A mulher ruiva de olhos claros media Marguerite de forma exploratória e investigativa. Enquanto preenchia a ficha de hospedagem, a escritora podia notar de relance o desdém com que a recepcionista a mirava, era óbvio que Charlotte exibia por ela uma antipatia gratuita. Sentia-se tentada a perguntar o porquê, não era bom para os negócios a proprietária de um hotel receber seus clientes de tão má vontade.

Então você é amiga de John Roxton._ a carrancuda ruiva finalmente venceu o silêncio no momento em que Marguerite lhe devolveu a caneta e o formulário preenchido._Marguerite Krux._completou depois que despretensiosamente leu o nome escrito com caligrafia perfeita no primeiro campo do papel.

"Então havia um motivo para a aversão, e ele se chamava John Roxton", conclui Marguerite.

Não sei se somos amigos… ainda. Há uma grande possibilidade de que isso aconteça… talvez até algo mais._não resistiu a provocação quando notou o rubor subir pela face clara de Charlote e suas narinas se expandirem em uma expressão de raiva.

Acho pouco provável._respondeu arquivando a ficha na pasta de registros._Até as pedras do anel das fadas sabem que Lorde John Roxton só tem olhos para pequena Abigail. Você pode até tentar conquistá-lo, mas, fracassará.

Embora eu não julgue relacionamento como competições, agradeço seu conselho._querendo encerrar o assunto desagradável e a petulância da pretendente rechaçada, Marguerite estendeu a mão quase impaciente_Estou exausta, John me disse que esta é uma excelente hospedagem e eu gostaria de provar isto com meus próprios critérios.

Relutante, Charlotte entregou a chave do charmoso quarto o qual Marguerite usufruiria e ela se perguntou se John teve o cuidado de solicitar um apartamento tão aconchegante. A cama era macia e a mobília em estilo provençal. Próximo a janela havia uma banheira convidativa de louça branca e na lareira crepitava a brasa de uma lenha quase se apagando. Provavelmente a hoteleira havia preparado o ambiente no momento em que Lorde Roxton lhe telefonou, ela desejava agradá-lo e por isso se decepcionou quando descobriu a hóspede feminina que ele lhe encaminhara. Logo afastou de si a lembrança da ruiva antipática, ela era o menor de seus problemas. Deixou a água preenchendo a banheira enquanto desfazia sua mala. Esticou sobre a cama algumas peças de roupa procurando escolher um modelo adequado para o evento do dia seguinte, estava ansiosa, entusiasmada e particularmente feliz.

*

John quase não conseguiu dormir aquela noite. Não era a primeira vez que isso acontecia, na verdade, nos últimos anos tinha o sono conturbado e atormentado por pesadelos. Por vezes preferia nem dormir pois quando fechava os olhos sua consciência o levava ao quarto frio do Saint Mary's cinco anos antes. Via sua esposa pálida deitada na cama pedindo que ele a ajudasse e impotente não podia fazer nada para abrandar o sofrimento de Danielle. Então observava paralisado a vida dela se escapar diante dele, suplicando para que cuidasse e amasse Abigail. Acordava gritando pelo nome dela, ensopado em suor e tremores. Depois não conseguia voltar a dormir.

Entretanto, nesta noite, o motivo de sua insônia era outro: Marguerite Krux. Passou boa parte do tempo relembrando o sabor doce dos seus lábios, o cheiro de seu cabelo impregnado em sua pele, seu sorriso radiante, sua voz suave e a maneira como se conectava com ele e com Abbie, era como se conhecem a anos.

A ideia do piquenique foi fabulosa e ele mal podia esperar por reencontrá-la. Verônica tinha razão, como sempre. Seu coração solitário não jazia morto como ele julgava, estava apenas adormecido. Achou que não teria nenhum sentimento nobre a oferecer a outra mulher, mas a encantadora escritora de contos infantis gentilmente o provara o contrário e por isso ele se sentia jovial e revigorado quando os primeiros raios de sol invadiram seu masculino quarto naquela adorável manhã.

*

O vestido simples de estampa floral e comprimento abaixo dos joelhos havia ganhado um up grade depois que Marguerite marcara sua cintura com um cinto de couro fino. Nos pés havia optado por uma espadrille baixa em tom um pouco mais claro que a roupa, afivelada nos delineados tornozelos. Estava insegura quanto a composição, por anos isso não foi uma preocupação mas em especial neste dia, queria ficar bonita. Os cachos negros estava presos em uma trança frouxa que caia sobre suas costas, alguns fios teimosamente insistiam em se desprender do penteado e ganhar vida própria, ela, por fim, desistiu de domá-los. Lamentou não trazer consigo na bagagem um chapéu, ficaria perfeito, porém, não havia tempo para arranjar um… Charlotte havia interfonado informando que John e Abbie estavam a sua espera na recepção. Deu uma última olhada no espelho de moldura marfim, agarrou a sacola com a sobremesa que havia comprado um pouco antes, respirou fundo e abriu a porta, seu destino a esperava.

Quando alcançou o último lance de escadas reconheceu a voz animada de John conversando com a mulher ruiva. Ele estava feliz e relaxado, Marguerite percebeu que eles tinham intimidade pela forma como gargalhavam e ela tocava sua mão sobre o balcão. Uma pontada de ciúme a atingiu em cheio, fazia tempo que não sentia isso e não se lembrava de que era tão ruim. Tentou concentrar-se no real motivo pelo qual havia ido a Avebury: Abbie.

A menina estava sentada em uma poltrona caramelo com a expressão aborrecida. Antes que Marguerite pudesse pensar no porque, ela notou sua presença e estampou o mais lindo sorriso correndo ao seu encontro.

Marguerite, Marguerite!_encontrou seus braços e a mãe sentiu o mais puro e terno amor.

Como passou a noite querida?_tentava controlar as emoções para não derramar-se em lágrimas na frente de todos.

Eu dormi muito bem!_seus olhinhos brilhavam como duas safiras_Você está linda, Marguerite! Não acha isso, papai?_Abbie parecia propositalmente querer que o pai desviasse a atenção de Charlotte para ela.

Isso nem era necessário, no momento em que Roxton notou a presença da morena na recepção todas as suas atenções inevitavelmente se dirigiram a ela. Estava ainda mais linda que no dia anterior.

Sim, querida… ela está linda._seus olhos transbordavam de encantamento e interesse.

Marguerite sorriu encabulada, toda e qualquer dúvida sobre a escolha de sua roupa foram varridas pra longe pelo olhar penetrante e avassalador daquele charmoso homem. Não era correto, mas era involuntário, seu corpo respondia a ele e um calor interno se manifestava cada vez que pensava na boca dele requisitando a sua, tão viril, atraente e inebriante. Felizmente tinham a companhia de Abbie e não perderia o controle novamente.

Oi, Marguerite…_sorriu de forma irresistível_dormiu bem?

Era uma pergunta cortês, mas a forma como ele a olhava parecia ter certeza que ela passara quase a noite toda em claro lembrando o beijo dos dois.

Tive um pouco de dificuldade para dormir._admitiu sem jeito_acho que estranhei a cama._completou rezando para que ele não notasse a forma como se derretia em calor líquido sob seu olhar deflagrador.

Ele sabia o que estava perguntando e sabia o significado da resposta dela. Marguerite também pensara nele, e isso o imbuiu de enorme satisfação. Poderia beijá-la ali mesmo, tinha vontade e coragem para isso, a maneira como ela umedeceu os lábios dizia a ele que queria ser beijada também, mas havia Abbie e como a salvadora de uma pequena loucura a menina disse impaciente:

Vocês ficaram se olhando muito tempo? Bartolomeu está esperando naquela pequena caixinha… vamos logo.

A bronca da filha os despertou do torpor que se instalara. John se despediu rapidamente de Charlotte que trocara a expressão feliz por uma cara de desgosto e frustração. Ele sequer notou isso. Quando Marguerite estendeu a mão para entregar-lhe a chave, a ruiva se demorou e com um olhar ameaçador proferiu.

Divirtam-se.

Marguerite devolveu a ameça com sarcasmo, sorriu docemente e piscou.

Farei isso.