Capítulo 26 – Medos e dúvidas

Eu moro com a minha mãe
Mas meu pai vem me visitar
Eu moro na rua não tenho ninguém
Eu moro em qualquer lugar
Já morei em tanta casa que nem me lembro mais
Eu moro com os meus pais

Sou uma gota d'água
Sou um grão de areia
Você me diz que seus pais não lhe entendem
Mas você não entende seus pais
Você culpa seus pais por tudo
E isso é absurdo
São crianças como você
O que você vai ser
Quando você crescer?

Música: Pais e Filhos – Legião Urbana


"Quem disse que você será um péssimo pai? Qual a experiência que você teve com a paternidade?". Dra. Layla perguntou.

"Tirando o meu próprio pai?".

"Sim, Gregory. Me refiro a sua própria experiência como pai".

"Você sabe que nenhuma".

"Então... Não entendo de onde você tirou essa conclusão".

House bufou. "Da vida, da observação. Eu sempre fui um egoísta egocêntrico, isso não combina com 'ser o pai do ano'".

"As pessoas mudam, no mais, você não precisa ser o pai do ano para ser um bom pai".

"Não! As pessoas nunca mudam. Não na essência".

"Eu discordo. A vida nos transforma".

"E o que faremos agora se temos esse ponto de discórdia? Quem irá julgar qual de nós está certo?". House falou dramático.

"Não é necessário julgamento, e nem que concordemos em tudo, estamos aqui para conversar e trocar experiências".

"Oh que lindo, eu ganho um urso de pelúcia no natal?".

Ela riu. "Você sempre tenta mudar de assunto quando chega a um tema complicado".

"Isso não faz parte do instinto humano de autopreservação?".

"E você é muito inteligente e argumentativo".

"Obrigado?".

"Mas não vamos fugir desse assunto sobre a paternidade. Por pior que tenha sido a sua experiência com o seu pai, ela pode lhe ser útil como modelo de fracasso. Você é uma pessoa diferente, você criará uma história nova com o seu filho ou com a sua filha".

"E... E se o bebê tiver algum problema de má formação?".

"Você falou sobre isso novamente com Lisa?".

"Não".

"Mas isso continua a te preocupar?".

"Claro que sim".

"Se o bebê tiver alguma má formação, o que é uma possibilidade remota, vocês lidarão com isso da melhor maneira possível, você não está sozinho, lembre-se de Lisa".

"Esse é o ponto, Lisa. Eu vou decepcioná-la".

"Ela te conhece há quanto tempo mesmo?". Dra. Layla perguntou sorrindo.

"Ela não me conhece como namorado há tanto tempo, e nem como pai do bebê dela".

"Então, agora é ainda melhor!".

"O seu otimismo me irrita". Ele respondeu bem humorado.

"Que bom!". Ela riu.

"Se o bebê tiver algum problema ela pode pensar que eu fui o responsável por conta do meu abuso de drogas".

"Isso realmente está te perturbando".

"Eu não quero ser o responsável por gerar um ser defeituoso e me sentir culpado por toda a vida". Ele falou muito irritado.

"Você não sabe disso, você está assumindo algo, não está sendo objetivo".

"Eu sei". House falou respirando fundo.

Dra. Layla deu um tempo para ele respirar e refletir.

"Eu não serei exatamente como o meu pai, mas... eu tenho medo de que eu não seja muito querido pelo bebê". House admitiu.

"O que o seu pai fez, e eu não quero ser invasiva, mas se você um dia quiser me contar eu estarei aqui. Independente do que ele fez, você cometerá erros também, todos os pais comentem, mas não serão os erros que te definirão um bom ou um péssimo pai, será a coisa toda. O conjunto final".

"Você não me tranquiliza em nada com isso".

"Ser um pai e uma mãe é uma das maiores responsabilidades que existe, sim. Mas também é um aprendizado e satisfação diários. Não é só você quem ensinará o bebê, ou a criança, mas eles te ensinam muita coisa. Você pode se surpreender".

"Eu não entendo essa coisa de amor incondicional".

"Ainda é cedo". Ela falou com um sorriso.

"Mesmo que o bebê não seja perfeito, você acha que Cuddy o amará?".

"Eu não sei por que você se prende tanto a essa ideia, mas mesmo que o bebê não seja perfeito eu tenho certeza de que o sentimento será igual".


"House, eu estava esperando você chegar, vamos!". Cuddy o encontrou assim que ele entrou pela porta principal do hospital.

"Sexo já? Lembro que fizemos isso pela manhã...".

"Cale-se! Vamos ao RH".

"O que eu fiz?".

"Você namora comigo". Ela respondeu o puxando pela mão até a sala de Dylan, o gerente de RH.

"Bom dia, Dylan". Cuddy falou.

"Oi Lisa, eu imagino que vieram para reportar o relacionamento de vocês".

"Sim".

"O ideal seria que tivessem reportado isso antes que virassem o casal mais badalado de Princeton".

House riu alto. Cuddy e Dylan olharam para ele.

"Desculpe, mas esse sujeito é muito engraçado". House falou sarcástico. "E aparentemente ele nos shippa".

"Dylan, desculpe por isso, mas estamos aqui agora". Cuddy falou ignorando o comentário de seu namorado.

"Sim Dylan, ouça a reitora". House falou bem humorado.

"House!".

"Querida!". Ele respondeu.

"Preciso que vocês leiam e assinem o 'Contrato de Amor'". Dylan entregou os formulários para eles.

"Wow, nesse contrato tem alguma clausula sobre sexo no hospital?".

Cuddy corou.

"Vocês não podem...". Dylan dizia quando foi interrompido por Cuddy.

"Não faremos sexo aqui no hospital Dylan, fique tranquilo". Ela respondeu.

"Dylan, vai cuidar da sua vida e pare de interferir na minha". House falou dramático.

"House!".

"Veja só essa clausula, querida. Não podemos andar de mãos dadas pelo hospital, que povo frustrado".

"Isso depende das circunstâncias, você precisa ler a clausula completa". Dylan orientou.

"Isso é muito entediante". House reclamou.

"Dra. Cuddy, posso falar com você em particular por um minuto?". Dylan pediu.

"Ah não... O que você tem a dizer pra ela? Diga na minha frente!". House o provocou.

"House, por favor!". Cuddy pediu.

"Nós dois namoramos, se você fica para falar sobre alguma coisa, eu ficarei também".

"Eu preciso falar com ela sobre a sua supervisão, você não deve estar presente para isso". Dylan disse.

"Eu não concordo". House contestou.

"House, por favor!".

"Tudo bem". House falou contrariado. "Mas se você quiser tentar convencê-la a me largar, saiba que não vai funcionar, pois ela me ama".

Cuddy corou.

"Ah, e vocês falarão sobre Wilson e a ninfeta? Eles se atracaram na festa de maneira imprópria". House disse enquanto se afastava.

"Lisa, eu não quero me intrometer em sua vida, mas... Gregory House?".

"Dylan, com todo o respeito, realmente você não tem que se intrometer na minha vida pessoal".

Agora foi Dylan quem corou.

"Digo isso porque você o supervisiona, você é reitora desse hospital. Terei que mudar a supervisão dele".

"Ou não... Eu posso lidar com isso".

"Você tem certeza?".

"Quem o supervisionaria?".

Dylan pensou... pensou... "Não sei".

"Pois é!".

"Você tem certeza?".

"Não, mas... não temos outra saída".

"Lisa... Ele é insubordinável, e é complicado...".

"Dylan, eu estou grávida".

Ele arregalou os olhos.

"Eu confio em você, pois não vou divulgar a gestão até semana que vem".

"Oh...". Ele não sabia o que dizer. "House sabe?".

"Claro que sim. Eu o amo e estamos em um relacionamento sério. Ele não será favorecido por essa razão, pelo contrário. Eu cortarei a cabeça dele se ele fizer algo...".

"Ele não pode ser desfavorecido também...".

"Dylan, confie em mim. E não divulgue sobre a gravidez para ninguém".

Dylan concordou, mas ficou preocupado.

"E sobre a atitude de Wilson e da nova assistente... Eu falarei com eles". Cuddy informou.

"Tudo bem".

Cuddy saiu da sala e encontrou House encostado na parede.

"E aí? Papai liberou a safadeza?".

"House, comporte-se aqui no hospital ou teremos problemas, nós dois".

"Posso pegar na sua bunda?".

Cuddy olhou para ele séria e não disse nada, apenas saiu.

"Legal!". House falou sozinho.

Quando ele entrou na sua sala o seu time já estava examinando a ficha de um paciente.

"O que temos hoje? Esse será o último paciente do ano, deve ganhar um brinde?". House perguntou sarcástico enquanto arremessava sua mochila na cadeira.

"Homem de vinte e três anos tossindo sangue e sem nenhuma lesão ou infecção aparente no pulmão". Foreman disse.

"Ei, rei do baile!". Chase falou divertido.

Cameron evitava olhar para House.

"Tudo bem, o que já sabemos sobre o cuspidor de sangue?". Ele perguntou e Cameron começou a dizer ainda sem olhar para ele.

"O que aconteceu com ela?". House perguntou franzindo a testa.

"Nada, eu estou normal, apenas focando no trabalho". Cameron respondeu.

"E para isso você precisa ficar olhando para o chão o tempo todo? Em que curso sobre produtividade você se inscreveu?". House a provocou. "Pois sinto dizer, eles te enganaram".

Chase tentava segurar uma risada.

"Eu não estou olhando para o chão, eu estou olhando para a ficha". Ela rebateu.

"Ignore Cameron, ela está assim desde que não ganhou a britadeira". Chase a provocou. Cameron olhou para ele com olhos de ira.

O fato é que Cameron estava muito irritada com House, ela sentia que ele a havia traído, afinal, ele estava com Cuddy.

"Tudo bem, você pode olhar para o chão se quiser, pode ficar com um imenso torcicolo que eu não dou à mínima, mas agora vá tirar sangue do paciente, quero todos os exames de rotina e o que mais vocês imaginarem". House orientou. "Tirem litros e litros de sangue".

"Ei, parabéns! Você e... Cuddy. Só não sei se é uma boa ideia". Foreman disse.

"Nossa... Muito obrigado! Eu não sei o que seria de mim sem os seus conselhos já que você é um perito no amor". House respondeu alto fazendo Chase rir e Cameron ficar ainda mais irritada.

"Eu falei a verdade, isso só pode dar merda". Foreman falou para Chase quando deixaram a sala.

"Isso já deu certo, eu já ganhei um bom dinheiro... Quem diria!". Chase disse sorrindo.

"Vocês são uns escrotos, essa aposta devia ser anulada". Foreman falou.

"Só porque você perdeu quinhentos dólares?". Chase perguntou sarcástico.

"Se você sabia disso por que não disse nada?". Cameron perguntou indignada. Ela também estava irritada com Chase por ele ser cúmplice de House.

"Quem disse que eu sabia de alguma coisa? Eu ganhei dinheiro porque sou um observador e um romântico incorrigível, eu acredito no amor". Ele disse sarcástico.


Mais tarde naquele dia House foi conversar com Wilson.

"Você ainda está com a sua língua no lugar?".

Wilson olhou para ele irritado.

"Não adianta ficar bravo, foi você quem fez a dança da cobra com a ninfeta no meio da pista de dança". House disse.

"Eu estava bêbado".

"Eu soube...". Ele disse sorrindo.

"Vocês deviam ter me impedido, eu não devia agir assim em uma festa do trabalho".

"Por quê? Agora você traiu a sua fama de bonzinho com todas as enfermeiras?".

"Me deixe trabalhar". Wilson só queria encerrar a conversa.

"A ninfeta não veio atrás de você depois da festa?".

"Aparentemente Cuddy teve uma conversa dura com ela, e logo deve vir falar comigo".

House riu. "A reitora é uma mulher e tanto".


Naquela noite Cuddy voltou para casa mais cedo e estava preparando a janta quando ouviu batidas na porta.

"Blythe?". Cuddy abriu a porta e estranhou a presença da sogra.

"Eu descobri o seu endereço, isso é um problema?". A senhora perguntou com brandura.

"Não, imagine. Pode entrar, por favor. Mas House não está aqui...".

"Eu fui até o apartamento dele e não o encontrei".

"Ele ficou trabalhando até mais tarde. Você quer beber alguma coisa?".

"Não se preocupe comigo, eu estou bem. E você? Como está a gravidez?".

"Doze semanas, está caminhando bem". Cuddy respondeu sorrindo.

"Eu queria ver vocês então eu convenci John a vir pra cá".

"Onde ele está?".

"Caçando com um amigo, foi perfeito: Eu visito vocês e ele nos deixa em paz". Blythe disse sorrindo. "Ainda nem parece que você está grávida, você está tão em forma".

"Obrigada, mas logo deve parecer".

"Como Greg está lidando com tudo?".

"Melhor do que eu imaginava. Ele está paranoico com a ideia de que algo errado possa acontecer, mas tenta disfarçar. Eu pensei que eu estaria com essas ideias por conta de um aborto que tive no passado, mas eu estou muito tranquila".

"Oh, você teve um aborto?". Blythe perguntou curiosa.

"Eu tentei inseminação artificial uma vez, mas não funcionou".

"É porque era para ser assim, com o meu filho". Blythe disse orgulhosa.

"Provavelmente". Cuddy sorriu.

"Greg acha que você pode perder o bebê? Mas têm algo errado?".

"Não, está tudo bem. Tudo normal. Mas ele tem medo de má formação".

Blythe arregalou os olhos e Cuddy assustou.

"O que foi?".

"Nada... Eu me lembrei... Quando Greg era uma criança nós estivemos em diversos países, pois John viajava muito devido a sua profissão. Uma vez conhecemos uma pequena cidade onde no passado crianças com má formação eram assassinadas ao nascer, os habitantes pensavam que essas crianças representavam o mal e deviam ser extintas. Greg ficou muito chocado com aquela história e John disse para ele que estava certo, que qualquer ser vivo que não tivesse todos os atributos necessários para sobreviver e ser um vitorioso deveria ser sacrificado. Lembrei-me agora disso, ele ficou extremamente chocado e preocupado. Ele examinava o seu corpo diariamente para ter certeza de que ele não tinha nenhuma má formação".

"Oh...". Cuddy falou chocada.

"Pois é. Greg não teve exatamente um pai carinhoso".

"Sinto muito".

"Eu também. Sinto não ter dado isso a ele".

Cuddy não sabia o que dizer.

"John sempre exigiu demais dele, em todos os níveis. Greg tentava agradar o pai, mas nunca era o suficiente. Até que ele parou de tentar agradar e começou a tentar provocar. Ele chegava em casa com garotas, cortava o cabelo de forma extravagante, uma vez chegou até a pintar o cabelo. John fazia questão de mostrar que era ele quem mandava em casa e em várias ocasiões expulsou Greg. Ele passava um dia na casa de algum amigo e eu sempre o convencia de deixá-lo voltar. Às vezes me pergunto se eu também não deveria ter pegado as minhas coisas e saído com Greg".

O tom de confissão de Blythe era surpreendente, e entender o passado de House também.

"Eu não sei exatamente o que aconteceu na sua vida, Blythe, mas todos erramos e faríamos diferente se pudéssemos. O importante é mudar a partir de agora".

Blythe tinha lagrimas nos olhos. "Eu quero que meu neto ou neta tenha uma vida diferente".

"E terá!". Cuddy disse.

A mulher segurou a mão dela e apertou forte. "Greg era um ótimo filho, tão carinhoso e companheiro, tão inteligente e criativo. Ele era tão feliz e ativo. Sinto que eu não soube cultivar o melhor do meu filho".

"Você já falou isso para ele?".

Blythe balançou a cabeça em negativa.

"Acho que seria bom, para vocês dois". Cuddy disse.

"O que seria bom?". House falou entrando na casa. "O que você faz aqui mãe?".

"Oh... Filho...". Ela estava sem jeito.

"Do que vocês conversavam? Você fez minha mãe chorar? Nem John faz a minha mãe chorar". House perguntou para Cuddy. Ele estava preocupado.

"Eu me emocionei". Blythe disse cortando o assunto.

"Onde está John?". Ele perguntou olhando ao redor.

"Caçando com um amigo".

House sentiu um alivio.

"Eu vou terminar o jantar, você está convidada para se juntar a nós, Blythe". Cuddy disse, ela queria dar privacidade para os dois.

"Obrigada querida".

Ela foi e mãe e filho ficaram sozinhos e mudos.

"Como está o trabalho?". Blythe perguntou.

"O mesmo de sempre". House foi objetivo.

"Lisa está linda!".

"Sim, ela está".

"Você está ansioso?".

"Mãe, você sabe que eu não sei ter essas conversas...".

"Você costumava ter essas conversas comigo no passado".

"Quando eu tinha sete anos?".

"Sim".

"As coisas mudaram, sinto dizer".

"Greg, eu sinto muito".

House olhou para ela franzindo a testa.

"Sinto muito por não tê-lo protegido do seu pai".

House só queria sumir dali, aquela conversa era muito desconfortável, ele não estava pronto.

"Tudo bem, eu vou ver se Cuddy precisa de algo na cozinha". Ele falou e saiu rapidamente.

"Tudo bem?". Cuddy perguntou quando House entrou na cozinha agitado.

"Minha mãe está estranha".

"Por quê?".

"Ela simplesmente está. Eu não quero ficar com ela. Vamos terminar logo esse jantar".

"House... Talvez você precise conversar...".

"Pare! Eu não preciso de nada disso, já chega as conversas com Layla".

Cuddy pensou que não seria fácil qualquer interação entre mãe e filho, mas ela precisava respeitar o tempo dele.

Em alguns minutos o jantar foi servido e eles comeram e conversaram de assuntos aleatórios. Uma hora depois Blythe pegou um taxi e voltou para o hotel onde estava hospedada.

Cuddy se aproximou de House. "Sua mãe está bastante sensibilizada com o bebê".

"Minha mãe fala isso agora, mas depois que o bebê nascer ela não moverá uma vírgula para tentar fazer o que é melhor para ele".

"As pessoas erram, mas elas aprendem com os seus erros".

"Ou não".

Ele olhou para ela sério e preocupado. Que espécie de pai ele seria?

Continua...