Sim, ele estava ali… com ela. Marguerite podia sentir o calor de seu corpo, o conforto do seu abraço, sua respiração, as batidas ritmadas do seu coração, o pulsar de suas veias… era como se sentir em casa, como se aquele fosse seu lugar no mundo: os braços de John.
A constatação de que estava se apaixonando por aquele homem a atingiu de surpresa fazendo a retesar. Era tão injusto, depois de tantos anos de solidão seu coração escolher, finalmente, sentir a emoção da paixão justamente por alguém proibido para ela. Lorde Roxton a odiaria quando soubesse da verdade, e a cada minuto que passava sustentando esta farsa maior seria seu ressentimento por ela. A ideia de que aqueles olhos que agora a miravam com respeito e admiração seriam substituídos por desprezo e decepção a desesperou. Rispidamente, Marguerite se soltou de seu abraço agradecendo mentalmente por Abigail estar distraída e não notar a demonstração de carinho entre os dois.
Eu sinto muito… não deveria…
Está tudo bem, Marguerite._tranquilizou-a a perceber seu desconcertamento._ eu falo sério quando digo que estou aqui… para o que você precisar.
Ela secou as últimas lágrimas que teimavam em deixar seus olhos e endireitou as costas buscando na mudança de postura a coragem que necessitava para contar o segredo que guardava. Antes que tomasse fôlego para começar, ele a interrompeu.
Ele também se foi… no acidente?
Quem?_confusa, ela se desconcentrou de seu assunto inicial.
Seu marido… ele também morreu?
Marguerite demorou alguns segundos para lembrar-se de James. Alguém com que dividiu a vida agora parecia ser tão insignificante e desprezível para ela. Balançou a cabeça tentando esquecer que foi por conta da atitude egoísta e cruel do ex marido que, neste instante, ela se via em uma posição de vilã quando na verdade era tão vítima quanto John.
Não. Nós nos separamos algum tempo depois do acidente… é algo que ficou no passado._encerrou o assunto tentando não deixar brechas para novas perguntas. O que estava prestes a tratar com ele já era delicado o suficiente para acrescentar sua conturbada relação com James a equação._John, eu preciso… _tentou, entretanto, mais uma vez foi interrompida, agora, por Abbie que parecida ansiosamente animada com algo.
Marguerite, Marguerite!_a menina corria em sua direção, chamando seu nome.
A escritora ponderou se estava preparada para deixar de viver essa nova e apaixonante experiência. Não era só do carinho de John que estaria sendo privada quando revelasse tudo, também da voz doce de Abigail, de sua curiosidade, de sua animação, da conexão que estava estabelecendo com a filha, enfim, de tudo o que estava aprendendo a se acostumar.
Sim, querida._respondeu sorrindo._me diga o que aconteceu…
Quarta-feira_ofegou e arrancou risos do pai e de Marguerite_na minha escola_nova respiração profunda e o fôlego estava quase reestabelecido_ vai ser dia das profissões, e, depois tem o grande espetáculo da primavera… eu serei a árvore.
Marguerite teve que reprimir a risadinha, estava encantada com o orgulho com que a menina descrevia o evento.
Você quer ser a minha profissão?_perguntou a menina sem saber ao certo como formular o convite._você sabe, ir lá na minha escola e contar pros meus amigos como é ser… aquelas pessoas que escrevem livros…
Escritora._John ajudou a filha.
Isso mesmo papai…_olhou rapidamente para o pai depois tornou a concentrar sua atenção na mulher._ você que ir comigo, Marguerite?
O convite era de fato irresistível. Marguerite se sentiu tomada por um orgulho sem fim, mas não podia aceitar sem o consentimento de Roxton.
Eu adoraria, querida, porém… seu pai ou sua tia podem ficar chateados por não serem os escolhidos.
Papai é lorde… não sei o que isso significa_disse com desinteresse._ele fica no escritório e fala coisas confusas no celular… não parece ser uma profissão legal._a sinceridade de Abbie arrancou uma gargalhada de ambos.
John não importava com o fato da filha achar sua profissão de empresário enfadonha. Ele mesmo pensava assim as vezes. Na verdade não foi algo que pudesse escolher. Depois da morte de seus pais tocou a ele, o primogênito e herdeiro do título, a tarefa de administrar o vasto patrimônio da família, não que encarasse a tarefa como um fardo, ao contrário, se não fosse o trabalho árduo e a ternura de Abigail, teria enlouquecido quando Danielle morreu. Entretanto, não podia negar que invejava a liberdade da irmã, ela viajava pelo mundo buscando as lindas paisagens e as melhores aventuras.
Minha tia Vê tem uma profissão estranha… ela viaja e tira fotos.
Ela é fotógrafa independente._sussurrou John explicando. Marguerite assentiu entendendo.
Bem, Abbie… se seu pai não enxergar nenhum inconveniente eu posso sim falar pra sua turma sobre como é ser escritora.
As duas buscaram a aprovação de Roxton que empertigou os ombros ao mesmo tempo que erguia as duas mãos.
Não serei eu que enfrentarei uma sala cheia de criaturinhas curiosas, como essa daqui._agarrou a filha fazendo cócegas até tirar-lhe o fôlego novamente.
Marguerite não pode evitar a gargalhada.
Acho que posso lidar com isso._ declarou antes de se juntar a John nas cócegas.
*
Nem mesmo o mau humor de Charlotte foi capaz de diminuir o sorriso exposto no rosto de Marguerite quando retornou ao hotel. Já se passavam das seis da tarde e ela literalmente não notou o dia passar. Estava exausta, mas terrivelmente feliz. Evitou pensar que o sonho que estava vivendo era passageiro e decidiu que ao menos por mais alguns dias desfrutaria dessa felicidade que lhe havia sido negada até agora. Após o evento na escola, tomaria coragem e seria franca com John. Explicaria seus motivos e suas intenções, deixaria claro que não pretendia pedir a custódia de Abbie, entretanto, pediria para que de alguma forma pudesse fazer parte da vida dela. Até lá, era prudente evitar algum envolvimento emocional. Não queria que ele se sentisse traído ou usado, o que nobre estava despertando dentro de seu peito era algo genuíno que não merecia ser interpretado como interesse. Foi por isso que recusou jantar na mansão, não confiava em si mesma para ficar sozinha com o charmoso Lorde Roxton e não se derreter em seus braços. Ele a afetava de uma forma que nenhum outro homem já o fizera, nem mesmo James causava nela tal atração. Quando estavam perto, suas mãos desejava desesperadamente tocá-lo e ser tocada por ele, entregar-se por inteiro. A simples lembrança de como a boca dele tomou a sua na noite anterior provocava reações incontroláveis no seu corpo e então ela policiava-se, sempre que possível, para não recordar tão sensuais imagens em público.
Boa noite, Charlotte.
Boa noite._rosnou a mulher atrás do balcão.
Preciso fazer uma ligação ao meu editor, porém, meu celular esta sem bateria e não trouxe meu carregador. Tem algum telefone que eu possa usar._pediu com educação.
Charlotte franziu o canto da boca antes de responder.
Pode usar o telefone do escritório. Siga até o final do corredor, é a segunda porta a direita. Lá terá mais… privacidade.
Marguerite agradeceu e se surpreendeu pela cordialidade de Charlotte, muito embora, sua expressão fosse de descontentamento.
Quando chegou ao escritório discou ansiosa o número do telefone de Malone. Fechou a porta, mas, não se preocupou em observar que a sala se comunicava com outro recinto no qual a passagem estava entreaberta. Do outro lado, no escuro, Charlotte se posicionava silenciosamente a espreita de alguma informação útil.
Ned… sou eu, Marguerite. Não tenho muito tempo, não estou falando de uma ligação segura. Só queria que soubesse que eu os encontrei._fez uma pausa emocionada_ Está tudo bem, eu não farei nenhuma bobagem… contarei a verdade assim que tiver oportunidade. Agora preciso desligar. Beijo.
Marguerite colocou o telefone na base e saiu da sala, em seguida, Charlotte saiu de seu esconderijo quando percebeu que estava segura. Não havia descoberto muito, mas o que ouviu era suficiente para semear uma dúvida, e ela sabia exatamente em quem deveria plantá-la.
*
Verônica querida… como você está?_a voz de Charlotte forçava o limite da amizade.
Charlotte?_perguntou Verônica confusa. Não falava com a ruiva desde que ela a culpou pelo encontro fracassado com seu irmão.
Não era segredo para ninguém que Charlotte sempre almejou ser a nova Lady Roxton. De boa vontade Verônica tinha alcovitado um encontro entre John e a colega de infância, porém, como suspeitava não houve química entre os dois. O irmão e a hoteleira se conheciam desde crianças, nunca houve interesse amoroso da parte dele, não havia motivos para que isso mudasse com o tempo. Só que a ruiva não pensava assim, ao tentar explicar isso, Verônica acabara entrando em uma discussão pouco amistosa com a amiga que culminou no rompimento da relação entre as duas.
Sim, querida, sou eu… andei pensando e faz muito tempo que não nos falamos.
Quero reforçar que essa decisão foi sua.
Eu sei… eu sei, mas sem ressentimento, ok?
Por mim tudo bem. E você como está?
Eu estou bem, mas… um pouco preocupada…
Algo que eu posso ajudar?
Na verdade sim… trata-se do seu irmão…
Escute, Charlotte, se pretendemos retomar nossa amizade, seria importante deixar John fora disso…
Não querida, eu não penso em pedir que me arranje um novo encontro com ele, ao contrário… acho que ele por si próprio já encontrou companhia.
O que você quer dizer?
Seu irmão anda se encontrando com uma forasteira. Ela está hospedada em meu hotel.
Eu sinto muito, mas, não cuido mais dos encontros do meu irmão, e sinceramente, acho ótimo que ele esteja se relacionando com outras pessoas._respondeu impaciente.
Mesmo que a pessoa seja cheia de segredos?
Aonde você quer chegar?
Marguerite Krux tem um segredo e ao que tudo indica ela veio a Avebury intencionada a encontrar a família Roxton._Charlotte conhecia a amiga bem o suficiente para saber que sua família era seu ponto fraco. Ela protegia John e Abbie com unhas e dentes, e não deixaria que nenhuma ameaça se aproximasse sem que ela mesma averiguasse a segurança.
Houve um silêncio na linha. Verônica raciocinou sobre o que Charlotte lhe contava, era verdade que a ruiva não havia superado a rejeição de John, mas, não era tão inteligente para inventar uma história assim. De qualquer modo, era seu dever investigar as intenções dessa misteriosa mulher. John e Abigail já haviam sofrido muito, ela não permitiria que isso acontecesse novamente.
Estarei aí na quarta._respondeu antes de desligar.
