com James a deixou desconfiada de todos os homens e por mais que Lorde Roxton aparentasse ser um ser humano bom, não o conhecia o bastante para abrir seu coração.

John não precisou de detalhes para saber que a vida daquela mulher, como a sua, era marcada por uma tragédia. Uma empatia natural surgiu naquele instante. Não insistiu para que ela lhe contasse nada, apenas sentiu um desejo infinito de protegê-la.

Eu realmente sinto muito._limitou-se a dizer.

Obrigada._Marguerite enxugou as lágrimas com o dorso da mão livre, só então percebeu que o homem ainda lhe segurava delicadamente a outra. Decidiu não fazer nada para mudar isto. Era delicioso sentir o conforto dele._Eu fico feliz que Abbie goste da história.

Ela não só gosta, ela adora. E eu acho que ela adoraria ainda mais ouvi-la de você._ele fitou-a_Onde está hospedada?

Na verdade ainda não encontrei um hotel. Pretendia fazê-lo quando chegasse ao vilarejo.

Roxton sentiu-se tentado a convidá-la a ficar em sua propriedade, mas, teve medo de afugentá-la com sua impetuosidade. Marguerite era uma mulher distinta e não aceitaria tal tipo de cortejo.

Por acaso, eu, sou amigo do dono do melhor hotel de Wiltshire. Uma ligação e você terá uma suíte quente e confortável.

É muita gentileza de sua parte, mas eu estava pensando em uma pensão simples.

Não se preocupe, eu faço questão de instalá-la em um bom lugar. Afinal você escreveu a história favorita de Abigail é o mínimo que posso fazer em retribuição.

Eu realmente agradeço, mas, se me indicasse uma pensão de acordo com as minhas condições eu me sentiria mais à vontade.

Ele entendeu o recado. Marguerite era digna o suficiente para não aceitar favores de desconhecidos e esse era mais um ponto positivo a seu favor. A cada segundo aquela mulher o surpreendia mais.

Tudo bem._resignou-se_Eu conheço um lugar e posso reservá-lo para você desde que aceite jantar conosco. Depois do jantar pode ler para Abigail se não for um incômodo, o que me diz a respeito?

Eu adoraria._sorriu lindamente. John não fazia ideia do presente que acabava de lhe oferecer. Nem todas as joias ou dinheiro do mundo pagaria a sensação de ler para Abbie antes de fazê-la dormir. Era como se Marguerite tivesse sido transportada para seu próprio sonho e não queria acordar jamais.

*

Momentos agradáveis passam rápido. Marguerite teve certeza desta afirmação aquela noite. Estar com John e Abigail era a melhor coisa que lhe aconteceu nos últimos anos, e então logo chegou o momento de fazê-la dormir.

A menina aninhou seu ursinho de pelúcia e virou-se de lado para ouvir a voz calma e doce de Marguerite narrando os fatos já decorados pela garotinha. Isso era imensuravelmente prazeroso. Quando Abbie estava quase dormindo ela beijou-lhe a testa da filha, tinha imaginado milhões de vezes em sua mente e era tão grata por finalmente viver isto, mesmo sabendo que os estava enganando.

Marguerite… _chamou a filha quase entregue ao sono.

Sim, querida.

Você poderia ir no nosso piquenique amanhã?

Marguerite olhou confusa para a porta onde John em silêncio as observava. Ela buscou algum tipo de aprovação em seu olhar. O homem sorriu e piscou em concordância, ele mesmo faria tal convite, mas a filha havia se adiantado.

Claro, querida. Eu irei._acariciou uma mecha do cabelo castanho da menina. O carinho pareceu relaxá-la e finalmente Abbie abraçou o mundo dos sonhos.

*

Você realmente não precisa me levar ao vilarejo._Marguerite tentou tirar as chaves do seu BMW ano 1994 das mãos de Lorde Roxton que insistia em levá-la a hospedaria.

Eu faço questão. Amanhã você pode pegar seu carro depois do piquenique_ele foi mais rápido e escondeu o chaveiro atrás do seu corpo fazendo com que ela tropeçasse sobre ele ficando muito perto seus rostos. Houve um silêncio infinito e constrangedor até que ele retomasse sua oratória._Está tarde, e quem me garante que você está totalmente recuperada do seu mal estar? Deixe que eu a leve… por favor.

Relutante, Marguerite aceitou.

Durante todo trajeto conversaram sobre assuntos triviais como o clima e a geografia da região. John contou rapidamente a história de seus antepassados e de como há mais 300 anos o primeiro Lorde Roxton recebeu o título da rainha Elizabeth I. A conversa com ele era fluida e agradável, poderia escutar sua voz eloquente por horas, mas infelizmente o vilarejo não ficava a mais de 15 quilômetros da propriedade e mesmo ele dirigindo a cautelosos 60 km/h em uma via bem sinalizada e segura, depressa demais estavam em frente a charmosa pensão na qual Roxton lhe reservara um quarto. Nenhum dos dois tinham pressa em se despedir, mas já tardava e Marguerite sabia que era arriscado protelar mais. Não queria fazer nada do que se arrependesse depois, tão pouco queria complicar ainda mais a relação entre ela e o pai de sua filha. Render-se a uma atração não era algo que ela condenaria se a pessoa em questão fosse um homem como John Roxton, porém, havia muita coisa entre eles e não poderia se dar ao luxo de acrescentar um agravante.

Pelo visto, chegamos._constatou ela.

Sim._exibiu um sorriso quase frustrado._Charlotte é uma excelente pessoa e muito cuidadosa com seu estabelecimento, você será bem recebida.

Muito obrigada.

Ele desceu do carro e, como o esperado, abriu a porta do lado dela oferecendo-lhe a mão ajudando-a a descer. Em seguida empurrou a pesada peça fechando-a atrás dela. Hipnotizado pela proximidade com aquela mulher, John descuidadosamente não notou que trancava parte do casaco dela na trava da porta.

Assim que deu o primeiro passo Marguerite notou que estava presa, Roxton também se deu conta disso e apressou-se em ajudá-la. Com facilidade conseguiram a liberação da vestimenta, entretanto, seus corpos estavam perto demais para libertarem-se um do outro. Compartilhavam o mesmo ar quente de suas respirações, seus olhos mirando a profundidade do olhar do outro. Sabiam, desde o primeiro encontro no início daquela tarde, que o dia não acabaria sem que isto acontecesse, renderam-se então ao que julgavam inevitável. John inclinou seus lábios de encontro aos dela que não hesitou, ansiava por aquela carícia tanto quanto ele. Suas fortes mãos mergulharam na vastidão negra dos sedosos cachos, enquanto ela envolvia seu braços ao redor do pescoço dele. E assim perdidos nos braços um do outro o tempo pareceu parar.