Capítulo Três
Devagar, Elena contemplou foto por foto, vendo a si mesma e Caroline em diferentes fases da vida, da infância, da adolescência e da juventude. Bonnie também estava presente em várias dessas fotografias. Também havia fotografias das meninas de quando nasceram, de quando começaram a engatinhar e depois já mais crescidinhas. Klaus aparecia em algumas, brincando com as filhas, ajudando Caroline na cozinha, aparando a grama, fazendo coisas normais que os pais e os maridos fazem, embora ele não precisasse. Ele tinha dinheiro e empregados para tudo o que precisava, mas gostava de estar em casa com a família e fazer coisas domésticas.
Elena se deteve mais tempo em uma das fotos em que ele estava deitado na grama, com apenas um short, segurando Josie pendurada em cima da sua cabeça. Os braços fortes seguravam a criança com firmeza, e era evidente que a menina se sentia segura nas mãos do pai. Liz estava rindo. E na grama ao lado deles, Lizzie tentava se firmar com seus pezinhos de bebê e a mãozinha rechonchuda minúscula se agarrava ao braço de Klaus num esforço para tentar se erguer. Era uma foto encantadora. Fora Caroline quem tirou.
— Achou algo que lhe interesse?
A pergunta a assustou. Elena colocou a foto de volta na caixa. Então percebeu que Klaus fizera uma pergunta normal. Klaus estava no batente da foto, não havia notado que ela olhava a foto dele. Mesmo assim seus olhos claros e sombrios a observavam cautelosos, quando ela se ergueu.
— Sim. Vou ficar com a caixa. Há muitas fotos aqui de Caroline e das meninas... Se você não...
— Fique com elas, não me importo. — disse ele sucinto, entrando no quarto.
Klaus caminhou até a janela e, então, parou, virando-se para o cômodo e olhando ao redor, como se nunca tivesse estado lá antes. Seus olhos pareciam desertos e a boca cerrada parecia que nunca mais fosse voltar a sorrir. Ele até ria de vez em quando, se lembrou Elena, mas não passava de um movimento cortês de lábios. Não havia humor. Certamente, o sorriso nunca lhe alcançava os olhos, não havia mais o fogo que antes ardia neles.
Klaus enfiou as mãos nos bolsos, como se tivesse que fazer algo para impedi-las de se fechar em punhos. Tinha os ombros tensos. Tantas lembranças o assolavam! Dormira naquela cama com Caroline, fizera amor com ela, brincara de lutar com as meninas, aos sábados pelas manhãs, quando elas vinham correndo acordá-los.
Vendo a reação dele, Elena se perguntou que recordações o assombravam. Ela se sentiu incomodada. Curvando-se depressa, ela pegou a caixa, desviando o olhar para se privar de testemunhar aquela angústia que ela via nele. Amava-o o bastante para desejar que Caroline voltasse para ele, só para vê-lo sorrir novamente. Klaus sempre seria de Caroline, porque a morte dela não apagara o seu amor. Ele sempre sofreria a perda da amada. Sem contar a das filhas.
O movimento de Elena o trouxe de volta a realidade.
— Terminei no quarto das meninas — disse ele distante. — Está tudo embalado. Eu... eu... — A voz falhada fez o coração de Elena se partir de tristeza. Klaus respirou fundo, arfando com o esforço que fazia para se controlar.
De súbito, sua face se contorceu com raiva e ele se virou para a janela, batendo o punho com força contra a parede, sacudindo os vidros.
— Droga! — gritou violentamente, se apoiando na janela, enquanto seu corpo se curvava sob o peso da raiva e da aflição que sentia. — Eu sinto tanta raiva...
Klaus jamais conhecera a derrota até sua família lhe ser usurpada. A morte era o fim, era permanente, golpeando sem avisar e destruindo a vida que ele construíra para si. Ele era acostumado a ter tudo, sempre, e não conseguia lidar com a nova situação.
— Em alguns aspectos, perder as meninas foi pior do que perder Caroline — disse ele num tom amortecido. — Elas eram tão crianças! Não tiveram chance de viver. Jamais souberam o que era participar de jogos na escola secundária, ir para a faculdade, ter amigas ou beijar os namorados pela primeira vez. Nunca fizeram amor ou tiveram a alegria de ver seus filhos nascerem. Nunca terão a chance.
Elena caminhou até a cama, colocando a caixa sobre ela. Estava pesada com a quantidade de fotos.
— Liz me disse que tinha um namorado — comentou trêmula, com um breve sorriso, a despeito da dor que sentia. — O nome dele era Ethan. Ela disse que ele era o garoto mais bonito do mundo e que um dia se casaria com ele.
Klaus a fitou e, de repente, o azul dos seus olhos tremeluziu com luzes esverdeadas. Ele sorriu, exibindo suas covinhas, algo que Elena considerava encantador.
O coração de Elena vibrou com o riso de Klaus, a primeira risada genuína que o ouvia dar em dois anos. Ela não conseguiu se impedir de sorrir de volta para ele.
— Meu Deus, ela não era fácil. Pobre Ethan, não teria sossego. Liz me daria muito trabalho com rapazes. Seu temperamento e sua beleza seriam uma benção e uma maldição.
Elena concordava com Klaus. Liz herdara todo o charme e encanto do pai, além de sua determinação. A beleza era de Caroline, loira e olhos azuis.
— Estas fotos... — Elena indicou a caixa sobre a cama — Se um dia você as quiser, são suas.
— Obrigado! — Ele encolheu os ombros, como se tentando aliviar a tensão. — Sabe, isto é mais difícil do que imaginei que seria. É mais do que posso suportar.
Elena desviou o olhar, incapaz de responder ou encará-lo. Era bastante doloroso para ela, que começava a duvidar da própria capacidade de superar tudo aquilo. Ela não queria chorar na frente de Klaus. Não queria tornar as coisas ainda piores para Klaus mostrando como se sentia. Ela queria apoiá-lo, ser forte diante dele...
Parte da agonia que Elena sentiu após o acidente fora por ele, ela recordou, por saber o quanto ele estava sofrendo. Não fora sequer capaz de abraçá-lo no funeral, vendo-o imóvel, a face pálida e distante, fechado para todos que o cercavam, pelo seu luto. Ele ficara sozinho, incapaz de dividir sua dor, mesmo com seus irmãos. Ela apenas o cumprimentara.
Com o canto do olho ela o viu se aproximar da cama e se sentar sobre ela. Ela o fitou novamente e viu que ele tinha a camisola de seda da esposa nas mãos. Klaus tinha a cabeça curvada e cheirava a peça de seda que tinha nas mãos.
— Klaus... — Elena parou, não sabendo o que dizer. O que poderia dizer?
— Ainda desperto no meio da noite e a procuro — confessou ele num tom rouco. — Esta é a camisola que ela usou na última noite que passamos juntos, na última noite em que fizemos amor. Não consigo me acostumar a não tê-la ao meu lado. É uma dor que não me abandona, não importa com quantas mulheres eu saia. Sempre me sinto vazio.
Elena ofegou, os olhos castanhos se arregalaram e em seguida se fecharam. Ela não queria ouvir o que ele dissera, não queria saber que ele estava saindo com outras mulheres. O ciúme atravessou seu coração e ela não fora capaz de esconder como se sentia. Ela franziu a testa e negou com a cabeça, dizendo a si mesma para não sentir aquilo. Algo que fora erroneamente interpretado por Klaus.
Ele a fitou com um olhar amargo.
— Isso a choca, Elena? O fato de eu sair com outras mulheres? Você reprova meu comportamento?
Elena o encarou, incapaz de expressar o que sentia naquele momento.
— Fui fiel a Caroline durante seis anos, sequer beijei outra mulher. Muitas vezes, quando eu viajava, despertava à noite desejando tanto uma mulher que chegava a doer. Mas eu sempre soube que ninguém mais serviria, tinha que ser ela. Então eu esperava até chegar em casa e passávamos aquela noite inteira em claro.
Elena sentiu a garganta apertada e desviou o olhar, quando uma dor inesperada a atingiu. Não queria ouvir aquilo também. Sempre tentou não pensar nele na cama com Caroline, não sentir inveja da amiga, esforçando-se para impedir que o ciúme destruísse a amizade das duas. Obteve êxito enquanto Caroline era viva. Mas agora aquelas palavras a dilaceravam, forçando uma torrente de imagens em sua mente que não estava disposta a ver. Virou o rosto para evitá-lo e para que ele não pudesse enxergar a verdade sobre os sentimentos dela.
A cama balançou a caixa de fotografias quando ele se ergueu. Então, de repente, num gesto firme, ele a segurou pelos braços e a virou, forçando-a a encará-lo. Tinha a face pálida e repleta de raiva, um músculo se contraiu em sua mandíbula.
— O que há de errado, santa Elena? Está tão presa nesse seu convento mental que não pode ouvir falar sobre pessoas normais que desfrutam a atividade pecaminosa do sexo? — rosnou ele.
Elena congelou, aturdida por aquela explosão de raiva e pelo que ele dissera. Ela não esperava aquela reação, e muito menos aquela acusação. Era isso que ele pensava dela? Que ela se julgava uma santa? Que ela não fazia sexo?
— Eu não... — Ela começou a dizer, incapaz de terminar.
Ela nunca estivera tão perto dele como agora desde a morte da amiga e isso a deixava fraca. Ele parecia estar tão bravo com ela quanto estava com o destino que lhe roubara a esposa, deixando apenas um vazio em seus braços. Klaus, irritado, era um homem para se temer. Ela estremeceu.
— Ainda não consigo dormir com outra mulher —- disparou ele num tom amargurado. — Não me refiro a sexo. Fiz sexo com outra mulher dois meses após a morte de Caroline e me odiei por isso na manhã seguinte... Aliás, tão logo terminei, senti-me como se tivesse sido infiel. Eu me senti tão culpado que voltei ao meu quarto de hotel e vomitei. Para ser franco nem desfrutei muito, mas voltei a fazer na noite seguinte e me senti culpado novamente. Tentei me punir, me fazer pagar por estar vivo, quando ela estava morta.
— Klaus — Elena quis fazê-lo parar de falar, ela não queria ouvir nada daquilo.
— Houve muitas mulheres desde então. — Ele continuou, ignorando o visível desconforto de Elena. — Toda vez que preciso de sexo, sempre há uma mulher disposta a se deitar comigo. Preciso de sexo e faço sempre que posso, mas não consigo dormir com elas. Quando tudo termina, tenho que partir. Ainda me sinto marido de Caroline e não posso dormir com outra mulher que não seja ela.
Elena se sentiu sufocar, suspensa no tempo pelo aperto férreo daqueles dedos em seus braços, pelo hálito quente que lhe tocava as maçãs do rosto e pela face enfurecida perigosamente próxima a sua. Não podia ouvi-lo falar sobre intimidades com outras mulheres. Fitou-o com um olhar furioso, desesperado, mas ele não notou. Klaus a soltou bruscamente e se sentou novamente sobre a cama, enterrando a face entre as mãos, os ombros sacolejando.
Elena ofegou, sentindo dificuldade para levar ar aos pulmões. Seus sentidos rodopiaram, como se fosse desfalecer, mas isso não aconteceu. De alguma maneira, se viu sentando-se ao lado dele, abraçando-o, como tantas vezes desejara fazer.
De imediato, Klaus se virou para ela, envolvendo os braços fortes de ao redor dela, de uma maneira tão forte que ameaçava quebrar suas costelas. Ele aninhou a face na maciez dos seios dela, e deu vazão ao seu pranto, numa torrente de soluços que fazia seu corpo estremecer. Ela o apertou, acariciando-lhe os cabelos, deixando-o chorar. Sentia que precisava confortá-lo. Quisera fazer isso desde que soubera do acidente. Quis fazer isso no enterro, mas não conseguiu. De algum modo, sentia-se satisfeita por poder fazer aquilo por ele. Era um direito que ele tinha, expressar sua dor e ser consolado.
Elena tinha a face molhada, mas não se preocupou com as lágrimas quentes que lhe toldavam a visão. Tudo que importava era Klaus. Embalou-o suavemente, de um lado para outro, sem nada dizer, apenas com sua presença para protegê-lo da amarga solidão que transformara o coração dele em uma terra fria e desolada. Assim como o dela.
