Capítulo 20 – Pais

Minha dor é perceber
Que apesar de termos feito tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Nós ainda somos os mesmos
E vivemos como os nossos pais

Música: Como nossos pais – Elis Regina


Cuddy voltou para casa emocionada e House não falou uma palavra, ele estava em choque.

"Você está bem?". Cuddy perguntou.

"Eu?".

"Sim, você. Desde que saímos da clinica você não falou nada, isso não é típico de você".

"Você quer dizer que eu falo demais?".

Ela riu. "Não exatamente".

"Eu estou bem". House disse disfarçando.

Na verdade ele estava em pânico, pela primeira vez ele se confrontou com o seu bebê, um filho ou uma filha com metade dos seus genes e que o chamaria de 'pai'. Ele sempre fugiu disso, ele sempre fugiu dessa responsabilidade, desse vinculo. Ele sempre achou as mães e pais extremamente egocêntricos e egoístas por quererem criar uma cópia de si mesmos e colocarem em um mundo doente um novo ser. Agora ele era um desses loucos, egocêntricos e egoístas. Além disso, os pais sempre davam um jeito de perturbarem a psique de seus filhos. Por mais que tentassem fazer o melhor, nunca era o suficiente e sempre deixavam terríveis marcas em seus descendentes.

"House...". Cuddy o chamou pela terceira vez.

"Oi". Ele respondeu ainda em transe.

"Você não está bem... Definitivamente".

"Eu estou... pensando".

"Eu adoraria se você compartilhasse o pensamento comigo".

"Eu... Eu estou pensando que quero comer um hambúrguer triplo".

"House... Não minta pra mim. Você está pensando em algo relacionado ao nosso bebê".

House gelou. Como ele iria explicar isso para ela? Cuddy sempre teve o sonho da maternidade. Ela não entenderia.

"Eu... Eu sempre pensei que os pais eram enormes egoístas com a necessidade de colocarem um clone no mundo para inflarem seus egos".

Ela sorriu e o surpreendeu.

"Você sorri?". Ele perguntou.

"Eu sei o que você pensa sobre relacionamentos, casamentos, filhos. Mas nós estamos em um relacionamento e você está feliz, não está?".

"Mas não sabemos o dia de amanhã".

"Ninguém sabe. Hoje, você está feliz hoje?".

"Sim".

"Com esse bebê será a mesma coisa, você aprenderá que não se trata de egoísmo ou de ego, mas de um amor maior do que tudo o que você já provou e de que sua vida será tão plena...".

"Você romantiza demais...".

Ela sorriu novamente. "Eu acho que não. De tempo ao tempo...".

Ele estava confuso, Cuddy se emocionou ao ouvir o coração de seu bebê, isso é o que a maioria dos pais faria, ele não... Ele se apavorou. E se ele não conseguisse nunca lidar com a paternidade?

House calou-se em pensamento novamente e Cuddy o distraiu.

"Relaxe House, de tempo ao tempo. Agora eu preciso de sua atenção plena, pois eu estou com muito desejo".

"Desejo?".

"Desejo de você". Ela falou maliciosa e ele sorriu.

Definitivamente ele estava feliz com aquele relacionamento, mas... Algo haveria de dar errado, ele tinha certeza. Ele só não queria pensar nisso hoje.


House acordou e logo sentiu um aroma que vinha do banheiro. Cuddy havia tomado banho e estava aplicando o creme hidratante de baunilha na pele, ele adora aquele cheiro, era tão feminino, tão sensual, tão diferente de tudo o que ele podia sentir até algum tempo atrás quando estava sozinho em seu apartamento masculino.

House levantou-se sorrateiramente e foi até o banheiro, ela estava de costas e não percebeu a presença dele, então House a abraçou pelas costas e ela gritou com o susto.

"Eu te mato! Você quase me deu um infarto. Eu estou grávida, esqueceu?".

"Eu não quero te dar infartos, mas quero te dar outra coisa...". Ele disse malicioso.

"Eu estou atrasada, hoje terei reunião com o diretor de um plano de saúde".

"Só dez minutos".

"Eu não quero fazer nada com pressa". Ela disse virando-se para beijá-lo.

"Tudo bem, eu aguento mais algumas horas sem sexo".

Cuddy sorriu. "Você teve sexo há menos de nove horas atrás".

"Então... Já faz todo esse tempo!".

Ela riu e saiu do banheiro para se vestir.

Cuddy teve uma manhã extremamente agitada no hospital, reuniões, problemas... House chegou perto das dez horas, como sempre.

Ele chegou à sala de Diagnósticos e qual não foi a sua surpresa quando viu Cameron conversando com...

"Mãe!".

"Greg, meu filho. Que saudades!".

"O que você está fazendo aqui?".

"Eu e seu pai viemos te ver".

"Chase levou o seu pai para pegar um café". Cameron falou divertida.

Era o apocalipse, seu time e seus pais interagindo.

"Sabe Allison, o meu filho não me liga, não me dá sinal de vida...". Blythe falou para provocar o filho e conseguiu.

"Mamãe, vamos para a minha sala".

"Eu pensei que essa era a sua sala". Cameron disse sarcástica.

"A outra sala. O escritório". House apontou e foi até lá com a sua mãe.

"Allison é um doce de pessoa". Blythe falou.

"Vocês estão indo para alguma viagem?". House ignorou o comentário da mãe.

"Seu pai foi convidado por um amigo de Nova Iorque para uma caçada, ficaremos uma semana com por lá, mas antes quiséssemos parar aqui para vê-lo".

"Que ótimo!". Ele mentiu.

"Eu sei que você não aprecia a nossa vinda, mas você é meu filho".

"Eu aprecio a sua vinda, mãe. Mas... Não a vinda dele".

"Greg, ele é o seu pai. Tenho certeza de que John não é perfeito, como eu também não sou, pais não são perfeitos".

Novamente ele lembrou-se de seu bebê no ventre de Cuddy e ficou apavorado. Será que ele seguiria o modelo de John? Será que seu bebê o odiaria quando fosse um adulto?

"Ei, filho!". Era John que entrava com Chase.

"O seu pai estava me dando uma aula sobre os melhores cafés do mundo". Chase falou bem humorado.

"Ótimo". House tentou disfarçar.

"Todo o homem que se preze deve beber um bom café". John falou e House revirou os olhos, esse tipo de machismo era típico dele e House odiava.

"Você chega para trabalhar às dez da manhã? Eu não ensinei responsabilidade para você". John disse para o filho.

"Agora não, John". Blythe tentou contornar a situação.

"Você não me ensinou muita coisa útil pelo visto". House falou.

Chase arregalou os olhos.

"Rapaz, nos dê licença? Eu preciso falar com o meu filho". John pediu para Chase.

"Claro". Chase saiu contrariado, ele queria muito ver a continuidade daquilo.

"Vamos para a cafeteria, precisamos conversar". John falou.

"Mas você acabou de voltar de lá". House contestou.

"Você ainda parece o mesmo garoto mal criado". John disse.

"John, Greg, parem!". Blythe contestou. Ela sempre fazia isso. Coisas nunca foram ditas ou esclarecidas porque Blythe não permitia nenhuma discussão.

"Eu preciso trabalhar, tenho um paciente. Apesar de eu chegar às dez horas, provavelmente não sairei tão cedo essa noite. Se ao menos eu fosse responsável o suficiente para salvar vidas...". House falou sarcástico.

"Filho, vamos almoçar? Eu só quero passar um tempo com você". Blythe o convidou.

"Eu estou ocupado, mãe".

"Eu insisto. Por favor!".

"Seria mais fácil um jantar então". House falou sem saber exatamente a razão.

"Ótimo. Jantaremos hoje a noite". Blythe estava animada.

"Você pode levar Wilson se quiser, para lhe fazer companhia". John falou divertido. "Como sempre... leve um homem com você".

"Eu estou namorando, levarei a minha namorada". House falou sem pensar. Ele só queria jogar na cara de seu pai que ele tinha alguém.

"Uh... É sério filho?". Blythe estava muito feliz.

"Não é grande coisa namorar, todo mundo faz isso". House respondeu.

"E quem é a louca?". John provocou.

"John!". Blythe chamou a atenção do marido.

"Pra você ver, nem todos me acham um irresponsável inútil". House respondeu.

"Essa mulher tem muito bom gosto". Blythe o elogiou.

"Mãe!". House corou de vergonha.

"Se não for uma profissional do sexo...". John falou de volta.

"John!". Blythe estava muito irritada com o marido, mas como sempre evitava qualquer confronto.

"Eu preciso ir. Encontrarei vocês às oito horas no restaurante Pasta". House disse e se foi.

Ele respirou fundo, ele não queria aquele jantar, não queria expor Cuddy a isso, mas ele sentiu-se acuado.

A tarde ele foi falar com ela.

"Posso entrar por alguns minutos?". Ele perguntou quando chegou à sala dela.

"Claro!". Ela sorriu. "Soube que os seus pais estavam circulando pelo hospital hoje de manhã".

"Claro que você já soube. O que é possível guardar em segredo nesse hospital?".

"Nós". Ela respondeu em tom de voz baixo e sorrindo.

"Há controvérsias". Ele disse referindo-se a Wilson e Chase que sabiam. "Eu preciso que você me acompanhe a um jantar essa noite".

"Jantar?". Cuddy perguntou surpresa.

"Meu pais...".

Cuddy arregalou os olhos.

"Eu não tive escolha...". Ele se justificou.

"É claro que eu irei jantar com você e com seus pais. Mas... como manteremos o sigilo sobre nós?".

"Iremos ao Pasta, ele fica bem longe dos arredores de Princeton, não creio que haverá alguém lá e, meus pais vão viajar amanhã cedo, não voltarão pra cá. Não é como se eles tivessem rede social...".

"Então será um prazer!".

"Você não sabe o que diz".

"Eu já os vi algumas vezes".

"Mas você nunca conviveu com eles... E você não é obrigada a ir, se não quiser...".

"Eu quero ir com você. Como sua namorada".

"Nós não vamos falar sobre a gestação, certo?". Ele perguntou.

"Não, ainda é muito cedo".

"Ótimo, porque você já vai ouvir perguntas e comentários idiotas demais sem revelarmos sobre o feto".

"Será mesmo?".

"Você realmente não os conhece...".

"Então me fale sobre eles". Cuddy pediu interessada em ouvir.

"Minha mãe vive de aparências e odeia confrontos, ela não é uma má pessoa, passamos tempos muito bons e tranquilos juntos, quando o meu pai viajava. Agora ele... Ele é um idiota e não é o meu pai biológico".

"O quê?". Cuddy realmente estava surpresa.

"Eu descobri isso há tempos, ele não é o meu pai biológico".

"Como você sabe disso?".

House contou para ela os detalhes e ela ficou impressionada. Realmente ele era uma criança fora do normal.

"Você nunca falou sobre isso com a sua mãe?".

"Eu nunca falei sobre isso com ninguém".

Cuddy sentiu-se privilegiada pela confiança dele.

"Aparentemente nem ela suportava o bastardo, foi ele dar as costas que ela estava dormindo com outro homem". Ele falou sorrindo.

"Você não sabe disso. Você não sabe a história toda". Cuddy disse chamando a atenção do namorado.

"Mulheres sempre se defendem".

"Há muitas razões possíveis para isso, não julgue a sua mãe".

"Eu não estou julgando. Eu faria o mesmo se fosse ela, com a diferença que não estaria casada com ele até hoje e que provavelmente já teria cortado o pênis dele fora".

"Você tem ideia de quem seria o seu pai biológico?". Cuddy falou ignorando o último comentário do namorado.

"Um amigo da família, amigo de meu pai. Acho que é ele, pois temos algumas semelhanças".

"Oh meu Deus!".

"Eu te disse... Você não sabe de nada".

"Mas mesmo ele não sendo o seu pai biológico, foi ele o homem quem te criou, o homem que você aprendeu a chamar de pai".

"Infelizmente".

Logo Cuddy foi interrompida.

"Vou te deixar trabalhar". House falou querendo encerrar aquela conversa.

"House...". Ela o chamou. "Eu estarei com você, independente de qualquer coisa".

Ele balançou a cabeça em concordância e saiu.


House estava se preparando para deixar o hospital e Wilson o encontrou.

"Eu soube que seus pais estão na região".

"Sim, eles não foram te ver? Minha mãe te adora". House falou sarcástico.

"Eu também gosto de sua mãe. Seu pai me dá medo".

Ele riu.

"Vou jantar com Cuddy e com eles daqui a pouco".

"Você vai jantar com seus pais e com a sua namorada?". Wilson perguntou surpreso.

"Se você falar mais uma vez essas palavras eu acabou desistindo".

"Wow! Isso é... Grande!".

"É uma coisa normal, todo mundo faz isso...".

"Não você. Não na mesma mesa e ao mesmo tempo".

"Verdade. Eu atualmente ando fazendo coisas que fogem de mim". House desabafou.

"Mas é bom! Você está mais feliz, mudar é bom". Wilson disse preocupado que House pudesse recair em uma espiral de autoflagelação.

"Não sei...".


Horas depois ele passou na casa de Cuddy para buscá-la.

"Wow! Você está linda!".

Cuddy estava com um vestido azul escuro que, apesar de não ter muitos decotes e nem ser muito justo, a deixava elegante e feminina.

"Você também está bonito com esse blazer". Ela respondeu. House recusou-se a colocar uma gravata, ele sabia que isso incomodaria o seu pai e essa era a intenção.

Eles trocaram um selinho quando ela entrou no carro e seguiram para o restaurante.

"Podíamos ter ido com o meu carro". Cuddy falou.

"Só porque é um carro de luxo e um restaurante requintado? Só porque você tem vergonha de andar no meu velho companheiro?".

"Não, porque é um carro automático então é mais confortável para você".

"Eu não ligo".

Cuddy entendeu que aquilo era muito mais provocação do que qualquer outra coisa.

House na verdade queria ser o rebelde na presença do pai, foi assim desde a adolescência. Ele cortava o cabelo de uma maneira a irritá-lo, ele levava namoradas para casa para incomodá-lo, ele passava a noite fora para perturbá-lo, ele deixava as roupas jogadas pelo chão do quarto para enervá-lo, ele se atrasava para sair de casa para chateá-lo, em tudo era assim.

"Stacy se dava bem com os seus pais?". Cuddy perguntou curiosa.

"Meu pai a achava arrogante e pretensiosa, minha mãe fingia gostar dela, mas no fundo nunca gostou".

"Sua mãe te disse porque não gostava dela?".

"Minha mãe nunca me diria se não gostasse de alguém, ela é moralmente correta demais para tal coisa".

"Então como você sabe que ela não gostava de Stacy?".

"Porque eu simplesmente sei".

"Então eu nunca saberei se ela não gostar de mim?".

"Eu saberei. Minha mãe não consegue mentir para mim e nem eu para ela. É uma espécie de maldição".

Cuddy riu.

"Mas já adianto". House continuou. "Meu pai não gosta de ninguém que não seja um homem militar ou uma mulher submissa. Você é uma mulher independente, logo ele não gostará de você".

"Que ótimo saber disso antecipadamente". Ela falou sarcástica.

"Posso te pedir uma coisa?". House começou. "Seja você mesma, muito segura, independente e sexy. O meu velho vai ter que nos engolir".

Cuddy sorriu. "É bom saber que você me vê assim".

Chegaram. House entregou o seu carro para o manobrista e respirou fundo. Ele estaria com seus pais em poucos segundos, isso era assustador. Estar com sua namorada grávida ao lado de John seria demais. Ele começou a sentir taquicardia e um imenso desejo de fugir, mas então a mão dela na dele com um forte aperto o fez sorrir. Era bom não estar sozinho dessa vez.

Continua...