Capítulo 29 – Bonequinha

Se a TV estiver fora do ar
Quando passarem
Os melhores momentos da sua vida
Pela janela, alguém estará
De olho em você
Completamente
paranoico

Prenda minha parabólica
Princesinha Clarabólica
Paralelas que se cruzam
Em Belém do Pará

Música: Parabólica – Engenheiros do Hawaii


"É uma menina?". House perguntou, de fato ele sabia o que via, mas precisava confirmar.

"Sim, 100% de certeza". Dr. Blau confirmou.

Cuddy gritou e House assustou.

"UMA FILHA!".

"Você tem mesmo certeza disso?". Ele perguntou para Dr. Blau tentando olhar a imagem mais de perto.

"Absoluta certeza. Veja...". O médico apontou para a região da genitália.

"House conforme-se, você será pai de uma linda menina". Cuddy disse com lágrimas nos olhos.

"Oh meu Deus!". House deixou escapar.

Saíram do consultório, House estava calado e Cuddy radiante com as imagens do ultrassom nas mãos.

"Você não ficou feliz?".

"Eu estou... apavorado".

Ela riu. "Por quê?".

"Eu não sei lidar com meninas".

"Você sempre foi muito bom comigo". Ela disse maliciosa.

"Isso é completamente diferente. Eu queria estourar os seus miolos, ela será minha filha. Alguém vai querer um dia estourar os miolos dela".

Cuddy riu. "Pode apostar".

"Eu não estou preparado para isso".

"Você tem alguns anos para se preparar". Ela respondeu rindo.

"Eu nunca estarei pronto".

Cuddy o beijou na bochecha. "Você é um pai coruja fofo".

"Eu nem sei como ser um pai, quem dirá um pai coruja".

"Você já tem isso em você, pode apostar. Não é filha?". Ela disse acariciando a barriga.

'Eu estou perdido'. Ele pensou consigo mesmo.

"Eu preciso contar para Julia e para mamãe". Cuddy estava muito empolgada e pegou o telefone.

"Julia, tenho novidades. Mamãe está com você? Chame ela então".

House dirigia enquanto tentava assimilar tudo, ele seria um pai, isso ele ainda não tinha conseguido entender direito, e agora mais uma informação relevante: ele seria um pai de menina. Ele começou a sentir que lhe faltava o ar.

"Eu vou ter uma menina!". Cuddy falou tão feliz que nem notava House passando mal ao lado.

Ele encostou o carro abruptamente no meio fio e desatou o cinto de segurança.

"Eu preciso desligar". Ela disse e se voltou preocupada para o namorado.

"O que há de errado, House?".

"Eu não consigo respirar".

"Oh meu Deus. Por quê?".

"Não... sei...".

Cuddy checou as vias respiratórias, os batimentos cardíacos e tudo parecia bem. "House, você está tendo um ataque de pânico".


Depois de alguns minutos eles estavam na clinica para que House conversasse com Dra. Layla.

"Não conte isso para ninguém no hospital". Ele pediu.

"Eu não vou. Eu ficarei aqui te esperando para irmos juntos ao hospital".

"Tudo bem". Ele disse envergonhado e entrou na sala de Layla.

Cuddy ficou do lado de fora preocupada. House teria condições de ser o pai de sua filha? Ele mal falava dela, mal tocava na barriga dela e agora isso.

Na sala da Dra. Layla:

"Você está precisando falar com Lisa, você precisa falar sobre os seus medos, sobre as suas dúvidas. Você está retendo toda essa pressão sem necessidade, você a tem para dividir essas coisas. Você me tem para compartilhar coisas doloridas também". Dra. Layla disse assim que House explicou o que aconteceu.

"Eu estou apavorado". Ele desabafou.

"Com o que exatamente?".

"Com tudo".

"Diga-me, o que é tudo. Fale-me o que vier na sua cabeça, sem filtrar".

"Eu não serei um bom pai, minha filha vai me odiar, Cuddy vai me odiar e eventualmente me largar, minha perna vai doer e eu vou voltar a me entorpecer não apenas para a dor passar, mas para que eu não sinta nada. Eu vou perder a capacidade de diagnosticar e serei um inútil sozinho".

"Wow, de onde vem tudo isso?".

"Acho que é o seu papel descobrir". House falou grosseiro.

"Entendo. O que você espera de mim é o mesmo que esperar que você cure um paciente sem histórico e exames".

"O que você precisa de mim para fazer isso passar?". House perguntou desesperado.

"Fale-me sobre a sua infância".

House respirou fundo, era um assunto doloroso demais e, por essa razão, ele havia trancado em cofres soterrados em seu inconsciente.

"Eu me lembro de que estava tudo bem até os meus seis anos, sete anos de idade. Meu pai era o meu herói e eu queria ser como ele. Mamãe sempre me vestia de soldado e eu o imitava, ele se orgulhava e me carregava nos braços feliz. Mamãe era doce e me entendia, ela tocava piano comigo, ela contratou uma senhora para me dar aulas, papai não gostava porque dizia que era coisas de menina, mas ela dava um jeito das aulas continuarem quando ele não estava em casa. Minha oma era uma mulher incrível, ela cozinhava como ninguém, na verdade mamãe aprendeu muito com ela, minha mãe cozinha muito bem. Até que... De uma hora para a outra meu pai mudou, disse que eu já estava ficando crescido e tinha que parar com as coisas de maricas, como o piano, como a pintura, disse que eu devia parar de ajudar minha mãe na cozinha e com as coisas de casa. Mamãe e eu costumávamos colocar música e dançar, era muito divertido, mas isso também ele ordenou que parássemos de fazer, afinal, eu era um menino e não uma menina. Eu gostava dessas coisas e ele não permitia mais que eu as fizesse. Ele começou a me levar para acampar com ele e seus amigos militares, eu não gostava disso. Ele obrigava a mim e aos outros meninos a caçar, eu não queria matar os animais, mas eu apanhava se não fizesse. Eu tinha que caçar, tinha que aprender a limpar o animal para preparar a carne para a alimentação, pelo menos foram minhas primeiras aulas de dissecação...". House falou triste.

"Ele nos deixava na chuva, nos deixava no frio, ele dizia que isso ia nos fazer homens fortes e resistentes, mas eu voltava dessas viagens com resfriado muitas vezes. Alguns garotos eram diferentes, seus pais não permitiam, ou iam resgatá-los depois de alguns minutos. O meu pai nunca foi me resgatar". Nesse momento Dra. Layla precisou conter as lagrimas.

"Eu não podia falar nada para mamãe porque senão ele me deixaria fora de casa à noite toda, eu tinha medo de ficar no escuro e sozinho fora de casa. Quando ele ia viajar e ficava fora alguns meses, era ótimo. Eu voltava a fazer tudo o que eu queria e mamãe voltava a ser a minha companheira. Mas quando ele voltava, o inferno voltava pra casa".

Dra. Layla estava bastante tocada pelo desabafo de House e pelo sofrimento do menino Greg.

"Ele me dava banho de gelo, me deixava na chuva, me trancava fora de casa à noite".

"E sua mãe? O que ela fazia?". Ela perguntou curiosa.

"Eu a ouvia brigar com ele algumas vezes, mas ele sempre vencia. Acho que ela tinha medo, ou ele tinha algo contra ela. Talvez o fato de eu não ser filho biológico dele, talvez ele tenha descoberto e foi por isso que ele começou a me tratar assim, me punir pelo erro de minha mãe".

"Você não é filho biológico dele?".

"Não. Mas ninguém sabe que eu sei disso, só Cuddy".

"Como você descobriu?".

"Observação, sempre fui bom nisso".

"E você acha que ele te punia pelos erros de sua mãe? Você acha que você devia ser punido?".

"Por ser um bastardo? Não sei...".

"Em primeiro lugar nenhuma criança deve ser punido com abuso por nenhuma razão, não existe nada que justifique essa atitude. Você não tinha responsabilidade sobre absolutamente nada".

"Eu era teimoso e não respeitava as ordens dele".

"Mesmo assim. Você era uma criança que merecia somente o amor".

"Tá vendo? Eu não sei nada sobre paternidade. E se eu fizer algo assim com minha filha?".

"Você acha que ele agia certo?".

"Claro que não".

"Você acha que sua mãe agia certo se omitindo?".

"Não".

"Você não fará algo que não acha certo".

"E se essas atitudes e sentimentos estiverem intrínsecos em mim? E se John agia assim com raiva incontrolável e eu sentir o mesmo? Talvez eu me afastasse para evitar o pior e deixasse Cuddy e a menina sozinhas".

"John tem os problemas dele, as questões dele. Sua mãe tinha os problemas dela, as questões dela. Mas os dois erraram e você não tinha absolutamente nenhuma responsabilidade por nada, você foi a vitima. Se afastar é uma escolha mais digna do que ficar e causar sofrimento, mas eu não acho que nada está intrínseco, pelo contrário, vejo intrínseco em você o desejo de agir diferente".

House respirou fundo.

"Você tinha amigos?". Ela perguntou.

"Viajávamos demais e era difícil manter amizades. Eu era solitário e vivia com os meus livros e com a minha música. Depois de um tempo papai começou a controlar o que eu lia, ele dizia que era tudo besteira, mas com isso mamãe e oma me ajudavam, elas escondiam os livros e sempre me traziam novos".

"Mas você não se lembra de nenhum amigo? Nem os filhos dos outros militares?".

"Haviam alguns garotos e uma garota. Ela foi a minha primeira paixão". Ele riu ao lembrar-se. "Se papai soubesse ele me mataria. Depois de um tempo eu passei a enfrentá-lo, mais perto da adolescência. Eu comecei a fazer tudo o que ele não queria, eu fiquei muito bom com garotas e sempre estava com uma em casa, ou com um cabelo diferente. Uma vez eu fiz uma tatuagem de mentira e lembro-me de que ele me expulsou de casa".

Dra. Layla arregalou os olhos indignada. "Isso era normal? Ele te expulsar?".

"Na adolescência sim, eu ficava geralmente um dia na casa de alguém, eu sempre me virei... Mamãe conseguia convencê-lo a me aceitar de volta. Esse dia da tatuagem eu fiquei uns três dias fora".

"Você sente raiva de sua mãe por isso?".

"Por ela convencê-lo em me aceitar de volta? Não. Ela queria me ajudar. E eu estava contando nos dedos a data de sair de casa, eu estudava tanto porque eu tinha que passar em todas as faculdades possíveis, eu iria escolher a mais longe de casa".

"Você tem magoa dela por não fazer nada efetivo para que o seu pai não fosse abusivo com você?".

"Não sei... Eu achava que ela fazia o que podia, mas vendo hoje...".

"Eu tenho certeza de que Lisa não agiria como a sua mãe".

"Não, de jeito nenhum. Ela me mataria para salvar a nossa filha".

"Logo o ciclo não se repetirá. Você não agirá como o seu pai porque você está aqui me dizendo como isso era errado em tantos níveis, e nem Lisa agirá com a sua mãe".

"Será que ele descobriu sobre mim? Sobre ele não ser o meu pai e por isso mudou comigo? Lembro-me de que ele era diferente antes, ele me comprava sorvete, me levava para o clube dos militares, nós nos divertíamos".

"Independente do que aconteceu, ele errou, não você. Você era uma criança e continuava sendo uma criança".

"Eu pensei tantas vezes no que eu pudesse ter feito de errado".

"Nada. Você pode ficar em paz com isso, você não fez absolutamente nada. Esse era um problema dele, não seu. E isso não é algo que passa de geração para geração, isso parou em você, sua filha terá uma linda infância".

"Será?".

"Tenho certeza disso. Com pais como você e Lisa, eu tenho certeza disso".

"Eu não tenho muitos bons exemplos para compartilhar com uma criança, ou com uma adolescente".

"Como não? Você é um médico renomado, inteligente, bem humorado, pode falar sobre seus erros para alertar sua filha, transmitir experiências com suas vivencias. Pode dar todo o amor do mundo, todo o amor que te faltou".

"E se eu não souber como?".

"Você saberá".

"Todo mundo diz isso, mas não é tão natural assim. Tem coisas que não são tão naturais para todos. Pra mim nunca foi natural encontrar alguém e me apaixonar e viver minha vida como em uma eterna Lua de Mel. Por alguma razão Cuddy me escolheu e me aturou e engravidou... Agora... Ainda não é natural pensar que estou comprometido com alguém tão incrível e que terei uma filha daqui a alguns meses".

"Você tem razão, para algumas pessoas relacionamentos amorosos são tão mais fáceis de lidar, para outros o intelecto se destaca, mas isso não quer dizer que não podemos nos tornar melhores naquilo que não é fácil. Você está com Lisa, vocês estão bem".

"O que eu passei na infância pode ter contribuído para essa dificuldade de relacionamento? De expor meus sentimentos?".

"Com certeza".

"Então está fadado, pois eu não posso voltar lá atrás e desfazer tudo".

"Mas você pode olhar para o presente e viver de novo".

"Como assim? Eu não voltarei a ser uma criança".

"Todo pai é criança novamente quando tem filho. Você vai viver a sua infância toda outra vez através da experiência de sua filha, e acredite em mim, essa será uma infância feliz".

House chorou.


Quando ele saiu da sala da Dra. Layla, Cuddy percebeu que ele havia chorado e ficou preocupada.

"Está tudo bem?".

"Sim. Podemos ir". Ele disse com a voz calma.

E eles foram.

Passaram um dia de trabalho normal, não divulgaram para mais ninguém sobre o sexo do bebê e a noite foram para casa.

House tomou um banho e foi deitar, Cuddy já estava na cama lendo. Ele se aconchegou perto dela e se aninhou. Ele não queria fazer sexo, ele só queria estar perto de suas duas garotas. Então ele começou a acariciar a barriga de Cuddy, ela se surpreendeu.

"Ei filha, eu quero que você saiba que o seu pai é bruto e não tem muita sensibilidade para receber uma bonequinha como você, mas ele vai se esforçar para que você tenha tudo o que mereça nessa vida".

Lágrimas caiam pelo rosto de Cuddy enquanto a sua mão acariciava os cabelos do homem que ela amava.